Wednesday, November 18, 2015

Terror: o Ocidente prepara a pior resposta

Terror: o Ocidente prepara a pior resposta

"Outro erro cometido pelos líderes do G20 é subestimar insistentemente o ISIS. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse que o grupo não deveria ser chamado pelo nome 'Estado Islâmico', mas infelizmente ele é de fato um Estado, e mais poderoso que metade dos membros das Nações Unidas", escreve Patrick Cockburn, em artigo publicado por Outras Palavras. A tradução é de Inês Castilho, 17-11-2015. 
Eis o artigo.
O “Estado Islâmico” (ISIS) ficará satisfeito com o resultado do seu ataque em Paris. Mostrou que pode retaliar com a usual selvageria um país que está bombardeando seu território, e é um poder a ser temido num momento em que está sob séria pressão militar. Bastou a ação de oito homens-bombas e atiradores suicidas do grupo para que este dominasse a agenda da mídia internacional por muito tempo.
Não há muito o que possa ser feito a respeito. As pessoas estão compreensivelmente ansiosas para saber se serão metralhadas na próxima vez que se sentarem num restaurante ou assistirem a um concerto em Paris ou Londres. Mas o tom apocalíptico da cobertura de imprensa é exagerado: a violência vivida até agora em Paris não é comparável à deBelfast e Beirute nos anos 1970 ou à de Damasco e Bagdá, hoje. Ao contrário do que a cobertura hiperbólica da TV tenta mostrar, o choque de viver numa cidade bombardeada passa logo. As previsões de Paris amedrontada para sempre, na expectativa de outro ataque, jogam água no moinho do ISIS.
Outra desvantagem decorre da retórica exagerada sobre o massacre: ao invés de as atrocidades servirem como incentivo para ação efetiva, palavras iradas substituem políticas reais. Depois dos assassinatos no Charlie Hebdo, em janeiro, 40 líderes mundial marcharam de braços dados pelas ruas de Paris proclamando, entre outras coisas, que dariam prioridade à derrota do ISIS e seus equivalentes da al-Qaeda.
Mas, na prática, não fizeram nada parecido. Quando as forças do ISIS atacaram Palmira no leste da Síria, em maio, osEUA não lançaram ataques aéreos contra elas porque a cidade era defendida pelo exército sírio e Washington tinha medo de ser acusado de manter o presidente Bashar al-Assad no poder.
Na verdade, os EUA entregaram ao ISIS um trunfo militar, que o grupo usou prontamente para tomar Palmira, decapitar soldados sírios capturados e explodir antigas ruínas.
O presidente turco Recep Tayyip Erdogan disse na reunião do G20, na Turquia, que “o tempo para conversas acabou” e é preciso haver ação coletiva contra o “terrorismo”. Soa como uma afirmação impressionante da Turquia contra o ISIS, masErdogan explicou que sua definição de “terrorista” é ampla e inclui os curdos sírios e sua guerrilha YPG (Unidades de Proteção Popular), considerada pelos EUA a melhor aliada militar contra o ISIS.
O entusiasmo de Erdogan para atacar insurgentes curdos na Turquia e no norte do Iraque mostrou-se muito mais forte que seu desejo de atacar o ISIS, o Jabhat al-Nusra e o Ahrar al-Sham.
Há poucos sinais de que os líderes do G20, reunidos na Turquia, tenham entendido a natureza do conflito no qual estão envolvidos. A estratégia militar do ISIS é uma combinação única de terrorismo urbano, tática de guerrilha e guerra convencional. No passado, vários Estados usaram terrorismo contra seus opositores, mas, no caso do ISIS, sua estratégia de guerra é toda baseada em esquadrões suicidas com foco em alvos civis leves, em seu país e no exterior.
Quando o YPG tomou a passagem fronteiriça do ISIS, que cruzava para a Turquia em Tal Abyad, em junho, o grupo retaliou enviando soldados disfarçados à cidade curda de Kobani, onde massacraram mais de 220 homens, mulheres e crianças.
Quando a Rússia começou sua campanha aérea contra o ISIS e outros jihadistas extremistas, em 30 de setembro, o grupo respondeu plantando uma bomba num avião russo que deixava Sharm el-Sheikh, e matou 224 passageiros.
Outro erro cometido pelos líderes do G20 é subestimar insistentemente o ISIS. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse que o grupo não deveria ser chamado pelo nome “Estado Islâmico”, mas infelizmente ele é de fato um Estado, e mais poderoso que metade dos membros das Nações Unidas – com um exército experiente, serviço militar obrigatório, tributação e controle de todos os aspectos da vida das pessoas na vasta área que domina.
Enquanto existir, irá projetar seu poder por meio de operações suicidas como as que acabamos de ver em Paris. Como o alvo potencial é a população civil como um todo, nenhuma ampliação das medidas de controle e das medidas de segurança será efetiva. O homem-bomba sempre passará.
A única solução real é a destruição do ISIS: isso poder ser feito apenas por meio de uma ação dos EUA e da Rússia, em parceria com aqueles que estão de fato lutando contra o grupo em terra.
A Força Aérea norte-americana agiu muito efetivamente com o YPG, habilitando-o a derrotar o ISIS em Kobani, e com a Peshmerga curdo-iraquiana, que capturou a cidade de Sinjar na semana passada. Mas os EUA resistem a atacar o ISISquando este luta contra o exército sírio ou as milícias xiitas no Iraque. Como estas são as duas formações militares mais fortes envolvidas no combate ao ISIS, a força militar dos EUA está sendo retirada de onde seria mais efetiva.
Diante da simpatia internacional pelos franceses após o massacre em Paris, é inevitável que não haja quase nenhuma crítica à política “durona” da França em relação ao conflito sírio.
Há alguns meses, numa entrevista a Aron Lund, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional (Carnegie Endowment for International Peace), um dos maiores especialistas franceses na SíriaFabrice Balanche, atualmente no Instituto Washington para Política no Oriente Médio, contou que “em 2011-2012 sofremos uma espécie de macartismo intelectual na questão síria: se você dissesse que Assad não cairia em três meses, poderia tornar-se suspeito de estar sendo pago pelo regime sírio”.
Ele observou que o ministro das Relações Exteriores da França assumiu a causa da oposição síria, enquanto a mídia insistia em ver a revolta síria como a continuidade das revoluções na Tunísia e no Egito. Estavam cegos para as divisões políticas, sociais e entre seitas que marcam o país.
Como a burocracia estatal, a maior parte do exército e os serviços de segurança estão firmes com os alauítas, é quase impossível livrar-se de Assad e seu regime – cujos líderes vêm desta comunidade – sem que o Estado entre em colapso, deixando um vácuo que será preenchido pelo ISIS e seus pares da Al-Qaeda.
A despeito dos últimos ataques terroristas, ainda não há política de longo prazo para evitar que venham a acontecer novamente.

