Friday, November 11, 2011

Ao prefeito de Piracicaba - sobre o anel viário

Segue abaixo a resposta ao Prefeito de Piracicaba Prefeito Barjas Negris, Bom dia! Que pena que em quase oito anos de governo na prefeitura de Piracicaba o anel viário não foi prioridade - (para o Estado muito menos). Podemos verificar pelo novo buraco na ponte o transtorno que isto causa no trânsito da cidade. Não se esqueça prefeito que pelo anel viário passa o desenvolvimento do país, sobre esse assunto o senhor conhece muito bem, pela "Escola de Campinas". Grato pelo retorno e atenção! Daner Hornich ________________________________________ Em 08/11/2011 16:26, Barjas Negri < bnegri@piracicaba.sp.gov.br > escreveu: Caro Daner, Em relação aos seus comentários a respeito do atual anel viário, informamos que optamos por fazer uma parceria com o Governo do Estado de São Paulo para a construção de amplo e moderno anel viário de Piracicaba, ligando as importantes Rodovias: 1. do Açúcar; 2. Luiz de Queiróz (SP 304); 3. Piracicaba-Limeira e 4. Piracicaba-Rio Claro, numa extensão de 9 quilômetros de pista dupla, envolvendo diversas obras de arte e duas novas pontes sobre o Rio Piracicaba. As obras estão com seu cronograma previsto para a conclusão em abril de 2013. Assim, os veículos que hoje trafegam pelo atual e precário anel viário terão mais segurança com a conclusão dessa obra. Segue mais informações em anexo. Em relação aos demais comentários os Secretários das respectivas pastas vão esclarecê-los sobre as ações executadas e em andamento. Atenciosamente, BARJAS NEGRI

Saturday, November 05, 2011

DEPENDÊNCIA DO PETRÓLEO

BIBLIOTECA VIRTUAL Tamanho da fonte: | | Imprimir | E-mail | RSS 31 de Outubro de 2011 DEPENDÊNCIA DO PETRÓLEO Energias renováveis: capitalismo, hegemonia e dominação Na sociedade contemporânea as fontes de energia de origem fóssil ocupam um lugar estratégico no sistema de produção, servindo como instrumento de dominação e reprodução do modo de produção capitalista. por Thulio Cícero Guimarães Pereira Muito se fala e escreve sobre energia a obtida a partir de fontes renováveis como uma das principais soluções para enfrentar o problema do aquecimento global, geração de renda e emancipação das comunidades locais. Organizações como a ONU, OCDE, Banco Mundial, FMI entre outros, promovem estudos e recomendações que apontam as energias renováveis como fundamentais para o desenvolvimento “sustentável” no século XXI. Mas o que se observa é que os esforços e investimentos nessa direção estão muito mais centrados na questão pragmática da segurança do abastecimento energético do que nas questões ambientais. As políticas e ações nessa área da Alemanha, França, EUA e China, demonstram haver preocupações muito maiores com o crescente problema do aumento do custo de extração do petróleo e acesso ao produto e rotas de abastecimento do que nas questões ambientais. Uma leitura mais atenta permite perceber que a ênfase maior na questão climática, e sua inclusão na agenda internacional de políticas públicas, vêm principalmente de atores europeus, cujas fontes energéticas estão sob controle direto ou indireto dos EUA ou da Rússia. A necessidade de ampliar a oferta interna de energia para reduzir a dependência alemã ou francesa das fontes do Oriente Médio e da Sibéria, colocam a questão da energia extraída de fontes alternativas ao petróleo e gás natural, como central na política européia. Neste sentido, para os europeus é estratégico promover o uso de outras fontes energéticas, todas com maior custo, nos demais sistemas econômicos concorrentes, sob pena ver inviabilizado o produto europeu no mercado internacional. Como estratégia parece ser fundamental mobilizar a opinião pública internacional em torno da questão do aquecimento global, para que os demais países assumam compromissos na direção da transformação de suas matrizes energéticas, agregando fontes mais caras em suas estruturas de produção. O sucesso de tal empreitada junto à opinião pública também abre espaço para a possibilidade de se desenvolver barreiras de cunho ambiental para a entrada de produtos concorrentes no espaço econômico da União Européia e demais atores engajados nesse debate. A leitura do que se produz em torno dessa questão apresenta um quadro quase que messiânico em torno das fontes renováveis, como se essa fosse uma questão de que necessitasse do voluntarismo engajado das forças sociais, em busca de um mundo melhor, uma nova utopia para a civilização. Não faltam exemplos, e entre eles o Brasil costuma ser apontado como uma “grande solução para um mundo desesperado por encontrar novos caminhos”. A matriz energética brasileira Esse discurso esquece que a matriz energética brasileira, onde as fontes renováveis representam 45% da matriz, em contraposição aos 7% da OCDE[i], é resultado de uma longa luta histórica para vencer a escassez da oferta de petróleo e gás em seu território, um dos principais instrumentos utilizado pelos grandes centros capitalistas para manter o controle sobre o país. Para se chegar a tal quadro, a sociedade brasileira empreendeu um brutal esforço para constituir cadeias produtivas baseadas em fontes como a hidroeletricidade e o etanol. Recursos públicos enormes foram transferidos, grande parte a fundo perdido, para construir essa infra-estrutura, recursos esses que se deixou de investir na erradicação da miséria, inclusive tendo sido seguramente um dos indutores de desigualdade e pobreza no Brasil. Sem esquecer que grandes projetos como, por exemplo, Itaipu, foi implantado durante a ditadura militar, que impôs à força o projeto muitas vezes lançando mão de atos de barbárie sociais e ambientais que ainda estão para serem descritos, se é que serão algum dia. Nessa história não houve espaço para ações voluntariosas ou apaixonadas em busca de um paraíso na terra. Os brasileiros sabem o quanto custou construir e manter tal matriz, cujo atributo tão propalado mundo afora como uma matriz “limpa”. Sabe-se que, quando vista de perto deixa muito a desejar, ou mesmo, em muitos casos, não passa de discurso carregado de cinismo e hipocrisia. Em contrapartida, boa parte da sociedade brasileira organizada percebe que esta é uma questão de sobrevivência, uma das poucas opções que restaram ao país para enfrentar os brutais mecanismos de subordinação econômica e política e, para tanto, entre um futuro de miséria e submissão imposto pela mecânica capitalista e, um outro, com um mínimo independência e dignidade social, o que tem justificado politicamente os esforços e conseqüências das ações em busca da autonomia, mesmo às custas de grandes passivos ambientais e sociais derivados de tais empreendimentos. Ora, seria pusilânime recomendar este resultado puro e simples da lógica do capital como exemplo para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, quando se sabe que o quadro de degradação ambiental é conseqüência direta das transformações capitalistas, que no mundo contemporâneo atingiu proporções inimagináveis e conseqüências que ainda estão por serem descritas ou entendidas. A economia do Petróleo No centro do problema energia versus meio ambiente estão as energias fósseis como o petróleo, gás natural e carvão, mas erra-se ao identificá-las como o problema em si, como se a sua erradicação ou substituição por fontes alternativas poderiam mudar o encontro marcado que a sociedade contemporânea tem com as conseqüências das mudanças climáticas em curso, senão vejamos. A indústria petrolífera internacional constitui-se numa gigantesca cadeia produtiva, envolvendo milhões de trabalhadores, milhares de empresas, dezenas de Estados e governos, etc. De grande densidade social e econômica, esta cadeia envolve um arcabouço complexo de subsídios diretos e indiretos, explícitos e implícitos, com mecanismos sofisticados de autodefesa e sobrevivência. Tal estrutura complexa é o resultado da expansão capitalista nos últimos 120 anos, e não existem indícios visíveis de que tal sistema esteja com seus dias contados ou iniciando uma trajetória decadente. Muito pelo contrário, os preços atuais do barril de indicam que a cada dia os combustíveis fósseis se tornam um negócio ainda mais atraente. É necessário ampliar a análise e se perguntar por