Friday, February 26, 2016

“A DÍVIDA É O NÓ QUE AMARRA O BRASIL E É A PRINCIPAL RESPONSÁVEL PELO CENÁRIO DE ESCASSEZ”, ENTREVISTA COM MARIA LUCIA FATTORELLI

A DÍVIDA É O NÓ QUE AMARRA O BRASIL E É A PRINCIPAL RESPONSÁVEL PELO CENÁRIO DE ESCASSEZ”, ENTREVISTA COM MARIA LUCIA FATTORELLI

Por Rogéria Araújo *
Ao longo de muitos anos, a dívida pública brasileira, interna e externa, vem se acumulando e multiplicando. O pagamento dos juros, que se tornam outras dívidas, influenciam diretamente na economia do país. Quem paga essa conta? A população brasileira, e de várias maneiras. Há toda uma trama de interesses envolvendo o processo de endividamento do Estado. A saber: A dívida interna está estimada em quase 4 trilhões de reais e a dívida externa em 546 bilhões de dólares.
Mas o quê, afinal, devemos, quanto devemos, a quem pagamos, quem realmente ganha com esse endividamento?. Questionamentos como estes poderiam – e podem – ser respondidos com uma Auditoria da Dívida Pública com participação social. O ponto estava incluído no Plano Plurianual 2016-2019, mas foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff, divulgado no Diário Oficial no dia 14 de janeiro.
Com isso, iniciou-se uma intensa campanha pela derrubada do veto. A campanha “Derruba o Veto” tem por objetivo conseguir o voto de 257 deputados e 41 senadores. Conheça e participe da iniciativa em www.auditoriacidada.org.br/derrubaoveto
A rede Jubileu Sul Brasil conversou com Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, que falou sobre a importância desta campanha que está em marcha e sobre as consequências nocivas que este endividamento traz para a população brasileira.
“Sequer sabemos para quem pagamos a dívida, pois os nomes dos rentistas detentores dos títulos é ‘informação sigilosa’. A auditoria se fundamenta em dados e documentos oficiais e deveria ser rotina. Aliás, a sociedade está exigindo isso da classe política. O que pode justificar não fazer uma auditoria das nossas contas? Faríamos isso na nossa casa e em qualquer empresa que quiséssemos que desse bons frutos”, afirma nesta entrevista.
A rede disponibiliza aqui a lista de deputados e senadores para que se enviem mensagens pedindo o veto: http://www2.camara.leg.br/ ehttp://www25.senado.leg.br/
Conheça, também, a campanha da rede JSB pela auditoria da dívida em:
Confira a entrevista.
Jubileu Sul Brasil– Como surgiu a ideia da Campanha “Derruba o Veto” e como ela vem se realizando no país?
Maria Lucia Fattorelli – A campanha surgiu da necessidade de garantir a realização da auditoria da dívida pública com participação da sociedade civil. Chegamos perto dessa meta, pois o Congresso Nacional incluiu dispositivo nesse sentido no Plano Plurianual para 2016-2019 aprovado recentemente. Porém, a presidenta Dilma vetou. Agora o Congresso Nacional pode derrubar o veto. Para isso precisaremos do voto de uma maioria simples na Câmara dos Deputados e no Senado.
Estamos realizando a campanha pela internet, com apoio de parlamentares e artistas, e por meio dos nossos núcleos em diversos locais do Brasil. O objetivo é pressionar os parlamentares, dando-lhes informação sobre a necessidade dessa auditoria da dívida e pedindo o seu voto pela derrubada do veto.
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Criamos uma página que indica 10 motivos para justificar a realização da auditoria da dívida e convoca para a assinatura de uma petição (eletrônica) pela derrubada do veto. A página informa também todos os contatos dos parlamentares, para que as pessoas enviem cartas diretamente a cada um, pedindo que votem pela derrubada do veto.
Em fevereiro, quando o Congresso Nacional volta a funcionar, iremos visitar gabinetes e entregar cartas pessoalmente aos parlamentares, pedindo que votem pela derrubada do veto.
Todas as pessoas estão convidadas a participar dessa campanha, por isso pedimos que acessem a página (www.auditoriacidada.org.br/derrubaoveto) e participem.
Jubileu Sul Brasil – Em todo nosso atual contexto, o que significa para o povo brasileiro uma auditoria da dívida? Que consequências teríamos desta iniciativa?
Maria Lucia Fattorelli – Auditar a dívida pública brasileira significa trazer transparência para o maior gasto público do país.
Todo ano, o pagamento de juros e amortizações da dívida consome quase a metade do orçamento federal. A dívida afeta também os orçamentos dos estados e diversos municípios. E quem paga essa conta somos todos nós brasileiros e brasileiras, embora não se saiba que dívida é essa, como ela surgiu, quem se beneficiou, onde foram aplicados os recursos, quanto efetivamente recebemos e quanto é referente a mecanismos financeiros que geram dívida sem contrapartida alguma ao País (ver o artigo “O Banco Central está suicidando o Brasil”).
Sequer sabemos para quem pagamos a dívida, pois os nomes dos rentistas detentores dos títulos é “informação sigilosa”. A auditoria se fundamenta em dados e documentos oficiais e deveria ser rotina. Aliás, a sociedade está exigindo isso da classe política. O que pode justificar não fazer uma auditoria das nossas contas? Faríamos isso na nossa casa e em qualquer empresa que quiséssemos que desse bons frutos.
A realização da auditoria trará consequências extremamente benéficas para o país. O Equador, por exemplo, após auditar sua dívida, conseguiu reduzir o seu gasto com dívida externa em 70%, triplicando os investimentos sociais como em educação e saúde.
Jubileu Sul Brasil – Em 28 anos, tivemos aprovada uma auditoria da dívida. Podemos considerar, em parte, um avanço no Congresso? O que significa politicamente esta aprovação?
Maria Lucia Fattorelli – De fato, a auditoria está prevista na Constituição de 1988 e até hoje ainda não foi realizada. Sem dúvida, o fato de o Congresso Nacional ter incluído no PPA 2016-2019 o dispositivo que indica a realização da auditoria com participação de entidades da sociedade civil deve ser considerado um avanço, fruto da mobilização social e do empoderamento de muitas pessoas em relação ao tema da dívida.
Mas é preciso avançar muito mais. É preciso popularizar o conhecimento do que denominamos Sistema da Dívida, isto é, a utilização do endividamento público às avessas, continuamente transferindo recursos públicos para o setor financeiro privado nacional e internacional. O escandaloso lucro dos bancos, ao mesmo tempo em que toda a economia está em queda (desindustrialização, queda no comércio, desemprego e até encolhimento do PIB) evidencia essa transferência de recursos.
