Sunday, April 26, 2015

A guerra pelo petróleo se joga no mar

DA ÁSIA AO CARIBE, A CORRIDA PELAS RESERVAS EM ÁGUAS PROFUNDAS
A guerra pelo petróleo se joga no mar
As descobertas de novas reservas em águas profundas (mais 400 m) proliferam e se igualam ao total de reservas terrestres descobertas entre 2005 e 2009 fora da América do Norte. Dado ainda mais importante: as reservas descobertas em águas ultraprofundas (mais de 1.5 KM) são quase 50% das jazidas descobertas em 2010
por Michael T. Klare


No início de maio de 2014, a instalação da plataforma petrolífera de perfuração HYSY-981 nas águas contestadas do Mar da China Meridional suscitou especulações sobre as motivações chinesas. Na avaliação de diversos observadores ocidentais, Pequim pretendeu, com esse gesto, demonstrar que pode impor seu controle e dissuadir outros países de seguir com suas reivindicações de direito de exploração dessas águas, como é o caso do Vietnã e das Filipinas. A medida chinesa faria parte “do quadro de uma série de ações empreendidas pelos chineses nos últimos anos para afirmar a soberania do país em relação a partes contestadas do mar [da China Meridional]”, de acordo com Erica Downs, especialista em China na Brookings Institution (Washington). Entre essas ações, exemplifica, estão a tomada de controle do recife de Scarborough (ponta de terra não habitada, reivindicada pela China e pelas Filipinas) e o ataque repetido a navios de vigilância vietnamitas.
Para outros especialistas, essas ações são a expressão legítima da emergência de uma China como potência regional. Se por um lado o país não estava em condições de proteger seus territórios marítimos, agora lideranças afirmam que a China está suficientemente forte para fazê-lo. No entanto, se considerações nacionalistas e geopolíticas sem dúvida desempenharam um papel essencial na decisão de instalar a HYSY-981, não se pode subestimar o interesse relacionado a assuntos terrestres que essa plataforma oceânica representa para a busca de preciosas jazidas de petróleo e gás natural.
As necessidades chinesas aumentam, e as autoridades desaprovam a dependência crescente de fornecedores pouco confiáveis na África e Oriente Médio. O país procura suprir grande parte da energia utilizada por meio de fontes internas, entre elas os campos petrolíferos marítimos das zonas dos mares da China Oriental e Meridional, que considera estar sob seu controle. A China pretende monopolizar a exploração nessas áreas.

Pequim e Taiwan, a mesma área
Até agora, essas águas profundas foram exploradas de forma limitada, e a amplitude real da fonte de hidrocarbonetos permanece desconhecida. A Agência de Informação sobre Energia (Energy Information Administration, EIA), ligada à Secretaria de Energia dos Estados Unidos, estima que o Mar da China Oriental abrigue entre 60 milhões e 100 milhões de barris de petróleo, e entre 28 bilhões e 50 bilhões de metros cúbicos de gás.1Os especialistas chineses falam em volumes muito maiores.
A China investiu consideravelmente no desenvolvimento de tecnologias de perfuração de águas profundas. Procurando reduzir sua dependência em relação a tecnologias estrangeiras, a China National Offshore Oil Corporation (Cnooc) investiu 6 bilhões de yuans (mais de R$ 3 bilhões) para construir HYSY-981, a primeira plataforma semissubmersa do país. Com a superfície do tamanho de um campo de futebol e uma torre de perfuração equivalente a um prédio de quarenta andares, essa plataforma pode operar a uma profundidade de 3 quilômetros oceano abaixo e 12 quilômetros na terra.2
A China alega que cerca de 90% do Mar Meridional faz parte de suas águas territoriais, de acordo com uma carta publicada pelo governo nacionalista de 1947 – chamada muitas vezes de “traçado de nove linhas”, em referência às linhas que delimitam a zona reivindicada. Outros quatro Estados – Brunei, Malásia, Vietnã e Filipinas – reivindicam zonas econômicas exclusivas na mesma área. Taiwan, que justifica sua reivindicação da área pela mesma carta usada pela República Popular, quer a totalidade das águas.3
No Mar da China Oriental, Pequim estima que seu platô continental exterior se estenda até a foz do Okinawa, não distante das ilhas ao longo do Japão – que, por sua vez, reivindica uma zona econômica exclusiva que se estende até a linha mediana entre os dois países. Até o momento, as duas partes respeitaram um acordo tácito segundo o qual nenhum dos dois países deve avançar a exploração para além dessa linha. Mas as empresas chinesas estão realizando perfurações em uma zona imediatamente a oeste da linha mediana e explorando um campo de gás que se estende até o território reivindicado pelo Japão.
Essa rivalidade pela energia reflete a dependência mundial e crescente do petróleo e do gás marítimos em detrimento das reservas terrestres. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a produção de petróleo bruto proveniente das jazidas existentes, em sua maioria situadas em terra ou em águas costeiras pouco profundas, baixará em dois terços entre 2011 e 2035. Essa perda, afirma a AIE, pode ser compensada, contudo, apenas se os campos atuais forem substituídos por outras jazidas no Ártico, nas águas profundas e em formações ricas em xisto na América do Norte.4 Fala-se muito na extração por fraturação hidráulica do petróleo e gás natural contidos nas reservas de xisto dos Estados Unidos. Esforços mais importantes, porém, foram consagrados ao desenvolvimento de fontes marítimas. Segundo analistas do IHS Cambridge Energy Research Associates, eminente escritório de consultores, as descobertas de novas reservas em águas profundas (mais de 400 metros) proliferam e se igualam ao total das reservas terrestres descobertas entre 2005 e 2009 fora da América do Norte. Dado ainda mais importante é que as reservas descobertas em águas ultraprofundas (mais de 1500 metros) representam quase metade das jazidas encontradas em 2010.5
Em alguns casos, os futuros campos de exploração se localizam em águas pertencentes a zonas econômicas exclusivas de um Estado, que podem chegar a 200 milhas náuticas (370 quilômetros) da costa do país. A regra evita contendas como as dos mares da China Oriental e Meridional. O Brasil, por exemplo, descobriu diversas jazidas importantes na bacia de Santos, no Atlântico Sul, a cerca de 180 quilômetros a leste do Rio de Janeiro. Nas zonas mais promissoras, contudo, nenhum Estado criou zonas econômicas exclusivas, e as atividades exploratórias são controversas.
Os conflitos se produzem geralmente nos mares semifechados, como o Mar Cáspio, o do Caribe e o Mediterrâneo. As fronteiras marítimas podem ser terrivelmente difíceis de estabelecer em razão de um litoral irregular e da presença de muitas ilhas, cuja propriedade muitas vezes é reivindicada por outros Estados. Além disso, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que data de 1982, contém uma série de disposições sujeitas a múltiplas interpretações. Enquanto um Estado pode usar uma das causas para reivindicar uma zona econômica exclusiva a 200 milhas náuticas de seu litoral (como no caso do Japão e da China oriental), outro Estado pode se valer de uma disposição diferente que permite o controle sobre o platô continental exterior, mesmo que este se estenda sobre os domínios da zona exclusiva de seu vizinho (como a China alega neste caso). Apesar das Nações Unidas terem estabelecido uma Corte especial para cuidar desses desacordos – o Tribunal Internacional do Direito do Mar –, vários Estados não reconhecem sua autoridade, e os conflitos continuam crescendo. Algumas nações adotaram posições inflexíveis, ameaçando recorrer a forças militares para defender o controle do que consideram interesses nacionais essenciais.
Os perigos são patentes, como se observa no caso das águas do Atlântico Sul que contornam as Ilhas Malvinas (Ilhas Falkland, para os britânicos), reivindicadas tanto pelo Reino Unido como pela Argentina. Em 1982, os dois países entraram em guerra pelo controle do arquipélago. O conflito breve, porém sangrento, teve como motor o nacionalismo e a queda de braço entre os dirigentes políticos envolvidos: Margaret Thatcher em Londres e uma junta militar em Buenos Aires. Desde então, as partes acordaram um armistício, mas a questão da soberania sobre as ilhas não foi resolvida. Atualmente, a descoberta de campos submersos de petróleo e gás na região fez as tensões recrudescerem. Londres declarou uma zona exclusiva de 322 quilômetros ao redor das ilhas e autorizou empresas sediadas no Reino Unido a prospectar lá. De seu lado, a Argentina afirma que seu platô continental exterior se estende até as Malvinas e que essas empresas estão atuando de forma ilegal em seu território. Entre ameaças de outras represálias, proibiu navios britânicos do setor petroleiro de aportar em seu litoral. Londres reagiu reforçando destacamentos aéreos e navais no arquipélago.