que o petróleo chegou a tal lugar no centro da cadeia produtiva moderna. Este debate normalmente é dominado por justificativas técnicas e operacionais, mas entendo que tais alegações só servem para encobrir a verdadeira razão pela qual ele e os demais combustíveis fósseis, como o gás natural e o carvão, estão na base da matriz energética mundial. Tais cadeias produtivas, pela sua natureza, exigem grandes concentrações de capital na construção, operação e manutenção dos seus processos de produção e distribuição. Na verdade, são instrumentos perfeitos de dominação e hegemonia capitalista. Alternativas energéticas somente encontrarão espaço para substituir fontes fósseis se tecnicamente permitirem manter ou construir mecanismos similares de dominação. Alternativas energéticas de características emancipatórias encontram diante de si barreiras políticas intransponíveis em todos os lugares, e somente em casos especiais, e muito específicos, como foi o caso brasileiro, poderão vingar como base de uma matriz energética, desde que não tenham grande impacto sobre o sistema internacional. A marginalidade continuará sendo a marca característica de tais fontes e, acredito eu, não há messianismo, voluntarismo, ou mesmo vontade política localizada que possa modificar tal situação. O tamanho e a complexidade dos interesses políticos e econômicos mobilizados em torno de tal cadeia produtiva, envolvendo capitalistas e trabalhadores, dificilmente poderá ser modificado com eficácia através de discursos e ações localizadas. Corre-se o sério risco de assistirmos à transferência pura e simples de mais recursos públicos para os cofres de grandes corporações por conta do discurso fácil e indefinido da “sustentabilidade”, aprofundando ainda mais as desigualdades no mundo em que vivemos. A febre do petróleo e do gás natural Nesse contexto, o que está acontecendo no Brasil pode sim servir de exemplo de como funciona a lógica capitalista com relação à energia. A analise do que está acontecendo em torno das reservas do Pré-Sal é bastante ilustrativa. Grandes forças políticas estão sendo mobilizadas em torno do petróleo e do gás, envolvendo boa parte do mundo político brasileiro, desde prefeitos das mais humildes cidades do interior, passando por vereadores, deputados estaduais, federais, senadores, o executivo até o judiciário, todas as suas esferas públicas estão mobilizadas em torno da discussão da partilha dos benefícios da exploração dessa fonte. Sem esquecer o engajamento direto das grandes federações de indústrias, centrais sindicais, universidades, imprensa e a comunidade científica. Os anúncios de investimentos de recursos públicos não são questionados, e não existe debate público para definir os rumos dos investimentos. Não é demais afirmar que as principais forças organizadas da sociedade brasileiras estão vivendo a febre do petróleo. O debate do desenvolvimento futuro do Brasil está galvanizado em torno do petróleo e, ao que parece, o pensamento crítico nacional foi anestesiado pelo cheiro do óleo e do gás encontrado na costa brasileira. O antigo sonho nacionalista, pelo qual a esquerda, e parte da direita, lutaram nos últimos 100 anos se realiza com a descoberta e exploração dos campos de petróleo a 350 km da costa brasileira, de frente para o principal mercado consumidor formado por São Paulo e Rio de Janeiro. Boa parte da sociedade brasileira percebe-se como protagonista de um momento de ruptura histórica, que está redefinindo as estruturas da produção capitalista brasileira, e por conseqüência, a estrutura social do país, que sente ter finalmente encontrado o seu futuro. O sentimento é de que o Brasil finalmente recebeu seu passaporte, ou o bilhete premiado, para entrar no fechado clube dos países ricos, aqueles de dominam os processos de divisão da produção internacional. Certamente que nesse cenário, os 45% de energia “limpa” poderá ser, em boa parte, queimado em nome do crescimento econômico, talvez, quem sabe, algo em torno de 27% poderá ser literalmente carbonizado na pira do desenvolvimentista, igualando o Brasil aos demais países “desenvolvidos” da OCDE, cuja grande meta é chegar em 2035 com uma matriz onde as fontes renováveis ocuparão um glorioso lugar de 18%1. Declarações do poder público brasileiro, como as da presidenta Dilma no dia de sua posse, reafirmando o compromisso com a manutenção da proporção das fontes renováveis na matriz energética, encontram diante de si a crescente articulação de grandes interesses sociais e econômico em torno do petróleo. As ações concretas na direção de aumentar os investimentos em fonte renováveis para manter sua proporção atual na matriz energética, terão que ser adotadas, sinalizando que as ações ultrapassam o campo da retórica. O problema é que o Pré-Sal exige e exigirá muito mais recursos, e é grande a probabilidade dele se tornar um enorme sorvedouro do orçamento público e privado brasileiro nos próximos trinta anos. Guardadas as devidas proporções, uma febre parecida está ocorrendo nos EUA, só que em torno do gás natural de xisto, também conhecido como “shale gas”, que promete reduzir consideravelmente a crescente dependência daquele país de fontes de energia no exterior. Após a publicação do relatório com o mapa internacional da mina pela USDA em abril de 2011[ii], é grande a probabilidade de que tal febre também contamine a Europa e China, onde estão grandes reservas, e até mesmo o Brasil, cujo potencial estimado das reservas próximas aos grandes centros consumidores, possivelmente não deixará o país de fora desse possível grande movimento de expansão capitalista. O interessante e sintomático, é que tais movimentos estão ocorrendo concomitantemente com a chamada “primavera árabe”, na qual parece que aqueles povos estão divisando algumas luzes de autonomia e liberdade, ao custo de muito sangue, numa história de dominação brutal determinada pelo petróleo. Ao que parece, a questão das fontes de energia continuará sendo fundamental para o sistema capitalista internacional, e não ha indícios de que a escolha das fontes deixará de ser determinada pela dinâmica da hegemonia e dominação do capital. Daí enxergar a possibilidade de transformar as fontes de energias renováveis em solução para o combate ao aquecimento global ou instrumento de emancipação das comunidades parece ser um exercício sem grandes perspectivas de sucesso. Soluções tecnológicas para energia “mais limpas” são conhecidas do mundo cientifico desde a segunda metade do século XIX, e os lugares que elas ocupam nas esquecidas prateleiras empoeiradas das universidades e laboratórios só servem para demonstrar que a questão chave parece estar em outro lugar, no campo das opções de modelos de organização social da produção. Ao que parece, é grande a probabilidade de que qualquer coisa diferente disso resultará no aprofundamento e reafirmação da hegemonia do petróleo e numa longa e grave crise ambiental global. Sem uma reflexão mais cuidadosa provavelmente a busca por um mundo capitalista movido à energias renováveis não passe de um belo sonho em uma noite de verão ou, em termos mais modernos e midiáticos, apenas um delírio na “primavera” energética. Thulio Cícero Guimarães Pereira Doutor em Sociologia Política e professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR. Atualmente desenvolve pós-doutorado em Planejamento Energético na COPEE/UFRJ. [i]IEA - International Energy Agency. Energy. World Energy Outlook 2010. OECD/IEA, Paris, 2010, p. 622 e 690. [ii]U.S. Department of Energy - USDOE.. World Shale Gas Resources: An Initial Assessment of 14 Regions Outside the United States. U.S. Energy Information Administration, Washington, D. C, April, 2011. Disponível em . Acesso em 15 ago. 2011. Ilustração: Felipe Luigi Palavras chave: capitalismo, energia, energias renováveis, segurança energética Fonte: http://diplomatique.uol.com.br/acervo.php?id=2986

Merleau-Ponty - Um autor em diálogo com o mundo contemporâneo

