Friday, May 28, 2010

Reportagem: O impacto da biologia sintética

Ciência no Mundo: O impacto da biologia sintética

O impacto da biologia sintética
Divulgação do primeiro genoma criado em laboratório é alvo de debates entre cientistas
Edição Online - 21/05/2010
© M. ELLISMAN/NCMIR, UNIVERSITY OF CALIFORNIA, SAN DIEGO
Imagem de microscopia eletrônica que mostra a bactéria com genoma sintético se replicando

Uma verdadeira revolução científica ou grande feito tecnológico? Essa era a grande questão um dia após uma equipe do J. Craig Venter Institute, dos Estados Unidos, ter anunciado a criação do primeiro genoma totalmente sintético, composto de um milhão de unidades químicas (as bases A,T, C e G). Criado em laboratório a partir de uma sequência química fornecida por um computador, o genoma foi transferido para a célula de uma bactéria (Mycoplasma mycoides), onde assumiu o lugar do DNA original do micróbio e passou a controlar toda a produção de proteínas e o processo de replicação do microrganismo. O trabalho, que foi publicado online ontem no site da revista cientítica Science e obteve enorme repercussão nos meios de comunicação de todo o mundo, consumiu mais de uma década de pesquisa, recebeu investimentos da ordem de U$ 40 milhões e envolveu 20 cientistas.

Para o pai do genoma sintético, o ousado e polêmico cientista Craig Venter, o trabalho é um marco na biologia e vai abrir caminho para o desenho de micróbios úteis aos homem, capazes de, por exemplo, produzir vacinas e biocombustíveis. "Trata-se de um avanço tanto filosófico como técnico", disse Venter, que, anos atrás, já havia se tornado famoso ao liderar um projeto privado de sequenciamento do genoma humano. Na entrevista que deu para divulgar o trabalho, ele disse que a célula sintética da bactéria é "a primeira espécie que se autorreplica do planeta cujo pai é um computador". O genoma criado em laboratório é quase igual ao DNA original da própria bactéria: tem aproximadamente 400 genes, 100 a menos do que tem naturalmente a Mycoplasma mycoides. Genes que não eram considerados esseciais para o micróbio foram descatados pelos cientistas em seu trabalho de montar um genoma sintético.

Pesquisadores não ligados à pesquisa desenvolvida por Venter se dividiram em relação à importância do DNA sintético que comanda a vida de uma bactéria. Alguns teceram loas ao feito. Outros tentaram relativizá-lo. Esse foi o caso do Prêmio Nobel de Medicina de 1975, o americano David Baltimore, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). "Para mim, Craig exagerou um pouco a importância do trabalho", dissa Baltimore ao jornal The New York Times. Ele acredita que a criação do genoma sintético foi mais "tour de force técnico", uma questão de escala, do que uma descoberta científica revolucionária. "Ele não criou vida, apenas a imitou". De qualquer forma, é inegável que o trabalho de Venter sinaliza um aumento da capacidade de o homem manipular o DNA de organismos. Por tratar de um tema polêmico, capaz de criar novos dilemas morais, o artigo científico de Venter na Science levou ontem mesmo o presidente norte-americano Barack Obama a encomendar um estudo à comissão de bioética da Casa Branca, que terá seis meses para produzir um relatório sobre as implicações éticas da biologia sintética.
Acesso: http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=6464&bd=2&pg=1&lg= aceso 28/05/2010.

Entrevista: MARY DEL PRIORE

Entrevista MARY DEL PRIORE:


História do amor no Brasil
Mary Del Priore discute a história do amor
Publicado em 10 de maio de 2010
TAGS: dossiê, Entrevista