Desenvolver as zonas disputadas
Uma situação ainda mais perigosa ronda o Mediterrâneo oriental, onde Israel, Líbano, Síria, Chipre, República Turca do Chipre do Norte, assim como autoridades palestinas de Gaza, reivindicam reservas promissoras de petróleo e gás. De acordo com o Escritório de Estudos Geológicos dos Estados Unidos (United States Geological Survey), o Mar Levantino, que corresponde ao quarto mais a leste do Mediterrâneo, abrigaria reservas de gás natural estimadas em 3,4 bilhões de metros cúbicos, aproximadamente o volume das reservas confirmadas no Iraque.6
Hoje, Israel é o único Estado costeiro que explora sistematicamente essas reservas. A produção começou em março de 2013 na jazida de gás natural de Tamar, e Tel-Aviv prevê explorar a jazida de Leviatã, muito mais vasta. O projeto provocou protestos no Líbano, que reivindica uma parte dessas águas. Enquanto isso, o Chipre concedeu licenças para as empresas Noble Energy (norte-americana), Total (francesa) e Eni (italiana) para a instalação de plataformas em seu território marítimo, e pretende começar a produção nos próximos anos. A Turquia, em apoio aos cipriotas turcos, condenou fortemente essas decisões.
Conflitos similares eclodiram em outros espaços marítimos ricos em recursos energéticos, como no Mar Cáspio (onde Irã, Uzbequistão e Turcomenistão disputam uma fronteira marítima) e nas águas situadas a nordeste da costa sul-americana (onde a Guiana e a Venezuela reivindicam a mesma zona de potencial exploração). Em todos esses casos, um nacionalismo exacerbado se alia à busca insaciável de recursos energéticos para evitar a importação de petróleo e gás natural.
Em vez de considerarem essas contendas um problema sistêmico, o que exigiria uma estratégia específica para resolvê-lo, as grandes potências tendem a tomar partido de seus respectivos aliados. Assim, com a pretensão de permanecer neutro em relação à questão da soberania das ilhas Senkaku/Diaoyu, no Mar da China Oriental, o governo de Barack Obama reafirmou várias vezes que apoiava o Japão e se comprometeu a enviar auxílio em caso de ataque chinês. Essa posição foi denunciada por Pequim como uma afronta inaceitável – e torna ainda mais difícil convencer partes adversárias, implicadas nessa querela ou em outras do mesmo tipo, a sentarem-se na mesa de negociações para encontrar uma solução e evitar que as coisas piorem.
Para tentar amenizar esses desentendimentos, há diversas iniciativas em andamento: explicações mais precisas sobre os direitos dos Estados costeiros e as zonas econômicas exclusivas em alto mar; eliminação das ambiguidades suscitadas pelas disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar; esforço internacional para estabelecer instâncias neutras que possam encontrar soluções por meio de negociações pacíficas.
Enquanto esperam a consolidação de tais medidas, as partes engajadas nesses conflitos deveriam procurar desenvolver conjuntamente os espaços contestados – estratégia adotada pela Malásia e pela Tailândia no Golfo da Tailândia, assim como pela Nigéria e São Tomé e Príncipe no Golfo da Guiné. Na ausência de esforços nesse sentido, as contendas marítimas atiçadas pela disputa de recursos energéticos poderão estremecer o século XXI, assim como os conflitos fronteiriços terrestres abalaram os séculos passados.

Michael T. Klare é professor de Relações Internacionais no Hampshire College e autor de Rising Powers, Shrinking Planet: The New Geopolitics of Energy (Metropolitan Books, 2008).