Um autor em diálogo com o mundo contemporâneo Perseguido junto com Sartre por apoiar a Guerra da Argélia contra a França, Merleau-Ponty tem obra vasta e atual. Luiz Augusto Passos conta quais são as relações entre a fenomenologia do pensador francês e Paulo Freire nos movimentos sociais brasileiros na década de 1980 Por: Márcia Junges Página 1 de 2 Um autor a ser revisitado e que estabelece diálogos entre diversas correntes filosóficas e científicas. Assim é Merleau-Ponty, assinala o professor Luiz Augusto Passos, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Esse autor denuncia a pedagogia “adultocêntrica” e que não tem ouvidos e olhos para entender a criança, apontando que os pequenos vivem o mundo nele mergulhados por todos os poros. Merleau-Ponty “cultiva teimosia quase obsessiva de voltar sempre ao início, de fazer perguntas instigantes e de promover tremores de terra nas áreas já pacificadas, na suspeita de que é necessário uma hipercrítica. Nesse sentido, numa época em que se retornam a evidências ‘estabelecidas’ ou à deificação das ‘incertezas’ como caminho e prática individuais ou sociais, é bom revisitar Merleau-Ponty”. Passos possui graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Medianeira, São Paulo; graduação em Teologia pelo Colégio Máximo Cristo Rei, de São Leopoldo, RS; mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso; doutorado em Educação Pública pela Universidade Federal de Mato Grosso; e doutorado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente leciona na UFMT e é um dos organizadores do Simpósio Internacional Merleau-Ponty vivo aos 50 anos de sua morte. Percursos ao redor da fenomenologia aos 90 anos do nascimento de Paulo Freire (http://gempo.com.br/portal/), que ocorre de 10 a 12 de novembro nessa universidade. É um dos autores de O eu e o outro na escola: contribuições para incluir a história e a cultura dos povos indígenas na escola (Cuiabá: EdUFMT, 2010) e escreveu Filosofia para educadores (Cuiabá: EdUFMT, 2008). Seu site pessoal é http://gempo.luizaugustopassos.com.br/ Confira a entrevista. IHU On-Line – Quais são os maiores motivos para se relembrar Merleau-Ponty 50 anos após sua morte? Luiz Augusto Passos – Os maiores motivos desta memória é o fato de Merleau-Ponty se constituir num autor que costura consensos no diálogo de distintas correntes filosóficas e científicas. Grandes problemas da humanidade, pelos processos de globalização, se agudizam por tratamentos sempre localizados e parciais, pois são compreendidos como dissociados da rede de interações que compõe a pessoa, as sociedades, o mundo e as questões do universo. Às crises globais respondemos com tratamentos periféricos ou sintomáticos. Buscam-se intervenções eficazes mediante tecnologias de alto impacto exclusivamente voltadas ao mercado. Ignora-se a fragilidade da vida, e as correções produzem um nível de exclusão das sociedades empobrecidas e em situação de vulnerabilidade ambiental. O pretendido progresso impõe a destruição dos meios de vida, de sobrevivência com destruição de padrões ético-políticos, aniquilação das pessoas pela hipertrofia de partidos e de estado, ou o seu contrário, a afirmação do individualismo e absolutização do narcisismo solitário contra processos de solidariedade e convivência. Sobrevive um materialismo prático destituído de espiritualidade pessoal e sem mística; ou o seu contrário grandes corporações religiosas que sobrevivem de sacrifícios humanos, por interesses monopolistas. Mantém-se a diluição dos direitos humanos numa atmosfera de justicialismo vazio. Não será possível a felicidade humana, sem que se afirme a esperança na vida em face da dissociação de nossa condição de seres políticos e voltados à comunicação e à comunhão, encarnado em estruturas políticas. Singulares e únicos, particulares como membros de comunidades específicas, universais não apenas enquanto gênero humano, somos seres planetários em comunhão através de uma relação inextrincável de todos/as com tudo e todos/as com todas as criaturas animadas e inanimadas do universo. Eu-outro-mundo Isso corresponde a um programa geral da filosofia de Merleau-Ponty? Absolutamente não. Ele, contudo, jamais ignorou todas essas dimensões em conjunção e se empenhou também em sua vida com todas as questões que dissesse respeito à guerra, ao terror, à desumanização, à hegemonia, à dominação, à emancipação política, à beleza e ética, à diferença cultural. O que ocorre é que Merleau-Ponty examinou e tematizou todas essas coisas da vida, da existência, dando-lhes o estatuto filosófico, tratando-as em sua origem primordial: a indissociabilidade do eu-outro-mundo; do espaço, tempo, da sexualidade. A fenomenologia da percepção registra o equívoco do divórcio entre as polaridades dialéticas pelas quais, diz Merleau-Ponty, todas as filosofias falam de sujeito e objeto, e não raro ou jogam fora o objeto para salvar o sujeito, ou jogam fora o sujeito para garantir a objetividade. Proclama até o fim de que não se neguem as contradições, articulando até o fim os polos contrários, sem eliminar as contradições, trabalhadas na perspectiva da vida. Adauto Novaes, em entrevista à revista IHU On-Line, menciona uma das contradições que se tenta driblar. Diz ele, “suspeitamos que nosso maior problema, hoje, está no descompasso da relação entre ciência e pensamento”. Ou, para usar os termos do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, no surgimento da rivalidade entre o conhecimento científico e o saber metafísico, entendendo por metafísico “não a construção de conceitos através dos quais tentaríamos tornar menos sensíveis nossos paradoxos”, mas como a experiência de todas as situações da história pessoal e coletiva, “e de todas as ações que, assumindo-as, as transformem em razão”. A conclusão de Merleau-Ponty no ensaio O Metafísico no Homem define bem nossa condição, hoje: “Uma ciência sem filosofia não saberia dizer literalmente do que fala; uma filosofia sem exploração metódica dos fenômenos só chegaria a verdades formais, isto é, a erros”. Estas são algumas razões que norteiam o evento da UFMT: retomar o caminho difícil de explicitar as ambiguidades, difundir a literatura do filósofo francês, torná-la inspiração teórico-metodológica das pesquisas, e responder ao interesse de professores, mestrandos, doutorandos, professores das redes públicas e particulares. Grandes narrativas Relembro, ainda, uma avaliação de Creusa Capalbo, companheira de estudos do professor Antonio Joaquim Severino, na Universidade Católica da Bélgica, que foi uma das primeiras brasileiras, junto com Joel Martins, a estudar com afinco a fenomenologia de Husserl e Merleau-Ponty. Antonio Joaquim Severino trará da Bélgica também o apreço acerca da obra de Emmanuel Mounier, que se inspirava na fenomenologia de Husserl, e é sobre Mounier que Severino fará sua tese doutoral na PUC-SP. Pode parecer às pessoas que possuam menos contato com a obra de Merleau-Ponty que ela seja uma obra superada ou secundária. É preciso lembrar que a professora Marilena Chauí produziu sua tese na Sorbonne sobre as anotações desse autor, nos últimos anos de sua existência, quando ministrava aulas no Collège de France. E nesse lugar Merleau-Ponty produziu um projeto ambicioso de revisão em todas as áreas da filosofia com reverberações para todo o conjunto das ciências a partir de balisas inéditas, e quais delas “dariam o que pensar”, menciona Chauí. Seu diálogo era um diálogo com o mundo contemporâneo. Ora, a fenomenologia sempre quis ser um âmbito de interlocução entre os múltiplos olhares das ciências e das filosofias. O plural que uso é imprescindível, posto que o fato de haver algum meio de campo consensual nessas ciências e nas filosofias, mas nenhuma das duas deve ser reduzir ao campo do consenso. Penso que não se possa e não se deva restringir conhecimentos, saberes, às grandes narrativas, que pretendiam englobar em visões sistêmicas e orgânicas uma visão de mundo que pretendesse dar conta de tudo. Merleau-Ponty abriu um diálogo ampliado com as posições filosóficas clássicas, o positivismo e o idealismo; debruçou-se também sobre a tradição existencialista e marxista, com as ciências humanas de modo geral: psicologia, pedagogia, antropologia, psicanálise, psiquiatria, ciências políticas, ética, dimensões da guerra, da violência, do terror, do reconhecimento. Isso tornou possível a busca de cotejar diferenças, buscando reiteradamente trazer às luzes invisibilidades e promover um conjunto de dimensões que permitissem