Wednesday, August 31, 2016

Os golpistas escondem a verdade sob a injustiça

"O que nos estarrece nas perguntas feitas à presidenta é o baixíssimo nível intelectual e moral da maioria dos senadores. Mostraram-se até agora, segunda-feira, incapazes de compreender as razões constitucionais alegadas pela presidenta em consonância com a maioria dos especialistas em direito e economia do Brasil e do mundo, argumentos que incineram as pretensas justificativas do impeachment", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor. 
Eis o artigo.

Está em curso ainda, nesta segunda-feira, 29-08, o julgamento da presidenta Dilma Rousseff por pretenso crime de responsabilidade.
Seu discurso foi altaneiro, respeitoso e com uma cerrada argumentação. Mostrou de forma cabal que constitucionalmente não cometeu crime nenhum com referência a dois decretos de suplementação (pedaladas) e o plano Safra. Juntos afetam apenas em 0,18% do orçamento da União. Praticamente muito pouco. Mesmo que houvesse algum delito, por menor que seja, a pena é absolutamente desproporcional. Por um pequeno acidente de bicicleta, a presidenta é condenada à morte.
Na media em que nos últimos dias se desenrolaram as discussões e as oitivas dos testemunhas ou informantes foi ficando cada vez mais claro que este processo foi tramado pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, pelo vice-presidente Temer e tecnicamente montado no seio do TCU no qual dois altos funcionários mancomunados, ferindo a ética profissional, elaboram materiais que serviram de base para formulação da denúncia de impeachment da presidenta.
Importa enfatizar, como já escrevemos neste espaço, que por detrás está um golpe de classe: a velha oligarquia, donos de imensas fortunas pelas quais se fazem donos do poder. Sentiram-se ameaçados pela continuidade dos benefícios sociais a milhões de brasileiros que começaram a ocupar os espaços antes reservados às classes medias ou às dos privilegiados. Inaugurar-se-ia, se consolidado, um outro sujeito de poder, capaz de mudar a face do Brasil e limitar os níveis absurdos de acumulação da classe do privilégio (0,.05%¨da população ou 71 mil de super-ricos).
Postulam uma política radicalmente neoliberal que implica a diminuição do Estado, a desmontagem das conquistas sociais, as privatização de bens públicos como venda de terras nacionais a agentes estrangeiros, além do pré-sal, uma das últimas e maiores reservas de petróleo e gás do mundo.
O que nos estarrece nas perguntas feitas à presidenta é o baixíssimo nível intelectual e moral da maioria dos senadores. Mostraram-se até agora, segunda-feira, incapazes de compreender as razões constitucionais alegadas pela presidenta em consonância com a maioria dos especialistas em direito e economia do Brasil e do mundo, argumentos que incineram as pretensas justificativas do impeachment. Ademais mostram uma mentalidade provinciana, imaginando que o problema econômico-financeiro é só do governo Dilma sem situá-lo dentro da grave crise sistêmica que tomou todas as economias, afetando agora a nossa.
Na maioria dos senadores nota-se clara má vontade e cegueira, pois continuam a afirmar as mesmas acusações de crime, alguns enfatizavam “gravíssimos crimes” contra a constituição como se não tivessem escutado as detalhadas provas contrárias, aduzidas pela presidenta e do pequeno grupo de senadores que a apoia. Este foi contundente, desmascarando o processo como golpe e farsa, citando os nomes de seus principais protagonistas alguns presentes no senado. Cabe revelar que dos 81 senadores cerca 49 estão sob julgamento por crimes ou averiguações. Eles que deveriam estar no banco dos réus e não a presidenta que todos reconhecem como honesta e inocente.
Nas suas respostas a presidenta Dilma sempre conservou altura e dignidade. Nunca deixou perguntas no ar e não respondidas. Mostrou uma segurança de quem é portadora de verdade interior e de correta conduta institucional. Tal atitude é coerente com sua vida pregressa de prisioneira política barbaramente torturada e sobrevivente de um perigoso câncer. Mostrou paciência exemplar em ouvir os repisados argumentos e respondendo-os um a um. Foi sempre clara e, por vezes, contundente, rechaçando falsificações e distorções de fatos e de leis para justificar o impeachment, que parece já decidido previamente por um concluio perverso entre várias forças que têm dificuldades de conviver com a democracia e são insensíveis às demandas das maiorias pobres de nosso país.
A conduta da maioria dos senadores que a acusam me reporta à frase de São Paulo aos Romanos:”eles escondem a verdade sob a injustiça e por isso atraem ira divina” (1.18). Se consumado o impeachment, o que já não é tão seguro, entrarão na história como violadores da democracia e negadores da autoridade das urnas e enfrentarão um tribunal maior, d’Aquele que julgará e condenará a injustiça perpetrada contra uma pessoa honesta, correta e inocente.

