Friday, December 30, 2016

Por que silenciar a Procuradoria de Direitos Humanos?

Por que silenciar a Procuradoria de Direitos Humanos?

Artigo de Rafael Custódio e João Paulo de Godoy publicado no Jota

04/12/2016direitos humanos jota pfdc procuradoria federal dos direitos do cidadão

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) iniciou no dia 22/11 o julgamento do Pedido de Providências nº 1.00717/2016-53, apresentado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) que almeja impedir a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria Geral da República (PFDC/PGR), de exercer seu papel diante de inúmeras violações de direitos humanos observadas em protestos realizados no Estado de São Paulo. Com oito votos favoráveis ao pedido de mordaça do órgão federal, o julgamento deve ser encerrado na próxima terça-feira, dia 6, quando será retomado após um pedido de vista.

O MPSP alega que a PFDC abriu, indevidamente, procedimento para apurar as denúncias sobre violações de direitos humanos decorrentes de violência policial em manifestações, pois entende que o órgão federal não teria competência para exercer o controle externo da atividade desenvolvida pelas polícias Civil ou Militar dos Estados, nem para apurar as condutas e tomar providências adequadas em face de violações a direitos fundamentais. O MPSP encerra a peça pedindo ao CNMP que assegure sua autonomia funcional, desconstituindo o procedimento administrativo da PFDC ou determinando seu encaminhamento ao MPSP.

Esse artigo poderia abordar os contornos jurídicos do problema, indicando por exemplo a leitura do artigo 13 da Lei Complementar n.º 75/93, que estabelece que a PFDC receba e apure reclamações que lhe forem encaminhadas, instruindo como bem entender o procedimento e determinando, se concluir por isso, o envio da questão à autoridade responsável – o que não se confundiria, apesar de eventualmente dialogar, com o “controle externo da atividade policial”. Poderíamos, ainda, discutir objetivamente os fatos, sobre como as ações da PFDC não foram “voluntariosas” nem realizadas sob os auspícios do controle externo da atividade policial, mas simplesmente atendendo as determinações previstas em lei, quando provocada por duas representações.

O que mais consterna e preocupa, no entanto, é o fato de que, em seu voto, o conselheiro relator Antonio Duarte apenas reproduziu a falta de objetividade e o excesso de divagações apresentadas na peça inicial. Em nenhum momento analisou-se objetivamente o que seriam atos privativos de controle externo policial, nem os atos concretos praticados pela PFDC. E tudo isso ainda não seria suficiente, já que também seria necessário delinear quais condutas são compatíveis com a investigação de violações de direitos humanos, discutindo, assim, se não há eventual convergência de atuações surgidas de atribuições distintas.

Apesar da evidente legalidade da atuação da Procuradoria Federal, o entendimento do ilustre relator, que acolhe o pedido do MP estadual, está prevalecendo – e essa posição ensejará gravíssimo equívoco do CNMP.

Isso porque não existe transbordamento de competência pelo órgão federal, tampouco afronta à autonomia funcional do Ministério Público estadual. Não há sobreposição porque a PFDC não é hierarquicamente superior ao MPSP. O que há, na verdade, considerando a horizontalidade entre os ministérios públicos estaduais e o Federal, são fatos que despertaram atribuições distintas: do lado do MPSP, o exercício do controle externo da atividade policial (que, diga-se, deixa a desejar em São Paulo) e, do lado da PFDC, o recebimento e a apuração denúncias conforme estabelece a LC 75/93 – atribuição indevidamente apresentada como controle externo da atividade policial.

São funções institucionais do Ministério Público da União a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis. Impossível auferir que a pretendida atuação da PFDC em relação a protestos viola o texto legal. O entendimento até o momento majoritário furtará da PFDC sua autonomia funcional, impedindo-a de apurar e instruir devidamente os procedimentos administrativos antes de encaminhá-los a qualquer autoridade responsável pela prevenção de violação de direitos fundamentais. Além disso, a decisão concederá exclusividade temática – e não de competência, como se alega – aos ministérios públicos estaduais, numa restrição que lei nenhuma faz.