evitar escolha entre a produção das ciências e aquela das filosofias. IHU On-Line – Por que sua obra é inspiração crescente para todas as áreas do conhecimento? Luiz Augusto Passos – Merleau-Ponty possui – vou utilizar a expressão do nosso poeta maior mato-grossense Manoel de Barros – uma ampliada noção dos (des-) limites do conhecimento humano e da produção da cultura e das ciências. Cultura e ciência ficaram empobrecidas quando se fecharam em dogmas, definitivos e conclusivos, sob pretensos saberes que delimitam a região do “conhecimento competente”, reservando, como sugere Marilena Chauí, áreas circunscritas para os discursos desautorizados. Merleau-Ponty, a cada achado, debruçava-se outra vez a perguntar pelo “fundo de silêncio que recorta as palavras”. Cultiva teimosia quase obsessiva de voltar sempre ao início, de fazer perguntas instigantes e de promover tremores de terra nas áreas já pacificadas, na suspeita de que é necessário uma hipercrítica. Nesse sentido, numa época em que se retornam a evidências “estabelecidas” ou à deificação das “incertezas” como caminho e prática individuais ou sociais, é bom revisitar Merleau-Ponty. Incapacidade de sínteses Ele se situa numa conexão pouco visível, na interface entre o moderno clássico e o pós-moderno: dialoga com Descartes, Kant e Hegel; com Marx, Scheller, Freud e Kafka; com Mauss e Lévi-Strauss; com Nietzsche, Foucault e Derrida. Inaugurou áreas de estudos pré-anunciadas por suas teorias que receberam confirmações de importantes descobertas, o circuito da sinestesia corporal, a aprendizagem corporeidade, a transcendência cotidiana; da impossibilidade de ver figura-fundo (a mulher idosa não poderá jamais ser percebida, ao mesmo tempo, com a moça): testemunha nossa incapacidade de síntese: a “fé perceptiva” sobre o outro lado do cubo que não vemos e dizemos que está lá. Percepções corporais vividas produzem um conhecimento do mundo mais adequado, por vezes, que aqueles das ciências modernas. Meu filho Matheus tinha menos de vinte dias, eu assobiava e via a atenção quase estática como ele me observava. De súbito, cada vez que eu assobiava ele produzia um biquinho como se fosse imitar. Minha mulher dissera que era impressão minha. Comecei a assobiar e ele se encantou por ver a comunicação que havia entre ele e eu. O professor Di Clemente[3] (Grupo de Estudos, Educação & Merleau-Ponty – Gempo/UFMT) menciona a existência, em Merleau-Ponty, do que se pode chamar um “cérebro” antes do cérebro. Os progressos na neurociência, na saúde, no urbanismo, na estética têm partido de contribuições significativas. IHU On-Line – Quais são as principais contribuições desse pensador para a filosofia, em específico à fenomenologia e à educação? Luiz Augusto Passos – Convocávamos nosso encontro falando da existência de fissuras, mas talvez se expresse melhor por alguns abalos sísmicos nas ciências contemporâneas, causados por Merleau-Ponty. Ele contribuiu para alguns consensos, pelo rigor, precisão e linguagem poético-literária que o ajuda a criar conceitos adequados à compreensão dos fenômenos. Ora, as ciências contemporâneas, obcecadas com o fato de que algumas coisas vão mal, trabalham compulsivamente para evitar o naufrágio. O que ocorrerá, caso não forem revistas algumas inadequações acerca da compreensão do mundo, do ser humano, das relações nossas com os/as outros/as e com o mundo? Muitos aspectos da fenomenologia merleau-pontyana não causaram ainda o imprescindível “espanto aristotélico”, essencial para a crítica de paradigmas, das pesquisas. Vou sair de generalidade e exemplificar, avisando que me aventuro, sem a intenção de que se ponha Merleau-Ponty nisso. Piaget está imortalizado na coleção Os pensadores, como filósofo, irritado com textos de Merleau-Ponty que dificultavam alguns princípios da epistemologia genética. O ponto de discórdia desencadeador era o texto Em toda a parte e em parte alguma, pelo qual Merleau-Ponty contrapõe o devir e o tornar-se, e a localização, como processo vivo. Assim o autor comenta que a filosofia está em todo lugar e em lugar algum, tanto quanto a vida estava em todo lugar e em lugar nenhum, não havia um local estático, um cérebro, que desse conta da abrangência da produção do conhecimento que passava pela sinestesia de cada um e de todos os sentidos em simultaneidade, produzindo significações, que implicavam num conhecimento sensível, do qual inclusive Merleau-Ponty sugeria a necessidade de reaprender a ver um mundo impossível de se explicar, e que fugia e se recolhia em dobras, envolto em mistério. Adultocentrismo Piaget não ignorou Merleau-Ponty. Leu-o e respondeu desautorizando que isso fosse falado em nome da ciência, entendendo na aporia de “em toda parte e em parte alguma” como licença poética absurda, antirracional, que poderia até atribuir-se a uma sabedoria de senso comum, mas não ao conhecimento das ciências. Merleau-Ponty está longe de ser considerado, por sua complexidade, na grande maioria dos cursos de psicologia e pedagogia. Sua obra A pedagogia e a psicologia da criança denuncia a pedagogia como “adultocêntrica”. Há uma forma prepotente e injusta dos pressupostos do desenvolvimento do conhecimento da criança, que a maltrata e, sobretudo, a ignora. A criança vive o mundo, mergulhada por todos os poros nele, numa relação visceral, intuitiva, cheia de significados, sem que nos seus primeiros anos possa concebê-lo e expressá-lo como “objeto” do pensamento. Cada um de nós viveu isso. Somos capazes de vivê-lo com intensidade e de compreendê-lo sensorial e intuitivamente, um mundo mais verdadeiro do que aquele expresso pela razão moderna. A epistemologia genética tem sido preferencialmente o modelo tanto da pedagogia como da psicologia, que se difunde sem considerar a crítica do Merleau-Ponty. Há na epistemologia genética um sutil etnocentrismo alimentado por um evolucionismo linear – duramente atacado por Hobsbawm em seu prefácio às Formações pré-capitalistas de Marx e Engels. Tese de que a humanidade e os sujeitos humanos são estrutural e substancialmente os mesmos; a diferença cultural com distâncias astronômicas de um grupo humano para outro mostra – na expressão de Clifford Geertz – “fósseis humanos” ainda contemporâneos que sobrevivem nas sociedades sem estado, de sorte que essa condição ‘primitiva’ mostra a nós que eles hoje são o que éramos ontem. Do outro lado estamos nós, no plano civilizatório cultural mais complexo. No mais alto patamar de desenvolvimento, obtido pela superioridade do pensamento abstrato, lógico-matemático, que permitiu às sociedades capitalistas, brancas, criar esta sociedade que representa a melhor humanidade possível à qual todas as outras sociedades (atrasadas) deveriam ser estimuladas a diminuir a diferença através de processos tecnológicos de impacto, em curto prazo, acelerado diminuir as distâncias, posto que todas as sociedades estão destinadas universalmente a esse desenvolvimento, por justiça. Pedagogia sem ouvidos Isso legitimaria, diz Hobsbawn, a intervenção do grupo em condições de superioridade de justificar intervenções por meio de aceleração qualificada, para fazê-lo amanhã o que somos nós hoje, permitindo-os o desenvolvimento máximo acenado aos humanos, os moldes da civilização ocidental. Isso se chama, no melhor português, assimilação! Perversão do nosso autoconhecimento que nega efetivamente o outro como o outro, e busca homogeneizar não os reconhecendo como humanidades universais, mas, ao mesmo tempo, diversas. Merleau-Ponty diz na Fenomenologia da percepção sobre o tempo o que se poderia dizer em todos os outros âmbitos: “Há mais verdade nas personificações míticas do tempo do que na noção de tempo considerado, à maneira científica, como uma variável da natureza em si ou, à maneira kantiana, (...) isso porque enfim há no coração do tempo um olhar, ou (...) alguém para quem a palavra possa ter sentido”. Professor Fabio Di Clemente, no seminário “Corpo Carne e Ser” que nos ministrava, comentava a severa crítica feita por Merleau-Ponty quando perante um desenho uma criança que expressara a imagem de sua mãe, e a proporção da lágrima excedia em espaço, o desenho. Para Piaget tratava-se de uma incapacidade e falta de maturidade para expressar a harmonia da