“La historia es nuestra, la hacen los pueblos

Dilma não evitou nenhuma pergunta nem nenhuma provocação. Teve de repetir-se à saciedade, para responder uma e outra vez aos mesmos questionamentos. Seu domínio das decisões governamentais, cifras e detalhes, foi admirável. Altiva sem se arrogante, direta sem tergiversar”, escreve Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo.
Eis o artigo.
Escrevo nos primeiros minutos do dia 30 de agosto. Trago, ao quente, minhas primeiras reações, que se foram fortalecendo pelo dia a fora. Uma mulher valente, manejando com maestria dados da realidade do país e do seu governo, denunciando um possível golpe parlamentar, diferente daquele golpe das armas que a levou à prisão e à tortura, mas de todas as maneiras golpe, ao tentar condenar uma Presidenta inocente por pequenos atos plenamente justificáveis. Golpe esse que teve um pecado original, quando o processo de impeachment  partiu de uma vingança soez do ex-presidente da Câmara, a figura sinistra de Eduardo Cunha, no momento em que o PT de recusou a ajudar e encobrir  um número crescente de mentiras e de crimes que se foram acumulando contra esse personagem na Comissão de Ética da Câmara.
Desde as 9 da manhã até quase a meia-noite, com dois intervalos, a Presidenta Dilma Rousseff respondeu às colocações de 48 dos 81 senadores. A grande maioria das intervenções – e me refiro inclusive aos dois lados - não eram perguntas de juízes para recolher argumentos para julgar. Ficaram praticamente ausentes questionamentos sem a priori, que poderiam levar a um momento seguinte de discernimento, quando então os senadores passariam, aí sim, a posicionar-se e somente logo depois votar. Com pouquíssimas exceções, as intervenções pelo impeachment eram mais declarações de voto que prejulgavam, em lugar de questionamentos partindo de juízes que, ao inquirir, buscassem elementos de reflexão que levariam, logo, a uma  decisão madura. Mas as colocações críticas já definidas se repetiam monotonamente, o que obrigou a Presidenta a também repetir pela enésima vez seus argumentos definitivos.
O processo de impeachment, formalmente,  não se deu em função do governo da presidenta em seu conjunto, ainda que isso esteve explícito em várias intervenções. Oimpeachment se baseou em quatro detalhes menores. Por um lado, três decretos que a presidente teria assinado sem as autorização do Congresso, ainda que a Lei orçamentária autorizou o executivo a realocar medidas financeiras, desde que não ultrapassassem as metas globais previstas. Além dessas três medidas menores, criticou-se o Plano Safrade incentivo à agricultura familiar, media e grande. Plano que vinha de mais atrás. Base fragilíssima para um ato tão grave como o de depor uma presidenta. Esta reduziu a pó as alegações em torno a esses quatro atos. Como disse, alguns se aventuraram a falar da gestão da Presidente Dilma em sua globalidade, o que não era o motivo técnico do processo. Mas isso permitiu que a Presidenta, magistralmente, apresentasse os ganhos de seu governo, numa situação internacional crescentemente desfavorável.
Tentar destituir, num regime presidencialista, a autoridade máxima do executivo a partir de questões menores, mostrava o caráter de má vontade, visão mesquinha, pequena e estreita. Mas a Presidenta Dilma aproveitou então para denunciar a política recessiva e antinacional do atual governo provisório e o absurdo de entregar o pré-sal, passando já da metade de nossa produção de petróleo, à sanha dos grandes consórcios internacionais, deixando de recolher um enorme ganho para ser aplicado na educação e parte na saúde. No passado lutamos: “O petróleo é nosso”. A luta hoje é: ”O pré-sal é nosso”.
Não é o momento agora, às pressas, de detalhar todo o debate. São as primeiras impressões, ao calor dos sentimentos. O que se viu foi uma Dilma competente, precisa na argumentação e nos dados. Volta à nossa memória histórica aquela menina valente, olhar firme, enfrentando o arbítrio de juízes que escondiam seus rostos. Aqui, um pouco mais da metade dos senadores se aventurou a falar e inquirir na frente de uma Presidenta incansável. Onde estavam RomárioMarta SuplicyEdison Lobão,Jader Barbalho ou Fernando Collor? Entende-se que o presidente Renan Calheiros tenha escolhido ficar fora do contraditório, como presidente do Senado.
Dilma não evitou nenhuma pergunta nem nenhuma provocação. Teve de repetir-se à saciedade, para responder uma e outra vez aos mesmos questionamentos. Seu domínio das decisões governamentais, cifras e detalhes, foi admirável. Altiva sem se arrogante, direta sem tergiversar. Claro que ao lado recebeu testemunhos de admiração e de apoio.
Só posso orgulhar-me, como brasileiro, de ter uma presidenta destas, que ajudei a eleger com meu voto. E há um pequeno detalhe que não posso deixar de lembrar e que relato em meu livro sobre um andarilho. Convidado, em outubro de 2007, a um programa daGlobo News das 22 horas, para opinar sobre a presidenta Cristina Kirchner recém-eleita, aventurei me a sair do guião rígido do programa global e fiz a seguinte afirmação: gostaria de sonhar com um debate no futuro entre duas presidentas, Cristina e Dilma Rousseff. Conste que o nome desta última ainda não havia saído na mídia como candidata. O entrevistador ficou visivelmente desconfortável. Esse programa se repete sempre na madrugada. Um amigo que gostou da entrevista quis gravá-la na repetição para oferecer-me, porém teve a surpresa de ver que essa parte de minha intervenção fora totalmente apagada. Passaram-se anos e, no programa da Globo News das 16 horas, a simpática entrevistadora, que desconhecia minha participação anterior, pediu-me para falar de Michèle Bachelet, eleita presidenta no Chile, ela também presa e torturada com sua mãe e com seu pai expulso do exército. Eu lembrei então o fato anterior e me alegrei que agora tínhamos um diálogo de três presidentas, em nossa América Latina.
Quero terminar com uma reflexão do escritor cubano Leonardo Padura, famoso por suas últimas novelas, que não deixou seu país, mas é capaz de ser severamente crítico de sua realidade e de outras realidades autoritárias na história:
“Desde meu balcão cubano, tenho acompanhado com assombro como se formou a cadeia de acontecimentos que chegaram ao ponto onde chegaram: remover do poder a um presidente eleito pela maioria de seus cidadãos. Como se tratasse de um velho filme de faroeste, ou de uma novela brasileira, eu assisti ao desenvolvimento do drama com a esperança de que, ao final, se fizesse a justiça. Todavia, com dor e ainda mais assombro, comprovei que as tramas da realidade podem ser mais complicadas que a de qualquer ficção e que na política os grandes poderes, visíveis ou invisíveis, sabem operar com maestria. E que poucas coisas são tão fáceis de se realizar como a manipulação da verdade e, com ela, das mentes”.
Mas, como incorrigível cultivador da esperança, tendo vivido os golpes do Brasil e doChile, espero que o vaticínio pessimista de Padura não se realize (mais um golpe!) e que o Senado saiba escrever uma página digna e limpa na história deste país. Encerro estas notas noturnas fazendo votos para que, desta vez, as tramas  dos poderosos não vençam. De qualquer maneira repito as palavras de Salvador Allende momentos antes de tirar-se a vida: “La historia es nuestra, la hacen los pueblos”.