Mariana: essa não é uma tragédia ambiental

Mariana: essa não é uma tragédia ambiental

"A multa de R$ 250 milhões aplicada recentemente pelo Governo Federal à Samarco representa apenas um pequeno paliativo quando o que deveria ter sido feito é trabalhar a prevenção evitando o caos e não a remediação caso dessa multa", escreve Reinaldo Canto, colunista de Carta Capital e assessor de imprensa e consultor da ONG Iniciativa Verde, em artigo publicado por Envolverde, 16-11-2015.
Eis o artigo.
O rompimento das barragens de rejeitos de mineração da Samarco, em Mariana (MG) é mais um entre muitos exemplos de desleixo e falta de responsabilidade que congrega e une todos os setores diretamente e indiretamente envolvidos com a fiscalização e o sempre demonizado licenciamento ambiental.
A destruição ainda está longe de conseguir ser devidamente contabilizada, pois o movimento da onda de rejeitos continua a espalhar seu legado de terror sepultando em seu caminho onde antes existia vida, rios, plantas, animais, cidades e pessoas. As próprias autoridades já decretaram a morte de Bento Rodrigues, pois o distrito de Mariana não deverá ser uma localidade habitável tão cedo. Faltam ainda também descobrir os danos que serão causados na passagem dessa lama pelo estado do Espírito Santo.
A multa de R$ 250 milhões aplicada recentemente pelo Governo Federal à Samarco representa apenas um pequeno paliativo quando o que deveria ter sido feito é trabalhar a prevenção evitando o caos e não a remediação caso dessa multa e, com certeza, das muitas declarações indignadas já divulgadas e as outras mais que certamente ainda virão. Atividades suspensas, novas multas e até mesmo o encerramento dos trabalhos realizados nessa planta mineradora são esperados, mas nem de longe vão compensar o absurdo desse acontecimento.
E como neste nosso Brasil varonil, desgraça pouca é bobagem, o que, no mínimo deveria servir como alerta para evitar novos casos semelhantes, eis que o nosso Congresso Nacional, aquele já devidamente identificado como o maisreacionário desde os tempos da ditadura, está a discutir o afrouxamento das leis que tratam exatamente dos riscos ambientais de grandes obras.
Em recente artigo, Mauricio Guetta, advogado e assessor do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), apontou que entre outros, tramita um projeto de Lei, o de número 654/2015, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), criando um “diminuto rito de licenciamento ambiental” para os empreendimentos de infraestrutura “estratégicos para o interesse nacional”, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos e de energia ou quaisquer outros destinados à exploração de recursos naturais. Para o advogado do ISA, isso significa, simplesmente que “as obras com maior potencial de causar significativos danos socioambientais seriam justamente às que seriam contempladas com menores controles e prevenção”.
Poderia e deveria ser uma brincadeira de mau gosto, mas com certeza não é! Até porque historicamente, quaisquer medidas compensatórias ou preventivas sempre foram consideradas empecilhos ao desenvolvimento. Mesmo que a realidade se imponha, a ganância ainda consegue prevalecer em detrimento do futuro.
O circo de horrores provocado pela lama da Samarco está longe de cumprir seu roteiro destruidor. Mas, pelo que podemos vislumbrar ao cessar esse espetáculo nefasto, nossas autoridades certamente irão nos contemplar com novos capítulos, já que para isso já vimos que empenho não deverá faltar.
O que poderíamos tentar, ao menos, é usar as expressões mais próximas da realidade, como por exemplo, substituindolicenciamento ambiental, simplesmente por “licenciamento responsável e sustentável para o futuro de todos” e nomear corretamente uma tragédia como tal e não como ambiental. Basicamente, porque para muitos, a tragédia ambiental ainda soa como algo distante da vida das pessoas, o que demonstra cabalmente a sua inverdade no caso da Samarco.
Tragédias que matam pessoas, destroem casas, sepultam rios e consomem florestas são tragédias, simples e tragicamente assim!