proporção objetiva do conjunto que se apresentava no real; para Merleau-Ponty era por excesso de entendimento; a leitura preponderante naquela cena era expressa pelo que interessava agora: o sofrimento da mãe. Ela se atinha ao essencial colhido por sua percepção. Merleau-Ponty censura uma pedagogia que não tem ouvidos, olhos para entender a criança, e tem dela os estereótipos gerados por uma cultura tutelar, autoritária que pretende saber e oprime a diferença concebendo-a, como expressara Dussel, que considera os oprimidos como exterioridade, apêndice e adereço de mau gosto, destituídos de centralidade, entendimento e interioridade. Merleau-Ponty, ao tratar ainda, o outro, denuncia o processo excludente e ratifica essa dimensão em suas críticas de Mauss a Lévi-Strauss, cujo olhar datado da modernidade não tem consciência de que seu olhar datado invisibiliza o que ela própria não pode e não quer ver. Além disso, reduz as outras sociedades pela transposição da epistemologia moderna, cientificista, de reduzir o desconhecido ao conhecido, de tomar emprestado o modelo das ciências da natureza e das suas sociedades para uma leitura contrastante e comparativa – não se comparam sem injustiça coisas diferentes! – impedidas de reconhecer o outro por ele mesmo, e olhá-lo como dependente, tutelado e “menor”. Não era raro afirmar que os nativos fazem rituais e conduzem cerimônias com alta densidade simbólica, mas precisam recorrer ao antropólogo para dizer-lhes o que estão mesmo fazendo. Reduz-se, assim, as sociedades à mesmidade, e como negativo e faltante nelas, daquilo que possuímos em excesso Página 2 de 2 IHU On-Line – Como se articulam os conceitos da fenomenologia de Merleau-Ponty e Paulo Freire nos movimentos sociais na década de 1980? Luiz Augusto Passos – Somente no doutorado da UFMT, por provocação de Maria de Lurdes Bandeira de Lamonica Freire, fui desafiado a ler a Fenomenologia da percepção em diálogo com a descrição densa de Clifford Geertz. Isso se constituiu num privilégio e compromisso que herdei de levar adiante este diálogo. Paulo Freire, ao contrário, era trabalhado na Paróquia Nossa Senhora do Rosário, de Cuiabá, MT, dos jesuítas, da qual participei desde o final de 1979. O trabalho acontecia numa perspectiva freiriana no que dizia respeito às ações educacionais e políticas, aspecto indivisível de Freire. A paróquia mantinha movimentos populares e círculos de cultura, um deles sistemático no bairro Quarta-Feira, com crianças e adolescentes que faziam uma horta comunitária na casa da Ir. Dineva Vanuzzi, falecida há pouco, e se organizavam contra os processos de repressão conduzidos pelo Estado e pelo aparato policial militar que realizava execuções. A paróquia se inspirava na teologia da libertação e foi importantíssima a presença do padre João Manoel Lima Mira que iniciara em Cuiabá o trabalho com universitários improvisando um restaurante naturalista e macrobiótico, bem como aulas livres de kung fu. Tratava-se, pela teologia da libertação, de convergência com os mesmos caminhos da “gentificação” – isto é, a arte de contribuir na feitura das pessoas pela comunhão, proporcionando autonomia e emancipação, e atuação de denúncia e anunciação, na perspectiva do reino de justiça, que já estava em parte entre nós, reino de paz, liberdade, justiça e de vida em plenitude. O projeto de humanização plena, as dimensões da justiça, da liberdade estão todos presentes em Merleau-Ponty. Contato com o marxismo Tivemos em vista em nossos trabalhos de pesquisa no GPMSE algumas orientações teórico-metodológicas que fomos buscar na fenomenologia de Merleau-Ponty. Sabíamos que havia uma imensa comunhão de Paulo Freire com o pensador francês. Tenho sobre isso um verbete no Dicionário Paulo Freire em que expresso mais extensamente a relação entre fenomenologia de Merleau-Ponty e Freire. Freire se dizia dialético e fenomenológico. Desde a Pedagogia do oprimido, Paulo Freire possui a consciência da relação visceral entre esta pedagogia e a fenomenologia. Mas implica, como em Merleau-Ponty, muitos pontos de contato com o marxismo. Alguns princípios nos impulsionam, como a inseparabilidade entre sujeito e objeto que coexistem, ainda que o mundo nos preceda. Merleau-Ponty pergunta: “Quando minha mão direita toca meu braço esquerdo, quem é que toca e quem é tocado?” Na verdade, sujeito e objeto se fundem naquele momento e adquirem uma coincidência inclusive sofisticada, na qual estou ao mesmo tempo dentro e fora de mim, imanente e transcendente a mim, vidente e sensiente ao mesmo tempo. Não aplainamos polos de contradição; mantemos a ambiguidade – conceito merleau-pontyano – até o fim. Ambiguidade que só pode ser suprimida por má fé, ou admitindo uma preponderância de um dos polos sobre o outro. O mundo só era natural no período precedente à nossa entrada nele. A partir daí temos a inauguração de uma confusão – assim chamada por Merleau-Ponty entre eu, outro, mundo, com certa reversibilidade inconclusiva. Buscar enxergar todos os sentidos possíveis, posto que a realidade é polissêmica e inesgotável. Muniz Rezende dizia: há sentido, e alguns só percebidos por outros olhares. É preciso, reincidentemente, realizar uma interlocução de perspectivas e de olhares e dos lugares experimentados por outras humanidades que lhe permitiram conhecer o mundo só acessível por sua carne e naquele lugar donde nós não poderemos estar. Compartilhar desarmadamente sentidos significa acrescer outros sentidos plausíveis que permitam ampliar o conhecimento do mundo e nos aproximar do sentido humano e histórico, antes invisíveis. Saber que a realidade é mistério, como nós mesmos somos mistérios, parcialmente revelados pela face do outro que me diz, em parte, o que sou. Vale Manoel de Barros: “O melhor de mim são os outros!” Não damos conta de nós! Somos incompletudes. O mistério que somos, contudo, não nos conduz a um epistemicídio. Leonardo Boff diz de maneira feliz que mistério não é o que não podemos conhecer, mas que ao conhecer somos impelidos muito além, mostrando-nos outra vez nossa impotência da abraçar a totalidade. Merleau-Ponty fala de horizontes que aos nossos passos recuam sempre mais. Captando invisibilidades Nossas pesquisas se voltam a investigar os sentidos que movem as pessoas, e priorizamos pessoas e movimentos coletivos dos setores populares por razão de justiça. Professor Di Clemente busca em Merleau-Ponty a relação do “sistema dos objetos” com “o sistema humano”, “abraçados”. Nossas pesquisas não comunicam apenas o que percebemos, mas de onde e como percebemos. Não nos negamos como autores/as, pois a interpretação só é plausível na intersubjetividade. Deixar explícito que nossos escritos possuem interesses, o que vemos, compreendemos e interpretamos não é de imaculada conceição. Não pretendemos que o que vimos e interpretamos seja ponto de chegada, síntese universalmente válida, conclusiva acerca do mundo: não é. Buscamos captar invisibilidades, sentidos ocultos. Não nos debruçamos sobre dados significativos estatisticamente, mas aqueles que quebram e que, apesar da globalização e da homogeinização - aquela singularidade ali circunscrita -, permite um mundo mais oxigenado e menos petrificado. Não pretendemos que nossos trabalhos e pesquisas tenham aderência universal e sirvam como receita de bolo a outras pesquisas. IHU On-Line – Quais são as proximidades entre o pensamento de Merleau-Ponty e Mounier? Luiz Augusto Passos – Mounier teve duas faces muito decisivas. Era um filósofo de rara envergadura intelectual, um mestre e raro comunicador. Possuía uma coerência e envergadura ética que respaldava abrir diálogo com todas as correntes políticas e ideológicas e com os governos. Além disso, era um místico: cristão ativista, corporificava, diria Freire, o que acreditava. As proximidades entre Merleau-Ponty e Mounier vinham da atuação de ambos no campo da cátedra. No campo do diálogo político face às situações injustas, emprestava sua voz. Ambos eram homens de partido, com ideais democráticos e de justiça social muito definidos. As questões epistemológicas de Merleau-Ponty são ressaltadas na entrevista de Adauto Novaes. Di Clemente desenvolve as questões da bioética e da biopolítica em Merleau-Ponty em sua livre