Sunday, September 23, 2007

na calada da noite e nas sombras do dia

Tempos sombrios e ausência do Estado Democrático de Direito e abuso de poder e da força – (na calada da noite e nas sombras do dia) são vestígios de uma época que modela a arquitetura do nosso tempo oligárquico nas ações dos senadores, deputados e presidente do Brasil com seus ministros e assessores que arquitetam a falência dos poderes legais da Republica brasileira, como descrito nas postagens abaixo.

Daner Hornich

Vestígios da ditadura III – Responsabilidade e ditadura

EX-GOVERNADOR:

"ESTUDANTES QUERIAM CORPO MORTO PARA CAUSAR IMPACTO"
O ex-governador Paulo Egydio Martins, 79, avoca para si a responsabilidade pela operação policial que resultou na invasão, mas afirma ter negociado até o último instante com os estudantes, que não teriam concordado em encerrar o ato público. "Eu sabia que os estudantes queriam um corpo morto para criar impacto. O tempo todo evitei o conflito", afirmou ele, que comandou São Paulo, indicado pelo presidente Ernesto Geisel (1908-1996), de março de 1975 a março de 1979. "Até quando eles estavam no teatro minha orientação era para não intervir". Ele diz que o conflito começou nas ruas e que a intenção era conter a "baderna". "Não me arrependo de nada."

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2309200714.htm

Vestígios da ditadura III - DEPOIMENTO

DEPOIMENTO

Eles não levaram na esportiva
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Dia 22 de setembro, há 30 anos. Mais uma vez, estudantes realizavam ato público contra a ditadura. Esse era no campus da PUC de São Paulo e comemorava um encontro clandestino realizado naquela tarde, visando reconstruir a UNE. Na época, isso era um golaço contra o governo dos generais. Eles não levaram na esportiva.
Eram 21h50 quando, dos dois lados da rua da PUC, a tropa de choque chegou. Cavalos, golpes de cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. Gritos e medo. Gente ferida.
Os estudantes tentaram o expediente de outras manifestações: "Ouviram do Ipiranga às margens plácidas..." Até aquele 22 de setembro, era só entoar o primeiro verso do Hino Nacional e a tropa de choque, por encanto, parava de bater. Mão no peito, era uma cantoria fervorosa enquanto se estudavam as rotas possíveis de fuga. Até o indefectível "...Pátria amada, Brasil!" -e a porrada recomeçava.
Mas, naquele dia, o coronel Erasmo Dias nem isso permitiu. Ele não queria dispersar o pessoal. Queria prender todos. Queria enquadrar na LSN. Queria acabar com a rebelião.
A saída foi correr para dentro da universidade. Até aquele dia, a tropa de choque respeitava as igrejas, que eram como um pique na correria das manifestações. Natural, pois, que a PM respeitasse o território de uma universidade católica. Mas não.
A tropa de choque varreu cada palmo do prédio. Arrombando, espancando, desentocando estudantes escondidos em armários, banheiros, debaixo de mesas, trancados em salas.
Lá pelas 22h30, 854 estudantes estavam quietinhos, sentados em um estacionamento que existia na frente da PUC. Cercavam-nos os homens do choque. Erasmo Dias falava aos rendidos com um megafone. Policiais formaram um corredor polonês, pelo qual os presos foram obrigados a passar, antes de entrar em ônibus transformados em camburões coletivos. Destino: Batalhão Tobias de Aguiar, hoje sede da Rota.
Homens e mulheres ficaram em quadras separadas. Questionário, fichamento, interrogatório, fotografia, revista. "Seu pai sabe que você participa do movimento estudantil?" era uma das perguntas. Na quadra das mulheres, um cantinho foi usado para descarte de material clandestino. Formava-se uma rodinha, uma pessoa no meio. Quando o grupo se dispersava, lá ficava um livro de Trótski, outro de Lênin, um panfleto de organização clandestina, gibi do Henfil, encarte do disco do Chico Buarque.
Por volta da meia-noite, policiais de óculos ray-ban começaram a servir aos presos toddy batido e sanduichinhos de presunto e queijo. Ninguém dormiu. Parentes aflitos concentravam-se na porta do quartel em busca de notícias. De manhã, começaram a soltar os presos. Cada um que saía, recebia um abraço apertado e muitas palmas. Meu pai estava lá.


