Monday, December 26, 2011

Entrevista: Jean-Luc Marion

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/39486-o-natal-e-o-fracasso-do-pensamento-entrevista-com-jean-luc-marion Entrevista com Jean-Luc Marion
Não se julga um filósofo dos meios de comunicação. Jean-Luc Marion (1) é um intelectual de renome, reconhecido internacionalmente. Um ano atrás, ele foi oficialmente aceito na Academia Francesa; ocupou a vaga do cardeal Jean-Marie Lustiger de quem era amigo e conselheiro. Professor titular da cátedra de metafísica na Sorbonne – sucessor de Emmanuel Levinas, para ele um dos melhores filósofos do século XX – ocupa, na Universidade de Chicago, a que foi de Paul Ricoeur. Oferece-nos a sua reflexão sobre Deus, a fé e a Igreja.

A reportagem é de Josephine Bataille, publicada no jornal dos bispos italianos, Avvenire, 19-12-2010. A tradução é de Anete Amorim Pezzini.

Eis a entrevista.

Levinas, Ricoeur, Lustiger: o que evoca no senhor essa impressionante sucessão tripla?

Eu tento não pensar sobre essas coisas que um pouco me assusta, principalmente porque não houve nada premeditado. Minha vida é como eu imaginei que seria – eu sempre soube que, grosso modo, eu ia escrever livros de filosofia – e, ainda assim, eu nunca pensei que seria assim, de modo tão institucionalmente completo. Eu coloquei meus trabalhos uns em cima dos outros, como se constrói um muro de tijolos, o restante veio cada vez como um plus, quase com facilidade. Que meus livros sejam traduzidos, e, se eu escrever e isso criar uma imagem pública, não digo que eu seja completamente indiferente, mas, em certo um sentido, não é mais problema meu. É como se predispusessem as condições para um desenvolvimento que, de fato, não controlo.

Filósofo para quem a questão de Deus é uma questão fundamental, ele também é, antes de tudo, um crente. As duas dimensões estão ligadas?

Nascido em uma família católica firme em seus princípios, mas despreocupada com os detalhes, eu nunca tive contas em suspenso com a religião nem a sensação de que pudesse haver um conflito entre razão e fé. Mas eu sempre distingui os limites. Por outro lado, para mim, a ideia de ter de justificar-se filosoficamente a fé cristã é ridícula. Quando jovem, eu sonhava em ser um matemático, um centroavante do time de futebol do Racing Club da França e um campeão olímpico dos 1.500 metros. Também considerei a pintura; e eu devia escolher. Como me agradava pensar e discutir, a minha escolha recaiu sobre a filosofia. Como todas as atividades, também essa pode entrar em relação com a fé, mas não se trata de uma relação privilegiada ou obrigação. É-se um filósofo e cristão como se é jogador de futebol, pintor ou carpinteiro e cristão.

Em que os pensadores que proclamam a "morte de Deus" foram cruciais em suas reflexões sobre Deus?

Nos anos em que estudei filosofia, lia-se Nietzsche e falava-se muito da "morte de Deus". Mas, no final, trata-se de uma dimensão essencial da revelação cristã, segundo a qual Deus sobrevive na sua própria morte e integra-a! Então, o tema logo me pareceu demasiado grave para deixá-lo à polêmica anticristã. Na realidade, o que é a "morte de Deus" senão a constatação de que a definição de Deus que é dada – pensa-se-o como a origem do mundo, o mestre da moral, responsável pelo bem… – não se sustenta? Nós não negociamos com Deus, mas com uma certa filosofia (metafísica) que construiu aquele Deus. A "morte de Deus" é o fim de um Deus que tinha de morrer, porque não era mais Deus há muito tempo! Longe de fechá-la, esses pensadores reabriram a questão.

Para o senhor, o ponto não era tanto contradizer, quanto reconhecer uma falha do raciocínio filosófico?

Que relação poderia ter Deus com todas as definições que lhe impomos, quando falamos sobre ele? Aqueles que pensam que sabem as coisas em que acreditam são idólatras, assim como aqueles que afirmam saber o que não acreditam. Que seja impossível acessar Deus como se acessa o restante dos seres é algo sobre o que os crentes e não crentes sempre concordam. Ninguém jamais viu a Deus, diz o Evangelho de João (1, 18), e lá permanece sempre profundamente desconhecido, também reconhece Santo Tomás, na Súmula contra os Gentios.

Não se pode ter certeza sobre a questão de Deus?