Em outras palavras, não existe proibição que impeça o MPF de eventualmente abordar fatos vinculados a polícias estaduais; o que não se pode é invadir a competência funcional dos parquets estaduais no exercício do controle externo da atividade policial, o que não acontece nesse caso.

A PFDC pretendia tão somente emitir um relatório com base em elementos colhidos que diziam respeito a violações de direitos fundamentais pelas polícias em protestos, tecer recomendações e pedidos de providências.

Como se vê, o CNMP está prestes a amordaçar a PFDC naquilo que lhe é mais importante e legitimador: a defesa dos direitos humanos. O precedente é perigoso e esperamos que os ilustres Conselheiros se atentem aos efeitos práticos que uma decisão como essa pode gerar nas instituições de Estado que buscam atingir, cada uma dentro de sua competência, o fundamento do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.

Clique aqui para ler o original.

CNJ decide investigar Ivan Sartori

CNJ decide investigar Ivan Sartori

Em setembro, desembargador do TJ-SP votou pela anulação do julgamento do massacre do Carandiru

19/12/2016carandiru cnj ivan sartori

Mais de 60 personalidades e organizações apoiaram denúncia contra Sartori no CNJ
Prefeitura de Cubatão
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu na sexta-feira (16/12) abrir uma investigação contra o desembargador Ivan Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua conduta no julgamento de recurso sobre o massacre do Carandiru. Em seu voto, apresentado no último mês de setembro, o magistrado pediu a anulação do júri de primeira instância e a absolvição dos 74 policiais militares condenados pelo assassinato de 111 presos da Casa de Detenção em 1992.
 
Clique aqui para ler a decisão do CNJ na íntegra.
 
Na ocasião, o magistrado afirmou que “não houve massacre, houve legítima defesa”. Depois, usou as redes sociais para insinuar que a repercussão negativa de sua decisão estaria relacionada ao financiamento da imprensa e de entidades de direitos humanos pelo crime organizado.
 
Em outubro, mais de 60 juristas, jornalistas e organizações não-governamentais – entre elas a Conectas – enviaram uma reclamação disciplinar ao CNJ pedindo o afastamento de Sartori em caráter liminar e a apuração de abusos, quebra de decoro, falta de isonomia e imparcialidade na condução do caso.
 
Na decisão assinada na sexta-feira, o ministro João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça, negou o pedido de liminar, mas determinou a abertura de investigações “a fim de se aferir eventual violação dos deveres funcionais” por parte de Sartori. O desembargador tem 15 dias para se manifestar.
 
Se concluir que houve de fato irregularidade na conduta, o CNJ pode instaurar um processo administrativo disciplinar contra o magistrado, que seria então julgado por todos os conselheiros. Se for considerado culpado, Sartori pode ser condenado à aposentadoria compulsória.
 
“A decisão do CNJ de investigar o caso é um reconhecimento importante de que o Judiciário está atento às colocações irresponsáveis e fantasiosas de Ivan Sartori”, afirma Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas. “O desembargador ofendeu os familiares das vítimas e ofendeu a História brasileira, que certamente reconhece o massacre do Carandiru como um de seus mais nefastos e vergonhosos capítulos”, completa.
 
Além da Conectas, entre as organizações que assinaram a reclamação disciplinar estão o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Justiça Global, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, a Comissão Justiça e Paz e o Instituto Vladimir Herzog. Também endossaram o documento personalidades, juristas e acadêmicos como José Luiz Del Rojo, José Carlos Dias, Maria Stella Gregori, José Gregori, Luiz Carlos Bresser Pereira e Paulo Sérgio Pinheiro.

Clique aqui para ler a reclamação disciplinar apresentada contra Sartori.

ONG denuncia Alckmin na ONU por repressão da PM em atos contra Temer

ONG denuncia Alckmin na ONU por repressão da PM em atos contra Temer

Conectas também criticou prisões ilegais de jovens em manifestação em São Paulo e infiltração de agente do exército

Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. AGÊNCIA BRASIL
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi alvo na tarde desta segunda-feira de uma denúncia no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), em Genebra, por conta da repressão da Polícia Militar contra manifestantes contrários ao Governo de Michel Temer.