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2309200713.htm

Vestígios da ditadura II – Responsabilidade e ditadura

Saiu na Folha de São Paulo.

São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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entrevista

"Não faria nada diferente", diz Erasmo Dias
DA REPORTAGEM LOCAL
O coronel reformado Erasmo Dias, 83, diz que, se fosse preciso voltar no tempo, "não faria nada diferente":
FOLHA - Por que o senhor invadiu a PUC?
ERASMO DIAS - "Eles [os estudantes] queriam transformar a reorganização da UNE em notícia. Tinham tentado 11 vezes em São Paulo e eu, modéstia à parte, tive êxito de abortar a ação. Conseguiram na PUC. Estavam na ilegalidade e atos públicos eram proibidos. Era subversão dentro de um templo da igreja. Pedi à reitoria que interrompesse o ato. Não me obedeceram, e eu disse: vou invadir essa PUC aí.
FOLHA - O senhor foi acusado de excesso de violência.
DIAS - Só usamos gás lacrimogêneo para fazer chorar e água fria pra esfriar a cabeça: são coisas ótimas para quem está de cabeça inchada.
FOLHA - Mas algumas moças ficaram queimadas.
DIAS - Pelo menos 80% dos estudantes eram mulheres. Se havia mais homens que isso, estavam fantasiados. Mulher não sabe correr de bomba e usa calça e sutiã de lycra, que são altamente inflamáveis. Além disso os corredores da PUC são muito estreitos. Esses parâmetros tornaram a coisa quase incontrolável. Fui investigado e absolvido. O episódio terminou sem outras conseqüências.
FOLHA - Tem alguma mágoa?
DIAS - No ano seguinte, minha filha foi aprovada no vestibular de direito da PUC. Na matrícula ela foi humilhada por estudantes que descobriram de quem se tratava. Hoje, graças a Deus, é advogada formada pelo Mackenzie.
FOLHA - O senhor, se voltasse no tempo, faria diferente?
DIAS - Não faria nada diferente. Provei que o ato era um foco subversivo. Fiz a mesma coisa com bandidos.

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2309200712.htm

Vestígios da ditadura

Saiu na Folha de São Paulo

Invasão da PUC marcou a redemocratização


São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Invasão da PUC marcou a redemocratização
Há 30 anos, investida da Polícia Militar foi a última grande operação do regime militar contra o movimento estudantil

Cerca de 2.000 estudantes participavam de um ato público, quando começou a operação comandada pelo então secretário Erasmo Dias
Arquivo PUC
Estudantes realizam ato em frente ao Tuca (centro)


JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DA REPORTAGEM LOCAL

Transcorridos 30 anos da invasão da PUC de São Paulo pela polícia, pesquisadores e personagens presentes na universidade na noite de 22 de setembro de 1977 consideram o confronto dos estudantes com as forças do regime militar (1964-1985) um marco no processo de redemocratização do país.
A direção da Pontifícia Universidade Católica endossa a posição. Na semana passada, organizou exposições e debates para marcar a data. O próprio comandante da operação policial, o coronel reformado do Exército Erasmo Dias, diz que a invasão se converteu em bandeira do movimento estudantil e da sociedade contra o regime.
"Eles [os estudantes] queriam transformar a reorganização da UNE [União Nacional dos Estudantes] em notícia. Conseguiram na PUC", diz.
A investida da PM foi a última grande operação da ditadura militar contra o movimento estudantil -que tinha sido praticamente desmantelado em 1968, com a prisão de seus principais dirigentes no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna (SP).
Em 1974, o governo liquida os últimos focos de luta armada e o presidente Ernesto Geisel inicia a distensão. Desaparecem os grupos de esquerda que condenavam a opção por uma oposição institucional ao regime. Entidades da sociedade civil criticam a ditadura, e surgem movimentos em defesa da anistia e contra a carestia.
A mobilização da sociedade civil ganha corpo com a reorganização do movimento estudantil, com a criação do DCE Livre da USP em 1976 e a reconstituição da UEE em 1977.
Em 30 de março daquele ano, 5.000 estudantes da USP fazem uma marcha até o Largo de Pinheiros. Em maio, 10 mil caminham do Largo São Francisco até o Viaduto do Chá. Com o avanço das manifestações, o governo decide intervir: invade a Faculdade de Direito da USP em junho e, em seguida, a PUC.