A dívida é o nó que amarra o Brasil e tem sido a principal responsável pelo cenário de escassez em que vivemos, incompatível com a nossa realidade de abundância. Por isso exigimos completa auditoria, com participação cidadã, e estamos empenhados na derrubada do veto.
Jubileu Sul Brasil – Austeridade, política de ajustes fiscais…como isto se relaciona com a dívida e que impactos traz para os serviços básicos e constitucionais dos/as brasileiros/as?
Maria Lucia Fattorelli – As obrigações da dívida têm sido consideradas prioridade do governo brasileiro há décadas.
A política de “ajuste fiscal” ou “austeridade” se encaixa perfeitamente ao funcionamento do Sistema da Dívida, que funciona como uma subtração de recursos nacionais principalmente para mãos de bancos e outras instituições financeiras.
O ajuste fiscal é obtido mediante o corte de gastos e investimentos públicos (em infraestrutura, educação, saúde e segurança etc.); corte de direitos sociais (como a recém anunciada reforma da Previdência e retirada de direitos trabalhistas), privatizações de patrimônio público, além de aumento de tributos que recaem sobre os trabalhadores e os mais pobres.
Assim, toda a política econômica fica orientada para essas medidas que visam gerar uma sobra de recursos – o superávit primário – que se destina ao pagamento de juros da dívida pública brasileira.
Isso afeta diretamente a vida de cada brasileiro e brasileira, além de amarrar o funcionamento do País.
O verdadeiro ajuste deveria ser feito no pagamento dos juros mais elevados do mundo, pagos sobre uma dívida repleta de ilegalidades, ilegitimidades e até suspeitas de fraudes. Por isso é tão importante lutar pela auditoria dessa dívida e mudar o rumo da política econômica para garantir vida digna para todas as pessoas.
Jubileu Sul Brasil – O gasto com a dívida – interna e externa – correspondente a 1 de janeiro a 1 de dezembro estaria estimado em mais de 958 bilhões de reais, o equivalente a 46% do gasto federal. Quem são os que ganham com esses juros? Como, na prática, a auditoria poderia rever esses números?
Maria Lucia Fattorelli – A dívida interna atinge R$ 3,7 trilhões e a dívida externa US$ 546 bilhões.
O valor de R$ 958 bilhões corresponde ao que a dívida consumiu do dia 1º de janeiro até o dia 1º de dezembro de 2015. O gasto com a dívida é escandaloso, porque as taxas de juros praticadas no Brasil são as mais elevadas do mundo.
Quem ganha com isso são os detentores dos títulos da dívida, donos desse grande capital, cujos nomes desconhecemos, porque o Tesouro Nacional informa somente o setor econômico de quem detém os títulos, isto é bancos nacionais e estrangeiros (cerca de 50%), fundos de pensão e de investimento (30%), investidores estrangeiros (12%) e os outros 8% seguradoras, FGTS, FAT, fundos administrados pelo governo e aplicadores nacionais.
A auditoria é a ferramenta que permite conhecer e documentar a real natureza da chamada dívida pública. Os resultados da auditoria são expressos em relatório que serve de instrumento para ações concretas em todos os campos: popular e social, parlamentar, jurídico, entre outros da esfera política. Assim, é muito importante a realização da auditoria, não só para conhecer o processo de endividamento, mas também para fundamentar as ações que devem ser tomadas em relação à dívida.
dívida-pública
A CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados (2009/2010) denunciou uma série de ilegalidades e ilegitimidades no processo de endividamento brasileiro, tanto interno como externo, em âmbito federal, estadual e até municipal. Assim, a CPI reforçou ainda mais a necessidade de realização de completa auditoria da dívida. Os graves elementos evidenciados pela CPI fazem parte de relatórios entregues ao Ministério Público Federal desde 2010.
Segundo a própria Constituição Federal (art. 167) o endividamento público é um instrumento que deve ser utilizado com destinação direta a investimentos no país. Ou seja, é ilegal assumir novas dívidas com credores internos e externos para pagar juros de dívidas anteriores e outras despesas correntes. Contudo, a partir de estudos realizados pela Auditoria Cidadã da Dívida e de investigações feitas pela CPI da Dívida, constatamos que é justamente o que vem ocorrendo com a dívida brasileira desde a década de 1970.
Dentre as ilegalidades e ilegitimidades denunciadas pela CPI podemos resumir as seguintes:
* Histórica aplicação de “Juros sobre Juros” (Anatocismo), considerado ilegal segundo o Supremo Tribunal Federal;
* Elevação unilateral dos juros flutuantes na dívida externa, procedimento ilegal, segundo a Convenção de Viena;
*Estatização de dívidas privadas; Ausência de contratos e documentos; ausência de conciliação de cifras nas sucessivas renegociações da dívida externa;
*Cláusulas ilegítimas nos contratos de endividamento externo;
* Indício de prescrição da dívida externa que foi transformada nos título “Brady” no início dos anos 90;
* Introdução de Cláusula de Ação Coletiva sem a aprovação no Congresso Nacional;
* Resgate antecipado de títulos da dívida externa com pagamento de ágio que chegou a 70% do valor nominal;
* Ilegalidades no descontrole do fluxo de capitais, que foi uma das principais causas da origem da dívida interna nos anos 90;
* Artifícios estatísticos e contábeis na demonstração do estoque das dívidas interna e externa;
* Ausência de informação sobre o valor dos juros nominais que estão sendo efetivamente pagos sobre a dívida bruta;
* Contratação de nova dívida para pagar grande parte dos juros nominais, o que fere o artigo 167 da Constituição Federal;
* Conflito de interesses na determinação da Taxa de Juros Selic, tendo em vista que o BC convida predominantemente o próprio setor financeiro para definir as previsões de inflação,
* Juros e outras variáveis, que depois são consideradas pelos membros do COPOM na definição da Selic;
* Violação dos direitos humanos e sociais devido à exagerada destinação de recursos orçamentários para o pagamento do serviço da dívida.
É por tudo isso que precisamos realizar a auditoria. A partir de auditorias na dívida pública podemos fazer com que recursos absorvidos por esse “Sistema da Dívida” sejam revertidos em favor do nosso desenvolvimento socioeconômico e à melhoria das condições de vida no país.
* comunicadora da rede Jubileu Sul Brasil.