Ilustração: André da Loba

1  “China”, Energy Information Administration, 4 fev. 2014. Disponível em: www.eia.gov.
2  “China Begins Deep-Water Drilling in South China Sea” [China começa a exploração em águas profundas no Mar da China Meridional], Xinhua, 9 maio 2012.
3  Cf. notadamente Ronald O’Rourke, “Maritime Territorial Disputes and Exclusive Economic Zone (EEZ) Disputes Involving China: Issues for Congress” [Disputas territoriais marítimas e disputas de zonas econômicas exclusivas envolvendo a China: temas para o Congresso], Congressional Research Service (Serviço de Pesquisa do Congresso), Washington, 24 dez. 2014.
4  International Energy Agency, “World Energy Outlook 2012” [Panorama da energia mundial 2012], Paris, 2012.
5  Philip H. Stark, Bob Fryklund, Steve DeVito e Alex Chakhmakhchev, “Independents Setting Sights on International Opportunities in Deep Water, Shale and EOR” [Estabelecimento unilateral de oportunidades em águas profundas e jazidas], The American Oil & Gas Reporter, Derby (Kansas), abr. 2011.
6   US Geological Survey (USGS), “Natural Gas Potential Assessed in Eastern Mediterranean” [Potencial de gás natural no Mediterrâneo oriental], USGS Newsroom, Washington, 8 abr. 2010.


 
01 de Abril de 2015
Palavras chave: PetróleoEstados unidosmarfronteirasChinaguerrailhas malvinasArgentinaJapão,Mar CáspioÁrtico

Como reproduzimos a cultura do capital

Como reproduzimos a cultura do capital

Leonardo Boff
 No artigo anterior – A cultura capitalista é anti-vida e anti-felicidade - tentamos, teoricamente, mostrar que a força de sua perpetuidade e reprodução reside na exacerbação de um dado de nossa natureza que consiste no afã de auto-afirmar-se, de fortificar o próprio eu para não desaparecer ou ser engolido pelos outros. Mas ela recalca e até nega o outro dado, igualmente, natural, o  da integração do eu e do individuo num todo, na espécie, da qual é um representante.
Mas é insuficiente determo-nos apenas nesse tipo de reflexão. Ao lado daquele dado originário, vigora  outra força que garante a perpetuação da cultura capitalista. É o fato de nós, a maioria da sociedade, internalizarmos os “valores” e o propósito básico do capitalismo que é a expansão constante da lucratividade que permite um consumo ilimitado de bens materiais. Quem não tem, quer ter, quem tem, quer ter mais e quem tem mais diz: nunca é suficiente. E para a grande maioria, a competição e não a solidariedade e a supremacia do mais forte  prevalecem sobre qualquer outro valor, nasrelações sociais, especialmente, nos negócios.
Chave para a sustentação da cultura do capital é a cultura do consumo, da permanenteaquisição de produtos novos: um novo celular com mais aplicativos, um modelo mais sofisticado de computador, um estilo de sapato ou de vestido diferentes, facilidades no crédito bancário para possibilitar a compra-consumo, aceitação acrítica das propagandas de produtos etc.
Criou-se uma mentalidade, onde todas estas coisas são naturalizadas. Nas festas entre amigos ou familiares e nos restaurantes consome-se à tripa forra, enquanto, ao mesmo tempo, os noticiários relatam os milhões que passam fome. Não são muitos os que se dão conta desta contradição, pois a cultura do  capital educa para ver primeiro a si mesmo e não se preocupar  dos outros e do bem comum. Este então, já o dissemos vários vezes, vive no limbo há muito tempo.
Mas não basta atacar a cultura do consumo. Se o problema é sistêmico, temos que lhe opor outro sistema, anticapitalista, anti-produtivista, anti-crescimento linear e ilimitado. Ao TINA capitalista (there is no Alternative): “não há outra alternativa” temos que contrapor outra TINA humanista (there is a newAlternative):” há uma nova alternativa”.
Por todas as partes, surgem rebentos alternativos dos quais cito, como exemplo, apenas tr?s: o “bien vivir”dos povos andinos que consiste na harmonia e no equilíbrio de todos os fatores, na família, na sociedade (democracia comunitária), com a natureza (as águas, os solos, as paisagens) e com a Pachamama, a Mãe Terra. A economia não se orienta pela acumulação mas pela produção do suficiente e decente para todos.
Segundo exemplo: está se fortalecendo mais e mais o ecossocialismo que nada tem a ver com o socialismo uma vez existente (que era na verdade um capitalismo de Estado) mas com os ideais do socialismo clássico de igualdade, solidariedade, da subordinação do valor de troca ao valor de uso com os ideais da moderna ecologia, como vem  excelentemente apresentada entre nós por Michael Löwy em seu O que é o ecossocialismo (Cortez 2015) e outros em vários países como as contribuições significativas de James O’Connor e de Jovel Kovel. Aí se postula a economia em função das necessidades sociais e das exigências da proteção do sistema-vida e do planeta como um todo. Um socialismo democrático, segundo O’Connor, teria com objetivo uma sociedade racional fundada no controle democrático, na igualdade social e na predominância do valor de uso. Löwy acrescenta ainda “que tal sociedade supõe a propriedade coletiva dos meios de produção, um planejamento democrático que permita à sociedade definir os objetivos da produção e os investimentos, e um nova estrutura tecnológica das forças produtivas”(op.cit. p.45-46). O socialismo e a ecologia partilham dos valores qualitativos, irredutíveis ao mercado (como a cooperação, a redução do tempo de trabalho para viver o reino da liberdade de conviver, de criar, dededicar-se à cultura e à espiritualidade e ao resgate da natureza devastada). Esse ideal está no âmbito das possibilidades históricas e orienta pr áticas que o antecipam.
Um terceiro modelo de cultura eu chamaria de a “via franciscana”. Francisco de Assis, atualizado por Francisco de Roma é mais que um nome ou um ideal religioso; é um projeto de vida, um espírito e modo de ser. Entende a pobreza não como um não ter mas como capacidade de sempre desprender-se de si mesmo para dar e mais uma vez dar, a simplicidade de vida, o consumo como sobriedade compartida, o cuidado dos desvalidos, a confraternização universal com todos os seres da natureza, respeitados como irmãos e irmãs, a alegria de viver, de dançar e de cantar até cantilenae amatoriae da Provence, cantigas de enamoramento. Em termos políticos seria um socialismo da suficiência e da decência e não da abundância, portanto, um projeto radicalmente anti-capitalista e anti-acumulador.
Utopias? Sim, mas necessárias para não afundarmos na crassa materialidade, utopias que podem se tornar a inspiradora referência após a grande crise sistêmica ecológico-social que virá inevitavelmente como reação da própria Terra que já não aguenta tanta devastação. Tais valores culturais sustentarão um novo ensaio civilizatório, finalmente mais justo, espiritual  e humano.
* teólogo e escritor. Leonardo Boff escreveu Francis of Assisi: a Model for Human Liberation, Orbis, N.York 2010.