Bloomberg publica reportagem ligando a Globo ao golpe

Jornal GGN - A Agência Bloomberg, uma das maiores agências financeiras do planeta, acaba de publicar reportagem crítica sobre as Organizações Globo (http://migre.me/uQ44H). De autoria do repórter Blake Schmidt, a reportagem começa lembrando a fortuna da família Marinho, a dimensão da Globo frente a concorrência e o fato dos Marinhos ocuparem 3 das dez posições do Índice Bloomberg de Bilionários para o Brasil.
Diz que a história da Globo se confunde com as trevas do regime militar brasileiro e esse legado ainda assombra os Marinho. A reportagem cita partidários de Dilma afirmando que a cobertura de notícias pela Globo ajudou a preparer o processo de impeachment.
Entrevistado, o historiador João Braga informa que o “Globo foi um dos grupos empresariais qiue se beneficiaram da era da ditadura militar”. Diz mais: “Há grupos hoje que enxergam na Globo nào apenas um adversário de Dilma, mas um agente do golpe”.
A reportagem menciona a reação contra a Globo nos piquetes e manifestações contra o impeachment e o lema “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo”.
Cita um artigo do Guardian em abril lembrando o golpe militar e mencionando que a Globo atua hoje em dia de forma semelhante para agitar para o brasileiro rico. João Roberto Marinho, presidente do grupo, enviou uma carta para o Guardian, mas recusou-se a comentar o artigo da Bloomberg.
A reportagem vai além. Diz que além do império de mídia, a fundação dos Marinhos também projetou seis museus, “dando à família o domínio na formação da narrativa histórica e cultural da Nação”.
A reportagem diz que a Globo é mencionada 40 vezes em um relatório de 229 páginas publicado em dezembro pela Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, descrevendo as relações comerciais entre Roberto Marinho e a ditadura. Menciona o embaixador norte-americano descrevendo-o como o articulador principal do regime militar.
Diz que essa relação com os militares permitiu à Globo montar a parceria com a Time-Life, que aportou US$ 6 milhões entre 1962 e 1966, 30 vezes o capital do grupo brasileiro na época.
A reportagem lembra o documentário “Muito além do Cidadão Kane” sobre Roberto Marinho, mostrando os laços do grupo com a ditadura. 