Para explicar como o mundo vai, não precisamos de Deus, "hipótese inútil", como Laplace dizia. Por outro lado, quando se considera o que supera cada experiência humana possível, é-se obrigado a levantar a questão de Deus, isto é, daquele a quem nada é impossível. E reconhecer, ao mesmo tempo, que se trata de uma questão que nós jamais poderemos responder sozinhos. A peculiaridade de Deus é de ser parte daquilo que para nós é impossível. O impossível abre o lugar do divino.

Por que o ateísmo, em sua opinião, carece de lógica?

Porque nós não podemos dizer que Deus é impossível apenas porque nós, seres humanos, não podemos conhecê-lo: Deus está além do nosso conhecimento, por definição! Quando se diz que não é possível que Deus exista, apenas se combate uma representação de Deus que havíamos feito. Mas não resolve com certeza a questão de Deus, demostrando que não existe. A questão de Deus não pode ser jamais resolvida com o negativo, permanece aberta por definição. Sempre sobrevive à "morte de Deus", a história do pensamento é uma testemunha. Deus é sempre, pelo menos, "possível". Essa é uma certeza, e já diz muita coisa.

Uma vez que Deus é incognoscível, como a filosofia deve abordar a questão de Deus?

Perguntando-se não sobre o que Deus é – uma tarefa ilusória –, mas sobre a modalidade de relação que podemos ter com ele. Os pensadores da "morte de Deus" têm mostrado que entrar em um relacionamento de conhecimento com Deus não era adequado para a questão de Deus, porque Deus não é um "objeto de conhecimento" como os outros, que possa ser descrito e definido. A questão foi colocada em novos termos. Isso é o que me permitiu fazer essa forma de filosofia chamada fenomenologia: ela descreve a maneira como as coisas – ou pessoas – se dão, manifestam-se a nós, ainda antes de podermos considerá-las como objetos com uma óptica de conhecimento. Isso abre um campo muito mais vasto de reflexão.

Portanto, a Revelação não é uma "resposta" à questão da existência de Deus…

Os crentes são as pessoas que centram a questão de Deus sobre a forma de relação que podemos ter com ele. Ele nos ama? É amável? Tem-se acesso a ele? Salva da morte? O cristianismo é a revelação de que tal relação; é um Deus que diz, vós sois meus e eu sou vosso.

Em sua jornada de fé nunca passou por questionamentos assim humanos?

Eu confesso, sem querer chocar, nunca pensei seriamente que Deus não existisse. E não tenho dúvidas de um único artigo do Credo. Na verdade, ao contrário, tenho dificuldade de entender que não se possa acreditar, tanto mais que, à medida que envelheço, parece-me sempre mais evidente a harmonia das coisas. Por outro lado, a possibilidade de os homens rejeitarem a evidência é uma questão filosófica que me interessa muito: toda a vida é feita de evidências que não se veem. Então, eu não duvido da existência de Deus, mas eu duvido muito da minha própria, e isso parece mais racional. Há sempre ótimas razões para duvidar de si mesmo: conhecer-se e conhecer seus próprios limites. Eu experimentei algumas vezes, como todos, dificuldades na minha maneira de ser cristão: faz-se assim frequentemente o mal que não se quer, para retomar a fórmula de São Paulo, e às vezes também o que se quer. Mas, se nem sempre fiz tudo o que se deve fazer quando se é cristão, não é por isso que cheguei à conclusão de ter de mudar a moral cristã.

Em que ponto a filosofia cede o caminho para a fé?

O argumento filosófico simplesmente afirma que Deus é possível. Não se é obrigado a aventurar-se mais além. Se assim o fizer, é possível fazê-lo de várias maneiras: teologia, mas também poesia. Assim, a fé não é o único resultado possível da questão. Mas ela não pode sequer ser considerada um passo além da razão: é parte de um quadro absolutamente racional.

A Revelação responde à pergunta deixada em aberto pela filosofia?

Na verdade, não. Quando a Revelação chega e impõe-se historicamente não carrega uma "resposta", pois que vem modificar as perguntas, fazendo nascer uma lógica completamente nova. A Revelação produz a própria racionalidade, que os homens possam reconhecer, porquanto não seja o produto da sua inteligência. E, pelos seus efeitos civilizatórios, a revelação judaico-cristã está em uma boa posição. Promoveu o desenvolvimento da pintura e da música; impôs à filosofia perguntas que nunca haviam sido feitas antes; reclamou a independência da razão e da laicidade; a partir do interrogar-se sobre a representação do sagrado no ícone, levantou a reflexão sobre a imagem, sobre a capacidade de imitação, sobre o laço que ela entretece, de fato, entre o visível e o invisível.