Mary Del Priore: a miscigenação brasileira influiu na maneira de dizer o amor

Mary del Priore é uma conhecida historiadora brasileira, ex-professora da USP e da PUC-RJ, e tem se dedicado à história do amor. De suas pesquisas resultou o trabalho História do amor no Brasil, publicado pela editora Contexto. Também escreveu uma História das crianças no Brasil e uma História das mulheres no Brasil (ambos, pela Contexto), tendo recebido, por essa última obra, o Prêmio Jabuti. Apresentando uma reflexão rica e fartamente documentada, Del Priore toma a sério a reflexão sobre o imperativo do amor, que, “como outros imperativos – comer, por exemplo –, está inscrito em nossa natureza mais profunda”. A obra percorre o Brasil Colônia, o século XIX e o século XX, mostrando como a concepção romântica de amor – idealizadora do encontro entre duas pessoas – é inteiramente recente, apesar de uma ênfase erótica explícita já em formas literárias medievais, renascentistas e modernas. Como conclusão, Mary del Priore assume posições muito instigantes, em defesa, por exemplo, de uma concepção tradicional de amor, diagnosticando a angústia da juventude diante da liberdade sexual e denunciando uma ditadura moderna do gozo. Gentilmente, ela concedeu uma entrevista à CULT, cujas respostas mais significativas para o dossiê deste mês apresentamos aqui.
CULT: Apesar do caráter recente da visão romântica do amor, a senhora aponta para a exploração do erotismo na literatura francesa do século XVI. Mas Portugal, desse ponto de vista, teria vivido um atraso, associando, ainda, prazer e pecado. Em que consistiu esse atraso?

MARY DEL PRIORE: Teorias que consideravam o desejo sexual uma doença estão presentes em vários textos médicos portugueses desde o começo do século XVI. Havia quem dissesse, como o escritor João de Barros, em 1540, que o sentimento apaixonado “abreviava a vida do homem”, minguando ou secando os mebros do enamorado. Que doenças decorriam da paixão: ciática, dores de cabeça, problemas de estômago ou dos olhos. A relação sexual, por sua vez, emburrecia, além de abreviar a vida. Ele concluía: só os “castos vivem muito”. Os portugueses também estiveram cara a cara com uma ars erotica que usava e abusava de afrodisíacos. Dela, contudo, só levaram para Portugal a possibilidade de ver em tudo pecado ou doença! O contato imediato dos lusos com as Índias Orientais colocou-os em contato com perfumes vindos tanto da China quanto do subcontinente asiático, e com afrodisíacos largamente utilizados naquela parte do mundo: a cannabis sativa, bangue, maconha ou ópio. Esse era usado como excitante sexual capaz de duas funções: agilizar a “virtude imaginativa” e retardar a “virtude expulsiva”, ou seja, controlar o orgasmo e a ejaculação. No século XVIII, a idéia de que o amor é uma doença não faz os afrodisíacos desapar dos manuais de remédios, mas se recomendam, cada vez mais, os anafrodisíacos. Definindo-os como “aqueles remédios que ou moderam os ardores venéreos ou mesmo os extinguem”. É o caso do agnus castus, ou agnocasto, a mais eficaz das plantas antieróticas. Existiam várias outras substâncias com a mesma reputação de esfriar ou anular o desejo sexual, como a cânfora, por exemplo.

CULT: O Brasil seria um herdeiro do atraso português?

MARY DEL PRIORE: O Brasil herdou costumes que vieram da Europa, de Portugal, da Igreja e de outras instituições. Mas não foi uma simples transferência. Houve adaptações. A miscigenação proporcionou, por exemplo, um repertório linguistico que influiu na maneira de dizer o amor. Uma viajante francesa, Adéle Toussaint-Samson, no século XIX, sintetizou: “A língua brasileira, com todos os seus diminutivos em -zinha, -zinhos, tem uma graça toda crioula, e jamais a ouço sem descobrir um grande encanto; é o português com sua entonação nasal modificada. Todas as suas denguices lhe caem bem e dão à língua brasileira um não-sei-quê que seduz mais ao ouvido do que a língua de Camões”. Outro exemplo vemos no Romantismo, momento de eclosão da poesia afro-brasileira. Nela, homens como Laurindo José da Silva Rabelo faziam versos os mais apaixonados. Em Suspiros e saudades, ele canta a interpretação romântica de sua dor, mas uma dor mestiça, feita de saudades à moda portuguesa. Já em Cruz e Souza, a busca subjetiva da cor branca é o tema de toda a obra poética. Quando o poeta ama, o objeto desse amor é a “mulher, ‘da cor nupcial da flor de laranjeira’, e loura, ‘com doces tons de ouro’”. Para Tobias Barreto, o amor era um sentimento unificador: andava por onde quisesse não se detendo nas barreiras do preconceito de cor.