A Folha, O Estadão e as guardas pretorianas do Bom dia Brasil ao Jornal das 22h00 que passa depois das 00h00 é um produto de desinformação ao povo brasileiro. Quando o assunto é dívida pública é vergonho o repertório

SOMOS TODOS AUDITORES, RESPOSTA A LAURA DE CARVALHO NÃO PUBLICADA NA ÍNTEGRA PELA FOLHA DE S. PAULO

resposta laura de carvalho
Esse texto foi enviado como resposta à Folha de S. Paulo, porém foi publicado apenas parcialmente no Painel do Leitor, na versão impressa do jornal. No site da Folha de S. Paulo não se encontra qualquer versão do texto. Segue abaixo, a íntegra:
Somos todos auditores
Maria Lucia Fattorelli [i]
O veto de Dilma à realização da auditoria da dívida com participação da sociedade civil tem provocado reações equivocadas, como a de Laura Carvalho publicada pela Folha em 21/01/2016.
A auditoria da dívida está prevista na Constituição de 1988 e nunca foi realizada. Portanto, lutar pela auditoria significa defender a Constituição.
Se a dívida é pública e tem sido paga por todos nós, precisamos saber que dívida é essa, como ela surgiu, quem se beneficiou, onde foram aplicados os recursos, quanto efetivamente recebemos e quanto é referente a mecanismos que geram dívida sem contrapartida, decorrentes de operações não transparentes realizadas pelo Banco Central (swap cambial e compromissadas).
Sequer sabemos para quem pagamos a dívida, pois os nomes dos rentistas detentores dos títulos é “informação sigilosa”.
A auditoria se fundamenta em dados e documentos oficiais e deveria ser rotina.
A dívida brasileira cresce aceleradamente e tem o custo mais elevado do mundo devido aos injustificáveis juros abusivos. A dívida federal interna alcançou R$ 3,8 trilhões, desde setembro/2015, e a externa bruta, US$ 556 bilhões.
Todo ano, o pagamento de juros e amortizações dessa dívida consome quase a metade do orçamento federal. Em 2015, consumiu cerca de R$ 1 trilhão, sendo a maior parte referente a juros sobre juros, o que configura Anatocismo e é ilegal.
Muitos desconhecem o disposto no art. 167 da Constituição, que proíbe a utilização da dívida para pagar despesas correntes, tais como juros, salários, gastos de manutenção da máquina pública, entre outros. Conhecida como “Regra de Ouro”, tal proibição não tem sido levada em conta quando se trata de privilégio aos rentistas, já que o governo tem emitido títulos para pagar juros, aumentando a dívida em escala exponencial.
Os órgãos de controle não auditam a dívida pública e o Portal da Transparência não detalha seus pagamentos, apesar de ser o maior gasto federal.
O superávit primário representa apenas parte dos recursos destinados ao pagamento anual da dívida (receitas tributárias e de privatizações). Outras fontes vão diretamente para a dívida, tais como: emissão de novos títulos; juros e amortizações pagos por estados e municípios à União; lucros do Banco Central e de empresas estatais; rendimentos do Tesouro.
Laura Carvalho afirma que “não há dúvidas de que bandalheiras históricas estão na origem de parte da dívida atual”. Sucessivas renegociações da “bandalheira original” não tornam a dívida atual regular. Algo nulo na origem é sempre nulo. Daí o mérito da auditoria desde a origem.
A anulação de 70% da dívida externa do Equador se respaldou na auditoria que comprovou ilegalidades e fraudes, como a transformação Brady, em Luxemburgo, de dívida prescrita em novos títulos. O histórico da nossa dívida naquele período é idêntico, tendo sido transformada em títulos em Luxemburgo para em seguida servir de moeda para comprar empresas privatizadas, ou transformar-se em outros títulos da dívida externa ou interna, que no início do Plano Real pagavam taxas que chegaram a 45%!
A dívida é um esquema de transferência de recursos públicos para o setor financeiro, como evidenciam os bilionários lucros dos bancos, apesar da desindustrialização, queda no comércio, desemprego e até encolhimento do PIB.
A dívida tem sido a principal responsável pelo cenário de escassez em que vivemos, incompatível com a nossa realidade de abundância. Por isso exigimos completa auditoria, com participação cidadã.
[i] Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

Entre a insustentável retórica do déficit e as verdadeiras razões da reforma previdenciária. Entrevista especial com Denise Gentil

Entre a insustentável retórica do déficit e as verdadeiras razões da reforma previdenciária. Entrevista especial com Denise Gentil

“Baseado nos preceitos constitucionais, não há déficit na previdência. Em 2013 houve um superávit de R$ 67 bilhões, em 2014 um superávit de R$ 35 bilhões e em 2015 de R$ 16 bilhões”, constata a economista.
Foto: www.cut.org.br
Tão sólido quanto um castelo de areia é o argumento em torno do déficit orçamentário da previdência. O ponto central de quem defende uma mudança no regime de concessões de aposentadorias é que o orçamento da pasta é deficitário.
Na contramão do quem vem sendo defendido pelo governo federal, estudos apontam que os recursos para a seguridade social são superavitários, mesmo em tempos de recessão econômica.
“Tenho defendido que o governo faz um cálculo sem considerar o que prevê a Constituição Federal nos artigos 194 e 195. Nesses dois artigos verifica-se que os recursos que pertencem à seguridade social, que financiarão os gastos com saúde, assistência social e previdência, são provenientes de várias fontes de receita”, sustenta Denise Gentil, em entrevista por telefone à IHU On-Line.
Para a economista, o argumento de que não há recursos é facilmente refutável, entretanto reconhece que há um clima geral de desinformação que leva as pessoas a acreditar nas saídas apresentadas. “Os homens de negócios, os cidadãos comuns, as pessoas do meio acadêmico e os burocratas do Estado também acreditam nesse déficit. Existe uma parte da sociedade que é massacrada por esta informação e que acredita, de fato, que ela é verdadeira”, pondera. “Quem defende a seguridade social, no entanto, sabe que toda essa retórica é forjada para privatizar a oferta de serviços públicos”, esclarece.
Segundo Denise, todo esse jogo político serve apenas para colocar em prática um projeto que não é somente econômico, mas também civilizacional, em que o sistema financeiro absorve todas as dimensões da vida humana. “Empurra-se a população para fazer planos de previdência em fundos privados de capitalização e isso desloca essas pessoas de um serviço que deveria ser público para o sistema financeiro. Trata-se de um processo de financeirização do orçamento público. Reduzir benefícios significa empurrar as pessoas para os planos privados de previdência”, critica.
Denise Lobato Gentil é bacharel em Economia pelo Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará, realizou mestrado em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará e doutorado em Economia no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, onde atualmente é professora. É autora de diversos artigos acadêmicos e organizadora do livro Produto Potencial e Investimento (Rio de Janeiro: Ipea, 2009).
Confira entrevista.
Foto: Reprodução You Tube
IHU On-Line – Em sua pesquisa, a senhora afirma que o governo se utiliza de métodos questionáveis para apontar o crescimento progressivo do déficit do sistema previdenciário. Quais seriam os principais equívocos desse método?
Denise Gentil – Tenho defendido que o governo faz um cálculo sem considerar o que prevê a Constituição Federalnos artigos 194 e 195. Nesses dois artigos verifica-se que os recursos que pertencem à seguridade social, que financiarão os gastos com saúde, assistência social e previdência, são provenientes de várias fontes de receita. Há a receita de contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, o PIS-Pasep, a receita de concursos de prognósticos e a Contribuição Previdenciária dos trabalhadores, empregadores e dos contribuintes individuais para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
O que o governo faz, de fato, é pegar as Contribuições Previdenciárias do INSS e diminuir dessa receita o total dos benefícios previdenciários. O resultado é deficitário. Então a previdência, que é financiada por quatro fontes de receita, aparece como sendo financiada por apenas uma. Mas, seguindo os preceitos constitucionais, o correto é somar todas as receitas da seguridade social e diminuir o total da despesa, o que inclui todos os gastos com previdência, os gastos com o Sistema Único de Saúde – SUS, com o Bolsa Família, com os benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS.
Permita-me insistir em algo importante: baseado nos preceitos constitucionais, não há déficit. Em 2013 houve um superávit de R$ 67 bilhões, em 2014 um superávit de R$ 35 bilhões e em 2015 de R$ 16 bilhões. Note-se que no governoDilma esse superávit tem caído progressivamente, porque a política macroeconômica tem produzido queda do Produto Interno Bruto – PIB desde 2011. Os anos de 2014 e 2015 são anos de recessão, mesmo assim o sistema de seguridade social gerou um superávit de R$ 16 bilhões em 2015. Então, o que insistimos é que obviamente o argumento central para fazer a reforma da previdência não pode ser a falta de recursos para cobrir os gastos. Temos que discutir as verdadeiras razões de fazer essa reforma.
Aliás, não sou apenas eu quem chega à conclusão de que há um superávit. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – Anfip chega a resultados semelhantes aos que apresentei.