Qual é a tarefa da teologia, se o homem não pode dizer nada sobre Deus?

A teologia deve partir da tomada de consciência de que Deus não se resume em qualquer definição: ela não é designada para dizer o que é Deus, mas como ele nos ama e como nós podemos amá-lo. Em poucas palavras, ela deve explicar em detalhe o conteúdo da Revelação, que a espiritualidade é uma forma de realizar.

O senhor está possuído da experiência amorosa de vida. Isto é, em última instância, a questão central da filosofia?

Eu sempre pensei que a realidade era apenas uma questão de amor. Uma das razões pelas quais eu acho que seja racional tornar-se cristãos é porque fala-se com o melhor do amor. Tudo o que fazemos, de uma forma ou de outra, fazemo-lo para responder a uma pergunta amorosa, para saber se eu amo e sou amado. Até o motor do conhecimento é o amor, uma vez que nos interessamos por aquilo que nos agrada. Então acho que é irracional partir de um ponto de vista diferente do amor, quando a vida cotidiana mostra-nos que só o amor é essencial para os seres humanos. E se o amor define o horizonte último da condição humana, de fato torna-se também o da racionalidade.

Se a racionalidade agisse em conjunto com o amor, então inteligência e verdade são os assuntos do coração.

Digamos que existem diferentes níveis de racionalidade. As perguntas lógicas, a matemática, a física, a técnica, abstratas não requerem uma racionalidade complexa, uma vez que, em princípio, podemos dominar todos os parâmetros. Arte, política, fé e amor são mais difíceis que matemática, porque há mais informações contingentes para gerenciar. Quando se tem a ver com fenômenos desse tipo é mais difícil saber e, por conseguinte, decidir, e está-se mais exposto ao erro. Isso não significa que esses fenômenos não possam dar lugar a decisões racionais. Mas eles têm sua forma de demonstração, os seus critérios específicos e, portanto, uma verdade própria. Pode-se assumir como verdade que alguém nos ama por um conjunto de indicadores que não têm nada a ver com aqueles das provas científicas, e todavia ter-se certeza.

Essas verdades complexas exigem uma inteligência superior?

Elas precisam vir a colocar-se em um nível mais abrangente da racionalidade. É por isso que os grandes santos são geniais: a partir do ponto de vista espiritual em que se encontram, compreendem melhor a realidade em relação àqueles que permanecem em seu próprio nível. Na minha opinião este é o caso do cardeal Lustiger. É evidente que há uma racionalidade superior a do amor. Ou do ódio: Hitler, como outros tiranos, era temido não pela eficácia técnica, mas pelo projeto moral. Geralmente, aqueles que negam a realidade do bem e do mal, e de qualquer dimensão espiritual, omitindo uma parte da complexidade do dado, estão condenados a perder a racionalidade, e isso vale para a liderança política do mundo. A revelação cristã, pelo contrário, é de grande ajuda para acessar este ponto de vista de cima.

O que acha da reforma da Igreja, o senhor que viveu a era do Concílio?

O Vaticano, no momento, realmente não me havia interessado e ele me tomou vinte anos para perceber o que tinha sido dito de fundamental. Um Concílio sempre provoca uma crise, pois intervém sobre problemas existentes; aguarda uma geração para confirmar o diagnóstico e aplicar o que foi percebido e iniciado. Hoje estamos nesse ponto, e por isso é que hoje nós devemos trabalhar! De resto, as instituições são, por definição, imperfeitas. Imaginar-se que possa haver uma Igreja sem relações de poder, sonhar uma instituição pura e transparente, parece-me infantil. A santidade, na Igreja, coexiste com as estruturas de poder, não as substitui. Entre os discípulos já havia relações de poder!

A questão da instituição da Igreja é importante para o senhor?