Tristes Trópicos - JOGAMOS OS VOTOS E A DEMOCRACIA NO LATA DE LIXO, PARABÉNS MÍDIA BRASILEIRA

Tristes Trópicos - JOGAMOS OS VOTOS E A DEMOCRACIA NO LATA DE LIXO, PARABÉNS E MUITAS VIVAS PARA A MÍDIA BRASILEIRA - VOCÊS CONSEGUIRAM, MOSTRANDO MAIS UMA VEZ A SUA CARA ANTI-REPUBLICANA E DEMOCRÁTICA PARA O BRASIL. ESPERO QUE VOCÊS TENHAM VIDA BREVE, POIS UM DIA, QUEM SABE, EM UM DIA NÃO MUITO DISTANTE... TENHAMOS UMA TELEVISÃO QUE DISCUTA DE FORMA PÚBLICA OS INTERESSES DO BRASIL. AO INFERNO REDE GLOBO E OS SEUS DERIVADOS JORNAIS... E FALACIOSOS JORNALISTAS... 

Xadrez da grande noite da humilhação nacional, por Luis Nassif

O desafio é explicar um golpe que tem, na ponta da fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União) personagens como Aroldo Cedraz e Augusto Nardes, na ponta política, Michel Temer, Romero Jucá, Eduardo Cunha, Aécio Neves e José Serra todos envolvidos em inúmeras denúncias de irregularidades e de uso político indevido do cargo. E, na ponta processual o Procurador Geral da República Rodrigo Janot e o Ministério Público Federal, na ponta jurídica Gilmar Mendes e Dias Toffoli falando em nome da moral e dos bons costumes.
Como se explica que a moral e os bons costumes tenham se aliado ao vício para implantar o reino dos negócios escusos?
Hoje em dia, está claro que a disputa não é entre Dilma e Aécio, PT e PSDB, mas entre modelos de país e pelo assalto ao orçamento e ao patrimônio público. A aliança Temer-Janot permitirá ao novo grupo de poder destruir políticas sociais, desmontar o modelo de exploração do pré-sal, vender ativos públicos, ampliar os gastos públicos através das emendas parlamentares. É um pacto de negócios.
A grande questão é como um país, entre as dez maiores democracias do globo, com uma tradição cultural, histórica, permite que se destrua o ponto central da democracia – o voto popular – por uma frente desse nível. Mais do que uma tragédia, é uma humilhação!

Peça 1 - as grandes ondas globais

O primeiro passo é minimizar o papel do caráter humano nas grandes definições políticas. Caráter é matéria rara, pouco disponível, que permite grandes gestos individuais, mas que raramente consegue segurar a onda.
As ondas que se movem no século 21 são conhecidas:
1. A desconfiança em relação à política.
2. A tentativa de substituir o Executivo pelo Banco Central e o voto popular pelas corporações do Estado.
3. Os interesses empresariais na política, através do financiamento de campanha.
5. A xenofobia, como reação às políticas de inclusão e às ondas migratórias.
6. A partir de 2008, todos esses processos agravados pela crise mundial com o fim do sonho neoliberal e pelas tentativas de desmontar Estados de bem-estar social.
É um movimento que ressuscita a ultradireita norte-americana, os partidos de direita radical nos principais países da Europa, açula o terrorismo religioso e o terrorismo de Estado, ameaça as liberdades civis e as próprias conquistas da civilização.
Tanto nos Estados Unidos quanto por aqui, os grupos de mídia não são os agentes deflagradores desse estado de coisas. São apenas grupos oportunistas valendo-se desses movimentos em proveito próprio, comercial ou político, mas amplificando a radicalização.
Para enfrentar o avanço das empresas de telecomunicações e das redes sociais, os grupos de mídia organizaram-se em cartel visando um maior protagonismo político, que lhes dessem condições de administrar sua sobrevivência em tempos bicudos. Historicamente, ondas de intolerância sempre foram a arma principal da mídia, permitindo explorar o fantasma do inimigo externo ou interno, como fator de unificação das ações e dos discursos.
É nesse contexto que se abre espaço para a campanha em torno da AP 470 e, depois, para a campanha do impeachment, que surge alimentado pelo estado de espírito geral revelado pelas manifestações em 2013.