“Empurra-se a população para fazer planos de previdência em fundos privados de capitalização

 
IHU On-Line – Caberia a quem questionar a aplicação constitucional?
Denise Gentil – A sociedade civil tem que se mobilizar contra essa farsa, que se repete há décadas, de falar que a previdência socialtem déficit.
Nós teríamos que provocar uma grande mobilização social para que o governo não fizesse reforma na previdência com base no falso discurso do déficit.
Infelizmente ainda não conseguimos reverter essa situação, porque o mantra do déficit passou a ser uma verdade estabelecida. Os homens de negócios, os cidadãos comuns, as pessoas do meio acadêmico e os burocratas do Estado também acreditam nesse déficit.
Existe uma parte da sociedade que é massacrada por esta informação e que acredita, de fato, que ela é verdadeira. Quem defende a seguridade social, no entanto, sabe que toda essa retórica é forjada para privatizar a oferta de serviços públicos.
A grande questão em jogo é o processo de privatização que, particularmente, se acentuou no governo Dilma. Privatização na área de educação, de saúde, de infraestrutura – com os leilões de concessão na área de portos, rodovias, ferrovias, aeroportos, estádios de futebol – inclusive na área do pré-sal.
Mas como se privatiza na área da previdência? Vai-se provocando o achatamento dos benefícios e dificultando o acesso aos direitos. Quando se procede dessa forma, as pessoas passam a criar a ideia de que quando elas forem se aposentar o valor dos benefícios será tão baixo que elas precisarão de um plano de previdência complementar contratado em um banco.
Empurra-se a população para fazer planos de previdência em fundos privados de capitalização e isso desloca essas pessoas de um serviço que deveria ser público para o sistema financeiro. Trata-se de um processo de financeirizaçãodo orçamento público. Reduzir benefícios significa empurrar as pessoas para os planos privados de previdência.
A mesma coisa se faz com o sistema público de saúde. Investe-se pouco na saúde, precariza-se o atendimento, as pessoas se sentem inseguras e acabam optando por fazer um plano privado de saúde para serem, supostamente, mais bem atendidas.
Isso leva as famílias a gastar cada vez mais com saúde privada, previdência privada, creches privadas, sobrando cada vez menos renda para as famílias. Em síntese, é a agudização do processo de financeirização do orçamento público, através do qual o governo empurra as famílias para a oferta de serviços privados, que deveriam ser disponibilizados de maneira gratuita e universalizada para todos os cidadãos.
IHU On-Line - Como essa lógica se relaciona à concentração de renda?
Denise Gentil – O orçamento público direciona 8,5% do PIB para gastos com juros, que em 2015 representaram R$ 501 bilhões. Esses recursos foram gastos com o seleto grupo social de menos de 100 mil pessoas. Enquanto isso o governo gastou R$ 380 bilhões com benefícios do Regime Geral de Previdência Social que atenderam diretamente 28,3 milhões de pessoas e indiretamente 90 milhões de pessoas.
No entanto, o governo não discute a magnitude desse gasto com juros. Estas transferências financeiras provocam uma enorme concentração de renda, retirando recursos e serviços da população para destinar a uma fatia da sociedade que só vai acumular mais riqueza. Esse grupo de privilegiados não vai elevar seu consumo, não vai investir e nem produzir ou gerar emprego. Esses recursos são esterilizados. O que nós precisamos é discutir o processo de financeirização do orçamento público.
IHU On-Line - Isso é mais do que um processo econômico, mas civilizacional. Correto?
Denise Gentil - Exatamente. Isso é um projeto de sociedade em que o sistema financeiro domina todas as políticas porque está dentro das instituições. Coisa semelhante ocorre na área de educação, pois, afinal de contas, o que são as bolsas do Programa Universidade para todos – Prouni e o Fundo de Financiamento Estudantil – Fies? Os alunos, que deveriam estar em universidades públicas, estão em universidades privadas, pagando para estudar, tomando empréstimo a taxas de juros exorbitantes. O Prouni, em vez de dedicar vagas aos estudantes em universidades públicas, oferta bolsa em uma universidade privada de qualidade inferior às universidades públicas.
Na área da saúde o governo abre mão de receita tributária ao permitir que as pessoas deduzam o que pagam com planos de saúde do imposto de renda. Estes recursos poderiam estar sendo empregados no SUS. Ao precarizar os serviços do SUS, o governo está empurrando as pessoas para planos de saúde privados, já que não esperam ser atendidas adequadamente pela saúde pública. Isto sem contar as subvenções econômicas, que são repasses diretos do governo para as empresas privadas.

  

“Fazer renúncias tributárias é um processo de privatização de recursos públicos

Renúncias
Fazer renúncias tributárias é um processo de privatização de recursos públicos. Os números da Receita Federal mostram que o governo abriu mão de tributos num montante equivalente a 8% doPIB em 2014. Essa estratégia de renúncia tributária atinge frontalmente as receitas de seguridade social.
Em 2015, o governo federal renunciou a receitas tributárias num montante de R$ 282 bilhões. Desse total, R$ 157 bilhões eram recursos da seguridade social, que deveriam estar a serviço da previdência, da saúde e da assistência social. Em 2016, estão previstos R$ 271 bilhões de renúncia tributária. Desse total, R$ 142 bilhões pertencem à seguridade social.
Quem paga a conta
O governo agora propõe uma reforma da previdência para diminuir gastos de forma a se ajustarem a um padrão de receitas mais baixo. Ora, isso é razoável? Alguém acha que a sociedade vai compreender? As renúncias tributárias se transformaram em margem de lucro mais alta para as empresas, sem elevar o investimento, sem criar empregos e sem gerar novas tecnologias.
O Estado brasileiro sucumbiu completamente a uma proposta de reforma da previdência social que é formulada pelo mercado achando que isso lhe dará sustentação política. Acontece que o mercado financeiro é insaciável. Já se apropria de 8% do PIB com juros da dívida pública e ainda quer mais os 8% do PIB que são gastos com a previdência social para que os fundos privados de previdência sejam favorecidos.
Desemprego
Nós perdemos 1,4 milhão de empregos formais em 2015, conforme informou o Ministério do Trabalho com base nas estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Caged; o rendimento real dos trabalhadores sofreu uma perda de 3,7% em 2015, com relação a 2014, a maior perda desde que a série de rendimentos reais dos trabalhadores se iniciou em 2002, que é a primeira do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; e tivemos uma queda da taxa de rendimento real dos trabalhadores de 5,3% em 2015 com relação a 2014. Neste momento de perda de renda para a classe trabalhadora, o governo – em um ato de suicídio político - propõe uma reforma da previdência.
IHU On-Line – Como são organizados e como funcionam os sistemas da seguridade social?
Denise Gentil – Existem três pilares no sistema de proteção social:
$1) Assistência Social: é o pilar que combate diretamente a pobreza. Com a Assistência Social, há a transferência de renda diretamente para as pessoas pobres e indigentes. É uma renda não contributiva, ou seja, quem receberá os benefícios não precisa ter contribuído para isso. Então, no Brasil tem, por exemplo, o repasse de renda monetária para os idosos pobres e para os deficientes físicos de baixa renda e tem o Bolsa Família;
$2) Saúde Pública (Sistema Único de Saúde – SUS): que é um sistema de saúde universal, não contributivo;
$3) Previdência Social: transferência de renda para pessoas que ficaram impossibilitadas de permanecer no mercado de trabalho, seja pelo desemprego, seja por doença, invalidez ou idade avançada.
Esses três pilares foram criados com o objetivo de dar um padrão de vida digno para a população, porque esse é o objetivo de um sistema de seguridade social, ou seja, é reproduzir a força de trabalho em condições dignas.
Então, o que está em disputa hoje, na Europa, e está em disputa também aqui no Brasil, é que tipo de sociedade nós construiremos. Se vamos construir uma sociedade em que a reprodução da classe trabalhadora em condições dignas será feita pelo Estado ou se vamos abandonar os cidadãos ao mercado e os que forem “fortes” buscarão os bancos para se proteger fazendo seguros, e os que não forem, não tiverem escolaridade elevada, não puderem ter bons empregos e bons salários, não terão nada.
O processo conservador que avança na Europa tem implicado em fazer o ajuste fiscal, reduzir o crescimento, provocar o maior desemprego possível para reduzir salários, comprimir bastante o gasto público com benefícios sociais para que seja desmantelado o sistema de proteção social europeu. Nós, aqui no Brasil, fomos capturados por esse discurso de que há um excesso de gasto social para poder justificar a redução do nosso sistema de proteção social. Esse discurso pertence ao sistema financeiro, tanto na Europa quanto aqui no Brasil.