MAIS INFORMAÇÕES

A ONG Conectas Direitos Humanos se pronunciou diante do Conselho da ONU, pedindo que a entidade se pronuncie "contra a postura do país". Segundo a organização, a violência da PM fez várias vítimas nas últimas semanas, entre elas a estudante Deborah Fabri, de 19 anos, atingida no olho esquerdo por estilhaços de uma bomba. Deborah perdeu a visão do olho.
Em seu discurso, a ONG alertou que quatro dias após o episódio envolvendo Deborah, a PM realizou uma operação detendo 26 jovens,sendo 8 menores de idade. No episódio, os jovens foram deixados incomunicáveis por 6 horas, sem contato com as famílias ou advogados. A detenção foi declarada ilegal pela Justiça. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou na época, por meio de nota, que o grupo foi levado pela polícia porque portava “máscaras e pedras”.
A ONG também condenou a presença de um capitão do Exército, que teria se infiltrado no grupo detido. "Essa prática remete às épocas mais obscuras da história de nossa região. A sociedade e a comunidade internacional devem reagir condenado o fato com veemência".
A Conectas criticou também o crescente "processo de criminalização do direito de protesto no Brasil". "Pedimos que este Conselho se pronuncie contra a restrição ilegítima do direito de protesto no Brasil e que o Alto Comissariado incida para evitar esse retrocesso de valor imensurável", declarou a ONG.  Ainda segundo a Conectas, o governo brasileiro solicitou um direito de resposta e afirmou que os incidentes estão sendo investigados pelas autoridades competentes.
A Polícia Militar tem reiterado que não houve excessos nas ações dos policiais nos últimos protestos contra o Governo Temer. No início do mês, o próprio governador Geraldo Alckmin negou a violência: "O fato é que tem depredação e ainda quer passar a história de que a polícia que é culpada", afirmou.

Uma lupa sobre os elos entre a promotoria e o Governo de São Paulo

Uma lupa sobre os elos entre a promotoria e o Governo de São Paulo

Pesquisa da ONG Conectas, feita com entrevistas com promotores, vê problemas na proximidade

Antes de ser ministro da Justiça, Alexandre de Moraes foi promotor do MPSP e secretário do governador Geraldo Alckmin.  A2
Uma pesquisa inédita da organização Conectas chama atenção para a aproximação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) com a política. E, pelo que indicam os depoimentos colhidos dentro e fora do órgão, essas relações acabam por influenciar as decisões da promotoria. A pesquisa “Independência e Autonomia no Judiciário e Ministério Público de São Paulo” é resultado de entrevistas em profundidade com 37 membros do Poder Judiciário paulista, 15 deles do Ministério Público (MP), tomadas sob condição de anonimato.
Os Grupos de Atuação Especial, como o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e o Gaema (de Defesa do Meio Ambiente) são, segundo a pesquisa, um exemplo de como a política tem influência no trabalho do MP. “Seus integrantes passam a receber uma remuneração maior, além de um apoio financeiro para a sua atuação”, diz o documento. “Como esses grupos respondem diretamente ao procurador-geral, por meio de seus indicados aos cargos, haveria um potencial controle maior de seus procedimentos e investigações, e que isso pode em alguns casos responder a interesses relacionados, por exemplo, ao governo do estado”, diz o estudo.