Procurador: No Brasil, dono da barragem se auto-fiscaliza e vistorias só cobrem 3% das estruturas existentes; novo Código coloca mineração acima de tudo

Procurador: No Brasil, dono da barragem se auto-fiscaliza e vistorias só cobrem 3% das estruturas existentes; novo Código coloca mineração acima de tudo

A tragédia de Mariana (MG) tem precedentes nos últimos anos, mas nenhum alcançou a proporção do rompimento das barragens de Fundão e Santarém, que pode ser o maior desastre ambiental do Brasil e um dos mais impactantes causados pela mineração no mundo.
Pode também não ser o último, considerando as perspectivas apontadas pela proposta do Código de Mineração em debate na Câmara Federal.
Enviado pelo Executivo em 2013, o projeto institucionaliza a já permissiva política de concessão para a exploração de minério no país. Mas, após o desastre das barragens da Samarco, o presidente da Câmara Eduardo Cunha empenha-se em colocar a proposta em votação o mais rapidamente possível.
O Código de Mineração vem sendo debatido em comissão especial através dos projetos de lei 5807/13 e 37/11, com a intenção de atualizar as regras estabelecidas em 1967.
A reportagem é de Ana Claudia Araujo, publicada por Viomundo, 17-11-2015.
Seu conteúdo prioriza a mineração em detrimento de qualquer outra atividade, mesmo as de interesse social — como a preservação das comunidades indígenas.
O texto cria a Agência Nacional de Mineração que teria o poder de autorizar ou não outras atividades que possam “criar impedimento à atividade de mineração”. A partir da proposta, as mineradoras podem atuar mesmo em Unidades de Conservação (UCs) de Uso Sustentável, incompatíveis com o alto impacto da atividade minerária.
O relator é o deputado do PMDB/MG Leonardo Quintão, que teve quase a metade de sua campanha eleitoral financiada por mineradoras. No ano passado, o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que reúne organizações da sociedade civil e movimentos sociais críticos à proposta, distribuiu cartilha em que detalha os investimentos das empresas nas campanhas dos integrantes da Comissão Especial do Novo Código de Mineração.
Código é retrocesso, diz procurador que denunciou 57 barragens mineiras
O Procurador da República, José Adércio Leite Sampaio, alerta há anos sobre a ameaça do rompimento de barragens de rejeitos gerados pela atividade minerária no Estado. Ele é autor de 57 ações civis públicas para obrigar as mineradoras à adequação das barragens e professor de Direito Ambiental na Universidade Dom Helder Câmara, onde o tema é tratado através dos Grupos de Pesquisa.
Nesta entrevista, ele denuncia a fragilidade dos sistemas de registro e fiscalização das estruturas e a possível existência de barragens clandestinas. Olhando além da tragédia de Mariana, o jurista alerta para o retrocesso que representa a proposta do Código Minerário.
Eis a entrevista.
A grande maioria das mais de 700 barragens existentes no Estado é usada para represar rejeitos, como acontece nas de Fundão e Santarém. Como é possível fiscalizar estas estruturas?
Este número de barragens é um levantamento da Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais e doDepartamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Nós imaginamos que ele possa até ser maior. Primeiro, porque quem registra o número de barragens é o próprio empreendedor. Ele entra nos sites do órgão ambiental e do órgão minerário e registra que tem aquela barragem e quais as características pra que os dois órgãos identifiquem os riscos.
Com base nestas declarações é que se define o número de barragens. Todo ano tem um relatório do órgão ambiental e ele vem indicando o crescimento deste número. Mas pode haver barragens que não estão ali contempladas. Segundo: o empreendedor declara as condições da barragem e ele próprio contrata uma agência externa ou equipe pra fazer inspeções periódicas. É uma certificação da própria empresa que é registrada no site do DNPM.