CULT: Seria possível resumir em etapas mais ou menos homogêneas a cronologia do amor no Brasil? Como?

MARY DEL PRIORE: Não há etapas homogêneas em história, mas momentos de mudanças e permanências coexistentes. Por exemplo, o século XIX introduziu a ideia do amor romântico. As pessoas começam a ler romances onde heróis e heroínas buscam um casamento por amor e um final feliz para suas histórias. Isso era novo. Ao mesmo tempo, nas elites, o casamento arranjado com parentes ou amigos era uma constante. Isso era arcaico. As fórmulas coexistiam. Daí começarem os raptos de noivas que se recusavam a casar com candidatos impostos pela família, preferindo fugir com os escolhidos do coração. É como se tivéssemos passado de um período em que o amor fosse uma representação ideal e inatingível (a Idade Média), para outra em que vai se tentar, timidamente, associar espírito e matéria (o Renascimento). Depois, para outro, em que a Igreja e a Medicina tudo fazem para separar paixão e amizade, alocando uma fora, outra dentro do casamento (a Idade Moderna). Desse período, passamos ao Romantismo do século XIX, que associa amor e morte, terminando com as revoluções contemporâneas, momento no qual o sexo tornou-se uma questão de higiene, e o amor parece ter voltado à condição de ideal nunca encontrado.

CULT: Na abertura de seu livro, a senhora subscreve as palavras de Luís Felipe Ribeiro: no passado, as pessoas “não davam”, mas se davam; hoje, elas “dão”, mas não se dão. Na conclusão, a senhora afirma que a liberdade amorosa – típica de nosso tempo – tem contrapartidas: a responsabilidade e a solidão. E termina apontando para um lado positivo da tradição, pois esta, defendendo a família e a procriação, seria uma fonte de profunda emoção. Gostaríamos de ouvi-la um pouco mais sobre a vivência do amor no mundo contemporâneo.

MARY DEL PRIORE: Considerando as transformações pelas quais passou a sociedade brasileira, poderíamos avançar o seguinte: aquilo a que se assistiu, ao longo dos tempos, foi uma longa evolução que levou da proibição do prazer ao direito ao prazer. Fomos dos manuais de confessor, que tudo interditavam, aos casamentos arranjados, policiados, acompanhados passo a passo por familiares zelosos. E desses ao impacto das revoluções, que, ao final dos anos 60, exportaram mundo afora lemas do tipo “Ereção, insurreição” ou “Amai-vos uns sobre os outros”, sem contar o movimento hippie, com o lema “Paz e Amor”. Desde então, o amor e o prazer se tornaram obrigatórios. O interdito se inverteu. Impôs-se a ditadura do orgasmo forçado. O erotismo entrou no território da proeza e o prazer tão longamente reprimido tornou-se prioridade absoluta, quase que esmagando o casamento e o sentimento. Passou-se do afrodisíaco à base de plantas para o sexo com receita médica, graças ao Viagra. Passou-se da dominação patriarcal à liberação da mulher.

Entre nós, durante mais de quinhentos anos, os casamentos não se faziam de acordo com a atração sexual recíproca. Eles mais se realizavam por interesses econômicos ou familiares. Entre os mais pobres, o matrimônio ou a ligação consensual era uma forma de organizar o trabalho agrário. Não há dúvidas de que o trabalho incessante e árduo não deixasse muito espaço para a paixão sexual. Sabe-se que entre casais, as formas de afeição física tradicional – beijos e carícias – eram raridade. Para os homens, contudo, as chances de manter ligações extra-conjugais, eram muitas. O resultado dessa longa caminhada? Especialistas afirmam que hoje queremos tudo ao mesmo tempo: o amor, a segurança, a fidelidade absoluta, a monogamia e as vertigens da liberdade. Fundado exclusivamente no sentimento que sobrou do amor romântico, o sentimento mais frágil que existe, o casal está condenado à brevidade, à crise. Mais. A liberdade sexual é um fardo para os mais jovens. Muitos deles têm nostalgia da velha linguagem do amor, feita de prudência, sabedoria e melancolia, tal como viveram seus avós. Hoje, a loucura é desejar um amor permanente, com toda a intensidade, sem nuvens ou tempestades. Numa sociedade de consumo, o amor está supervalorizado.