A invasão
Por volta das 21h50 daquele dia, cerca de 2.000 estudantes participavam de um ato público em frente ao Tuca, o teatro da universidade, quando foram interrompidos por 3.000 policiais, militares e civis, apoiados por carros blindados.
A tropa lançou bombas e investiu com violência contra os estudantes, que tentaram se refugiar dentro da universidade. Os policiais arrombaram as portas das salas, prendendo e espancando professores, funcionários e alunos. Seis estudantes sofreram queimaduras.
"Há 30 anos testemunhei os atos de selvageria da invasão, com agressões físicas, gritarias de "abaixo os comunistas", xingamentos, prisões e bombas de gás. Apresentei-me como diretor da Faculdade de Ciências Sociais e recebi tapa na cara, chutes. Minha faculdade foi invadida, arquivos jogados para o ar, pichação das paredes com a sigla CCC [comando de caça aos comunistas]. Fui também preso e depois liberado", relata o professor Paulo Resende, 74.
"As cicatrizes não deixam a gente se esquecer. Eu só lembro que caí descendo uma rampa. Imediatamente, o joelho esquerdo queimou, como se eu tivesse sobre o fogo. Acho que era uma bomba. No hospital, vi que tinha queimado até chegar no osso", conta Iria Visoná, 53, à época estudante da USP.
Nos anos 90, ela e outras estudantes que sofreram queimaduras foram indenizadas após uma longa batalha jurídica.
A ação policial resultou na detenção de 854 pessoas, levadas ao Batalhão Tobias de Aguiar, das quais 92 foram fichadas no Deops (Departamento de Ordem Política e Social) e 42 acabaram sendo processadas com base na Lei de Segurança Nacional, acusadas de subversão. "Era um ato para comemorar o Encontro Nacional do Estudantes, que havíamos conseguido realizar naquele mesmo dia na PUC", lembra o professor Valdir Mengardo, 57.
Espécie de guardião da memória da invasão, o professor do departamento de teologia Jorge Claudio Ribeiro, autor do filme "Não Se Cala a Consciência de um Povo" sobre o episódio, aponta a importância que ele ganharia na luta pela redemocratização do país: "Naquele momento, a PUC estava na dianteira da luta pelo fim da ditadura, com dom Paulo Evaristo Arns [cardeal-arcebispo de São Paulo] participando ativamente dos movimentos pelos direitos humanos. Foi um ato que chocou a sociedade", diz.
A violência da operação inibiu outras do mesmo gênero -tanto assim que, em maio de 1979, dez mil estudantes participaram em Salvador do Congresso de Reconstrução da UNE, sem represália da PM. O então governador Antonio Carlos Magalhães, da Arena, cedeu o Centro de Convenções para realizar o evento.
________________________________________Colaborou a Redação
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2309200711.htm

Thursday, September 13, 2007

Camadas de falsidade

Os senadores de forma descarada e vergonhosa venderam os seus corpos e almas às “camadas de falsidade” da oligarquia brasileira, destruindo o pouco que resta da nossa república – o que dizer da nossa distorcida democracia.

Daner Hornich

Senado seu nome é uma mentira

Senado seu nome é uma mentira , como argumenta Hannah Arendt “O mentiroso que consegue enganar com quantas falsidades comuns quiser, verá que é impossível enganar com mentiras de princípios” (Crise da República, 1999, 16)

Daner Hornich

BRASIL + IMPUNIDADE = SENADO BRASILEIRO

O Senado brasileiro é um conto de fadas – um dos piores contos - o mundo perverso de Alice no país das maravilhas e das impunidades que se manifesta no poder do mando da oligarquia brasileira que vive da exploração, dos conchavos e da mentira.