E como funciona a fiscalização das barragens que são declaradas?
Como são muitas barragens, as vistorias dos órgãos ambiental e minerário são feitas por amostragem. Em Minas, houve um caso expressivo de aumento de vistorias, mas mesmo assim só 33% das barragens foram verificadas. No âmbito nacional, houve um crescimento entre 2013 e 2014 de 83% no número de fiscalizações. Sabe quanto isso significa em número de barragens? 3%. Então, 33% foram fiscalizadas em Minas e 3% foram fiscalizadas no Brasil.
O mais trágico disso, que mostra que o sistema é furado, é que o último relatório da Agência Nacional de Águas e do órgão ambiental estadual, em 2014, identifica as barragens de risco e estas duas não estavam incluídas nesta lista. Não se qualificavam como tendo alto risco de rompimento.
Havia um debate sobre a necessidade de regrar este sistema de forma mais rígida em Minas antes deste desastre?
A legislação só começou a ser revisada por conta da primeira tragédia que aconteceu em Minas neste século, em 2001. Tanto no Congresso quanto no âmbito estadual. E é claro: havia uma crítica muito séria ao processo sobre como isso era feito. Nós mesmos ajuizamos 57 ações civis públicas para que os órgãos tomassem providências em 2012. Os dados eram muito precários, sequer estatística tínhamos.
Com base num levantamento provisório, foram identificadas 57. Devia haver muitas barragens que eram invisíveis. Mas houve um acordo pelo menos para estas que eram consideradas sérias.
Foram feitos alguns acordos, outros estão tramitando até hoje, e destes acordos houve o estabelecimento de obrigações pra garantir o mínimo que a lei exige. Um acordo que só dizia “a lei deve ser cumprida”. Algo que pode ser sintomático: nenhuma dessas 57 barragens teve problema desde então. Quer dizer, é algo que exige uma reflexão.
Qual o impacto humano dos desastres envolvendo barragens?
Em 2014, houve quatro mortes em barragens pra uso múltiplo, de produção de energia elétrica. Houve três em Minas Gerais. Mas a questão é que quando uma barragem de mineração ou industrial se rompe, aquele rejeito, que é lama misturada com restos de minério de ferro, forma-se uma crosta como um cimento que impermeabiliza.
Essa pasta vai se depositando também no fundo do rio, e assim forma uma barreira que não permite trânsito de água nem fluxo de nutrientes. Portanto, dificulta ou impede a vida. Além do número de vítimas tem as cidades da bacia do Rio Doce. Os rios são lugares em torno dos quais as cidades crescem e hoje ele está morto.
A natureza tem uma capacidade de regeneração muito grande, a depender do nível de contaminação.
Do ponto de vista humano, é trágico. Houve mortes, as pessoas perderam tudo, outras estão sem água. Mas o mais preocupante é que elas podem continuar sem água. 600 pessoas moravam naquele lugar há gerações. São pessoas do interior, que vivem naquele habitat há gerações. Na hora em que vem uma lama, a destruição não é apenas das casas, mas das raízes das pessoas. Afeta a identidade. Não haverá mais Bento Rodrigues. Pode-se até reconstruir as casas, mas não a historia delas.
Quais as perspectivas de mudança neste quadro com o Código Minerário em debate no Congresso?
O projeto praticamente coloca todos os interesses – e quando eu falo “todos”, eu incluo ambientais, antropológicos e sociológicos – subordinados ao interesse minerário. E quando eu falo em interesse social, eu falo de interesse ambiental, antropológico…
Quer dizer, nós avançamos em 2010 com a lei de barragens, e o código vai puxar o tapete. Hoje é preciso ter aprovação do congresso para haver exploração minerária em área indígena e lei complementar para disciplinar essas condições. Com o código minerário, não interessa: depende do presidente da agência. Então o cenário é mais desalentador. Significa maior predomínio do interesse econômico.
Ninguém discute que esta atividade é importante: emprega 170 mil pessoas, responde por uma parte significativa da economia brasileira; todavia, se a lógica é só a de proteger a mineradora, a sociedade brasileira corre o risco de pagar com vidas, com a sua biodiversidade e monetariamente muito mais, porque sabe-se lá quanto o Estado brasileiro terá que despender ao longo do tempo por conta das barragens de uma mineradora do Estado de Minas Gerais.
Eu espero que caia a ficha e o bom senso prevaleça pra que esse projeto de lei não seja aprovado. E caso seja aprovado, espero que o Supremo Tribunal Federal dê uma resposta. Pra mim é de profunda inconstitucionalidade. Desenvolvimento sustentável para o crescimento é economia e socioambiente: espaço cultural, social e ambiental. Tem que haver um equilíbrio.
PS do Viomundo: A boa notícia é que os cientistas que decidiram fazer uma avaliação independente do impacto do crime ambiental de Mariana atingiram a meta de R$ 50 mil para dar início ao trabalho!