Confesso que não me sinto diretamente envolvido no seu sucesso nem no seu fracasso. Penso na minha experiência universitária que, em quarenta anos, viu acontecer uma vintena de reformas universitárias e percebeu que seu trabalho não dependia todas aquelas flutuações… Temos espontaneamente uma interpretação política e secular do poder na Igreja como se fosse uma multinacional qualquer. Mas os problemas internos da Igreja sempre tiveram uma única via de resolução: quando os Santos tomam conta da situação e criam novos movimentos, nova espiritualidade. O que me espanta não é que existam defeitos na Igreja. É que não há apenas defeitos e que ela conserva-se por mais de vinte séculos, embora se tratando somente de homens pecadores, e tanto mais visivelmente pecadores na medida em que pretendem falar em nome do Santo por excelência. Dito isso, eu sempre tive a impressão de uma grande liberdade na Igreja Católica, e eu nunca tive dificuldade em expressar minha opinião quando eu tinha uma, a custo de inimizar-me com os tradicionalistas ou os progressistas. Na Igreja, como na sociedade, o verdadeiro problema não é a liberdade de palavra. É ter uma palavra que realmente diga alguma coisa.

O senhor ficou ao lado do arcebispo de Paris, Jean-Marie Lustiger, por vinte anos.

Sim, mas em certo sentido, Lustiger não era a instituição. Eu o conheci em 1968, no Quartier Latin, depois no Sainte-Jeanne-de-Chantal para onde eu dirigia-me para ouvir seus sermões. Assim, tornamo-nos amigos, e eu o visitava muito, dando-lhe a conhecer aqueles que o visitavam, como Emmanuel Levinas. Quando ele se tornou bispo de Paris, institucionalizou essa relação: desempenhei os papéis de conselheiro e intermediário, especialmente em assuntos intelectuais. Mas não se aconselhava Lustiger, ao contrário, era ele quem aconselhava. Quanto ao resto, sou um simples batizado, que é praticante, que paga o óbulo e conserva um fundo de anticlericalismo como cada verdadeiro católico. Simplesmente feliz por viver nesta Igreja, a única que temos e que é suficiente.

Nota:

Jean-Luc Marion

1946 - Nasce em Meudon (Altos-do-Sena).
1967- 1973 - Normalista e agregado de filosofia, ele se inicia em teologia sob a orientação de Louis Bouyer, Henri de Lubac, Jean Daniélou...
1975 - Participa da fundação francesa da revista católica internacional Communio.
1980-2000 - Conselheiro de J. M. Lustiger.
Após 1995 - Ocupa a cátedra de metafísica na Sorbonne, fazendo também carreira na Europa e na América do Norte.
2008 - Eleito para a Academia Francesa.
2010 - Publica Le croire pour le voir [O crer para ver] (Le Cerf) e Certitudes négatives (Grasset)


Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/39486-o-natal-e-o-fracasso-do-pensamento-entrevista-com-jean-luc-marion