Daner Hornich

Tuesday, September 11, 2007

Merendeiras dizem receber prêmio para racionar comida em escolas

Saiu na folha de São Paulo:


Merendeiras dizem receber prêmio para racionar comida em escolas
Cozinheiras afirmavam ganhar R$ 40 de empresa para misturar água em molho servido a alunos
Práticas foram relatadas por nove cozinheiras de três escolas públicas paulistanas em vistorias do Conselho de Alimentação Escolar
ALENCAR IZIDORO
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
A maçã é entregue aos alunos pela metade. Para a refeição render, pedaços de frango são esmiuçados e misturados a legumes que não estavam previstos no cardápio. No molho de tomate joga-se bastante água -ajuda a gastar menos.
As práticas foram relatadas em agosto por nove cozinheiras de três escolas municipais da zona leste de São Paulo durante vistorias promovidas por um dos órgãos oficiais de fiscalização da merenda -o CAE (Conselho de Alimentação Escolar).
O órgão, formado por pais, professores e funcionários públicos, é responsável pelo controle das verbas da merenda e prepara relatórios ao governo federal sobre os problemas -que podem levar à suspensão de repasses da União.
As merendeiras das Emeis Vital Brasil e São Francisco e do CEI Jardim Colorado disseram ao conselho ter como "prêmio de economia" um bônus mensal de R$ 40 pago pela empresa terceirizada, a Nutriplus, contratada pela Prefeitura de São Paulo para realizar os serviços em 158 unidades escolares.
"Meu filho costuma chegar em casa morrendo de fome. O lanche que eles dão é muito pouco, deve estar faltando", conta a mãe de um aluno de quatro anos da Emei Vital Brasil ouvida pela Folha na última terça -seu nome é preservado para não expor a criança.
A Nutriplus confirma a existência de um prêmio às merendeiras, mas afirma ser somente um incentivo "à qualidade do serviço como um todo", e não à economia de alimentos.
A Prefeitura de São Paulo afirma que a investigação ainda não acabou, mas que vistorias realizadas nas escolas após a formalização das acusações não constataram os problemas.
A empresa afirmou à Folha que a entrega de só metade da maçã visava facilitar a mastigação das crianças (que podiam repetir a porção) e era pedida pelas unidades. Ela é remunerada pela fruta inteira.
"Você acha que a maioria das crianças vai brincar e volta para pegar a segunda metade da maçã? Não é mais fácil, então, a prefeitura pagar por meia maçã?", questiona José Ghiotto Neto, presidente e representante dos professores no CAE.
A Nutriplus disse que mudou seus procedimentos e que, a partir do dia 5, os alunos passaram a receber as duas metades da maçã de uma só vez.
"As cozinheiras disseram que dava para economizar, em alguns casos, mais de 50%", diz José Pereira da Conceição Júnior, terapeuta e membro do CAE como representante dos pais. Apesar das deficiências, ele se diz a favor da terceirização. "O modelo é bom. O problema é a forma como os serviços estão sendo prestados."

Modelo em expansão
A terceirização da merenda -iniciada na gestão Marta Suplicy (PT) e ampliada em julho, na de Gilberto Kassab (DEM)- atinge 849 unidades (59% da rede municipal). O índice antes era de 33%. Seis empresas fazem os serviços atualmente.
Pelo modelo, as empresas ficam responsáveis não só pela compra dos produtos mas pelo preparo nas escolas e distribuição da merenda aos alunos.
Trata-se, nas palavras do secretário municipal de Gestão, Januário Montone, de retirar das diretoras a função de comandante de uma cozinha industrial para que se dediquem ao trabalho de pedagogas.
Em 2006, a merenda de toda a rede custava R$ 14 milhões por mês. Hoje, apenas com as terceirizadas, são R$ 18 milhões por mês (sem somar a comida de 41% das unidades, preparada por agentes escolares).
A gestão Kassab diz que a comparação dos custos não é válida, pois não contabiliza todas as despesas da prefeitura no modelo tradicional com a mão-de-obra e a compra de novos utensílios de cozinha por parte das terceirizadas.
Das seis empresas que atuam em São Paulo, ao menos quatro -Nutriplus, SP Alimentação, Geraldo J. Coan e Sistal- são ou foram alvo de investigações em vários pontos do país por órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público da União e dos Estados.
Foram constatados superfaturamento, suspeitas de corrupção, baixa qualidade do alimento e uso irregular de servidores públicos. As empresas negam as acusações.