Sunday, November 15, 2015

Mariana: desastres viram chance de ganhar dinheiro sobre o sofrimento

Mariana: desastres viram chance de ganhar dinheiro sobre o sofrimento

"Para a Vale, a BHP, para o governo federal, para os deputados financiados pelas grandes mineradoras que querem mudar o Código da Mineração, tem coisas que é melhor não pensar — pois pensar demais pode atrapalhar os lucros", escreve Felipe Milanez, jornalista, em artigo publicado por CartaCapital, 12-11-2015.
Segundo ele, "Para aqueles que pensam e que sofrem, como a população de Mariana, como os Munduruku que vivem no rio Tapajós e querem evitar seu barramento, para os camponeses e camponesas que vivem no sudeste do Pará e são atingidos pela Vale, não há como atribuir um valor de dinheiro para o desastre. Esse valor monetário só é aceito mediante violência".
O jornalista conclui citando Katia Tonkuré Jonpti, liderança do povo Gavião Akrikatejê, também atingido pela grande mineração de ferro em Carajás: "A Vale deixou conflito. A Vale trouxe o impacto de separação, desunião e desigualdade. É um bicho papão. Um demolidor da natureza, máquina de acabar com tudo".
Eis o artigo.
Tragédias ecológicas de proporções catastróficas, logo quando ocorrem, rompem o silêncio da mídia sobre situações de riscos que estavam marginalizadas e dão grande atenção aos espetáculos — sensacionalizando os aspectos macabros.
No caso da cobertura da catástrofe em Mariana, essa atenção da mídia tem sido parcial, baseada em informações prestadas pela Samarco, que se tornou inclusive a "sede" do governo de Minas para uma coletiva de imprensa.
A culpa da catástrofe, um crime socioecológico, tem sido naturalizada, transferida para a natureza, enquanto as responsabilidades de empresas e governos são diluídas em meio ao caos e desespero.
A urgência nas repostas para salvar vidas — humanas e não humanas — logo transforma-se em um emergencialismo. Planos preventivos que deveriam ter sido realizados e não foram passam a ser cobrados, como agora em Mariana, com decisão judicial para que um plano seja apresentado em cinco dias, ou que seja pago um salário mínimo para as famílias atingidas. Tudo curto e rápido, como panos quentes para aliviar.
Respostas rápidas são necessárias para aliviar o sofrimento imediato, no entanto podem servir apenas para dar conta de uma pressão inicial do espetáculo do desastre, e deixar para aqueles que são mais atingidos um longo e perene sofrimento.
O desastre industrial que aconteceu em Bhopal, na Índia, em 1984, e Chernobyl, em 1986, não ficaram no passado, produzindo efeitos terríveis da contaminação ao longo do tempo para milhares de pessoas e para o ambiente.
O desastre em Mariana provocado pela mineradora Samarco, da Vale e da australiana BHP, também terá uma longa duração no tempo, seja no ambiente, seja na vida das pessoas. A resiliência, que é a capacidade de reconstrução e recuperação do trauma, pode ser impossível.
Em um relatório de 2011, a ONU afirma: "não pode haver dúvida alguma de que a redução da vulnerabilidade aos riscos é infinitamente preferível à luta contra o sofrimento humano e as consequências econômicas das crises".
Essa perspectiva tem sido pesquisada com foco na redução dos custos e mensuração técnica e operacional da vulnerabilidade, mais do que em questões de cidadania, qualidade de vida, segurança.
A tragédia em Mariana é social e ambiental, pessoas e ambiente foram expostas a um risco absurdo. E no que se refere a vulnerabilidade, que é a exposição ao risco, a suscetibilidade ao impacto, Mariana, palco de um desastre, pode ser um grande alerta para outras situações.
Enquanto ainda procuram-se os corpos, surge a questão de quem paga por isso e como esse pagamento é feito.
Pela lei brasileira, a priori, as responsabilidades deste crime socioecológico (que deve ser investigado) recaem sobre aVale e a BHP em razão do princípio do poluidor-pagador instituído pela lei 6.983 de 1981: "é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".
Essa percepção atingiu os investidores dessas duas grandes empresas e as ações da BHP despencaram 7% após a catástrofe. A BHP escreveu em um e-mail ao Wall Street Journal que não tem nada a ver com a catástrofe e que aSamarco é "inteiramente responsável" e lavou suas mãos na lama.
Vale também empurrou para a Samarco, igualmente como se não tivesse nada a ver com isso, apenas "apoiando" a empresa, disponibilizando recursos para "auxiliar a Samarco". Um executivo da Votorantim, ex-executivo da Vale, Tito Martins, disse ao Valor que depois de Mariana, "tudo vai ficar mais difícil e mais caro de se fazer no país".
Nessa visão, podem surgir alguns obstáculos a mais para serem superados (ou destruídos), e um pouco de dinheiro a ser pago - que depois pode vir a ser recuperado, por exemplo, com a redução de "custos" de "direitos" trabalhistas.
Acontece que os danos socioecológicos poucas vezes podem ser reduzidos a seu valor monetário. Quanto "Vale" um rio Doce? Quanto "Vale" as vidas do menino Thiago, da menina Emanuelly, de Valdemir que deixou esposa e três filhos, das dezenas de pessoas mortas? E quanto "Vale" as vidas abruptamente transformadas, sem a possibilidade de alternativa em decorrência da violência do desastre?
A catástrofe provocada pelas mineradoras Vale e BHP vai gerar muitos conflitos socioecológicos, longos no tempo e no espaço, e como coloca o economista ecológico Joan Martinez Alier, conflitos em torno dos "valores".
Estas empresas e o Estado — seja o governo de Minas ou o federal, ou o Judiciário — vão tentar impor valores de dinheiro para aquelas pessoas cujas perdas, de vidas ou de possibilidades de existência por suas relações com o ambiente, são sentidas muito além do que o dinheiro pode comprar.
E em torno dos valores monetários, o desastre ambiental, para alguns, como o capital da grande mineração, é uma grande oportunidade de acumular. Já para muitos, para os pobres, representam longos anos de muito sofrimento e violência.
Na forma como é feito hoje — e pelos novos projetos do governo federal, a tendência é piorar — os estudos de impacto ambiental tentam reduzir tudo a algum valor que o dinheiro pode pagar. Isso significa uma violência tremenda para os mais pobres de dinheiro, e uma vantagem descomunal para o capital na Vale, na BHP, ou mesmo em Belo Monte...