O sexo tornou-se uma nova teologia. Só se fala nisso e se fala mal, com vulgaridade. Sabemos, depois de tudo, que o amor não é ideal, que ele traz consigo a dependência, a rejeição, a servidão, o sacrifício e a transfiguração. Resumindo: existe um grande contraste entre o discurso sobre o amor e a realidade de vida dos amantes. O resultado? Escreve-se cada vez mais sobre a banalização da sexualidade e o desencantamento dos corações, enquanto o amor segue uma coisa sutil e importante que continua a fazer sonhar, e muito, muitos homens e mulheres.

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/05/historia-do-amor-no-brasil/ Acesso em 28/05/2010

Entrevista: Chico de Oliveira

Entrevista de Chico de Oliveira na Revista CULT:


Chico de Oliveira
A crítica social como instrumento de diálogo público
Publicado em 08 de maio de 2010
TAGS: Entrevista, Sociologia

Por Ruy Braga e Wilker Sousa
Fotos: Marcelo Naddeo

“A cada instante em que se consolidou uma explicação sobre o Brasil – histórica, sociológica ou econômica –, nós sempre pudemos contar o trabalho de Chico de Oliveira para a desmontagem, explicação e uma outra compreensão.” A frase de Marilena Chaui parece tocar no ponto central da postura empreendida por Francisco de Oliveira ao longo das últimas décadas. Sociólogo que participou ativamente de momentos decisivos da história recente do país – como a criação do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) –, o pernambucano Chico de Oliveira reafirma a tradição de intelectuais públicos no Brasil.

Imbuído da crítica incisiva, busca estreitar o diálogo com a sociedade brasileira, ao oferecer respostas às questões candentes da contemporaneidade. Dos estudos sobre as periferias, resultou a dialética de atraso e progresso, por meio da qual desmonta análises mais simplificadas da teoria marxista aplicadas à realidade brasileira. De fundador a dissidente do PT, é crítico contumaz da gestão Lula, alegando ser este um governo que simboliza o retrocesso da política nacional.

Chico recebeu a CULT no Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP, instituição na qual detém o título de professor emérito. A importância dos intelectuais públicos na formação do Brasil, o processo de criação do PT e as razões que o levaram a romper com o partido estão entre os temas desta entrevista, na qual o sociólogo desvela seu pensamento contundente, uma vez que, para ele, “a tarefa da crítica é não absolver ninguém”.

CULT – Como você analisa o papel da crítica social no Brasil?
Chico de Oliveira – Eu diria que somos um pouco franceses. Na França, os intelectuais tiveram um papel relevante na formação da sociedade e até mesmo da nacionalidade. Embora tenhamos o costume de diminuir nossa reflexão sobre o Brasil, eu acho que, sob esse ponto de vista, somos mais franceses do que qualquer outra coisa.

Eu acredito que o Brasil se moldou um pouco dessa forma. Em vários períodos, os intelectuais corresponderam a esse papel e o desempenharam bem. Seria fácil citar nomes. Há intelectuais dos dois lados. Mesmo os autoritários clássicos do começo do século 20 tiveram um papel importantíssimo na política, de moldar a identidade brasileira. De modo que eu procuro me inscrever nessa tradição. Tenho um papel nessa sociedade e procuro cumpri-lo.

CULT – Poderíamos chamar essa tradição de “intelectuais públicos”?
Chico – Acho que sim, pois esses intelectuais dialogam com o público. Eles têm um papel pedagógico na discussão pública. Pedagógico não no sentido de que vão mandar o povo para a escola, mas sim um papel de balizar qual é o cenário do debate. Isso foi muito importante no Brasil e, na chamada geração moderna, é marcante. Todos os grandes intelectuais foram sociólogos públicos de extremada relevância. Gilberto Freyre, por exemplo, que é o conservador dessa grande plêiade, foi deputado constituinte e fundou dois partidos. Ele ajudou a fundar a esquerda democrática e a UDN, que acabou por ser o partido da direita no Brasil. Sua sociologia não era aquela do recato da casa-grande, mas uma sociologia que dialogava com o público.