A cultura capitalista é anti-vida e anti-felicidade

A cultura capitalista é anti-vida e anti-felicidade

 Leonardo Boff 
 A demolição teórica do capitalismo como modo de produção começou com Karl Marx e foi crescendo ao longo de todo o século XX com o surgimento do socialismo. Para realizar seu propósito maior de acumular riqueza de forma ilimitada, o capitalismo agilizou todas as forças produtivas disponíveis. Mas teve como consequência, desde o início, um alto custo: uma perversa desigualdade social. Em termos ético-políticos, significa  injustiça social e produção sistemática de pobreza.
Nos últimos decênios, a sociedade foi se dando conta tam bém de que não vigora apenas uma injustiça social, mas também uma  injustiça ecológica: devastação de inteiros ecossitemas,  exaustão dos bens naturais, e, no termo, uma crise geral do sistema-vida e do sistema-Terra. As forças produtivas se transformaram em destrutivas. Diretamente o que se busca msmo é dinheiro. Como advertiu o Papa Francisco em excertos já conhecidos  da Exortação Apostólica sobre a Ecologia: ”no capitalismo já não é o homem que comanda, mas o dinheiro e o dinheiro vivo. A ganância é a motivação ... Um sistema econômico centrado no deus-dinheiro precisa saquear a natureza para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente."
Agora o capitalismo mostrou sua verdadeira face: temos a ver com um sistema anti-vida humana e anti-vida natural. Ele nos coloca o dilema: ou mudamos ou corremos o risco da nossa própria  destruição, como alerta a Carta da Terra.
No entanto, ele persiste como o sistema dominante em todo o globo sob  o nome de macro-economia neoliberal de mercado. Em que reside sua permanência e persistência? No meu modo de ver, reside na cultura do capital. Isso é mais que um modo de produção. Enquanto cultura encarna um modo de viver, de produzir, de consumir, de se relacionar com a natureza e com os seres humanos, constituíndo um sistema que consegue continuamente se reproduzir, pouco importa em que cultura vier a se instalar. Ele criou uma mentalidade, uma forma de exercer o poder  e um código ético. Como enfatizou Fábio Konder Comparato num livro quer merece ser estudado A civilização capitalista (Saraiva, 2014):”o capitalismo é a primeira civilização mundial da história”(p.19). E orgulhosamente afirma:"não há outra alternativa."
Vejamos rapidamente algumas se suas características: finalidade da vida: acumular bens materiais; mediante um crescimento ilimitado produzido pela exploração sem limites de todos os bens naturais; pela mercantilização de todas as coisas e  pela especulação financeira; tudo feito com o menor investimento possível, visando a obter pela eficácia o maior lucro possível dentro do tempo mais curto possível; o motor é a concorrência turbinada pela propaganda comercial; o beneficiado final é o indivíduo; a  promessa é a felicidade num contexto de materialismo  raso.
Para este propósito se apropria de todo tempo de vida do ser humano, não deixando espaço para a gratuidade, a convivência fraternal entre as pessoas e com a natureza, o amor, a solidariedade e o simples viver como alegria de viver. Como tais realidades não importam na cultura do capital mas são elas que produzem a felicidade possível, o capitalismo destrói as condições daquilo que se propunha: a  felicidade. Assim ele não é só como anti-vida mas também anti-felicidade.
Como se depreende, esses ideais não são propriamente  os mais dignos para efêmera e única passagem de nossa vida neste pequeno planeta. O ser humano não possui apenas fome de pão e afã de riqueza; é portador de outras tantas fomes como de comunicação, de encantamento, de paixão amorosa, de beleza e arte e de transcendência, entre outras tantas.
Mas por que a cultura do capital se mostra assim tão persistente? Sem maiores mediações diria: porque ela realiza uma dasdimensões essenciais da existência humana, embora a elabore de forma distorcida: a necessidade de auto-afirmar-se, de reforçar seu eu, caso contrário não subsiste e é absorvido pelos outros ou desaparece.
Biólogos e mesmo cosmólogos (citemos apenas um dos maiores deles Brian Swimme) nos ensinam: em todos os seres do universo, especialmente no ser humano, vigoram duas forças que coexistem e se tencionam: a vontade do indivíduo de ser, de persistir e de continuar dentro do processo da vida; para isso tem que se auto-afirmar e fortalecer sua identidade, seu “eu”. A outra força é da integração num todo maior, na espécie, da qual o indivíduo é um representante, constituído redes e sistemas de relações fora das quais ninguém subsiste.     
A primeira força se constela ao redor do eu e do indivíduo e origina o individualismo. A segunda se articula ao redor da espécie, do nós e dá origem ao comunitário e ao societário. O primeiro está na base do capitalismo, o segundo, do socialismo.
Onde reside o gênio do capitalismo? Na exacerbação do eu até ao máximo possível, do indivíduo e da auto-afirmação, desdenhando o todo maior, a integração e o nós. Desta forma desequilibrou toda a existência humana, pelo excesso de uma das forças, ignorando a outra.
Nesse dado natural reside a força de perpetuação da cultura do capital, pois se funda em algo verdadeiro mas concretizado de forma exacerbadamente unilateral e patológica.
Como superar esta situação secular? Fundamentalmente no regate do equilíbrio destas duas forças naturais que compõem a nossa realidade. Talvez seja a democracia semfim, aquela instituição que faz jus, simultaneamente, ao  indivíduo (eu) mas inserido dentro de um todo maior (nós, a sociedade) do qual é parte. Voltaremos ao tema.
* teólogo e filósofo