docência. Referência decisiva é aquela hoje expressa pela ética da libertação do argentino Enrique Dussel, para Mounier e Freire: o princípio categórico e absoluto de qualquer ética é a vida, e a resistência e luta contra tudo que conduza à morte, como o terrorismo de Estado, os totalitarismos e qualquer opressão aos mais oprimidos. Perseguições Merleau-Ponty fala que o totalitarismo é uma tara. Sai do Partido Comunista ao qual se filiara quando da invasão da Hungria. Sofre perseguição junto com Jean-Paul Sartre por apoio à Guerra da Argélia contra a França. Mounier é o grande criador da pedagogia da alternância retomada pelo Movimento dos Sem Terra – MST, e estendia a educação não somente aos jovens, mas às suas famílias. Ao contrário do que parece, Merleau-Ponty tinha um simpatia pela Igreja, mas sofria críticas por parte dela, pois pontuava a ausência da democracia interna, e as questões “enciclopedistas” que tomaram a moral sexual da igreja. Estava nas ruas de Paris nas grandes manifestações políticas, como Mounier e Freire. Mounier estabelecera grande corrente de diálogo onde vigia intolerância. Merleau-Ponty o fazia escrevendo. Em suas aulas era muito expressivo, mas tímido fora delas. Ambos consideravam ser a educação um direito, como tarefa política cuja centralidade era a própria o educando, fosse ele criança, adolescente ou adulto. Havia em ambos um conceito das crianças como seres de direitos inalienáveis e como cidadãos plenos. E toda a educação era voltada para a vida com uma perspectiva de conhecimento em profundidade e não em extensão, herança da Escola Nova de Dewey. IHU On-Line – Quais são as atividades previstas no Simpósio Merleau-Ponty: cinquenta anos da morte do autor, organizado pela UFMT? Luiz Augusto Passos – Esperamos um público em torno de 450 pessoas no Teatro Universitário da UFMT. O clima é de exposição de telas inspirados no tema Quiasma, do artista plástico de renome internacional Claudyo Casares, uma delas realizada para a arte do evento, a releitura de A dança de Matisse. Começaremos com a execução da Sonata de Viteuil que Merleau-Ponty tinha por referência. Ela rompe com o sentido clássico, tanto quanto a estética merleau-pontyana, e terá arranjo do professor pesquisador e maestro Abel Santos, que a executará na Viola de Cocho cuiabana junto à camerata formada pela Orquestra Sinfônica da UFMT. Conferencistas de âmbito internacional, como Serge Latouche, Fabio Di Clemente, Creusa Capalbo, que circula nos ambientes merleau-pontyanos na Europa, e Edebrande Cavalieri (UFES) são conferencistas do encontro. Outras presenças serão Gabriel Mograbi (UFMT), Jovino Pizzi (UFPEL), Regina Célia Popim (Unesp), Reinaldo Matias Fleury (Mover/UFSC), Diélcio Moreira e Celso Prudente (Cinema Negro, Comunicação e Linguagem) e Guilherme Romanelli, pesquisador, maestro, e violinista da UFPR. O evento terá oficinas, rodas de conversa, apresentação de trabalhos, conferências comentadas e ampliadas. Portanto, uma festa no coração da América Latina, seu marco geodésico. .

Contribuições de Merleau-Ponty à matemática são um de seus legados mais importantes, pontua Verilda Speridião Kluth.

Kant e Merleau-Ponty: um debate entre filosofia e matemática Contribuições de Merleau-Ponty à matemática são um de seus legados mais importantes, pontua Verilda Speridião Kluth. De acordo com a pesquisadora, a matemática pode “ser pensada como presença no momento de percepção” Por: Márcia Junges Página 1 de 2 “Não vejo nos pensamentos de Merleau-Ponty os mesmos princípios que regem a explicitação dos juízos sintéticos a priori de Kant, pois os juízos são imagens do mundo, enquanto que os núcleos de significação que compõem o primado do conhecimento em Merleau-Ponty são presença de mundo corporificada, relações orgânicas entre sujeito e mundo explicitadas na noção de corpo próprio como sujeito da percepção”. A explicação é da matemática Verilda Speridião Kluth, na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. E completa: “O próprio Merleau-Ponty na introdução de seu livro A fenomenologia da percepção faz uma crítica à bilateridade das relações sujeito e mundo posta em Kant, afirmando que a análise reflexiva, a partir da experiência do mundo, reconstitui a experiência para o sujeito como algo distinto dela e apresenta uma síntese universal como algo, sem o qual não haveria mundo”. Licenciada e bacharel em Matemática pela Fundação Educacional de Bauru, Verilda Kluth é mestre e doutora em Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, com a tese Estruturas da Álgebra – investigação fenomenológica sobre a construção do seu conhecimento. Docente na Universidade Federal de São Paulo – Unifesp e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, é presidente da Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativos - SE&PQ, além de membro da Sociedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM. Confira a entrevista. IHU On-Line – Quais são as maiores contribuições de Merleau-Ponty ao estudo da matemática? Por que sua filosofia inspira o estudo dessa ciência? Verilda Speridião Kluth – A característica mais conhecida da matemática é a sua abstração. E o abstraído é entendido como algo que está fora do alcance, fora do campo de percepção, fora do campo das sensações. A matemática torna-se com isso uma disciplina estranha àquele que não a estuda ou a aplica em sua profissão. É difícil reconstituir o caminho de volta que a põe no mundo. Muitas tentativas educacionais têm sido pensadas para apresentá-la ao público em geral de forma a ser compreendida, dada a necessidade dessa compreensão que é imposta pela nossa civilização, principalmente porque o conteúdo matemático traz em seu bojo uma abrangente aplicabilidade que perpassa não só as relações comerciais e políticas, mas também a construção de conhecimento de outras áreas científicas, tonificando o obscurecimento de seus conceitos e processos. Muitas vezes as dificuldades em matemática afastam possíveis interessados nos estudos que dela dependem, contribuindo para o aprofundamento da cisão entre ciências exatas e ciências humanas. A contextualização da matemática, que une a matemática constituída ao cotidiano das pessoas, tem sido um dos recursos didático-pedagógicos utilizados para a construção da aproximação entre o sujeito e a matemática. Núcleos de significação Em meu entender, a principal contribuição dos pensamentos de Merleau-Ponty é o aprofundamento que realiza de algumas ideias husserlianas, esclarecendo-nos um modo de compreender a construção desse caminho de volta ao evidenciar o enraizamento do primado do conhecimento na relação homem/mundo, e ao designar a percepção como a primeira camada do sentir. Isso nos permite dizer de uma contextualização que, embora ainda esteja em concordância com a aplicabilidade da matemática, não só diz dela, mas também de aspectos ontológicos, extremamente necessários para compreendermos a construção do conhecimento matemático realizada pelo sujeito e para mantermos a autoctonia dessa ciência, tão importante no momento de avaliarmos sua aplicabilidade em termos da ética, da estética e da sustentabilidade. Numa visão fenomenológica husserliana e merleau-pontyana, o termo contexto não se restringe às condições externas, como, por exemplo, juros de um empréstimo, tampouco apenas ao potencial intelectivo particular daquele que vive o acontecimento, saber calcular o juro ou ser capaz de aprender a calcular o juro. O contexto tem como fundante uma situação de acontecimento que possibilite a presença do núcleo de significação, do qual emerge a estrutura do juro. O contexto, assim entendido, caracteriza-se como coexistência de valores, como aquilo que legitima uma aplicabilidade compatível dos objetos matemáticos na vida das pessoas e nas ciências em geral. A meu ver, os educadores matemáticos fenomenológicos que se orientam pelas ideias de Merleau-Ponty têm como uma de suas preocupações buscar a compreensão dos núcleos de significação que deram e dão, ainda hoje, origem aos objetos matemáticos, fazendo jus à contribuição que o autor nos deixou. Porque aí temos a possibilidade de conhecermos não só aspectos dos objetos matemáticos, mas também o que é sentido e pensado por aqueles que os vivenciam. IHU