Peça 2 – os personagens e as circunstâncias

Na física e na química, estudam-se os fenômenos de uma perspectiva radical: tem-se uma molécula; basta mudar um átomo de sua composição para se transformar em um novo corpo. As ciências sociais, políticas e econômicas não têm por hábito analisar processos de ruptura. Tratam os fenômenos sociais e políticos – e seus personagens – como processos contínuos e progressivos.
À chegada ao poder muda as pessoas, pelo deslumbramento, pela perda dos referenciais anteriores. Muitos não conseguem aceitar que, antes de chegar ao poder, eram cidadãos comuns, sem nenhum traço nobiliárquico. Para os espíritos mais fracos, ocorre quase uma negação do passado anterior à chegada ao poder.
Vale para políticos, empresários, artistas, Ministros do Supremo e procuradores, vale para o sujeito que ganhou na loto.
Analise-se a trajetória de um Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal)/
No momento -1, ele é súplice. Faz romarias aos gabinetes de deputados e senadores, corteja lideranças políticas e jurídicas, busca padrinhos políticos. No momento +1, torna-se senhor absoluto da sua vida, irremovível de seu cargo, blindado contra qualquer força política, mesmo do presidente da República e com poderes inacessíveis a qualquer outro brasileiro, que não seus colegas de Supremo.
O que garante a coerência a esse personagem? O caráter. Daí a dificuldade na escolha de Ministros do STF. Pelo currículo, pôde-se aferir competência técnica. Mas não existe teste de caráter.
Não dividirei as pessoas entre os com e os sem caráter. Para evitar maniqueísmos ou ferir suscetibilidades, melhor dividi-los entre os de caráter inflexível e os de caráter adaptativo.
Por trás de sua educação e lhaneza, Ricardo Lewandowski tem esse caráter inflexível, assim como Teori Zavaski e sua sisudez, Marco Aurélio de Melo e sua independência e Gilmar Mendes e sua falta de limites. Sim: Gilmar Mendes, absolutamente coerente com seus princípios, atropelando normas de conduta, processos, em nome de suas lealdades e em defesa de sua turma. É o mais deletério personagem jurídico da história recente. Mas tem caráter.
No outro campo, do caráter adaptativo, dos que se transformam com a chegada ao poder, podem ser incluídos tipos folclóricos, como o senador Magno Malta ou Cristovam Buarque, Ministros ou ex-Ministros do STF, como Luiz Fux, Ayres Brito e Carmen Lúcia, certamente o PGR Rodrigo Janot.
Mencionam-se aqui os destacados, porque a média é adaptativa. E adaptam-se por razões das mais variadas.
Tome-se o ex-Ministro Ayres Brito.
Em tempos não muito distantes, o ex-Ministro Ayres Brito e a atual Ministra Carmen Lúcia eram os prediletos do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, guru maior das esquerdas jurídicas. Ah, e Michel Temer era e continua sendo seu melhor amigo.
Um juiz garantista que fez carreira no Piauí, humilde, modesto, chega ao Supremo e, de repente, escancaram-se para ele os holofotes da mídia. Mefistófeles leva Ayres até a montanha e desafia: “Comigo você terá as glórias que nunca teve antes, o reconhecimento de sua reputação de poeta, o aplauso das pessoas na rua. Sem mim, o escândalo do seu genro”.
Ayres nem vacilou. Imediatamente protagonizou o capítulo do STF que liquidou com o direito de resposta, transformou-se no mais intimorato defensor dos grupos de mídia tradicionais, um inflexível presidente do STF no julgamento do mensalão e pôde saborear a fama. Até hoje o bravo Celso Antônio tenta entender o que aconteceu com seu pupilo.
Para outros Ministros, mais tímidos, sérios (no plano dos negócios públicos) seu preço é o espaço eventual nas manchetes nos momentos de apoteose em que experimentam o supremo gozo de exprimir o que pensa a maioria. Vide Celso de Mello e Carmen Lúcia.