Como essas empresas ricas têm mais dinheiro, podem comprar mais barato a vida e o ambiente dos pobres, protegidas pela violência colonial do Estado. Não há nenhuma outra solução possível para romper esse ciclo, além da básica consulta direta: aqueles afetados devem ser ouvidos, e ao serem consultados de forma informada, devem ter o direito de, livremente, decidir sobre o futuro de suas vidas e sobre o projeto em si.
Ainda assim, essa consulta, elemento fundamental da cidadania que não consta nos relatórios de impacto até agora, apenas poderia garantir o direito de algumas pessoas, já que as futuras gerações e a natureza só podem ser "consultadas", em tese, por via de algum tipo de representação.
Mineração, agronegócio, barramentos de rios, e outros, são projetos de "desenvolvimento" autoritário, chamados por autores latino-americanos, como Maristela SvampaAlberto AcostoEduardo Gudynas, de "extrativismos" (ou "neoextrativismo" dentro do quadro populista): algo como uma síndrome de extrair massivamente e mandar para longe e receber um pouco por isso, que fica concentrado em poucas mãos.
Extraem massivamente recursos naturais para exportação, deixando para trás um buraco e um rastro de saque, um ambiente destruído junto de vidas humanas e não humanas.
Essa destruição é motivo para ganho e acumulação, uma oportunidade para expansão e circulação do capital. É difícil imaginar que a Vale ou a BHP vão pagar o que deveriam se os cálculos fossem realmente feitos numa perspectiva ampla de diálogo com todos aqueles e aquelas que foram atingidos e atingidas.
Se os custos não fossem externalizados, colocados para fora, empurrados para os mais fracos ou para o ambiente comum, como o rio. Ambiente comum, ou bem comum, dizem respeito a todos e todas, e não podem ser cercados, privatizados, como tentam as mineradoras.
O ar, as comunidades, os rios, as florestas, são comuns, e não podem tornar-se propriedades cercadas pelas mineradoras para transferir para o comum os custos dos desastres provocados por suas atividades.
Empresas de seguro, advogados, bancos, empresas de serviços ambientais, há uma série de pessoas que planejam formas de ganhar dinheiro sobre o desastre alheio que recai sobre o comum: "É o capitalismo, estúpido". E não só: é o capitalismo operando em seu tipo mais fundamental, o extrativista, aquele da acumulação primitiva, da acumulação por despossessão, por expropriação, por violência.
A tragédia, oportunidade de acumulação para alguns, pode também ser uma oportunidade de união, de solidariedade, de resistência, de aprendizado e de luta para muitos e muitas. O que a trajetória da mineração fizeram com Minas Gerais ao longo dos últimos séculos é um desastre. E aqueles mesmos que ganharam com isso hoje já miram novos espaços para ganharem mais, como o Pará.
É para o Pará que a Vale está migrando e em breve vai ganhar mais dinheiro na Amazônia do que em Minas. É para o Pará que migrou a siderurgia de ferro gusa que estava estabelecida em Minas Gerais, depois que esburacou a terra e transformou em carvão a Mata Atlântica e o Cerrado — e nas últimas décadas transformou também em carvão milhares de hectares da Amazônia, além de ter exportado o sangue de milhares de trabalhadores e trabalhadoras escravizados e escravizadas.
Quem sabe a próxima oportunidade de vampiros de desastre ecológicos, que já sobrevoam Mariana, ganharem dinheiro, será em Parauapebas, centro do projeto Carajás, da Vale. Recentemente, Haroldo Souza, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), fez uma visita à Barragem Gelado, em Carajás.
Essa é uma das três barragens centrais do Complexo Minerário de Carajás, que inclui também a barragem do Projeto Salobo, que contém ainda mais contaminação, e a Barragem do Sossego, em Canaã dos Carajás, próxima à nascente do rio Parauapebas.
A água, como em Mariana, é lama, rejeitos de ferro decorrente da lavagem do minério. Em Parauapebas vivem quase 200 mil pessoas (189 mil pelo IBGE em 2015). Se a barragem do Gelado romper, como em Mariana, será uma catástrofe. É difícil de imaginar, muito mais ainda de calcular.
Após o que aconteceu em Mariana, o risco de catástrofe não pode ser minimizado. No caos destas barragens de mineração que atingem diferentes cidades no sudeste do Pará, todo o plano de controle é feito por agências e órgãos municipais e estaduais sediados em Parauapebas (Prefeitura, Bombeiros, Defesa Civil). A justificativa dessa localização é a logística e o acesso à mina, e não necessariamente a prevenção de uma possível catástrofe
Acontece que Haroldo Souza, professor curioso, pensou no pior, e perguntou para um engenheiro da Vale durante essa visita o que aconteceria se a barragem rompesse. Teve uma resposta certeira: "Não vai romper". Souza insistiu: "Mas e se romper?" Ao que o engenheiro retrucou: "Mas não vai romper, foi feita para não romper". Ignorante do poder da engenharia, mas imaginativo, o professor da UNIFESSPA insistiu: "Mesmo assim, se romper, o que é que acontece?"
Sem nenhuma planilha na mão, o engenheiro da Vale respondeu: "Não pensemos nisso, é melhor que não aconteça... seria algo muito desastroso pra todos em Parauapebas".
Para a Vale, a BHP, para o governo federal, para os deputados financiados pelas grandes mineradoras que querem mudar o Código da Mineração, tem coisas que é melhor não pensar — pois pensar demais pode atrapalhar os lucros.
Para aqueles que pensam e que sofrem, como a população de Mariana, como os Munduruku que vivem no rio Tapajóse querem evitar seu barramento, para os camponeses e camponesas que vivem no sudeste do Pará e são atingidos pelaVale, não há como atribuir um valor de dinheiro para o desastre. Esse valor monetário só é aceito mediante violência.
Como me disse Katia Tonkuré Jonpti, liderança do povo Gavião Akrikatejê, também atingido pela grande mineração de ferro em Carajás: "A Vale deixou conflito. A Vale trouxe o impacto de separação, desunião e desigualdade. É um bicho papão. Um demolidor da natureza, máquina de acabar com tudo".