em vez de promover a emancipação humana, produz lucro para o capital

Um artigo interessante para os nossos tempos: Conferir abaixo: 01 de Dezembro de 2011 ENSINO SUPERIOR PRIVADO Da educação mercadoria à certificação vazia Enquanto não houver uma mudança radical, o próprio sentido de educação estará comprometido, posto que seu fim mais elementar não é atingido: em vez de promover a emancipação humana, produz lucro para o capital que só enxerga as camadas sociais C, D e E quando estas se apresentam como potencial mercado consumidor por Andrea Harada Souza O ensino superior, público e privado, no Brasil passou por grandes transformações nas últimas décadas. Essas mudanças – travestidas de democratização, por favorecerem o acesso – visaram atender a uma proposta de privatização e barateamento da educação. O Ministério da Educação (MEC) alardeia números, sobretudo para organismos internacionais – que obrigam o país a se enquadrar em padrões estipulados por eles na competição do mercado de consumo, trabalho e pesquisa –, que demonstram o crescimento do acesso ao ensino superior, ainda que distantes daqueles objetivados pelo Plano Nacional de Educação (PNE) (o acesso é de apenas 13,8% dos jovens, entre 18 e 24 anos). Porém, esse suposto processo de inclusão tem facilitado, para além do aceitável, um crescimento vertiginoso das instituições de ensino superior (IES) privadas, com desdobramentos que passam pela precarização do trabalho docente e pela formação duvidosa que essas empresas têm oferecido aos alunos por ela formados. A predominância de objetivos economicistas em detrimento dos pedagógicos nas IES privadas permitiu um fenômeno relativamente novo no Brasil: a formação de conglomerados educacionais, grandes empresas, de capital aberto e com forte participação de grupos estrangeiros em seu quadro de acionistas. A autorização para funcionamento dessa espécie de oligopólio do setor educacional tem intensificado a visão mercantil da educação superior no Brasil. Os exemplos mais representativos desse modelo de organização empresarial na educação ficam por conta dos grupos educacionais Kroton-Pitágoras, Estácio de Sá, SEB (Sistema Educacional Brasileiro) e Anhanguera Educacional. Esta última, com a recente aquisição da Uniban, passou a ser o maior grupo educacional do país, atendendo aproximadamente 400 mil alunos em campi espalhados por diversos estados brasileiros. Além disso, manteve sua projeção de crescimento de atingir 1 milhão de estudantes em cinco anos, segundo matéria do Valor Econômico de 17 de novembro de 2011. A alteração no padrão de financiamento das IES privadas promoveu uma mudança significativa no modelo de gestão: o papel que antes era predominantemente exercido por mantenedoras, de caráter familiar ou religioso, hoje passou a ser de responsabilidade de bancos ou fundos de investimentos que contratam executivos como seus representantes, padronizam procedimentos de relações de trabalho nos departamentos de recursos humanos e prestam contas ao fundo de ações. Decorre daí um perfil de gestão alinhavado com a lógica empresarial, sob responsabilidade de executivos, e muito distante dos objetivos educacionais que sempre foram sustentados por professores e pesquisadores. Abandono do Estado Tomado pela óptica do lucro, o setor educacional privado tem se valido, oportunamente, do abandono do Estado na oferta de vagas públicas para a formação superior. Dessa forma, as IES privadas, cuja existência deveria ter um caráter complementar, acabaram predominando e se consolidando em grupos que formulam e ditam as regras de seu interesse para a (des)regulamentação do setor, regras essas beneficiadas pelas chamadas políticas de parcerias público-privadas, as quais são alicerçadas sobre o princípio da transferência de dinheiro público para a iniciativa privada com a finalidade de que esta última cumpra o papel que o Estado se nega a exercer. No caso do ensino superior, essas transferências se dão predominantemente por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), além dos programas de benefícios de isenção fiscal oferecidos pelo BNDES. Nesse ponto, o discurso falacioso do Estado e o do setor privado convergem: trata-se de iniciativas e proposições que manifestam concretamente a preocupação com a formação do brasileiro e com o desenvolvimento do país! De modo geral, a consolidação da mercantilização da educação e a formação de oligopólios educacionais têm ocorrido com base na incorporação de princípios e fundamentos do setor empresarial, ou seja, na otimização dos recursos. Como afirma Marilena Chauí (2001), “a Universidade está estruturada segundo o modelo organizacional da grande empresa, isto é, tem o rendimento como fim, a burocracia como meio e as leis do mercado como condição”. Essa fórmula – clássica do neoliberalismo – consiste na diminuição das despesas para o consequente aumento dos lucros. Assim, com vistas a assegurar um perfil rentável − à empresa, é claro −, torna-se necessária a precarização das relações de trabalho: redução de salários, perda de direitos, ameaças e cobranças pelo desempenho da instituição nas avaliações externas promovidas pelo MEC são alguns traços da rotina de professores das IES privadas. Ao mesmo tempo, concorre para intensificar os contornos dramáticos desse quadro a expansão da modalidade EaD (educação a distância), que em 2010 fechou o ano com 973 mil alunos matriculados, o que corresponde a 30% de todos os universitários em instituições privadas. Nesse