Medo da corregedoria

A pesquisa da Conectas revela ainda como processos sutis abrem brechas para o controle ideológico dentro da carreira. Um dos elementos apontados por Evorah Cardoso, responsável pelo estudo, é o acompanhamento dos recém-empossados durante o período probatório, feito por membros da Corregedoria. Os promotores novatos precisam enviar relatórios mensais de suas atividades: denúncias realizadas, recursos impetrados, justificativas para processos arquivados. Os relatórios são analisados e o corregedor e seus assistentes atribuem a eles os conceitos ótimo, bom, regular e insuficiente, como um boletim escolar. Rafael Custódio, um dos responsáveis pela pesquisa da Conectas, compara essa estrutura a uma “espécie de Big Brother” que dita o caminho a ser trilhado. “Não está monitorando se o promotor foi pego dirigindo alcoolizado ou se está ganhando dinheiro fora da lei. Está monitorando o teor das manifestações. Esse monitoramento é ilegal. É perigoso. [O promotor] Não tem mais que agir conforme sua cabeça, mas agir pensando no que a corregedoria vai ver.”
Desse modo, os promotores são influenciados, segundo Evorah, a adotar um modo de agir ligado a valores e ideias mais conservadoras e punitivistas, do ponto de vista penal. “O que foi muito relatado [pelos entrevistados] é que existe um medo da Corregedoria, de fazer algo errado no início da carreira. Então, a Corregedoria tem um papel muito forte de moldar esses profissionais jovens”, conta Evorah, que é doutora em direito pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Em outros órgãos, como na Defensoria Pública de São Paulo, o acompanhamento dos novos membros é feito, de acordo com Evorah, por uma comissão técnica que, apesar de ligada à Corregedoria, não se confunde com a parte disciplinar. “É feito de uma forma mais difusa.”
Após os estágios iniciais, a Corregedoria continua exercendo um papel importante, acompanhando de perto a atuação dos membros do MP. “Existe a sensação de um policiamento”, diz a pesquisadora. As menções negativas atribuídas pela Corregedoria têm, de acordo com o estudo, impacto na trajetória profissional. Custódio lembra que a Corregedoria é formada pelos profissionais mais antigos da carreira, o que acaba criando uma sensação de que “os mais velhos vigiam os mais novos”.
"(A Corregedoria) não está monitorando se o promotor foi pego dirigindo alcoolizado ou se está ganhando dinheiro fora da lei. Está monitorando o teor das manifestações. Esse monitoramento é ilegal. É perigoso”
RAFAEL CUSTÓDIO, UM DOS AUTORES DA PESQUISA DA CONECTAS
No Estado de São Paulo, são muitos os exemplos de proximidade entre o MPSP e a política local. A começar pelo atual presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez. Capez tem fortes ligações com a Promotoria e o Judiciário. Não apenas fez carreira como promotor do estado como seu irmão, Flávio Capez, é procurador aposentado. Outro irmão, Rodrigo Capez, é juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo e foi instrutor do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Antonio Dias Toffoli. A esposa de Fernando e uma de suas cunhadas também fazem parte do MPSP.
Atualmente, a Secretaria de Justiça estadual está sob o comando de um ex-procurador-geral de Justiça, Márcio Elias Rosa, que saiu do comando central do órgão responsável por vigiar o governo do estado para o próprio governo logo depois de ter deixado o cargo. Não foi o primeiro. O ex-procurador-geral do MP por três mandatos Luiz Antonio Marrey também foi secretário estadual de Justiça antes de tornar-se chefe da Casa Civil do vice-governador Alberto Goldman.
A proximidade é ainda maior na Secretaria de Segurança Pública (SSP). Nos últimos 20 anos, dos oito secretários da pasta, apenas um não veio do MP. O atual secretário e ex-procurador, Mágino Barbosa Filho, já fazia parte da equipe de assessores do seu antecessor, o ex-promotor Alexandre de Moraes, que por sua vez foi alçado a ministro da Justiça do Governo Michel Temer.
Além dos secretários Mágino (Segurança) e Saulo de Castro (Governo), de janeiro de 2015 a 2016 dez membros do MPSP se afastaram para ocupar cargos no Executivo estadual. Desses, três foram para a SSP e quatro para a Secretaria de Meio Ambiente. Outros dois deixaram temporariamente o órgão por posições na Assembleia Legislativa. A Corregedoria-Geral do Estado de São Paulo também passou a ser presidida por um procurador. Todos puderam manter os salários de promotor ou procurador, maiores do que os pagos no Executivo e no Legislativo.