O episódio Rodrigo Janot é mais didático, e vale aqui uma comparação com os ex-Ministro Katia Abreu e Armando Monteiro para deixar mais nítidas as comparações entre o caráter inflexível e o caráter adaptativo.
Até alguns anos atrás, Rodrigo Janot era num bravo esquerdista, que pavimentou a carreira assessorando algumas referências de direitos humanos no MPF, por votação dos seus pares, por suas relações com o petismo, e pela a disposição com que lançava palavras de ordem retóricas contra o avanço da direita, impressionando e entusiasmando os aliados. Estava, sem dúvida, à esquerda de seus gurus: Cláudio Fonteles e Wagner Gonçalves. Cultivou a amizade de José Genoíno, visitou Dirceu no hotel no qual recebia autoridades políticas.
Por seu lado, Kátia Abreu sempre foi uma ruralista e direitista convicta; Armando Monteiro um industrialista convicto. Ambos, portanto, líderes de setores eminentemente anti-Dilma. Para eles, defender Dilma não apenas não significaria nenhum ganho ou barganha (posto que uma presidente deposta), como os indisporia perante seu meio.
Mesmo assim, na sessão do Senado, ambos – Kátia e Monteiro – tiveram o belo gesto de reconhecer as virtudes do governo Dilma em relação aos seus setores.
Quando a onda virou, Janot autorizou o vazamento de grampos em Lula e vestiu a capa da indignação quando Lula lembrou sua ingratidão. Disse que devia sua carreira a ele próprio (Janot) e ao concurso público. Em nenhum momento teve o belo gesto de reconhecer que devia a Lula e Dilma a absoluta liberdade de atuação do MPF, Polícia Federal e da PGR e sua indicação à PGR. Dia desses fui almoçar em um restaurante na Bela Cintra e lá me apontaram uma mesa: foi ali que Janot almoçou com Lula, para pedir sua benção para a indicação a PGR.
Dá para entender a diferença?
O jogo é hipócrita. Há os vendavais que chacoalham os céus e os caráteres adaptativos vão se reorganizando como as nuvens. Venta-se à esquerda, adapta-se ao vento. O vento muda de direção? As nuvens do céu se reorganizam.
Tome-se o caso de Ela Wiecko, uma subprocuradora notável, uma das referências do MPF na área de direitos humanos. Ficou na lista tríplice dos mais votados. Seu trabalho consistia em levar adiante sua missão, plantando sementes de civilização por onde passou. Mas não batia bumbo nem apregoava sua condição de progressista. Não levou. O cargo ficou com Janot. Aliás, será curioso acompanhar como será seu processo de adaptação à esses tempos de Temer e Gilmar.
Ontem a revista Veja revelou que Ela estava em Portugal em uma manifestação que ocorreu na Universidade contra Temer.
Ela, talvez o mais precioso ativo do MPF, foi tratada como descartável
por Robalinho, presidente da ANPR
Ela, um ativo do MPF, foi descartada por Robalinho, presidente da ANPRPor ser de um caráter inflexível, Ela pediu demissão do cargo de vice-procuradora da PGR. Por ser de caráter adaptativo, Janot aceitou. E a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) apoiou a saída em carta ao blog O Antagonista, que é a melhor expressão do que se tornou o MPF.
Suponha-se que os ventos ainda estivessem soprando na direção das políticas sociais, das práticas civilizatórias, da tolerância. Qual teria sido o papel de Janot e da ANPR? Certamente, de hipotecar total solidariedade a Ela, tratando-a como merecia: um ativo valiosíssimo do Ministério Público.
Nem se condene Janot, José Cavalcanti Robalinho (da ANPR) e outros: eles são humanos, demasiadamente humanos, aliás. Não vieram para tentar conduzir as ondas, mas para entender seus movimentos e surfar, se adaptando às marés da política. Eles representam a média. São "malacos" e se orgulham de sua esperteza.
No curto prazo, a sociedade não se rege por belos gestos, pelo poder disseminador do bom exemplo. Se a falta de escrúpulos levar à vitória, aos vitoriosos será assegurada a devida revisão biográfica e os maus gestos condenados ao esquecimento.
A médio prazo, o jogo é outro.