CNBB critica terceirização e redução da maioridade penal

CNBB critica terceirização e redução da maioridade penal

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou ontem (24) nota sobre a conjuntura do país, com críticas ao projeto de lei que regulamenta a terceirização de mão de obra nas empresas e à proposta de redução da maioridade penal. A nota foi divulgada no encerramento da 53ª Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida (SP). Na reunião também ocorreu a cerimônia de posse de Dom Sérgio da Rocha na presidência da CNBB.
De acordo com a nota, a entidade avaliou “com apreensão” a realidade brasileira, “marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça as conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem democrática do país”. A nota acrescenta que “a retomada de crescimento do país, uma das condições para vencer a crise, precisa ser feita sem trazer prejuízo à população, aos trabalhadores e, principalmente, aos mais pobres”.
Sobre o projeto que trata da terceirização, o texto expressa que ele não deve restringir direitos. “A lei que permite a terceirização do trabalho, em tramitação no Congresso Nacional, não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise”, registra.
A informação é publicada pela Agência Brasil, 25-04-2015.
Na avaliação dos bispos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993), que propõe redução da maioridade penal para 16 anos, é um “equívoco que precisa ser desfeito”. Para a CNBB, a redução da maioridade penal não é solução para a violência no país. “Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência”, aponta.
Outro tema abordado na nota é o projeto de lei que altera o Estatuto do Desarmamento. A avaliação é de que se trata de ilusão a ideia de que facilitando o acesso da população à posse de armas se combate a violência.
Ao final do texto, a CNBB salienta que muitas destas e de outras matérias que incidem diretamente na vida do povo têm, entre seus caminhos de solução, uma reforma política. A reforma política também foi tratada pelo recém-empossado presidente da conferência, dom Sérgio da Rocha, em entrevista a jornalistas.
Ele disse que “o fato de a Igreja falar da reforma política, mostrar a importância da palavra política, não quer dizer que esteja adotando uma posição que seja do governo que aí está, ou então de um partido ou outro. Nós fazemos isso [falar da reforma política] com sentimento de corresponsabilidade e de responsabilidade na vida social”.
Eis a nota da CNBB sobre o momento nacional.
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida em sua 53ª Assembleia Geral, em Aparecida-SP, no período de 15 a 24 de abril de 2015, avaliou, com apreensão, a realidade brasileira, marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça as conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem democrática do País. Desta avaliação nasce nossa palavra de pastores convictos de que “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).
O momento não é de acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas ou de ódio que desconsiderem a política como defesa e promoção do bem comum. Os três poderes da República, com a autonomia que lhes é própria, têm o dever irrenunciável do diálogo aberto, franco, verdadeiro, na busca de uma solução que devolva aos brasileiros a certeza de superação da crise.
A retomada de crescimento do País, uma das condições para vencer a crise, precisa ser feita sem trazer prejuízo à população, aos trabalhadores e, principalmente, aos mais pobres. Projetos, como os que são implantados na Amazôniaafrontam sua população, por não ouvi-la e por favorecer o desmatamento e a degradação do meio ambiente.
A lei que permite a terceirização do trabalho, em tramitação no Congresso Nacional, não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise.
A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (cf. Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em instituições da sociedade. Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão.  Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética.
A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis. Lamentamos que no Congresso se formem bancadas que reforçem o corporativismo para defender interesses de segmentos que se opõem aos direitos e conquistas sociais já adquiridos pelos mais pobres.
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, por exemplo, é uma afronta à luta histórica dos povos indígenas que até hoje não receberam reparação das injustiças que sofreram desde a colonização do Brasil. Se o prazo estabelecido pela Constituição de 1988 tivesse sido cumprido pelo Governo Federal, todas as terras indígenas já teriam sido reconhecidas, demarcadas e homologadas. E, assim, não estaríamos assistindo aos constantes conflitos e mortes de indígenas.
PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal para 16 anos, já aprovada pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça da Câmara, também é um equívoco que precisa ser desfeito. A redução da maioridade penal não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência.
Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor há 25 anos, responsabiliza o adolescente, a partir dos 12 anos, por qualquer ato contra a lei, aplicando-lhe as medidas socioeducativas. Não procede, portanto, a alegada impunidade para adolescentes infratores. Onde essas medidas são corretamente aplicadas, o índice de reincidência do adolescente infrator é muito baixo. Ao invés de aprovarem a redução da maioridade penal, os parlamentares deveriam criar mecanismos que responsabilizem os gestores por não aparelharem seu governo para a correta aplicação das medidas socioeducativas.
Projeto de Lei 3722/2012, que altera o Estatuto do Desarmamento, é outra matéria que vai na contramão da segurança e do combate à violência. A arma dá a falsa sensação de segurança e de proteção. Não podemos cair na ilusão de que, facilitando o acesso da população à posse de armas, combateremos a violência. A indústria das armas está a serviço de um vigoroso poder econômico que não pode ser alimentado à custa da vida das pessoas. Dizer não a esse poder econômico é dever ético dos responsáveis pela preservação do Estatuto do Desarmamento.
Muitas destas e de outras matérias que incidem diretamente na vida do povo têm, entre seus caminhos de solução, uma Reforma Política que atinja as entranhas do sistema político brasileiro. Apartidária, a proposta da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, da qual a CNBB é signatária, se coloca nessa direção.
Urge, além disso, resgatar a ética pública que diz respeito “à responsabilização do cidadão, dos grupos ou instituições da sociedade pelo bem comum” (CNBB – Doc. 50, n. 129). Para tanto, “como pastores, reafirmamos ‘Cristo, medida de nossa conduta moral’ e sentido pleno de nossa vida” (Doc. 50 da CNBB, Anexo – p. 30).
Que o povo brasileiro, neste Ano da Paz e sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, supere esse momento difícil e persevere no caminho da justiça e da paz.
Aparecida, 21 de abril de 2015.
Cardeal Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo de Aparecida, Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva, OFM, Arcebispo de São Luís do Maranhão, Vice Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, Bispo Auxiliar de Brasília, Secretário Geral da CNBB”