Para Rafael Custódio, a relação entre Governos e MP não é exclusivo de São Paulo, mas nesse Estado o processo está mais consolidado. Ele acredita que tamanha proximidade é justamente um efeito colateral da Constituição de 1988: “Alguns autores acham que o Ministério Público virou a grande autoridade do Brasil, eles têm hiperpoderes. Eles viraram, talvez, o principal poder [do país]. Alguns políticos perceberam isso e decidiram que era melhor se aproximar desses caras do que virar rivais”.
A aproximação do MP com o Governo estadual tem impactos negativos, na opinião do professor Frederico Normanha, da Unicamp. “Você pega um secretário de Segurança Pública que era do Ministério Público, mas o Ministério Público tem a função de coibir abusos da polícia, controlada pelo serviço de segurança pública. Você cria um nó e não vai exercer controle nenhum”, avalia.
Rafael Custódio acha que em São Paulo “o governador gosta dos procuradores”. Ele avalia que essa aliança coloca em questão o próprio trabalho do MP de investigar o Governo. “Em São Paulo isso não acontece. Tanto que o cara é brindado com um cargo. Talvez o Ministério Público não esteja fazendo o trabalho dele direito.”
“O Ministério Público tem uma atuação profissional, isenta, independente. Os promotores têm garantias suficientes para isso"
GIAMPAOLO SMANIO, PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
O novo procurador-geral de Justiça, Giampaolo Smanio, refuta qualquer interferência externa. “O Ministério Público tem uma atuação profissional, isenta, independente. Os promotores têm garantias suficientes para isso. Individualmente, se algum promotor quiser exercer cargos fora da instituição, isso é uma questão que vai ser analisada no dia a dia, mas isso não influi em nada na atuação dos promotores”, disse em entrevista à Pública.
Da mesma posição é o atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, entrevistado pela reportagem antes de assumir o cargo. Moraes ganhou projeção política no período em que foi promotor em São Paulo, de 1991 a 2002. Foi eleito primeiro-secretário da Associação Paulista do Ministério Público e assessorou o então procurador-geral José Geraldo Brito Filomeno (2000-2002). Deixou a Promotoria para assumir a Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania de São Paulo no primeiro Governo de Geraldo Alckmin. Ocupou, desde então, diversos cargos no Executivo. Em 20 de junho de 2016, durante a posse de Gianpaolo Smanio como procurador-geral de São Paulo, Alexandre de Moraes ocupou lugar de destaque na cerimônia. Foi lá que conversou com a Pública: “O Ministério Público, seja de São Paulo, Federal ou de outros estados, é uma das instituições que melhor fornece quadros para a sociedade brasileira. Basta ver que na cerimônia de hoje nós temos um ex-promotor de justiça como presidente do Tribunal de Contas do Estado, um ex-promotor de Justiça como presidente do Tribunal de Justiça Militar. Ou seja, o Ministério Público é um exportador de quadros exatamente porque é uma instituição fortíssima”, defendeu. Indagado sobre possíveis conflitos de interesse em um ex-promotor assumir cargos no Executivo, ele disse: “Se a Constituição achasse que isso criaria um nó, não permitiria que aqueles que ingressaram antes de 5 de outubro [de 1988] pudessem exercer esses cargos, e a prova de que não há nenhum problema nisso são os belíssimos trabalhos e belíssimas funções que os membros do Ministério Público do país todo exercem e exerceram pelo Poder Executivo”.
A nomeação de membros do MP a cargos no Executivo passou a ser proibida a partir da Constituição de 1988. O entendimento do STF, no entanto, é que a regra só vale para os que ingressaram na carreira após a promulgação da Carta Magna. O objetivo é preservar promotores de qualquer controle ideológico ou financeiro para que possam processar governantes, fiscalizar a polícia e vigiar empresas privadas. Também são garantias o cargo vitalício, o salário irredutível e a lotação inamovível – ou seja, o promotor não pode ser retirado de uma comarca para outra, a menos que por interesse próprio.