“Aqui no Brasil, fomos capturados por esse discurso de que há um excesso de gasto social para poder justificar a redução do nosso sistema de proteção social

IHU On-Line – Como a senhora avalia o cálculo progressivo para a aposentadoria? Esse cálculo está associado ao discurso financeiro?
Denise Gentil – O cálculo progressivo é a fórmula 85/95 para os que se aposentam por tempo de contribuição: é a soma da idade mais o tempo de contribuição. Para as mulheres, se essa soma der um total de 85, elas poderão se aposentar sem a incidência do fator previdenciário, ou seja, poderão se aposentar com o benefício integral; para o caso dos homens, a soma da idade mais tempo de contribuição deve ser igual a 95. Se a soma da idade mais o tempo de contribuição der um número inferior a 85 ou 95, as mulheres e os homens sofrerão a incidência do fator previdenciário.
O governo está propondo instituir uma idade mínima para as aposentadorias por tempo de contribuição. É uma falta de visão realista do que realmente acontece no mercado de trabalho no Brasil. Se faz uma proposta de homogeneização como se todos tivessem condições iguais de se aposentar com mais de 60 anos.
Na verdade, as pessoas, após os 40 anos, já vão sofrendo de uma série de doenças crônicas, que vão impossibilitando-as de ficar no mercado de trabalho e que faz com que elas percam capacidade para concorrer com os mais jovens. O tipo de ocupação que as pessoas realizam também pode ir causando lesões crônicas e isso foi comprovado através daPesquisa Nacional de Saúde, que mostrou que os brasileiros começam a desenvolver doenças crônicas a partir dos 40 anos, as quais vão comprometendo a sua capacidade de trabalho.
Essas doenças, chamadas de Doenças Crônicas Não Transmissíveis, são doenças do aparelho circulatório, diabetes, colesterol, pressão alta, doenças crônicas na coluna vertebral, e que são responsáveis por aposentadorias com uma idade inferior àquela em que o governo argumenta que os trabalhadores estão em plena capacidade de trabalho. Asmulheres são as principais acometidas por doenças crônicas. São mais de 57 milhões de pessoas que sofrem de doenças crônicas no Brasil.
Obsolescência
Além disso, é preciso perceber que o desenvolvimento tecnológico é muito acelerado. Muitas vezes os trabalhadores com mais de 50 anos estão com sua capacidade de trabalho obsoleta em relação ao desenvolvimento tecnológico; o trabalhador não consegue acompanhar esse processo e não tem mais como disputar o posto de trabalho com os mais jovens. A única saída que lhe resta é se aposentar.
Uniformização
O governo também quer uniformizar a aposentadoria de homens e de mulheres, elevando a idade de aposentadoria das mulheres para que se torne igual à dos homens, sem ter uma pesquisa mais profunda sobre como de fato vivem as mulheres no mercado de trabalho. Quais são as dificuldades que elas enfrentam, não apenas com doenças crônicas, mas também de discriminação do mercado? Sabe-se que as mulheres trabalham 38 horas por semana, enquanto os homens trabalham 44 horas por semana, e isso acontece porque as mulheres trabalham 28 horas por semana em serviços domésticos não remunerados, cuidando de filhos e dos idosos da família, o que gera um enorme desgaste físico, porque o número de horas trabalhadas é muito superior ao dos homens.
O prejuízo profissional para as mulheres é muito grande, porque a mulheres que são casadas e têm filhos acabam se submetendo a trabalhos em tempo parcial, muito precários, com salários mais baixos, que é o que resta para elas fazerem, dada a necessidade de atender aos dependentes da família. As mulheres também têm grande prejuízo profissional porque acabam interrompendo a sua carreira a cada filho que nasce e isso provoca rupturas profissionais que implicam em quedas salariais.
Assimetrias
Portanto, há um processo de exclusão das mulheres do mercado de trabalho. O governo não proporciona creches nem escolas em tempo integral. As creches do setor privado são caríssimas e as mulheres não têm como manter seus filhos abrigados durante o período de trabalho; as mulheres são obrigadas a ficar nos serviços domésticos, principalmente quando o chefe da família é o homem. Então, essas assimetrias do mercado de trabalho entre homens e mulheres são, hoje, compensadas no momento da aposentadoria, quando a mulher se aposenta cinco anos antes.

“Se faz uma proposta de homogeneização como se todos tivessem condições iguais de se aposentar com mais de 60 anos