Suspeita renovada
Na zona sul de São Paulo, a direção da Emei Cora Coralina questionou a pequena quantidade da comida dada às crianças pela empresa Sistal.
Reclamou, por exemplo, da inclusão de apenas metade da salsicha na refeição.
Além disso, agentes escolares eram deslocados para preparar e distribuir a merenda porque a terceirizada não dispunha de pessoal suficiente, apesar de receber pela mão-de-obra.
Procurada pela Folha, a empresa não se manifestou sobre as reclamações.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1109200724.htm (11/09/2007)
Comentário: A corrupção em seus diversos níveis revela situações repugnantes no nosso país.
Daner Hornich

Saturday, September 01, 2007

A filosofia como investigação

A filosofia como investigação

Por Waldomiro José da Silva Filho

Todos sabem que o cético duvida de tudo. E todos sabem que duvidar de tudo não tem sentido: as idéias céticas podem ser sedutoras, mas dizer que não sabemos nada, que não temos certeza de nada é algo exagerado, absurdo e auto-refutável. O ceticismo, usualmente, é tido como algo negativo, enquanto, na filosofia, freqüentemente é descrito como uma posição que deve ser desafiada, enfrentada e vencida.

Essa atitude negativa que se atribui ao filósofo cético, porém, não é mais que um aspecto incidental e parcial do ceticismo. Na verdade, tal dúvida universal é inventada por filósofos modernos. Por isso, muitos autores que lidam com a questão cética são responsáveis pela difusão de uma imagem do ceticismo que não faz plena justiça à tradição intelectual que lhe deu origem. Oswaldo Porchat, um dos mais importantes filósofos brasileiros, já disse que a filosofia moderna e contemporânea costuma recorrer a "caricatas figurações" da filosofia cética: "cada filósofo fabrica seu inimigo cético particular e atribui-lhe esdrúxulas doutrinas ad hoc forjadas de modo que melhor sejam refutadas".

Quando nos defrontamos diretamente com os escritos e as idéias dos céticos, em especial dos céticos gregos antigos que sobreviveram ao tempo, encontramos uma imagem surpreendentemente rica e interessante do ceticismo, bem como uma maneira peculiar de questionar as doutrinas filosóficas. Há, assim, uma diferença crucial entre o cético moderno e o cético antigo. O primeiro lança uma dúvida radical sobre todos os domínios do conhecimento. Lembremo-nos, por exemplo, dos cenários onde são traçados os argumentos do sonho e do gênio maligno nas Meditações de Descartes: tenho o pensamento de que estou aqui, neste momento, sentado nesta cadeira, segurando uma folha de papel, mas posso estar sonhando ou sendo enganado por um deus poderoso. Por essa razão, uma questão central da epistemologia moderna é a seguinte: já que um pensamento que eu tomo como verdadeiro pode ser falso ou ilusório, o que deve ocorrer a um pensamento para lhe conferir a qualidade de conhecimento? O cético antigo, por sua vez, não supõe que todas as nossas crenças são ou podem ser simultaneamente falsas. A postura dubitativa do cético é ainda mais radical, pois a sua questão cética central não seria "é possível conhecer?" ou "como conhecemos?", mas a pergunta mais fundamental: "temos alguma razão para acreditar?"

Pirro - que, como Sócrates, nada escreveu - é reconhecidamente o precursor de uma atitude intelectual que tempos depois da sua morte fora chamada de sképsis: o termo significa, ao pé da letra, "observação", "investigação", "exame". Aqueles que se filiavam às idéias de Pirro se designaram como skeptikoí, "aqueles que examinam", "os que investigam". Enquanto os outros filósofos (os dogmáticos) pensam ter descoberto a verdade ou sabem que a verdade não existe, o cético persiste na investigação da verdade. Diferente das "caricatas figurações", este leva às últimas conseqüências o ideal da filosofia como uma investigação racional por meio de uma argumentação rigorosa e imparcial. Aplicando vários procedimentos chamados tropos ou modos, argumenta que nenhuma das nossas crenças está plenamente justificada, imune à crítica e numa posição melhor que as posições contrárias.

Quando critica as filosofias que chama de dogmáticas, não o faz por soberba. Sexto Empírico, nas Hipotiposes pirrônicas, nossa principal fonte para o ceticismo antigo, diz o seguinte: "O cético, por amar a humanidade, quer curar pelo discurso, na medida de suas forças, a presunção e a precipitação dos dogmáticos". Além disso, o cético não pode evitar a estranheza diante da absoluta falta de acordo entre os filósofos: há um conflito insuperável dos dogmatismos, uma perpétua diaphonía, já que os filósofos não se põem de acordo sobre nada, nem mesmo sobre o objeto, a natureza ou o método da filosofia. O cético, assim, não afirma, a respeito de qualquer doutrina filosófica, que esta é verdadeira ou falsa, nem que um conceito está mais próximo ou mais distante da realidade. Ele apenas perscruta as filosofias, examina cautelosamente cada um dos seus argumentos e mostra suas falhas, incoerências e contradições.