UM PROMOTOR À MARGEM

Os membros do MPSP que não se encaixam na ideologia dominante do órgão têm uma vida “marginal”, segundo Antônio Alberto Machado, que diz ter sofrido por adotar teses contrárias ao pensamento dominante durante os 31 anos como promotor.
Alberto conversou com a Pública dias depois de sua aposentadoria como promotor que atuou primordialmente com temas fundiários na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Ele também é livre-docente na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Franca. Entre uma função e outra, ficou com a segunda. Decisão que atribui a um “certo desencanto”. Sua crítica às carreiras jurídicas não está restrita ao MP: “Os tribunais e a lei não foram pensados para promover transformação social. Ao contrário. Eles nascem vinculados à ideia de manutenção da ordem estabelecida. Juízes, tribunais, o direito e a lei são naturalmente conservadores”. Seguindo uma linha de atuação diferente, Alberto Machado falou à Pública sobre sua a carreira:
Pergunta. Como é a vida do promotor que não se alinha ao pensamento hegemônico da instituição?
Resposta. É uma vida marginal. Marginal no sentido de que você está à margem da ideologia oficial, hegemônica.
P. Ser marginal tem impacto na carreira?
R. Eu tive. Eu fui preterido por oito anos, por exemplo. Fui processado [pela Corregedoria do MP] três vezes.
P. Preterido como?
R. Eu não era promovido. Fiquei em Sertãozinho [município de 120 mil habitantes, na região metropolitana de Ribeirão Preto] por oito anos. Muitos promotores que entraram depois de mim na carreira chegaram em Ribeirão Preto muito primeiro que eu.
P. Então a antiguidade não é o único critério de ascensão na carreira? Não caminha sozinha?
R. Não, não caminha. Ela caminha também por merecimento.
P. E como se julga o merecimento?
R. Merecimento é relacionamento. Não existe um critério objetivo para julgar o merecimento. O que o promotor faz ou não faz. Eu fiquei em Sertãozinho. Quando tinha tempo para ser promovido, eles [o MP] não abriam [vaga em] Ribeirão Preto por antiguidade. Só por merecimento. Eu acabei vindo por antiguidade [após nove anos de carreira]. Aí não teve jeito.
P. O senhor foi processado três vezes?
R. Fui e fui absolvido três vezes. Nas três vezes, por ter uma atuação, digamos, alternativa. Tudo por representação da Polícia Militar contra mim.
P. Que casos foram?
R. Em Sertãozinho, por exemplo, não tinha [nenhum] processo contra a PM por abuso de autoridade. Eu cheguei e comecei a processar a PM. Quando eu processei a PM, a PM se afastou e se colocou numa posição contrária à minha. Num caso específico, eles [a PM] entenderam que eu não teria processado um sujeito, que era pobre miserável, tinha aids e tal, por critérios de compaixão. Fizeram a representação contra mim. Eu acabei respondendo o processo na Corregedoria. Fui investigado por um ex-PM que era promotor e que foi até secretário de Segurança, o Antônio Ferreira Pinto. Ele pressionou testemunhas pra depor contra mim na Corregedoria. As próprias testemunhas disseram, no depoimento, que foram pressionadas e eu acabei absolvido.
Naquela época, a gente tinha uma atuação muito articulada com movimentos sociais, com movimento sindical de Sertãozinho, com movimento de direitos humanos. Por exemplo, o segundo processo que me arranjaram foi porque eu fui panfletar contra as blitze da Polícia Militar, junto com uma entidade de direitos humanos. Falaram que isso não era papel de promotor. E lá fui eu, de novo, responder por isso…
P. Não havia estigma pela proximidade com os movimentos sociais?
R. É um estigma grande. Você vai ficando meio decano na carreira e as pessoas também respeitam um pouco mais. Mas o estigma sempre há. Por exemplo, quando eu enchia a Promotoria de pobre, já diziam: “Ah! isso é coisa do Machadinho”. São aquelas piadinhas, aquelas coisa que, entre aspas, visam desqualificar um pouco e revelam que o perfil da Promotoria não é este: de encher a Promotoria de pobre, de sem-teto, de sem-terra e ficar lutando por esses direitos. O perfil do promotor, nesse caso, seria reprimir esses grupos. Esse é o perfil oficial.

Militares, ciências, Educação Popular.

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