Por que é impossível calar diante de mais um desastre induzido?


Por que é impossível calar diante de mais um desastre induzido?

"Uma das causas da cheia do Madeira e do rompimento das barragens em Mariana é o planejamento anulado pela regra da exploração máxima em tempo mínimo. Todo o processo de estudos de impacto, licenciamento e monitoramento ambiental é encarado pelas grandes empresas como uma mera formalidade. O comprometimento da vida de centenas de milhares de pessoas e do meio ambiente de regiões inteiras por tempo indeterminado, é o resultado dessa cegueira ética". O comentário é de Lou-Ann Kleppa, professora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), em artigo no portalAmazònia Real, 10-11-2015.
Eis o artigo.
Em outubro de 2005, eu e mais dois companheiros de caminhada fizemos um trecho da Estrada Real, em Minas Gerais: saímos de Diamantina e dez dias depois chegamos em Ouro Preto, numa época em que a Estrada Real ainda não era muito conhecida – nem mesmo pelos moradores das cidades pelas quais passamos.
Bento Rodrigues está viva em nossa memória, entre outros motivos, porque dormimos na igreja, porque as casas se organizavam em torno de um campo (de futebol?), porque comemos no restaurante da Sandra, único comércio da cidade, frequentado por figuras peculiares como por exemplo um garimpeiro cuja cor de pele se misturava com a cor do couro que vestia e que falava no “orinho” que calculava encontrar. O pai da Sandra tinha sido tropeiro e nos disse que a Estrada Real não era a estrada pela qual tínhamos chegado; o Caminho dos Diamantes tinha sido engolido pelo mato na altura de Bento Rodrigues.
Agora foi a lama que engoliu Bento Rodrigues. Dia 05 de novembro de 2015 duas barragens de rejeitos de mineração, Fundão e Santarém, ambas da Samarco, se romperam. A previsão é que essa cheia de lama, saída de Mariana em Minas Gerais, alcance o oceano, no Espírito Santo, cinco dias depois, seguindo pelo Rio Doce.
As primeiras informações veiculadas pela mídia corporativa, alimentada por notas emitidas pela empresa responsável, aSamarco – da qual a Vale (do Rio Doce) detém 50% das ações – foram que a lama não é tóxica (bom, trata-se de resíduos de mineração: como pode não ser tóxica?) e que a provável causa foram abalos sísmicos da ordem de 2 pontos na escala Richter.
Os sismólogos convocados pela imprensa dizem que os abalos sísmicos são fenômenos naturais. Pois há estudos conduzidos por engenheiros que provam que barragens (tanto represas de hidrelétricas como represas de resíduos de mineração), por exercerem pressão sobre o solo e subsolo, provocam abalos sísmicos. Onde antes havia a pressão da atmosfera ou de um rio, se instala a pressão exercida pela água da represa, o concreto e ferragem da barragem. O texto mais didático e cheio de exemplos de casos de terremotos provocados por barragens – e suas consequências – é deOswaldo Sevá (e pode ser acessado aqui. )
Logo no início do texto, Sevá alerta que barragens são obras sujeitas à deterioração: entopem, colapsam, se rompem. Por isso o controle, por órgãos públicos e não beneficiados pelo lucro das empresas de energia ou mineração, deveria ser exemplar. A pedido do Ministério Público de Minas Gerais, na ocasião em que a Samarco pedia a revalidação da sua Licença de Operação, foi feito um laudo, em 2013, apontando para riscos de rompimento da barragem Fundão. No ano de 2014, apesar do laudo, a Samarco aumentou a sua produção, acumulando 15% a mais de rejeitos de mineração na barragem Fundão. Não há notícias de que a represa tenha sido remodelada para suportar esse incremento. Em junho de 2015 foram expedidas a Licença Prévia e a Licença de Instalação para a unificação de Fundão e Germano, outra barragem da Samarco. Trocando em miúdos: em 2013, um laudo apontava riscos de rompimento de barragem; no ano seguinte, o acúmulo de rejeitos nesta barragem aumentou; no ano seguinte, estudos de impacto ambiental atestam que a barragem apresenta “totais condições de segurança”.