caso, a educação mediada pela tecnologia, que deveria servir para aproximar os extremos sociais, acaba por aprofundá-los. Contudo, para os empresários, o aliciamento desse recurso é tomado como mais uma vantagem mercadológica capitalista, sobretudo por potencializar sua capacidade de lucro. Na outra ponta, os salários praticados nas IES privadas são – via de regra – aviltantes, o que obriga muitos profissionais a lecionar em várias instituições, seja para compor a renda, seja para se prevenir das demissões, muitas vezes arbitrárias. Nesse contexto, os professores se veem impedidos de desempenhar tarefas diretamente ligadas à sua função (e ao ensino superior, ou seja, ensino, pesquisa e extensão), absorvidos que estão por uma jornada de trabalho extenuante. No entanto, paralelamente a isso, ocorre um processo silencioso de captura da subjetividade dos docentes com objetivo de estabelecer uma competição interna, cuja face mais alarmante é a perda da autonomia. Como toda competição tem exigências, impõe-se que esses profissionais – para terem condição de competir – sejam aguerridos, “pró-ativos”, competentes e indiferentes às questões coletivas, o que os leva a um distanciamento de seus sindicatos e associações e permite, muitas vezes, que sejam – deliberadamente – vistos como mão de obra manipulável pelos patrões. Precarização e intimidação Se de um lado temos a perda da autonomia dos professores como uma ameaça à própria noção de função docente, de outro notamos que, por parte dos empresários da educação, a oferta de uma formação aligeirada tem exigido profissionais cada vez menos críticos e progressivamente mais alienados da prática educativa. Não é raro o relato de professores do ensino superior que têm seus conteúdos – planos e ementas de cursos –, bem como suas avaliações, elaborados por um terceiro que nunca sequer esteve em uma sala de aula. Essa tentativa, por parte dos patrões, de padronizar a prática pedagógica para garantir um rendimento mínimo nas avaliações externas evidencia de maneira cabal seu propósito de controle absoluto sobre a mercadoria que vendem. Dessa forma, a reação e a resistência a essa prática de mercantilização da educação impõem grandes desafios. No estado de São Paulo, que acompanhamos mais de perto, tem sido cada vez mais difícil o enfrentamento com os patrões do ensino superior nas campanhas salariais organizadas por nossa federação, a Fepesp (Federação dos Profissionais de Educação do Estado de São Paulo), pois há um evidente conflito nas pautas apresentadas para negociação. Do lado de lá, a ofensiva é para subtrair direitos historicamente conquistados e que, vistos com a luneta do capital, representam entraves normativos à expansão dos lucros. Em razão disso, questões como plano de carreira, regulamentação da EaD e aumento real são deliberadamente ignoradas pelos patrões, que, por sua vez, promovem lobbiesjunto ao Poder Legislativo, a fim de que as regras do setor continuem a beneficiá-los. Entretanto, a predominância de valores empresariais na organização das IES e a falta de regulamentação efetiva por parte do MEC têm imposto uma permanente ameaça, ainda que velada, que é o desemprego. Assim, os professores insatisfeitos com salários e condições de trabalho incorporam a responsabilidade incutida pelo patrão, de que o mercado funciona assim: os insatisfeitos que se mudem. A aceitação dessa ideia leva a um comportamento defensivo, porque nos faz crer que nada pode ser feito e, por isso mesmo, qualquer iniciativa coletiva deve ser vista como prejuízo ao próprio trabalhador. Há também que se ressaltar a necessidade urgente de que o debate sobre a educação seja tomado como fundamento para um crescimento qualitativo e efetivo do Brasil, sobretudo para a população que ainda anseia conhecer na prática a longo prazo esse crescimento. Para validarmos o princípio democrático do direito à educação, sem, contudo, ignorar que o mercado do ensino privado não arrefecerá a curto prazo, precisamos assegurar o investimento de 10% do PIB na educação pública – que estimamos universal e de qualidade –, a fim de que ela seja o referencial para o setor privado, e não o contrário. Enquanto não houver uma mudança radical nesse quadro, o próprio sentido de educação estará comprometido, posto que seu fim mais elementar não é atingido: em vez de promover a emancipação humana, produz lucro para o capital que só enxerga as camadas sociais C, D e E quando estas se apresentam como potencial mercado consumidor. A forte presença do controle corporativo em um setor essencial como a educação provoca sérias fissuras na malha social, na medida em que os desdobramentos da transferência tácita da responsabilidade do Estado para a iniciativa privada têm autorizado o funcionamento de fábricas de diplomas com certificação vazia, para uma população que, embriagada pela democratização do acesso, ainda não se sabe enganada. Andrea Harada Souza Professora de literatura, presidente do Sinpro Guarulhos e membro da coordenação estadal da CSP-Conlutas Ilustração: Daneil Kondo Referências bibliográficas: CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a universidade. São Paulo: Ed. Unesp, 2001.INEP. “Sinopse da educação superior no Brasil”, 2009. Disponível em: www.inep.gov.br. Palavras chave: educação, ensino superior, MEC, Estado, política pública, classes sociais, mercantilização,controle, financiamento, mercado, consumidor, sociedade, lucro http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=1072