On-Line – Em que consiste a investigação fenomenológica sobre a construção do conhecimento das estruturas da álgebra? Verilda Speridião Kluth – As investigações sobre O que acontece no encontro sujeito-matemática? e Estruturas da álgebra – investigação fenomenológica sobre a construção do seu conhecimento, ambas acessíveis em: http://www.sepq.org.br/61.asp, se entrelaçam. Enquanto a primeira foca o momento em que a matemática se faz presente para o sujeito na relação homem/mundo e estuda como se dá o primado do conhecimento das noções de formas matemáticas, a segunda questiona como acontece a construção do conhecimento matemático formal ao longo do tempo, inserida em uma tradição. Nela as estruturas algébricas são colocadas em epoché pela interrogação: Como se revela o pensar no movimento da construção do conhecimento das estruturas álgebras? Ela é uma investigação teórica que tece uma metodologia própria fundamentada na hermenêutica filosófica de Gadamer[1] posto em Verdade e método e no texto de Husserl intitulado Die Urstiftung und das Problem der Dauer. Der Ursprung der Geometrie (O estabelecimento e o problema da duração. A origem da geometria). Os textos citados possibilitam a realização de uma análise intencional retrospectiva de obras sobre as estruturas matemáticas. Novos horizontes Através dessa análise constatamos que os números complexos constituem um cirscunstancial propulsor das noções de estruturas matemáticas. Com isso pudemos evidenciar os números complexos como uma ontologia formal, descrição realizada por Husserl, como o primado das estruturas da álgebra. A descrição da análise intencional retrospectiva torna-se, como parte dos procedimentos da investigação, o texto-solo para compreendermos o movimento da construção do conhecimento das estruturas da álgebra. Desse segundo momento de análise, chegamos a três categorias abertas: os modos de doação das estruturas da álgebra; as estruturas das presenças: estrutura da álgebra e ser humano; e o modo de ser matemático do ser humano. Com a compreensão até aí elaborada sobre o movimento da construção do conhecimento das estruturas da álgebra tecemos uma articulação inspirada em Husserl, utilizando uma complementação à obra A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental intitulada Schichten des Weltbewustsein – em português: Camadas da consciência de mundo e nos pensamentos de Merleau-Ponty sobre o cogito, em torno da interrogação: Como se revela o pensar no movimento da construção do conhecimento das estruturas álgebras? Resumidamente, o pensar que se revela no movimento da construção do conhecimento das estruturas da álgebra não se trata absolutamente de um jogo, de uma articulação lógico-matemática de regras; ou de uma articulação puramente interpretativa/associativa de uma linguagem desvinculada da compreensão que é: presença das estruturas da álgebra em sua características fundamentais e presença do ser humano em seu potencial intuitivo/criativo. Ele diz de um olhar que o ser humano lança sobre o já conhecido, os números, que é novo porque vislumbra novos horizontes; porém, esses novos horizontes contemplam e têm raízes no conhecimento matemático historicamente instituído. IHU On-Line – O que acontece no encontro sujeito-matemática? Há uma problematização de Merleau-Ponty sobre essa intersecção? Verilda Speridião Kluth – No texto Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty traz alguns exemplos matemáticos para esclarecer a elaboração de seu pensamento, mas ele não problematiza de forma direta o encontro sujeito-matemática. Em meu entender, ele descreve o encontro sujeito-mundo. Esse encontro se dá na percepção, momento em que temporalidade e espacialidade se fazem presentes; é o tempo-lugar onde o sujeito está, em que o sujeito é sendo. Dessa forma, o encontro é abertura e doação de sentido (Sinngebung) de mundo. Nele se colocam presenças: homem e mundo. Presenças que se dão perfiladas. Perfis ou núcleos de significação de mundo que, ao serem incorporados no momento da percepção, tecerão a primeira camada de sentir o mundo, tendo como fundo o mundo percebido, entendido aqui como o mundo natural, o mundo cultural, os seres – semelhantes ou não – e o mundo em construção. E como o real é um tecido sólido que não espera os nossos juízos ou nossas asserções para juntar a si os fenômenos, esse encontro é também um encontro do sujeito com os objetos da nossa cultura, com tudo aquilo que se põe como presença doando-se enquanto sentido de mundo. A matemática poderá, então, ser pensada como presença no momento de percepção. E a interrogação se coloca, pondo o encontro sujeito-matemática em epoché. Essa problematização, pensada aqui como pergunta norteadora, é levantada e pesquisada na minha dissertação de mestrado. Respondendo à questão “o que acontece no encontro sujeito-matemática?”, numa interpretação inspirada nas ideias de Merleau-Ponty, de depoimentos sobre atividades vividas por participantes de um curso para formação de professores de escolas Waldorf”: a matemática manifesta-se no corpo próprio e no mundo. O sujeito percebe-se como formas: geométrica e numérica, ora como formas percebidas, ora como formas sentidas e ora como formas produzidas. Dá-se a percepção de estruturas de mundo que podem estar presentes tanto na matemática como na música, ou ainda no mundo natural, que reafirmam as possibilidades doadas à criatividade humana, engendradas pelos núcleos de significação de mundo. Sentido e existência Perceber e sentir os núcleos de significação no já conhecido pelo sujeito – o retorno “às coisas mesmas”, como anunciado por Husserl e explicitado por Merleau-Ponty – abrem-se à compreensão em várias perspectivas; a construção da realidade vai se pondo concomitante à construção do conhecimento no sentido de que a realidade não está descolada da aparência das coisas: ela é a armação de relações que diz respeito a todas as aparências. Disso temos que, no mundo real, o sentido coincide com a existência, contraem-se relações a todos os momentos. Nas palavras de Merleau-Ponty: “o real distingue-se de nossas ficções porque nele o sentido investe e penetra profundamente a matéria”. Como último destaque desta pesquisa, ao analisarmos o encontro sujeito-matemática, emergem modos de sentir a própria percepção da matemática. É nessa camada da construção do conhecimento, seguindo o pensar merleau-pontyano da exploração sensorial, que se constitui da vivência da unidade do sujeito e da unidade intersensorial do objeto, que temos a possibilidade de compreender o objeto matemático vivido – a unidade do objeto – na dimensão temporal e na dimensão espacial, ou seja, por em evidências seus aspectos humanos em termos de comportamento rítmico, métrico, criador, prazeiroso, revelador, de equilíbrio e imaginativo que revelam a fisionomia da forma sentida. A forma produzida, aquela que é construída ou posta em desenho, revela uma fisionomia de desafio, favorável a abdução e imaginação cinética. Por outro lado, na unidade do sujeito revela-se uma unidade que não é real. Ela está no horizonte da experiência e a subjetividade só é encontrada em estado nascente na temporalidade, que é a camada primordial em que nascem as ideias. Ao vivê-las o sujeito sente-se seguro. IHU On-Line – Como se dá o diálogo entre a filosofia da educação matemática em relação às grandes perguntas ontológicas e epistemológicas da filosofia? Verilda Speridião Kluth – Embora perceba laços entre as perplexidades destacadas nas interrogações da filosofia e da filosofia da educação matemática que se referem a perguntas ontológicas, epistemológicas – principalmente aquelas que procuram elucidar a construção do conhecimento matemático tanto do ponto de vista da construção que o sujeito realiza nos processos educacionais como a construção realizada no movimento das tradições –, eu penso que o principal elemento que une as duas áreas de forma significativa e que sustenta os diálogos possíveis é o modo como elaboram a busca de compreensão ou explicitação do perguntado. Evidencio aqui o modo de construir trajetórias de compreensão que diz do pensar filosófico como um pensar interrogativo, analítico, crítico e reflexivo sobre ocorrências, textos, propostas, realizações