  
IHU On-Line – Quais são as limitações e os arranjos que ainda precisam ser feitos ao sistema de seguridade social?
Denise Gentil – Nós temos muito para melhorar. O maior campo de avanço que poderia ocorrer é o de chegarmos a um ponto em que ostrabalhadores urbanos, que passaram a sua existência em trabalhos precários e informais, pudessem também se aposentar como se aposentam os trabalhadores rurais. Isto é, sem a necessidade da contribuição, eles se aposentam com a comprovação do tempo de trabalho e têm o direito de se aposentar com o piso de um salário mínimo.
O avanço é no sentido de incorporar mais trabalhadores precarizados para dentro do sistema, porque nosso sistema de previdência é contributivo, mas como a renda brasileira é baixa, e muitos não têm condições de contribuir, só há contribuição quando as pessoas estão em um emprego formal com carteira assinada.
Isso é o que seria o grande avanço: todos os cidadãos brasileiros deveriam ter direito a uma renda na velhice, quer tivessem contribuído ou não, simplesmente pelo fato de serem cidadãos. Porque se eles não contribuíram diretamente, contribuíram de forma indireta ao consumirem qualquer tipo de bem, porque no preço dos bens já está embutido imposto: a Cofins, a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido - CSLL, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, todos impostos embutidos nos preços que pagamos.
Receitas progressivas
Outro grande arranjo que poderia ser feito numa reforma da previdência seria tornar as receitas que financiam o sistema de seguridade social mais progressivas. O peso da arrecadação recai sobre a população mais empobrecida, pois quem mais paga as contribuições sociais são as pessoas que ganham de um a três salários mínimos, quando deveria recair sobre os de maior poder aquisitivo. O sistema tributário brasileiro é altamente regressivo.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Denise Gentil – Quero tocar em um assunto muito importante relacionado ao campo político: seria extremamente importante que os políticos entendessem que a base eleitoral do futuro serão os idosos, pessoas com idade superior a 50 anos.
Está sendo usado o argumento do envelhecimento acelerado da população no futuro para destruir o sistema de proteção social no Brasil. Então, é necessário perceber que os eleitores de hoje e do futuro são aqueles que o governo está prejudicando com uma reforma que reduz a renda de benefícios.
É preciso que tenham muito cuidado com isso. Os idosos saberão direitinho quem votou na reforma da previdência. Se o governo de fato conseguir aprovar essa reforma draconiana que está propondo – que eu espero que não consiga -, perderá o apoio político de uma parcela importante da população.
Por Ricardo Machado

Entre a insustentável retórica do déficit e as verdadeiras razões da reforma previdenciária. Entrevista especial com Denise Gentil

Entre a insustentável retórica do déficit e as verdadeiras razões da reforma previdenciária. Entrevista especial com Denise Gentil

“Baseado nos preceitos constitucionais, não há déficit na previdência. Em 2013 houve um superávit de R$ 67 bilhões, em 2014 um superávit de R$ 35 bilhões e em 2015 de R$ 16 bilhões”, constata a economista.
Foto: www.cut.org.br
Tão sólido quanto um castelo de areia é o argumento em torno do déficit orçamentário da previdência. O ponto central de quem defende uma mudança no regime de concessões de aposentadorias é que o orçamento da pasta é deficitário.
Na contramão do quem vem sendo defendido pelo governo federal, estudos apontam que os recursos para a seguridade social são superavitários, mesmo em tempos de recessão econômica.
“Tenho defendido que o governo faz um cálculo sem considerar o que prevê a Constituição Federal nos artigos 194 e 195. Nesses dois artigos verifica-se que os recursos que pertencem à seguridade social, que financiarão os gastos com saúde, assistência social e previdência, são provenientes de várias fontes de receita”, sustenta Denise Gentil, em entrevista por telefone à IHU On-Line.
Para a economista, o argumento de que não há recursos é facilmente refutável, entretanto reconhece que há um clima geral de desinformação que leva as pessoas a acreditar nas saídas apresentadas. “Os homens de negócios, os cidadãos comuns, as pessoas do meio acadêmico e os burocratas do Estado também acreditam nesse déficit. Existe uma parte da sociedade que é massacrada por esta informação e que acredita, de fato, que ela é verdadeira”, pondera. “Quem defende a seguridade social, no entanto, sabe que toda essa retórica é forjada para privatizar a oferta de serviços públicos”, esclarece.
Segundo Denise, todo esse jogo político serve apenas para colocar em prática um projeto que não é somente econômico, mas também civilizacional, em que o sistema financeiro absorve todas as dimensões da vida humana. “Empurra-se a população para fazer planos de previdência em fundos privados de capitalização e isso desloca essas pessoas de um serviço que deveria ser público para o sistema financeiro. Trata-se de um processo de financeirização do orçamento público. Reduzir benefícios significa empurrar as pessoas para os planos privados de previdência”, critica.
Denise Lobato Gentil é bacharel em Economia pelo Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará, realizou mestrado em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará e doutorado em Economia no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, onde atualmente é professora. É autora de diversos artigos acadêmicos e organizadora do livro Produto Potencial e Investimento (Rio de Janeiro: Ipea, 2009).
Confira entrevista.
Foto: Reprodução You Tube
IHU On-Line – Em sua pesquisa, a senhora afirma que o governo se utiliza de métodos questionáveis para apontar o crescimento progressivo do déficit do sistema previdenciário. Quais seriam os principais equívocos desse método?
Denise Gentil – Tenho defendido que o governo faz um cálculo sem considerar o que prevê a Constituição Federalnos artigos 194 e 195. Nesses dois artigos verifica-se que os recursos que pertencem à seguridade social, que financiarão os gastos com saúde, assistência social e previdência, são provenientes de várias fontes de receita. Há a receita de contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, o PIS-Pasep, a receita de concursos de prognósticos e a Contribuição Previdenciária dos trabalhadores, empregadores e dos contribuintes individuais para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
O que o governo faz, de fato, é pegar as Contribuições Previdenciárias do INSS e diminuir dessa receita o total dos benefícios previdenciários. O resultado é deficitário. Então a previdência, que é financiada por quatro fontes de receita, aparece como sendo financiada por apenas uma. Mas, seguindo os preceitos constitucionais, o correto é somar todas as receitas da seguridade social e diminuir o total da despesa, o que inclui todos os gastos com previdência, os gastos com o Sistema Único de Saúde – SUS, com o Bolsa Família, com os benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS.
Permita-me insistir em algo importante: baseado nos preceitos constitucionais, não há déficit. Em 2013 houve um superávit de R$ 67 bilhões, em 2014 um superávit de R$ 35 bilhões e em 2015 de R$ 16 bilhões. Note-se que no governoDilma esse superávit tem caído progressivamente, porque a política macroeconômica tem produzido queda do Produto Interno Bruto – PIB desde 2011. Os anos de 2014 e 2015 são anos de recessão, mesmo assim o sistema de seguridade social gerou um superávit de R$ 16 bilhões em 2015. Então, o que insistimos é que obviamente o argumento central para fazer a reforma da previdência não pode ser a falta de recursos para cobrir os gastos. Temos que discutir as verdadeiras razões de fazer essa reforma.
Aliás, não sou apenas eu quem chega à conclusão de que há um superávit. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – Anfip chega a resultados semelhantes aos que apresentei.