CULT – Sem contar Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes…
Chico – Sim, estou falando apenas do Gilberto porque é o mais suspeito deles, pois era o mais conservador, nostálgico. Caio Prado foi deputado do Partido Comunista, dava cursos para operários; Sérgio Buarque assinou a carta de fundação do PT; Florestan foi deputado federal e constituinte pelo PT, além de ter um papel na discussão da campanha pela escola pública.

Essa é uma tradição que as gerações mais recentes reafirmaram, até mesmo no extremo. Se pensarmos em Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, mesmo que se discorde de suas ideias, ele chegou à presidência da República via seu trabalho intelectual no meio político. Então, é nessa tradição que eu me inscrevo, embora com o coração mais à esquerda.

CULT – Você poderia falar de seu papel público na formação do PT e da CUT?
Chico – Meu papel não foi tão relevante, mas participei, sim, sem falsa modéstia. Foi um período em que nós nos abrimos para o diálogo com a sociedade. O Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento] foi criado em 1969, eu entrei em 1970 e fiquei lá 25 anos. O centro criou-se fora da universidade e isso foi uma vantagem imediata, porque ficamos de dizer aquilo que não podia ser dito em âmbito universitário.

Tivemos uma interlocução muito forte com os movimentos sociais. Visitávamos constantemente os sindicatos de São Bernardo do Campo (SP) – que eram o epicentro do novo movimento sindical – e havia uma troca real. Não eram intelectuais indo lá ensinar os operários, não se tratava disso. Havia, sim, um diálogo forte e isso foi muito importante, pois alimentou as linhas de trabalho de pesquisa do Cebrap e nos ajudou a tomar posição no espectro político brasileiro da época, que era extremamente repressivo. Aí, eu ajudei a fazer o PT e a CUT. Sem dúvida nem remorso, porque a vida é assim mesmo.

CULT – A formação de um partido socialista de massas com um forte braço sindical representava uma novidade em relação a tudo aquilo que se conhecia até então. Como se deu a construção da identidade do partido?
Chico – A construção dessa identidade é histórica. A maior parte de nós já tinha a completa consciência de duas coisas: em primeiro lugar, de que o processo do capitalismo contemporâneo não permite mais simplificações, sobretudo sob uma visão embasada no marxismo – simplificações do tipo que a sociedade se dividirá entre proletários e capitalistas. Portanto, ou se está armado da crítica mais radical ou não se pode entender nada.

O segundo aspecto, já bastante avançado em nossa perspectiva, era o fato de que o tipo de solução política dada às questões nas décadas anteriores tinha sido equivocado. Em outras palavras, o stalinismo foi derrotado não pelos erros de Stalin, mas sim pela história, pela complexidade de um mundo que se abriu, de modo que o marxismo engessado não era capaz de compreendê-lo.

CULT – E como se deu a formulação teórica para entender esse processo?
Chico – Eu vinha de uma tradição mais cepalina [referente à Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe] do que marxista, e me dei conta, de alguma maneira, de que o capitalismo tinha coisas mais complexas do que o esquematismo apontava. Daí surgiu a Crítica à Razão Dualista como uma perspectiva diferente de pensar o processo de crescimento de acumulação na periferia, o que tinha muito a ver com a história brasileira de termos sido colônia.

Esse legado se atualizava permanentemente em todos os avanços que a própria sociedade brasileira fazia. Isso foi muito profícuo para a reflexão. E foi essa reflexão que tentamos trazer para o diálogo público, para a formação dos partidos e da CUT. Então, um pouco da forma especial com que o PT se constituiu tem algo a ver com isso.

CULT – Qual foi e qual é a sua intuição sobre o Brasil?
Chico – Naquele momento, eu era um cepalino e tive um contato muito estreito com Celso Furtado, o que me influenciou muito. Além do mais, aquele era o pensamento econômico dominante na América Latina. Mas minha experiência de vida me incomodava, dizia que havia alguma coisa que não casava com aquele esquema, por mais rico e heterodoxo que fosse em relação às interpretações clássicas. Havia algo que não batia. A relação entre dominantes e dominados era muito mais complicada do que parecia.