A lei da terceirização é boa? Depende se você é patrão ou funcionário

CONTRA A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A LEI DE TERCEIRIZAÇÃO QUE FAVORECE O PATRONATO EXPLORADOR CONTRA OS DIREITOS DOS TRABALHADORES. OS DEPUTADOS E OS SENADORES BRASILEIROS SÃO A EXPRESSÃO DA "RAZÃO DO ESTADO" EMPRESARIAL INTERESSADO NOS SEUS PRÓPRIOS BENEFÍCIOS LUCRATIVOS AO DEFENDER OS MAIS FORTES E FERRAR COM A VIDA DOS MAIS FRACOS DA POPULAÇÃO BRASILEIRA QUE NÃO ESTÃO NO PODER E NOS PALÁCIOS DOS TRÊS PODERES E NAS GRANDES COORPORAÇÕES INTERNACIONAIS E NACIONAIS (O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO DO CAIO PRADO JUNIOR É ATUAL). OS MAS FORTES DEFENDEM OS DONOS DO CAPITAL PARA AUMENTAR O SEU PRÓPRIO PODER E CAPITAL. E A SENHORA PRESIDENTE VAI SANCIONAR A LEI DOS MAIS FORTES CONTRA A POPULAÇÃO BRASILEIRA? LEMBRE-SE DAS SUAS ORIGENS NO PARTIDO TRABALHISTA. AS MANIFESTAÇÕES DEVERIAM SER (MAIS COERENTES E SER) CONTRA TODOS QUE ESTÃO NO PODER POLÍTICO DO ESTADO BRASILEIRO E NÃO REPRESENTAM OS INTERESSES DO POVO SOBERANO MAS DA ELITE INTELIGENTE QUE GOVERNA ESTE PAÍS EM NOME DOS SEUS INTERESSES PRIVADOS. SÓ PARA LEMBRAR AS LEIS SÃO FEITAS PELOS FORTES PARA PROTEGÊ-LOS DELES MESMOS, POIS EM RELAÇÃO AOS FRACOS ELES SE GARANTEM, COMO ESCREVEU FRIEDRICH NIETZSCH.

A lei da terceirização é boa? Depende se você é patrão ou funcionário

lei da terceirização é boa? A resposta para essa pergunta depende muito da posição no mercado que você ocupa. Ela terá consequências diversas para patrões e trabalhadores, e atingirá de forma diferente o setor público e o privado. De acordo com o texto aprovado na Câmara na noite desta quarta, empresas particulares podem terceirizar todas as atividades, tanto as atividades-meio (que são aquelas que não são inerentes ao objetivo principal da companhia), quanto as atividades-fim, que dizem respeito à sua linha de atuação.
A reportagem é de Gil Alessi e publicada por El País, 23-04-2015.
A advogada trabalhista e professora da PUC-SP Fabíola Marques afirma que a nova lei da terceirização só é boa para o patrão, “que vai terceirizar sempre que isso lhe trouxer uma redução de custos". De acordo com ela, a medida trará economia na folha de pagamento e nos encargos trabalhistas das empresas. Mas uma consequência direta dessa economia é “a redução do valor pago ao empregado terceirizado, que terá sua situação precarizada”. Ou seja, se o empresário gasta menos ao terceirizar, o valor pago à companhia contratada – que conta com sua própria hierarquia e também busca o lucro – será menor, e o salário que essa empresa paga a seus funcionários será mais baixo do que o recebido antes.
Segundo Marques, outra faceta negativa da terceirização para os trabalhadores é o enfraquecimento dos sindicatos, o que também afetaria negativamente os salários. O projeto de lei não garante a filiação dos terceirizados no sindicato da atividade da empresa, o que pode ser prejudicial. “Se antes o faxineiro de um banco fazia parte do sindicato dos bancários, que é forte, após a terceirização ele integrará a entidade de classe da empresa terceirizada”, afirma Marques.
Os terceirizados podem passar a ser representados por diferentes categorias, e perdem benefícios conquistados pelo setor, como piso salarial maior e plano de saúde, além de ver seu poder de barganha reduzido. Por sua vez, os sindicatos fortes também são prejudicados pela terceirização, uma vez que irão ver o seu número de filiados minguar.
O mercado alega que com o modelo atual, as empresas acabam arcando com muitos encargos – incluindo eventuais processos trabalhistas -, o que gera um receio de contratar e prejudica a criação de postos de trabalho. Com a alteração na lei aprovada, existe um discurso do setor de que, com parte das responsabilidades compartilhadas com uma terceirizada – caberá a ela arcar com encargos trabalhistas -, haveria um aumento no número de vagas no mercado e um incremento no emprego. Esse ponto é questionado por centrais sindicais e especialistas, já que nada garante que haverá um aumento de contratações.
“Não existe relação direta entre a lei da terceirização e a abertura de novas vagas de trabalho”, afirma André Cremonesi, juiz titular da 5a vara do Trabalho de São Paulo. De acordo com ele, "no dia seguinte à sanção da lei as empresas começarão a terceirizar sua força de trabalho". Ele acredita que em um processo gradual, "não da noite para o dia", haverão menos trabalhadores contratados diretamente e mais terceirizados, sendo que o percentual de pessoas que podem se ver "nessa situação precária" chega, em teoria, "a quase 100% do total de 100 milhões de pessoas economicamente ativas [incluindo trabalhadores informais, microempresários e etc]". Segundo ele, atualmente 12 milhões de pessoas são terceirizadas.
Ele acredita que, caso a lei seja sancionada, haverá “uma avalanche de ações trabalhistas, com muita gente questionando a constitucionalidade da terceirização”. O magistrado afirma que como muitas vezes a terceirizada não tem patrimônio, o pagamento das indenizações ficará a cargo da empresa contratante. “Essa lei é um retrocesso”. Cremonesiafirma que este processo irá reduzir o poder de compra do trabalhador, e pode provocar uma queda no consumo no médio prazo.
A polêmica em torno do assunto ainda continua. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), classificou a terceirização da atividade fim como uma "pedalada" no direito do trabalhador, abrindo uma frente de conflito com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defensor da lei, que poderia atrasar o envio do projeto ao Senado.
Gaudio Ribeiro, assessor de ministro no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e coordenador dos cursos jurídicos do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) de Brasília, defende a nova lei, mas reconhece que as empresas terceirizadas “têm uma saúde financeira precária, trabalham no limite, e muitas vezes se veem obrigadas a suprimir direitos". Ele afirma que frequentemente elas não concedem equipamentos de proteção e nem férias, "e consequentemente o número de acidentes de trabalho costuma ser mais elevado”.
Ribeiro acredita que o contrato ideal é “a contratação direta com prazo indeterminado”, mas que isso é inacessível “para uma grande parte da população economicamente ativa”. Logo, ele afirma que a terceirização pode abrir portas para que jovens entrem no mercado de trabalho, ainda que em condições mais precárias.
Outro ponto polêmico do projeto é que a Câmara reduziu de 24 para 12 meses o prazo que a empresa precisa esperar para poder recontratar algum funcionário que era contratado com base na CLT demitido para tornar-se terceirizado. Especialistas afirmam que esse ponto favorece ainda mais a precarização do trabalho, já que incentiva a terceirização de funcionários registrados.
E, caso seja sancionada como está pelo Senado e pela presidenta Dilma Rousseff, a medida pode valer para os contratos atuais. Ou seja, vale para novas contratações e para funcionários que já estão há anos em uma determinada empresa.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/542034-a-lei-da-terceirizacao-e-boa-depende-se-voce-e-patrao-ou-funcionario