que permeiam as atividades humanas. Em particular, na filosofia da educação matemática, as ocorrências, os textos, as propostas e as realizações estão contextualizadas no movimento que vai se dando e se pondo como constituído no seio da educação matemática; e de seus efeitos para a sociedade. Ao ser tecida uma reflexão sobre essa realidade, poderá vir a ocorrer não só um diálogo entre perguntas levantadas pela filosofia, mas também por compreensões elaboradas por ela que iluminam caminhos de busca e que fornecem respostas ou parte delas às perguntas formuladas pela educação matemática, como num círculo hermenêutico sustentado por um pensar filosófico. Por exemplo, a pergunta “o que acontece no encontro sujeito-matemática?” já tem em sua constituição a afirmação de que tal encontro acontece. A legitimação dessa afirmação vai ser explicitada numa perspectiva filosófica para que a própria pergunta ganhe peso e profundidade. Por outro lado, ao estarmos inseridos no contexto da educação matemática, imbuídos do modo filosófico de se aproximar do mundo, poderemos formular perguntas filosóficas referentes às ocorrências desse contexto específico indagando: o que elas são, como elas se dão; por que são o que são, o que fazer ou ainda perguntas de cunho filosófico sobre os sujeitos que vivenciam essas ocorrências. Portanto, é o modo de pensar filosófico que coordena a investigação e que se revela no modo de perguntar e de buscar. IHU On-Line – É possível apontar uma influência de Immanuel Kant e seus juízos sintéticos a priori, possíveis na matemática, no pensamento de Merleau-Ponty? Verilda Speridião Kluth – Bem, essa é uma pergunta interessante e bastante complexa. Para respondê-la terei que retomar alguns aspectos da teoria kantiana tecendo um paralelo com a teoria merleau-pontyana. Não há como negar que Kant deixa um legado muito importante para o desenvolvimento da fenomenologia ao distinguir a coisa em si do fenômeno. Ele nos faz ver que não podemos apreender nenhuma coisa como existente se nós não nos experimentarmos existentes ao apreendê-la. Assim, o ato de ligação é visto como o fundamento do ligado, portanto a unidade de consciência é contemporânea à unidade de mundo. Com isso podemos entender que em Kant o primado da construção do conhecimento é a experiência. Quando não consideramos a descrição kantiana de como se dá a experiência, poderíamos dizer que aí haveria uma confluência entre aquilo que Kant compreende por experiência e aquilo que Merleau-Ponty vai descrever como vivência; aquilo que Kant descreve como juízos sintéticos a priori e os núcleos de significação, oriundos da descrição da percepção em Merleau-Ponty, que estão em sintonia com a unidade primordial posta na “reflexão noemática” de Husserl. O próprio Merleau-Ponty, na introdução de seu livro a Fenomenologia da percepção, faz uma crítica à bilateridade das relações sujeito e mundo posta em Kant, afirmando que a análise reflexiva, a partir da experiência do mundo, reconstitui a experiência para o sujeito como algo distinto dela e apresenta uma síntese universal como algo, sem o qual não haveria mundo. Em contrapartida, para Merleau-Ponty, o mundo está ali antes de qualquer análise que possamos fazer dele. O real deve ser descrito, e não podem ser incorporadas à percepção as sínteses que são da ordem do juízo, dos atos ou de predicação. Nas palavras de Merleau-Ponty, no texto acima referido, “A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explicitadas. (...), o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece”. Juízos sintéticos a priori Vejamos agora, por meio de exemplos, como essas duas formas de pensar o como se dá a experiência de mundo vão constituir seus esquemas explicativos do como se dá a construção do conhecimento matemático, em particular como se “chega” ao triângulo ou ao número. Para Kant, podemos traçar um triângulo na nossa imaginação sem nenhuma interferência essencial dos sentidos externos, ou seja, sem qualquer interferência do mundo. Precisamos apenas [da intuição] espaço que nos é dado pela sensibilidade pura. Como qualquer triângulo traçado é imperfeito, é a imaginação, faculdade intelectual, que nos permite obter a imagem do conceito de triângulo, que é uma imagem idealmente perfeita. O conceito de triângulo é, assim, o de uma figura plana limitada por três segmentos de reta, apresentada no espaço, por meio de uma construção temporal, um exemplo arbitrário de triângulos. Da mesma maneira nós nos representamos os conceitos numéricos na intuição pura do tempo. Por exemplo, o conceito de sete (7) é intuitivamente representado por uma sequência de sete instantes em sucessão temporal. Há a possibilidade de espacializarmos essa representação, ao imaginarmos os instantes como pontos. Representando assim os momentos de retenção dos instantes na memória, obtendo o número cardinal. Para Kant as verdades matemáticas, conceitos e asserções, são sintéticos, ou seja, aqueles que não são analíticos, nos quais a ideia denotada pelo sujeito contém a ideia representada pelo predicado; e também são a priori, ou seja, prescindem de dados empíricos. Sua teoria não dá conta de explicitar toda a matemática. Como, por exemplo, uma figura de muitos lados ou um número muito grande. Distanciamento Para Merleau-Ponty, a forma é uma configuração, é a própria aparição de mundo e não sua condição de possibilidade; com ela nasce uma norma; ela é a identidade entre exterior e interior. Esses pensamentos quando assumidos para explicitar a construção do conhecimento matemático leva-nos a afirmar que o triângulo, é uma configuração cujos elementos: lados, ângulos e vértices possuem valores sensoriais que são determinados por suas funções no conjunto. Assim, os três segmentos de reta tornam-se lados do triângulo ao fundar três vértices, e os pontos de encontro dos segmentos de reta tornam-se vértices ao fundar lados. Dá-se assim, o nascimento de uma norma. O triângulo, agora como um objeto percebido é a identidade entre aquele que percebe e o mundo que se mostra. O mesmo se dá ao pensarmos as formas numéricas, uma explicitação já posta em Husserl a partir da ideia de ser os números uma pluralidade determinada. Não vou me ater a isso. Ao articularmos as ideias de Merleau-Ponty com o corpo de conhecimento matemático, vemos ser explicitada a percepção de mundo como o primado de seu conhecimento numa concepção fenomenológica de homem e de mundo. Não vejo nos pensamentos de Merleau-Ponty os mesmos princípios que regem a explicitação dos juízos sintéticos a priori de Kant, pois os juízos são imagens do mundo, enquanto que os núcleos de significação que compõem o primado do conhecimento em Merleau-Ponty são presença de mundo corporificada, relações orgânicas entre sujeito e mundo explicitadas na noção de corpo próprio como sujeito da percepção. Fonte: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4155&secao=378&limitstart=1

Wednesday, November 02, 2011

Algumas Contradições da Prefeitura de Piracicabas

Inauguramos pontes por toda a cidade, mas não fomos capazes de remodelar o anel viário da cidade de Piracicaba (é uma vergonha ou quem passa por lá senhor prefeito), inauguramos escolas, mas tratamos os professores como se fossem bestas (sobre esse assunto, podemos ouvir as entrevistas do secretário da educação). A educação é a menina dos olhos da Prefeitura, mas pagamos um salário de fome para os educadores, sem falar da exclusividade que a prefeitura impõe aos professores nas atividades do AHTPC, reforçando uma situação patriarcal em tempos contemporâneos. Asfaltamos a cidade, mas as ondulações continuam (e os buracos continuam por toda a cidade, seja nos bairros Areião ou na Vila Independência, sem falar de outros. Gostaria de saber – como o shopping de Piracicaba conseguiu em tão breve tempo viabilizar os cortes das árvores do seu estacionamento, pois do dia pra noite as árvores desapareceram... No período da noite elas estavam lá... Ao passar por lá no outro dia não estavam mais. Vamos, Piracicaba, acorda! Daner Hornich

Militares, ciências, Educação Popular.

A pandemia atual expõe a falácia de alguns dogmas sobre a pós modernidade, ela mesma integra a lista dos enunciados falsos de evidências lóg...