CULT – Daí que nasce sua noção da dialética do atraso e do progresso?
Chico – Sim, é daí que nasce essa noção. Eu tinha 30 e poucos anos quando cheguei a São Paulo; tinha toda uma vivência no Recife, que era uma cidade com uma tradição de luta operária muito forte. Quando comecei a assimilar o marxismo, isso me levou a entender que a formação do conflito capital-trabalho – conflito básico que move o sistema na perspectiva de Marx – não era uma externalidade do mundo real que eu conhecia. Esse mundo de meeiros, posseiros e latifundiários não era uma externalidade, e talvez estabelecesse diferenças no processo da economia e da sociedade brasileira.

A forma de meação, que era característica da agricultura do Nordeste, não era simplesmente sinal de atraso, devia ser outra coisa. Aí dentro há movimento, há luta de classes sob formas que a teoria não é capaz de reconhecer, mas que levam a outro desenlace: a luta social.

CULT – O PT cedeu ao atraso de força modernizadora e isso o coloca no coração dessa dialética do atraso e do moderno?
Chico – Coloca, mas coloca pelo avesso. Ultimamente eu tenho discutido uma proposta heterodoxa de que estamos em uma era de hegemonia às avessas, isto é, o dominado conduz a política em benefício do dominante. A maior parte das pessoas rejeita a proposta, dizendo que ela é muito estrambótica.

É uma vanguarda que se converteu ao atraso comida pela vanguarda. Quando o PT se mete a gerenciar o capitalismo em sua fase financeira (que é o que ele está fazendo), é devorado pelo atraso, no sentido de negar as reivindicações da classe trabalhadora e da sociedade brasileira. Ele está sendo comido não pelas forças do atraso, mas sim pelas forças do progresso. É o progresso da acumulação, dominado pelo capital financeiro. É essa a contradição que eu encontro nessa decadência do PT como partido da transformação. Esse é o nó, que é difícil de desfazer.

CULT – Não há perspectivas?
Chico – Qual é o tipo de revolução que se exige para desfazer esse nó eu não sei. Nem mesmo a luta de classes em suas formas anteriores, tradicionais – naquelas em que o PT soube atuar, transformando uma insatisfação social em luta política –, nem mesmo isso é possível porque a contradição é muito interna ao processo de reprodução da sociedade brasileira.

Há também outra conclusão melancólica: o nível da crítica ao capitalismo no Brasil pela esquerda formal quase inexiste. Tirando o PSTU, para falar em termos das formações partidárias, os outros não têm crítica nenhuma. O que antes nós socialistas achávamos um problema, que é o êxito do capitalismo, hoje não é um problema, como diz o poeta, mas sim uma solução. Então, é difícil conceber as formas da política que possam dar combate e uma solução mais avançada para desfazer esse nó.

Leia a entrevista completa na edição 146 da revista CULT, já nas bancas!

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/05/o-compromisso-da-critica/

Relações Internacionais: Hillary vê discordância séria com Brasil

Hillary vê discordância séria com Brasil

Para americana, acordo entre Brasília e Teerã só ajuda o Irã a ganhar tempo e torna o mundo mais perigoso

Secretária de Estado dos EUA afirma já ter feito ao governo brasileiro alerta de que o país está sendo usado pelo Irã

Chip Somodevilla/Getty Images/France Presse

A secretária de Estados dos EUA, Hillary Clinton, em evento no Instituto Brookings, em Washington, na qual falou sobre nova estratégia de segurança