“Empurra-se a população para fazer planos de previdência em fundos privados de capitalização

 
IHU On-Line – Caberia a quem questionar a aplicação constitucional?
Denise Gentil – A sociedade civil tem que se mobilizar contra essa farsa, que se repete há décadas, de falar que a previdência socialtem déficit.
Nós teríamos que provocar uma grande mobilização social para que o governo não fizesse reforma na previdência com base no falso discurso do déficit.
Infelizmente ainda não conseguimos reverter essa situação, porque o mantra do déficit passou a ser uma verdade estabelecida. Os homens de negócios, os cidadãos comuns, as pessoas do meio acadêmico e os burocratas do Estado também acreditam nesse déficit.
Existe uma parte da sociedade que é massacrada por esta informação e que acredita, de fato, que ela é verdadeira. Quem defende a seguridade social, no entanto, sabe que toda essa retórica é forjada para privatizar a oferta de serviços públicos.
A grande questão em jogo é o processo de privatização que, particularmente, se acentuou no governo Dilma. Privatização na área de educação, de saúde, de infraestrutura – com os leilões de concessão na área de portos, rodovias, ferrovias, aeroportos, estádios de futebol – inclusive na área do pré-sal.
Mas como se privatiza na área da previdência? Vai-se provocando o achatamento dos benefícios e dificultando o acesso aos direitos. Quando se procede dessa forma, as pessoas passam a criar a ideia de que quando elas forem se aposentar o valor dos benefícios será tão baixo que elas precisarão de um plano de previdência complementar contratado em um banco.
Empurra-se a população para fazer planos de previdência em fundos privados de capitalização e isso desloca essas pessoas de um serviço que deveria ser público para o sistema financeiro. Trata-se de um processo de financeirizaçãodo orçamento público. Reduzir benefícios significa empurrar as pessoas para os planos privados de previdência.
A mesma coisa se faz com o sistema público de saúde. Investe-se pouco na saúde, precariza-se o atendimento, as pessoas se sentem inseguras e acabam optando por fazer um plano privado de saúde para serem, supostamente, mais bem atendidas.
Isso leva as famílias a gastar cada vez mais com saúde privada, previdência privada, creches privadas, sobrando cada vez menos renda para as famílias. Em síntese, é a agudização do processo de financeirização do orçamento público, através do qual o governo empurra as famílias para a oferta de serviços privados, que deveriam ser disponibilizados de maneira gratuita e universalizada para todos os cidadãos.
IHU On-Line - Como essa lógica se relaciona à concentração de renda?
Denise Gentil – O orçamento público direciona 8,5% do PIB para gastos com juros, que em 2015 representaram R$ 501 bilhões. Esses recursos foram gastos com o seleto grupo social de menos de 100 mil pessoas. Enquanto isso o governo gastou R$ 380 bilhões com benefícios do Regime Geral de Previdência Social que atenderam diretamente 28,3 milhões de pessoas e indiretamente 90 milhões de pessoas.
No entanto, o governo não discute a magnitude desse gasto com juros. Estas transferências financeiras provocam uma enorme concentração de renda, retirando recursos e serviços da população para destinar a uma fatia da sociedade que só vai acumular mais riqueza. Esse grupo de privilegiados não vai elevar seu consumo, não vai investir e nem produzir ou gerar emprego. Esses recursos são esterilizados. O que nós precisamos é discutir o processo de financeirização do orçamento público.
IHU On-Line - Isso é mais do que um processo econômico, mas civilizacional. Correto?
Denise Gentil - Exatamente. Isso é um projeto de sociedade em que o sistema financeiro domina todas as políticas porque está dentro das instituições. Coisa semelhante ocorre na área de educação, pois, afinal de contas, o que são as bolsas do Programa Universidade para todos – Prouni e o Fundo de Financiamento Estudantil – Fies? Os alunos, que deveriam estar em universidades públicas, estão em universidades privadas, pagando para estudar, tomando empréstimo a taxas de juros exorbitantes. O Prouni, em vez de dedicar vagas aos estudantes em universidades públicas, oferta bolsa em uma universidade privada de qualidade inferior às universidades públicas.
Na área da saúde o governo abre mão de receita tributária ao permitir que as pessoas deduzam o que pagam com planos de saúde do imposto de renda. Estes recursos poderiam estar sendo empregados no SUS. Ao precarizar os serviços do SUS, o governo está empurrando as pessoas para planos de saúde privados, já que não esperam ser atendidas adequadamente pela saúde pública. Isto sem contar as subvenções econômicas, que são repasses diretos do governo para as empresas privadas.

  

“Fazer renúncias tributárias é um processo de privatização de recursos públicos

Renúncias
Fazer renúncias tributárias é um processo de privatização de recursos públicos. Os números da Receita Federal mostram que o governo abriu mão de tributos num montante equivalente a 8% doPIB em 2014. Essa estratégia de renúncia tributária atinge frontalmente as receitas de seguridade social.
Em 2015, o governo federal renunciou a receitas tributárias num montante de R$ 282 bilhões. Desse total, R$ 157 bilhões eram recursos da seguridade social, que deveriam estar a serviço da previdência, da saúde e da assistência social. Em 2016, estão previstos R$ 271 bilhões de renúncia tributária. Desse total, R$ 142 bilhões pertencem à seguridade social.
Quem paga a conta
O governo agora propõe uma reforma da previdência para diminuir gastos de forma a se ajustarem a um padrão de receitas mais baixo. Ora, isso é razoável? Alguém acha que a sociedade vai compreender? As renúncias tributárias se transformaram em margem de lucro mais alta para as empresas, sem elevar o investimento, sem criar empregos e sem gerar novas tecnologias.
O Estado brasileiro sucumbiu completamente a uma proposta de reforma da previdência social que é formulada pelo mercado achando que isso lhe dará sustentação política. Acontece que o mercado financeiro é insaciável. Já se apropria de 8% do PIB com juros da dívida pública e ainda quer mais os 8% do PIB que são gastos com a previdência social para que os fundos privados de previdência sejam favorecidos.
Desemprego
Nós perdemos 1,4 milhão de empregos formais em 2015, conforme informou o Ministério do Trabalho com base nas estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Caged; o rendimento real dos trabalhadores sofreu uma perda de 3,7% em 2015, com relação a 2014, a maior perda desde que a série de rendimentos reais dos trabalhadores se iniciou em 2002, que é a primeira do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; e tivemos uma queda da taxa de rendimento real dos trabalhadores de 5,3% em 2015 com relação a 2014. Neste momento de perda de renda para a classe trabalhadora, o governo – em um ato de suicídio político - propõe uma reforma da previdência.
IHU On-Line – Como são organizados e como funcionam os sistemas da seguridade social?
Denise Gentil – Existem três pilares no sistema de proteção social:
$1) Assistência Social: é o pilar que combate diretamente a pobreza. Com a Assistência Social, há a transferência de renda diretamente para as pessoas pobres e indigentes. É uma renda não contributiva, ou seja, quem receberá os benefícios não precisa ter contribuído para isso. Então, no Brasil tem, por exemplo, o repasse de renda monetária para os idosos pobres e para os deficientes físicos de baixa renda e tem o Bolsa Família;
$2) Saúde Pública (Sistema Único de Saúde – SUS): que é um sistema de saúde universal, não contributivo;
$3) Previdência Social: transferência de renda para pessoas que ficaram impossibilitadas de permanecer no mercado de trabalho, seja pelo desemprego, seja por doença, invalidez ou idade avançada.
Esses três pilares foram criados com o objetivo de dar um padrão de vida digno para a população, porque esse é o objetivo de um sistema de seguridade social, ou seja, é reproduzir a força de trabalho em condições dignas.
Então, o que está em disputa hoje, na Europa, e está em disputa também aqui no Brasil, é que tipo de sociedade nós construiremos. Se vamos construir uma sociedade em que a reprodução da classe trabalhadora em condições dignas será feita pelo Estado ou se vamos abandonar os cidadãos ao mercado e os que forem “fortes” buscarão os bancos para se proteger fazendo seguros, e os que não forem, não tiverem escolaridade elevada, não puderem ter bons empregos e bons salários, não terão nada.
O processo conservador que avança na Europa tem implicado em fazer o ajuste fiscal, reduzir o crescimento, provocar o maior desemprego possível para reduzir salários, comprimir bastante o gasto público com benefícios sociais para que seja desmantelado o sistema de proteção social europeu. Nós, aqui no Brasil, fomos capturados por esse discurso de que há um excesso de gasto social para poder justificar a redução do nosso sistema de proteção social. Esse discurso pertence ao sistema financeiro, tanto na Europa quanto aqui no Brasil.