Peça 3 – os próximos passos

O jogo da Lava Jato será contido por duas ações paralelas:
STF – Os processos da Lava Jato estão sendo julgados pela 2a Turma, que estava desfalcada porque já haviam passado sete meses da aposentadoria de Joaquim Barbosa e Dilma ainda não tinha indicado o substituto. Para preencher a turma, Dias Toffoli se ofereceu para sair da 1a para a 2a Turma. Como nenhum outro Ministro se ofereceu, transferiu-se e assumiu a presidência.  Quem planejou toda a operação? Gilmar, claro (https://is.gd/DDliEo).
No dia 31 de maio passado terminou o mandato de Toffoli e Gilmar assumiu a presidência da 2aTurma. Atualmente, compõem a 2a Turma Gilmar, Toffoli, Carmen Lúcia, Celso de Mello e Teori Zavascki. Ontem, Gilmar Mendes defendeu que caberá ao STF balizar as delações. É questão de tempo para tirar do MPF o poder de que dispõe hoje em dia.
O último lance se dará nos próximos dias. Antes do fim da gestão Ricardo Lewandowski, a próxima presidente Carmen Lúcia trocará de turma com Luiz Fux, que passará a compor a maioria com Gilmar e Toffoli.
Aí se entenderá melhor o significado da expressão “matar no peito”.
MPF – o jogo de cena em torno da capa de Veja com o factoide sobre Dias Toffoli permitiu ao PGR realinhar a tropa. Na segunda-feira todos os membros da força-tarefa assinaram um comunicado endossando a atitude de Janot de suspender a delação de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS. No material divulgado na última edição de Veja, havia um pré-acordo de delação pelo qual Pinheiro se comprometia a revelar os esquemas de pagamentos (em dinheiro vivo ou em contas no exterior) de Aécio Neves e José Serra. Provavelmente os inquéritos andarão em marcha lenta. Mais à frente, com os poderes devidamente podados pela ofensiva Temer-Gilmar, os bravos procuradores terão bastante tempo para analisar a aventura imprudente em que meteram o MPF.

Peça 4 – os desdobramentos no médio prazo

Com Dilma cassada, haverá uma nova rodada do chamado porre dos vencedores.
Nos próximos meses, no plano jurídico-policial se terá a ampliação da ofensiva contra os críticos do novo regime – ofensiva que já está a pleno vapor. O governo Temer está se valendo de todas as armas que dispõe, como utilizar a Anatel para inviabilizar emissoras alternativas e a Secom para comprar o apoio dos grupos de mídia. Na Lava Jato, nas conversas prévias com os delatores, não gravadas, alguns deles são instados a incluir nomes de advogados, jornalistas e críticos em geral da operação.
Não se tenha ilusões sobre a escalada fascista.
Ao mesmo tempo, a cabeça fervilhante de Gilmar Mendes certamente já está a mil por hora definindo estratégias para o governo Temer aproveitar o lapso democrático e enquadrar definitivamente o MPF, os tribunais superiores e o Supremo, planejando as próximas nomeações.
Durante algum tempo será possível impor uma narrativa salvacionista para o golpe, ainda mais contando com a aliança fechada com a Globo.
Em que pese a predominância do oportunismo no curto prazo, a moral ainda é o grande fator unificador das sociedades civilizadas. Não é possível conviver eternamente com a mentira, a hipocrisia.
A não ser que se desacredite totalmente do Brasil, como nação civilizada, que se ignore o que foi plantado nesses séculos, Machado de Assis, Villa-Lobos, Sérgio Buarque, Gilberto Freyre, Antônio Cândido, que se ignore os compositores populares, os homens que cantaram a alma do país, Ary, Tom, Cartola, Chico, Caetano, Paulinho, a não ser que se esqueça Campos e Furtado, Merchior e Wanderley, os homens que à esquerda e à direita ajudaram na construção da Nação, será impossível acreditar na perenização desse golpe.
Um país que deu Paulo Brossard não pode terminar em Magno Malta, que deu João Mangabeira não pode resultar em Janaina Paschoal, que deu Miguel Reali, pai, não pode se contentar com Reali filho, que deu Faoro, Pertence, Fonteles, não pode incensar Janot, que deu Juscelino, não pode aceitar Temer.
A cada dia que se afastar a imagem do inimigo externo, as tolices sobre chavismo e outras bobagens se diluirão e cairão da face da nação como as maquiagens dos palhaços após a função. No início, timidamente, depois mais fortemente a consciência cívica começará a despertar novamente e a se manifestar. Até a velha mídia, nos seus estertores, se dará conta de que não há difusor de notícia que resista à falsificação, à mentira. E aí se começará a reconstrução democrática, as reações contra o arbítrio, a montagem de um novo modelo sem os vícios do presidencialismo de coalizão, sem os financiamentos de campanha, sem a hipocrisia do jogo político convencional.
O grande desafio será a resistência ao arbítrio até que essa noite turbulenta passe.