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Na maior exposição pública de contrariedade dos EUA com o Brasil desde o anúncio do acordo entre Brasília e Teerã no início da semana passada, a secretária de Estado dos EUA disse ontem que Washington tem "discordâncias muito sérias" com o governo brasileiro quanto à abordagem da questão.
Hillary falava em Washington sobre a nova Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca quando foi indagada se o Brasil passou a ser considerado pelos EUA como "parte do problema" -especialmente após a insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em tentar evitar sanções a Teerã por seu programa nuclear.
"Certamente temos discordâncias muito sérias com a diplomacia brasileira em relação ao Irã. Dissemos ao presidente Lula e ao ministro [Celso] Amorim [Relações Exteriores] que ajudar o Irã a ganhar tempo e evitar uma posição internacional unânime contra seu programa nuclear torna o mundo mais perigoso", respondeu.
Como a Folha revelou ontem, o acordo que Brasil e Turquia fecharam com Teerã segue roteiro traçado pelo presidente dos EUA, Barack Obama, em carta enviada a Lula em abril.
Apesar de o Brasil seguir a receita dos EUA, porém, o pacto foi esnobado por Washington. No dia seguinte à sua divulgação, a Casa Branca apresentou ao Conselho de Segurança da ONU esboço de resolução com novas sanções ao Irã, referendado pelos demais membros permanentes do órgão (Rússia, China, França e Reino Unido).
Procurada pela Folha para explicar a mudança de posição, a Casa Branca disse que não comenta correspondência diplomática.
Hillary afirmou ontem ter dito ao governo brasileiro "que o Irã está usando vocês, que achamos que é hora de ir ao Conselho de Segurança e que só depois de ação [nesse fórum] o Irã se engajará de fato" na discussão sobre seu programa nuclear.
A secretária insistiu, porém, que a discordância "de forma alguma mina o compromisso dos EUA em ter o Brasil como parceiro efetivo neste hemisfério e além".
"O Brasil é parte de solução; em um grande número de temas o Brasil é um parceiro responsável e eficaz."
Ela mencionou como exemplos positivos a atuação conjunta após o terremoto no Haiti, na ação relacionada à mudança climática e na relação comercial.
Em outro momento, Hillary também elogiou o Brasil por ter carga tributária alta em relação ao PIB, o que segundo ela favorece o desenvolvimento econômico.

DOCUMENTO
O texto da Estratégia de Segurança Nacional de Obama, divulgado ontem, menciona brevemente o país, sem considerá-lo porém um "centro-chave de influência".
Essa distinção foi reservada para os outros países do grupo dos Brics -China, Índia e Rússia. O Brasil foi citado como "país de influência crescente", ao lado de África do Sul e Indonésia.
Em outro momento, o documento diz que os EUA "apreciam a liderança do Brasil e seu esforço para ir além das antigas divisões Norte-Sul" na abordagem de temas internacionais.
Por fim, o texto diz que os EUA trabalharão com o Brasil no G20 e na Rodada Doha.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2805201001.htm acesso em 28/05/2010

Comentário: Relações Internacionais: As nossas relações com o mundo e as atrapalhadas no Irã e no mundo do "pequeno timoneiro" do grande barco chamado Brasil em suas navegações diplomáticas como o suposto grande articulador sem complexo de "vira lata".

Sobre a educação em São Paulo

São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2010 - Caderno Cotidiano - Folha de São Paulo.

ENTREVISTA

Faltam ações estruturais, diz pedagoga
DE SÃO PAULO
Para a coordenadora do curso de pedagogia da Unicamp, Maria Márcia Malavazi, a iniciativa divulgada mostra que faltam medidas estruturais para melhorar o magistério. (FT)


FOLHA - A medida prejudica a qualidade de ensino?
Maria Márcia Malavazi - Primeiro, você deixa que a pessoa se forme em cursos de quinta categoria. Depois, faz um exame e fala que aquele professor é inadequado, sem ter dado nenhum apoio a ele.
Quando vê que faltarão professores, chama reprovados e, depois, até quem não fez o exame. Em todo processo, se reafirma a má formação dos professores, sem tomar medidas estruturais. Fora o desprestígio que você põe na categoria.
Também serão chamados profissionais para dar aula fora de sua área. Você já viu farmacêutico fazer cirurgia? No final, os prejudicados são as crianças, que não recebem ensino de qualidade, e a sociedade, que precisa de boa formação.

O que deveria ser feito?
Melhorar os cursos de formação de professores, até fechando os ruins. E no curto prazo, dar bons cursos aos que estão na ativa e aos que ingressam. Nada disso tem sido feito.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2805201009.htm acesso 28/05/2010.

Resposta ao governador Alberto Goldman de uma leitora atenta e crítica

Resposta ao governador Alberto Goldman de uma leitora atenta e crítica
Conferir no final da reportagem da Folha de São Paulo a boa resposta no própria Folha de São Paulo do dia 28/05/2010.