“Aqui no Brasil, fomos capturados por esse discurso de que há um excesso de gasto social para poder justificar a redução do nosso sistema de proteção social

IHU On-Line – Como a senhora avalia o cálculo progressivo para a aposentadoria? Esse cálculo está associado ao discurso financeiro?
Denise Gentil – O cálculo progressivo é a fórmula 85/95 para os que se aposentam por tempo de contribuição: é a soma da idade mais o tempo de contribuição. Para as mulheres, se essa soma der um total de 85, elas poderão se aposentar sem a incidência do fator previdenciário, ou seja, poderão se aposentar com o benefício integral; para o caso dos homens, a soma da idade mais tempo de contribuição deve ser igual a 95. Se a soma da idade mais o tempo de contribuição der um número inferior a 85 ou 95, as mulheres e os homens sofrerão a incidência do fator previdenciário.
O governo está propondo instituir uma idade mínima para as aposentadorias por tempo de contribuição. É uma falta de visão realista do que realmente acontece no mercado de trabalho no Brasil. Se faz uma proposta de homogeneização como se todos tivessem condições iguais de se aposentar com mais de 60 anos.
Na verdade, as pessoas, após os 40 anos, já vão sofrendo de uma série de doenças crônicas, que vão impossibilitando-as de ficar no mercado de trabalho e que faz com que elas percam capacidade para concorrer com os mais jovens. O tipo de ocupação que as pessoas realizam também pode ir causando lesões crônicas e isso foi comprovado através daPesquisa Nacional de Saúde, que mostrou que os brasileiros começam a desenvolver doenças crônicas a partir dos 40 anos, as quais vão comprometendo a sua capacidade de trabalho.
Essas doenças, chamadas de Doenças Crônicas Não Transmissíveis, são doenças do aparelho circulatório, diabetes, colesterol, pressão alta, doenças crônicas na coluna vertebral, e que são responsáveis por aposentadorias com uma idade inferior àquela em que o governo argumenta que os trabalhadores estão em plena capacidade de trabalho. Asmulheres são as principais acometidas por doenças crônicas. São mais de 57 milhões de pessoas que sofrem de doenças crônicas no Brasil.
Obsolescência
Além disso, é preciso perceber que o desenvolvimento tecnológico é muito acelerado. Muitas vezes os trabalhadores com mais de 50 anos estão com sua capacidade de trabalho obsoleta em relação ao desenvolvimento tecnológico; o trabalhador não consegue acompanhar esse processo e não tem mais como disputar o posto de trabalho com os mais jovens. A única saída que lhe resta é se aposentar.
Uniformização
O governo também quer uniformizar a aposentadoria de homens e de mulheres, elevando a idade de aposentadoria das mulheres para que se torne igual à dos homens, sem ter uma pesquisa mais profunda sobre como de fato vivem as mulheres no mercado de trabalho. Quais são as dificuldades que elas enfrentam, não apenas com doenças crônicas, mas também de discriminação do mercado? Sabe-se que as mulheres trabalham 38 horas por semana, enquanto os homens trabalham 44 horas por semana, e isso acontece porque as mulheres trabalham 28 horas por semana em serviços domésticos não remunerados, cuidando de filhos e dos idosos da família, o que gera um enorme desgaste físico, porque o número de horas trabalhadas é muito superior ao dos homens.
O prejuízo profissional para as mulheres é muito grande, porque a mulheres que são casadas e têm filhos acabam se submetendo a trabalhos em tempo parcial, muito precários, com salários mais baixos, que é o que resta para elas fazerem, dada a necessidade de atender aos dependentes da família. As mulheres também têm grande prejuízo profissional porque acabam interrompendo a sua carreira a cada filho que nasce e isso provoca rupturas profissionais que implicam em quedas salariais.
Assimetrias
Portanto, há um processo de exclusão das mulheres do mercado de trabalho. O governo não proporciona creches nem escolas em tempo integral. As creches do setor privado são caríssimas e as mulheres não têm como manter seus filhos abrigados durante o período de trabalho; as mulheres são obrigadas a ficar nos serviços domésticos, principalmente quando o chefe da família é o homem. Então, essas assimetrias do mercado de trabalho entre homens e mulheres são, hoje, compensadas no momento da aposentadoria, quando a mulher se aposenta cinco anos antes.

“Se faz uma proposta de homogeneização como se todos tivessem condições iguais de se aposentar com mais de 60 anos

  
IHU On-Line – Quais são as limitações e os arranjos que ainda precisam ser feitos ao sistema de seguridade social?
Denise Gentil – Nós temos muito para melhorar. O maior campo de avanço que poderia ocorrer é o de chegarmos a um ponto em que ostrabalhadores urbanos, que passaram a sua existência em trabalhos precários e informais, pudessem também se aposentar como se aposentam os trabalhadores rurais. Isto é, sem a necessidade da contribuição, eles se aposentam com a comprovação do tempo de trabalho e têm o direito de se aposentar com o piso de um salário mínimo.
O avanço é no sentido de incorporar mais trabalhadores precarizados para dentro do sistema, porque nosso sistema de previdência é contributivo, mas como a renda brasileira é baixa, e muitos não têm condições de contribuir, só há contribuição quando as pessoas estão em um emprego formal com carteira assinada.
Isso é o que seria o grande avanço: todos os cidadãos brasileiros deveriam ter direito a uma renda na velhice, quer tivessem contribuído ou não, simplesmente pelo fato de serem cidadãos. Porque se eles não contribuíram diretamente, contribuíram de forma indireta ao consumirem qualquer tipo de bem, porque no preço dos bens já está embutido imposto: a Cofins, a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido - CSLL, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, todos impostos embutidos nos preços que pagamos.
Receitas progressivas
Outro grande arranjo que poderia ser feito numa reforma da previdência seria tornar as receitas que financiam o sistema de seguridade social mais progressivas. O peso da arrecadação recai sobre a população mais empobrecida, pois quem mais paga as contribuições sociais são as pessoas que ganham de um a três salários mínimos, quando deveria recair sobre os de maior poder aquisitivo. O sistema tributário brasileiro é altamente regressivo.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Denise Gentil – Quero tocar em um assunto muito importante relacionado ao campo político: seria extremamente importante que os políticos entendessem que a base eleitoral do futuro serão os idosos, pessoas com idade superior a 50 anos.
Está sendo usado o argumento do envelhecimento acelerado da população no futuro para destruir o sistema de proteção social no Brasil. Então, é necessário perceber que os eleitores de hoje e do futuro são aqueles que o governo está prejudicando com uma reforma que reduz a renda de benefícios.
É preciso que tenham muito cuidado com isso. Os idosos saberão direitinho quem votou na reforma da previdência. Se o governo de fato conseguir aprovar essa reforma draconiana que está propondo – que eu espero que não consiga -, perderá o apoio político de uma parcela importante da população.
Por Ricardo Machado

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