Assim como na cheia histórica do rio Madeira em 2014, quando as barragens de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, foram acusadas de serem corresponsáveis pelo desastre social e ambiental, o nexo causal entre a barragem e a tragédia não é simples. Para as empresas (ESBR/Suez e SAE/Odebrecht), a causa do problema era uma só: a chuva. Do mesmo modo, a Samarco afirma que os abalos sísmicos (ignorando que a própria barragem possa ter causado os tremores) são a causa do rompimento das barragens. Em ambos os cenários, causas naturais e externas ao empreendimento isentam as empresas de qualquer responsabilidade. Mas quando se analisa o processo de licenciamento de JirauSanto AntônioFundão e tantas outras barragens, como por exemplo Teles Pires, percebe-se que quem faz os estudos de impacto ambiental são entidades contratadas pelos consórcios.
Uma das causas da cheia do Madeira e do rompimento das barragens em Mariana é o planejamento anulado pela regra da exploração máxima em tempo mínimo. Todo o processo de estudos de impacto, licenciamento e monitoramento ambiental é encarado pelas grandes empresas como uma mera formalidade. O comprometimento da vida de centenas de milhares de pessoas e do meio ambiente de regiões inteiras por tempo indeterminado, é o resultado dessa cegueira ética.
Brasil de Fato está cobrindo o desastre in loco e periodicamente posta notícias diretamente de Mariana. Segundo o jornal, “o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) possui documentos com indícios de vazamento em mais de 240 pontos de infiltração na barragem que se rompeu.” Ou seja, mesmo que as chuvas de janeiro na Bolívia tenham sido atípicas, houve uma sobrecheia no reservatório e as empresas não operaram no limite de segurança, segurando água. Mesmo que tremores tenham sido registrados em Mariana, a estrutura da barragem já estava fragilizada e o volume de rejeitos acumulados foi aumentado em 2014. As causas do desastre podem ser retraçadas até o planejamento da barragem.
As consequências do desastre igualmente são paralelas. Assim como a Defesa Civil e poder local transformaram os ribeirinhos do Madeira cujas casas e terras foram alagadas em espectadores, a população de Bento Rodrigues foi impedida de salvar pessoas, animais e pertences. O trabalho de resgate foi feito pelo ar, não por terra – e as autoridades insistem que a lama não é tóxica. Campanhas de arrecadação de alimentos, água mineral, roupas e colchões desoneram o Estado e as empresas responsáveis de prestar assistência a quem perdeu o chão. Não se fala em indenizações: Dilmaautorizou o saque do FGTS, de modo que quem perdeu tudo possa pagar por tudo que lhe foi tomado.
Talvez alguém se pergunte por que há tanto investimento em energia e mineração e por que o senso comum acha que ambos estão a serviço do progresso do país. A imensa maioria da energia produzida nos rios brasileiros serve à indústria eletro-intensiva (que prioritariamente produz alumínio para exportação). A imensa maioria dos minérios extraídos nas montanhas brasileiras é exportada. A população perde seus rios e montanhas – e o acesso à água. A Samarco, por exemplo, possui 3 minerodutos paralelos que levam polpa de ferro de Mariana (MG) a Anchieta (ES), gastando 4,39 metros cúbicos de água por hora. Essa água toda, retirada dos rios de Minas Gerais – estado que atualmente está com níveis de umidade relativa do ar alarmantes – conduz o minério e é descartada no mar.
O Código de Mineração está em debate. Assim como o novo Código Florestal permite mais desmatamento e devastação, o novo Código de Mineração pode comprometer o acesso à água e ao território por parte de populações indígenas, quilombolas e tradicionais. É preciso aprender com os erros e com as catástrofes induzidas.
Encerro com uma citação de Sevá, que, se entre nós estivesse, estaria indignado e inconformado com mais esta tentativa de naturalização de um desastre social e ambiental induzido: “Vários acidentes em barragens brasileiras, bastante comentados nas localidades onde ocorreram, foram abafados pelas empresas e pela imprensa a seu serviço, logo sendo retirados da pauta da chamada “mídia”, e pior, poucos acidentes foram estudados nas teses universitárias. Mas, o fato é que fazemos parte da lista de países que apresentam frequência razoável e boa variedade de situações de risco.” (SEVÁ, 2011, p. 17)

Militares, ciências, Educação Popular.

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