Monday, December 12, 2011

‘A Privataria tucana’

Saiu na Carta Capital, conferir abaixo a reportagem Chega às livrarias ‘A Privataria tucana’, de Amaury Ribeiro Jr. CartaCapital relata o que há no livro Chega às livrarias ‘A Privataria tucana’, de Amaury Ribeiro Jr. CartaCapital relata o que há no livro Não, não era uma invenção ou uma desculpa esfarrapada. O jornalista Amaury Ribeiro Jr. realmente preparava um livro sobre as falcatruas das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. Neste fim de semana chega às livrarias “A Privataria Tucana”, resultado de 12 anos de trabalho do premiado repórter, que durante a campanha eleitoral do ano passado foi acusado de participar de um grupo cujo objetivo era quebrar o sigilo fiscal e bancário de políticos tucanos. Ribeiro Jr. acabou indiciado pela Polícia Federal e tornou-se involuntariamente personagem da disputa presidencial. 'A Privataria Tucana', de Amaury Ribeiro Jr. Na edição que chega às bancas nesta sexta-feira 9, CartaCapital traz um relato exclusivo e minucioso do conteúdo do livro de 343 páginas publicado pela Geração Editorial e uma entrevista com autor (reproduzida abaixo). A obra apresenta documentos inéditos de lavagem de dinheiro e pagamento de propina, todos recolhidos em fontes públicas, entre elas os arquivos da CPI do Banestado. José Serra é o personagem central dessa história. Amigos e parentes do ex-governador paulista operaram um complexo sistema de maracutaias financeiras que prosperou no auge do processo de privatização. Ribeiro Jr. elenca uma série de personagens envolvidas com a “privataria” dos anos 1990, todos ligados a Serra, aí incluídos a filha, Verônica Serra, o genro, Alexandre Bourgeois, e um sócio e marido de uma prima, Gregório Marín Preciado. Mas quem brilha mesmo é o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, o economista Ricardo Sérgio de Oliveira. Ex-tesoureiro de Serra e FHC, Oliveira, ou Mister Big, é o cérebro por trás da complexa engenharia de contas, doleiros e offshores criadas em paraísos fiscais para esconder os recursos desviados da privatização. O livro traz, por exemplo, documentos nunca antes revelados que provam depósitos de uma empresa de Carlos Jereissati, participante do consórcio que arrematou a Tele Norte Leste, antiga Telemar, hoje OI, na conta de uma companhia de Oliveira nas Ilhas Virgens Britânicas. Também revela que Preciado movimentou 2,5 bilhões de dólares por meio de outra conta do mesmo Oliveira. Segundo o livro, o ex-tesoureiro de Serra tirou ou internou no Brasil, em seu nome, cerca de 20 milhões de dólares em três anos. A Decidir.com, sociedade de Verônica Serra e Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, também se valeu do esquema. Outra revelação: a filha do ex-governador acabou indiciada pela Polícia Federal por causa da quebra de sigilo de 60 milhões de brasileiros. Por meio de um contrato da Decidir com o Banco do Brasil, cuja existência foi revelada por CartaCapital em 2010, Verônica teve acesso de forma ilegal a cadastros bancários e fiscais em poder da instituição financeira. Na entrevista a seguir, Ribeiro Jr. explica como reuniu os documentos para produzir o livro, refaz o caminho das disputas no PSDB e no PT que o colocaram no centro da campanha eleitoral de 2010 e afirma: “Serra sempre teve medo do que seria publicado no livro”. CartaCapital: Por que você decidiu investigar o processo de privatização no governo Fernando Henrique Cardoso? Amaury Ribeiro Jr.: Em 2000, quando eu era repórter de O Globo, tomei gosto pelo tema. Antes, minha área da atuação era a de reportagens sobre direitos humanos e crimes da ditadura militar. Mas, no início do século, começaram a estourar os escândalos a envolver Ricardo Sérgio de Oliveira (ex-tesoureiro de campanha do PSDB e ex-diretor do Banco do Brasil). Então, comecei a investigar essa coisa de lavagem de dinheiro. Nunca mais abandonei esse tema. Minha vida profissional passou a ser sinônimo disso. CC: Quem lhe pediu para investigar o envolvimento de José Serra nesse esquema de lavagem de dinheiro? ARJ: Quando comecei, não tinha esse foco. Em 2007, depois de ter sido baleado em Brasília, voltei a trabalhar em Belo Horizonte, como repórter do Estado de Minas. Então, me pediram para investigar como Serra estava colocando espiões para bisbilhotar Aécio Neves, que era o governador do estado. Era uma informação que vinha de cima, do governo de Minas. Hoje, sabemos que isso era feito