SP desiste de regra para contratar docente
Com falta de professores, Estado abre possibilidade de admitir temporário que não fez prova de conhecimento
Exame anual foi criado no ano passado para melhorar a seleção de professores para a rede de ensino paulista
Zanone Fraissat/Folhapress


Escola Estadual José Monteiro Boanova, na City Lapa, que enfrenta falta de professores

FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO

O governo de SP autorizou a contratação de professores que não tenham prestado um exame de seleção. Criado em 2009, o exame, segundo sempre pregou o próprio governo, tem como objetivo melhorar a escolha de docentes para a rede.
A resolução já está em vigor. A secretaria diz que a norma, publicada ontem no "Diário Oficial", é só uma garantia caso faltem professores temporários (não concursados). Primeiro, são chamados os concursados e depois, os temporários que passaram pela avaliação.
A norma prevê ainda que formados em pedagogia poderão dar aulas, de forma emergencial, de matérias específicas -como física, química e matemática.
Não foram divulgados números sobre o deficit de docentes nem sobre o de alunos que estão sem aulas por falta de professor. A secretaria informou apenas que há carência na área de exatas.
Os sindicatos do setor afirmam que a falta de docentes é generalizada. O próprio governador Alberto Goldman (PSDB) reconheceu anteontem que há deficit.
"A Secretaria da Educação já constatou e está fazendo todo o esforço para que sejam formados professores na área de física. Parece que ninguém quer ser professor de física, não sei por quê."

200 DIAS FORA
Para os sindicatos, o governo enfrenta dificuldades para contratar por ter determinado que os temporários não podem dar aulas por anos consecutivos.
Segundo lei aprovada em 2009, eles precisam ficar 200 dias fora da rede após um ano de trabalho. A ideia do Executivo é evitar que os temporários se transformem em permanentes, sem ter prestado concurso.
Sindicalistas dizem que o propósito é evitar a caracterização de vínculo empregatício, que elevaria os gastos. Também não houve tempo de chamar os 10 mil aprovados em concurso, aplicado no início do ano, que poderiam substituir parte dos cerca de 80 mil temporários. Os não concursados representam cerca de 40% de todo o corpo docente da rede.
Em nota, a secretaria negou que a "quarentena" para os temporários tenham prejudicado a distribuição de aulas -mas não deu mais detalhes sobre o assunto.

BANCO DE CANDIDATOS
A pasta afirmou ainda que a resolução apenas cria um banco de candidatos, que só serão chamados em caso de emergência.
Disse ainda que "a norma só foi publicada porque este é um ano eleitoral, quando não poderá ser feito novo concurso de admissão ou nova seleção".
A Secretaria da Educação enfrenta dificuldades em preencher os postos nas escolas desde o início do ano.
Após a aplicação da prova dos temporários, a pasta verificou que o volume de aprovados seria insuficiente e permitiu que reprovados também fossem chamados. Eles foram classificados segundo a nota do exame.
Cerca de 40% dos professores não atingiram o desempenho mínimo necessário (metade das 80 questões).
"Agora, poderá dar aula até quem nem fez o concurso. Liberou geral", disse o presidente da Udemo (sindicato dos diretores), Luiz Gonzaga Pinto. "Já é quase meio do ano e várias escolas estão sem todos os professores."
"Primeiro o governo avalia e exclui. Aí, vê que falta professor. Não há organização", diz a presidente da Apeoesp (sindicato dos docentes), Maria Izabel Noronha. Segundo ela, os maiores deficit são em química, biologia e física.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2605201001.htm - 28/05/2010.

Educação
"Parece que ninguém quer ser professor de física, não sei por quê", disse o governador Alberto Goldman (Cotidiano, 26/5).
Posso ajudar a esclarecer. Química, biologia e física, na grade estadual, têm duas aulas semanais no ensino médio. Para o professor completar uma jornada de 32 aulas/semana, precisa de 16 salas, com média de 40 alunos por sala -640 alunos, no mínimo.
Se o professor aplicar duas avaliações mensais, são 1.280 provas a corrigir, além de 16 diários de classe para preencher e, pasmem, as 32 aulas são distribuídas em duas ou três escolas, porque dificilmente há em uma única escola 16 turmas de ensino médio. Tudo isso para ganhar R$ 7 por aula.
Avalie você mesmo se alguém em sã consciência, em início de carreira, se sujeitaria a isso.
MAGALI APARECIDA LOVATTO NASCIMENTO (Manduri, SP)

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2805201009.htm acesso em 28/05/2010

Militares, ciências, Educação Popular.

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