Tuesday, April 07, 2015

Malogros educacionais Maria Sylvia Carvalho Franco - O Estado de S. Paulo

Malogros educacionais

Maria Sylvia Carvalho Franco - O Estado de S. Paulo
04 Abril 2015 | 16h 00

O Fies nem sequer consegue igualar oportunidades: a maior parte de seus alunos tem renda familiar superior a 20 salários

Pouco se lembra, hoje, nos debates sobre política e economia brasileiras,  o peso da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), órgão cuja presença foi clara quando alguns de nossos políticos e intelectuais refugiaram-se no Chile, nos idos do golpe militar. Esses liames persistiram, com seus projetos e sequelas: a industrialização corretora da dinâmica dos mercados internacionais, a substituição de importações, a melhoria  de renda e nível de vida, o mercado interno menos sujeito a importações e de viés exportador, a produção competitiva, adequada ao comércio externo. Acoplados a esse mecanismo, preconizou-se a intervenção do Estado, a “cooperação” do capital internacional (de bancos como BID, FMI, Bird, Banco Mundial),  o progresso tecnológico, embutido na esperança de uma burguesia nacional inovadora, digna de incentivos e privilégios.  

Na medida inversa ao programa, universidades federais foram deixadas à míngua
Na medida inversa ao programa, universidades federais foram deixadas à míngua

 Esse quadro se apoiou na distinção centro/periferia elaborada por R. Prebish (ligado a bancos). Sua influência exerceu-se desde Juscelino, era em que, ampliando o nacionalismo populista de Vargas, é reconhecível a engrenagem cepalina, ampliada pela ditadura. Nessa fase, governo e empresários, associados, mantiveram o nacionalismo desenvolvimentista, o recurso ao endividamento e à  industrialização e outras medidas, que levaram ao “milagre brasileiro”. Contudo, a repressão atalhou o ilusório pacto entre patrões, trabalhadores e poderes públicos, base do modelo imaginado pela Cepal. O automatismo concebido em sua engrenagem, com as benesses fluindo de alto a baixo no sistema, exclui a fortuna e os conflitos políticos, advogando a paz perene. Desatento ao exercício de poder, o aparato doutrinário da Cepal moveu-se no melhor dos mundos, qual ideologia de Pangloss, presumindo a harmonia universal.

 São notórios os males do esquema suposto “progressista”, mas conservador, se não regressivo, contíguo ao formulário neoliberal. Face aos danos, a Cepal buscou diferenciar-se dos amargos remédios-venenos que receitara. Admitindo não haver nexo direto entre desenvolvimento econômico e social, reconhecendo inexistir filtragem de benefícios para os grupos carentes, o neoestruturalismo dirigiu seu diagnóstico antes para condições históricas próprias aos países que para a política econômica, preservando, porém, o serviço da dívida externa. Ao Estado caberia complementar o jogo do mercado e enfrentar os novos desafios da industrialização a fim de -  superando a lógica de Prebish, sem excluir o investimento externo - apoiar processos endógenos de acumulação conjugados à eficiência, ao progresso técnico, ao frugal consumo público e privado, à disciplina fiscal, aos incentivos e isenções tributárias cautelosos, à boa distribuição da renda e benefícios sociais, a inserção vantajosa do País na dinâmica da economia mundial.  

 Essa política supõe a trama de empresas, educação, tecnologia, infraestruturas, relações trabalhistas, instituições públicas, sistema financeiro. Seu desígnio é gerar equidade e justiça social, garantir a democracia, erradicar a pobreza, impedir a concentração da riqueza, alavancar empregos, corrigir a informalidade no mercado de trabalho, redistribuir  renda, promover o amparo mútuo entre governante e governados. Tudo isso implica modernizar o sistema produtivo, reeditando a imagem de patrões e empregados dinâmicos, criativos e responsáveis, aptos ao consenso e coordenação (O.Sunkel e G. Zuleta, Neo-Structuralism Versus Neo-Liberalism, Cepal Review, nº 42 ).  

 Assistimos à falência dessa quimera no governo Dilma, a qual, enquanto chefe de Estado,
comprometeu-se com as posições cepalinas. Em sua Mensagem no 34º Período de Sessões da Cepal (2012),  enumera os feitos de seu governo,  coincidentes com aquelas teses: o ataque aos malefícios implica a “visão integrada para a qual a contribuição da Cepal tem sido decisiva”. Invocando a exigência moral e econômica necessária ao crescimento, vangloria-se de ter construído “um mercado de consumo de massa, com a retirada de milhões de pessoas da miséria e da pobreza, o que permitiu a criação de um círculo virtuoso em nossa economia”. 

 Antes (2010), os laços com a Cepal já eram  estreitos: sua secretária executiva foi a Brasília para, com autoridades federais, preparar o próximo encontro da Comissão. Nesse contexto, os vínculos Cepal-Brasil metamorfosearam-se em Cepal-PT, com a designação de Antonio Prado para secretário executivo adjunto da entidade. Seu currículo inclui cargos em instituições como o BNDES e  a coordenação do programa de governo de Lula em 2002, conotando “a clara indicação do governo petista à Cepal” (Sergio Leo, Valor Econômico).  

 Os compromissos do governo brasileiro com as fórmulas cepalinas subjazem aos reveses de nossas políticas públicas, tal como na educação superior. Nesta, as ações político-pedagógicas ajustam-se em minúcia ao documento Educacion y Conocimiento, Eje de la Transformacion Productiva con Equidad (CEPAL,1992). Destacarei só uma de suas partes, suficiente para delinear seu conservadorismo, se não apologia do capitalismo avançado. Nele, é esmiuçado o ideário acima referido. 