por uma empresa (a Fence, contratada por Serra), conforme eu explico no livro, que traz documentação mostrando que foi usado dinheiro público para isso. CC: Ficou surpreso com o resultado da investigação? ARJ: A apuração demonstrou aquilo que todo mundo sempre soube que Serra fazia. Na verdade, são duas coisas que o PSDB sempre fez: investigação dos adversários e esquemas de contrainformação. Isso ficou bem evidenciado em muitas ocasiões, como no caso da Lunus (que derrubou a candidatura de Roseana Sarney, então do PFL, em 2002) e o núcleo de inteligência da Anvisa (montado por Serra no Ministério da Saúde), com os personagens de sempre, Marcelo Itagiba (ex-delegado da PF e ex-deputado federal tucano) à frente. Uma coisa que não está no livro é que esse mesmo pessoal trabalhou na campanha de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, mas sob o comando de um jornalista de Brasília, Mino Pedrosa. Era uma turma que tinha também Dadá (Idalísio dos Santos, araponga da Aeronáutica) e Onézimo Souza (ex-delegado da PF). CC: O que você foi fazer na campanha de Dilma Rousseff, em 2010? ARJ: Um amigo, o jornalista Luiz Lanzetta, era o responsável pela assessoria de imprensa da campanha da Dilma. Ele me chamou porque estava preocupado com o vazamento geral de informações na casa onde se discutia a estratégia de campanha do PT, no Lago Sul de Brasília. Parecia claro que o pessoal do PSDB havia colocado gente para roubar informações. Mesmo em reuniões onde só estavam duas ou três pessoas, tudo aparecia na mídia no dia seguinte. Era uma situação totalmente complicada. CC: Você foi chamado para acabar com os vazamentos? ARJ: Eu fui chamado para dar uma orientação sobre o que fazer, intermediar um contrato com gente capaz de resolver o problema, o que acabou não acontecendo. Eu busquei ajuda com o Dadá, que me trouxe, em seguida, o ex-delegado Onézimo Souza. Não tinha nada de grampear ou investigar a vida de outros candidatos. Esse “núcleo de inteligência” que até Prêmio Esso deu nunca existiu, é uma mentira deliberada. Houve uma única reunião para se discutir o assunto, no restaurante Fritz (na Asa Sul de Brasília), mas logo depois eu percebi que tinha caído numa armadilha. CC: Mas o que, exatamente, vocês pensavam em fazer com relação aos vazamentos? ARJ: Havia dentro do grupo de Serra um agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que tinha se desentendido com Marcelo Itagiba. O nome dele é Luiz Fernando Barcellos, conhecido na comunidade de informações como “agente Jardim”. A gente pensou em usá-lo como infiltrado, dentro do esquema de Serra, para chegar a quem, na campanha de Dilma, estava vazando informações. Mas essa ideia nunca foi posta em prática. CC: Você é o responsável pela quebra de sigilo de tucanos e da filha de Serra, Verônica, na agência da Receita Federal de Mauá? ARJ: Aquilo foi uma armação, pagaram para um despachante para me incriminar. Não conheço ninguém em Mauá, nunca estive lá. Aquilo faz parte do conhecido esquema de contrainformação, uma especialidade do PSDB. CC: E por que o PSDB teria interesse em incriminá-lo? ARJ: Ficou bem claro durante as eleições passadas que Serra tinha medo de esse meu livro vir à tona. Quando se descobriu o que eu tinha em mãos, uma fonte do PSDB veio me contar que Serra ficou atormentado, começou a tratar mal todo mundo, até jornalistas que o apoiavam. Entrou em pânico. Aí partiram para cima de mim, primeiro com a história de Eduardo Jorge Caldeira (vice-presidente do PSDB), depois, da filha do Serra, o que é uma piada, porque ela já estava incriminada, justamente por crime de quebra de sigilo. Eu acho, inclusive, que Eduardo Jorge estimulou essa coisa porque, no fundo, queria apavorar Serra. Ele nunca perdoou Serra por ter sido colocado de lado na campanha de 2010. CC: Mas o fato é que José Serra conseguiu que sua matéria não fosse publicada no Estado de Minas. ARJ: É verdade, a matéria não saiu. Ele ligou para o próprio Aécio para intervir no Estado de Minas e, de quebra, conseguiu um convite para ir à festa de 80 anos do jornal. Nenhuma novidade, porque todo mundo sabe que Serra tem mania de interferir em redações, que é um cara vingativo. Fonte: http://www.cartacapital.com.br/politica/a-%E2%80%9Cprivataria-tucana%E2%80%9D-de-amaury-ribeiro-jr-chega-as-bancas-cartacapital-relata-o-que-ha-no-livro/ - 13/12/2011

Militares, ciências, Educação Popular.

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