Posto que não imaginar uma posição humana que garanta como as coisas realmente são, ele só pode conceber como parecem ou como são percebidas num lugar, num tempo e em certas circunstâncias. Para o cético, um "fenômeno" ou "aparência" é qualquer coisa que se imponha à sua sensibilidade e ao seu intelecto - e isso diz respeito tanto à experiência sensória e aos objetos físicos, como a questões científicas, éticas ou políticas. O cético não diria que "O mel é doce" ou "Não se deve roubar", mas "parece-me que o mel é doce", "parece-me que não se deve roubar". Dada a condição humana, não está em questão o acordo ou desacordo de nossas representações com o mundo, pois não seria possível saltar do círculo do que nos parece para o círculo do que é em si. Em vista disso, o pirrônico é levado a suspender o juízo sobre a realidade. No fundo, não temos razões mais fortes para acreditar numa doutrina sobre a natureza das coisas que para não acreditar nessa doutrina. Ao não dar seu assentimento a uma doutrina qualquer, nem à doutrina que lhe é contrária, o cético suspende seu juízo. O estado mental que a suspensão do juízo pode levar é a ataraxia, a tranqüilidade, quando então o cético não mais se preocuparia com questões que estejam além do fenômeno e do que lhe aparece.

A filosofia pirrônica é uma filosofia com inegável dimensão prática, que deve ser vivida, não constituindo um simples exercício acadêmico. Suspendendo o juízo sobre todo conhecimento do absoluto, procura o que é útil e benéfico para os homens. Ele substitui a metafísica pelo saber da experiência: "Não temos mais uma realidade a conhecer - demos, na prática, nosso adeus a esse mito -, o que temos é um mundo experienciado com o qual precisamos lidar: diante dele e de seus desafios, não temos como permanecer inativos."

O traço característico da filosofia praticada pelo cético não é postular um conjunto preciso de teses (sejam positivas ou negativas), mas o cultivo de uma atitude crítica diante da pretensão dogmática de ter descoberto a verdade - o que torna o ceticismo "uma forma atual de filosofar" . O cético estuda filosofia com o intuito de descobrir a verdade sobre as coisas; ele é levado a filosofar, porque percebe uma série de problemas teóricos que se revelam nas contradições entre os discursos que pretendem descrever a natureza das coisas. Mas o ceticismo é algo como um purgante que elimina tudo, inclusive a si mesmo. Por isso, o cético pratica a-dogmaticamente (adoxástos) a observância não-filosófica da vida comum, seguindo suas inclinações naturais e o que lhe aparece. O cético faz-se um estudioso da filosofia dogmática para, logo depois, como aquela famosa imagem da escada, lançá-la fora e viver sem dogmatismos.

Waldomiro José da Silva Filho é professor do Departamento de Filosofia da UFBA

NOTAS
1 A tradição cética se inicia com Pirro de Elis (que viveu no século 4 antes de Cristo e integrou a famosa expedição de Alexandre, o grande, à Índia), passando principalmente por filósofos como Timão, Carnéades, Arcésilas, Enesidemo até chegar a Sexto Empírico que supõe-se ter vivido no século 2 da era cristã.
2 Cf. J. Annas e J. Barnes, The modes of scepticism: Ancient texts and modern interpretations (Cambridge: Cambridge University Press, 1985).
3 O. Porchat, "A Autocrítica da Razão no Mundo Antigo", in: W. Silva Filho (org.), O ceticismo e a possibilidade da filosofia (Ijuí: Editora Unijuí, 2005), p. 42.
4 P. Smith, Ceticismo (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004).


Fonte: Revista CULT

http://revistacult.uol.com.br/website/news.asp?edtCode=F79BF2A2-D1FA-4B15-B3C2-56C2BC359F89&nwsCode=BD45DC08-090F-48AF-882B-F4399CFCC79A

COMENTÁRIO: uma pitada de ceticismo é salutar para as nossas reflexões.

Daner Hornich

Militares, ciências, Educação Popular.

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