 Nessa plataforma, o “progresso científico-tecnológico” sustenta a “transformação das estruturas produtivas” com “progressiva equidade social”. Esses  alvos supõem o treino técnico-científico, vital à competitividade dos países e ao desempenho democrático. Isso suporia um consenso nacional abrangendo governos, empresários, universidades, partidos políticos, parlamentares, investigadores educacionais, igrejas e sindicatos. No fulcro dessa ordem jaz o mecanismo dos mercados: o aprendizado  instrui para o trabalho produtivo, a tecnologia que o informa leva à inserção nos negócios globais, a equidade e democracia - a moderna cidadania -  visam ao domínio dos “códigos” da modernidade,  o saber tecnológico. Fecha-se o círculo: a técnica funda a educação e a última garante a hegemonia da primeira, ambas norteadas pelo trato mercantil em vários âmbitos, do indivíduo ao cosmos.

 O crescimento e competitividade geradores de cidadania conjugam-se ao nacionalismo e à  ética fundadora da expansão econômica benfazeja. Nessa estratégia, entende-se por nacionalismo a “identidade cultural dos povos”, com os mores locais operando como articuladores entre prosperidade econômica e bonança democrática. Assim entendidos, os valores nacionais projetam as outras cláusulas para o equilíbrio econômico e a coesão social: competitividade, integração e descentralização. O argumento que as legitima está em fruir as diversidades culturais modernas, os novos rumos abertos ao sistema educativo, mais eficiente se integrado e conduzido por dirigentes locais, que melhor podem ajustar os programas didáticos à coletividade tornando-se mais afinados com as necessidades produtivas e as demandas locais de profissionalização e competitividade. Desse prisma, pedagogia e políticas públicas destinam-se a otimizar a produção e circulação de mercadorias, critérios decisivos para o ensino e o trabalho. Novamente as exigências dos mercados ingurgitam as boas intenções (ou asseguram seu próprio êxito). 

 Nesse quesito, o documento cepalino sucumbe à contradição própria ao liberalismo: garantir a intervenção do Estado até onde sustente o processo de dominação socioeconômica e recusá-la quando essa ingerência limite as liberdades pretendidas. Essa antinomia é clara no projeto de ensino descentralizado e autônomo. De um lado, ele requer o apoio do Estado provedor, compensando pontos de partida desiguais, equiparando oportunidades. De outro, os requisitos de eficiência e autonomia não se confundem com privatização institucional ou transferência de custos aos agentes privados. De fato,  esse “conjunto  essencial de capacitação, de investigação e de desenvolvimento devem ser realizadas pela sociedade e contar com o patrocínio e o financiamento público”. Por “sociedade”, entenda-se “escolas privadas”, restando ao setor governamental despojar o patrimônio público. De fato, opera-se vasta privatização do ensino superior, arcada pelo Estado.

 Os malogros educacionais da administração Dilma ajustam-se às regras da Cepal. Na intenção, caberia às escolas colocar ao alcance dos jovens os “códigos da modernidade”; de fato, a elas foi outorgada plena autonomia, sem controle público, sem exigência de êxito em exames oficiais para a admissão nos cursos. Os imensos recursos investidos no Fies, sem fiscalização, tornaram o ensino superior um grande negócio. Essa magnitude é exemplar na expansão da Ser Educacional, de Pernambuco, que além da compra da Universidade de Guarulhos (cinco unidades em São Paulo), visa a multiplicar sua presença nas principais cidades do Norte e Nordeste (pedido ao MEC de 25 câmpi nessa região) e, mais, tem interesse no ensino a distância (Valor Econômico). 

 Grande parte da renda nas escolas privadas vem do lucro sem risco, garantido pelo Estado. Dadas suas  subvenções, o valor das mensalidades aumentou, o número de estudantes cresceu, os ágios subiram. (Estadão Dados) Do lado oposto, os juros subsidiados e o dilatado prazo de pagamento, nos contratos com o governo, mesmo eliminando possível inadimplência, acarreta largos prejuízos  à União. Ganhos privados versus perdas públicas não seria um cômputo irônico se as escolhas estudantis recaíssem sobre as áreas ditas  estratégicas. Ao revés, observa-se o desvio dos fins postos para o progresso do conhecimento e do País - os saberes tecnológicos. Cerca de 1/3 dos contratos do Fies em 2013 foram para direito, administração e enfermagem. Entre as matérias próximas ao “eixo para o desenvolvimento”, apenas engenharia civil cresceu (Estadão Dados). Outro malogro vem da clientela assistida pelo Fies: em vez de suscitar  equidade, ou “igualização de oportunidades”, a maior parte dos  alunos subvencionados é de jovens cuja renda familiar é superior a 20 salários mínimos,  aptos a pagar escolas privadas. 

 A autonomia das universidades particulares refluiu com as recentes medidas do governo, que freou os repasses financeiros, conteve o aumento de mensalidades, introduziu condições acadêmicas, definindo graus de avaliação  e coeficientes requeridos nos exames públicos. Concebidas como empresas mercantis, essas escolas não foram apenas afetadas nas áreas funcionais e discentes, mas também no circuito financeiro, nas bolsas, que oscilam face às projeções de sua lucratividade. Diante das ameaças, seus donos pressionaram o MEC e conseguiram amenizar as restrições. 

 Apesar dessas alterações  no campo universitário, sua exploração é um negócio da China: grande volume, no geral baixa qualidade, salários parcos, lucros altos. Tanto é assim que, com a redução do aporte federal, o crédito universitário privado ressurgiu  atraindo  bancos e outras financiadoras das escolas.  Na medida inversa, as universidades federais foram deixadas à míngua. Também abandonados foram os estudantes aos quais muito se prometeu. A perversão do ensino universitário privado não passou despercebida à reflexão pedagógica: em artigos, teses, blogs especializados, há profusão de investigações sobre o tema.  Não foi por falta de alerta, mas por  dogmatismo ideológico, que o governo federal caiu na própria armadilha. 

MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO É PROFESSORA TITULAR DE FILOSOFIA DA USP E DA UNICAMP

Militares, ciências, Educação Popular.

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