Por que Dilma constrangeu os hipócritas

Por Antonio Marcos Roseira e Cristina Fróes de Borja Reis
Dilma Vana Rousseff chegou ao Senado para a sessão do seu julgamento de impeachment em 29 de agosto de 2016 com a postura de uma verdadeira chefe de Estado: altiva, destemida e transparente. Opondo-se a ela, um plenário de senadores — em sua maioria homens, brancos e ricos — apáticos e encurralados pela presença da única mandatária julgada pelo Senado na história do Brasil. Trata-se de uma postura em ampla sintonia com o comportamento obscuro e insidioso do presidente interino, que concentra sua atuação em conchavos políticos e intrigas palacianas, ao mesmo tempo em que se esconde das vaias, foge do debate público e solapa um projeto popular em construção de Brasil.
No início do discurso, Dilma retoma sua trajetória: “(d)ediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça”. Para barrar esses avanços, os golpistas estão agredindo em primeiro lugar a justiça, pois defendem a condenação de uma inocente. Mais ainda, subvertem o rumo do modelo democrático com justiça social. Afinal, os projetos e decretos de leis do governo interino atentam contra a educação, a saúde, a habitação, a cultura, a redução das desigualdades sociais e regionais e a soberania.
Em seguida, Dilma relembra que não é a primeira vez em que um golpe contra a democracia ocorre no país. “Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos”. Portanto, o Congresso organiza um falso processo jurídico para assaltar o poder, já que nas últimas décadas se fortaleceu como o espaço político privilegiado dos interesses conservadores do velho Brasil.
Indo aos autos do processo, Dilma explica que não cometeu crime, argumentando que a política fiscal não desrespeitou a lei, que o déficit primário de 2015 resultou da queda da atividade econômica e não do descontrole de gastos. Lembrou, também, que a Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. E esclarece:“[h]á uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião. Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. (…) Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime”. Logo, não houve crime de responsabilidade fiscal. Essa tentativa de criminalização da política econômica objetiva sobretudo solapar a atuação do Estado, sob o discurso neoliberal do grande capital.
Ao final do discurso, Dilma solicita que os senadores votem sem ressentimentos em relação ao impeachment. A justiça deve imperar sobre os interesses políticos, esta é a prerrogativa de um tribunal. Contudo, a trágica ironia é que a sociedade tem testemunhado um grande “simulacro de júri”, cujo intuito essencial é pavimentar o caminho para o desmantelamento do projeto de país estruturado nos últimos doze anos.
A destituição da presidenta Dilma Rousseff resulta em consequências perigosas, algumas imprevisíveis. Porém, muitas já se fazem presentes, como o enfraquecimento do Poder Executivo, justamente o lugar em que, via eleições diretas, encontraram representatividade nos governos de Lula e Dilma os diversos grupos sociais tradicionalmente à margem do poder: pobres, trabalhadores, negros, LGBTs, índios e mulheres. Mais além, como lembra a presidenta, o impeachment abriria o terrível precedente de se condenar o Executivo sem provas substantivas. E a política atropelaria definitivamente a justiça, forçando a retomada de um projeto de país conservador, desigual e ilegítimo. O desrespeito ao voto de 54 milhões de eleitores significa a exclusão sumária de todos aqueles historicamente alijados do acesso à justiça social “Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços”.

REDE GLOBO e o Jeito embusteiro de fazer televisão e jornalismo parcial e mentiroso

Alguém acredita no jornalismo da Globo? Eles vão acompanhar as eleições, mas como vão editar e transmitir ao seus telespectadores a informação? Eis a questão, pois nos últimos tempos, tornou-se nauseante assistir aos seus "comentaristas falaciosos e embusteiro", com nome de jornalista e jornalismo. O que podemos verificar na sua edição e pauta do assim chamado jornalismo é ausência permanente e constante de um debate público, democrático e republicano. Até quando vamos tolerar um jornalismo que não debate publicamente as questões políticas e públicas do Estado Brasileiro e da nossa sociedade, mas sim os interesses privados de alguns grupos financeiros e empresariais? Viva o Brasil e o povo brasileira, mas vamos rebaixar o jeito embusteiro de fazer televisão no Brasil. Daner Hornich

A sessão final do golpe com nome de impeachment no Senado

"Quando a direita nacional é a tábua de salvação da ex-esquerda, é porque somos de fato dominados por uma camarilha de colonizados", afirma Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.
Segundo ele, "definitivamente a projeção imaginária da burguesia nacionalista se provou um pesadelo distópico. O golpe foi orquestrado, em sua etapa final, pelas federações empresariais. Para quem acredita em "burguesia nacional progressista", "empresariado do bismarckismo tropical" ou outras projeções imaginárias de uma classe dominante que não existe, eis outra prova cabal – mais uma em centenas destas – que aliança de classes no Brasil é apenas por coerção. É a parábola do sapo e do escorpião. Diante da ausência de projeção de poder no Sistema Internacional, o empresariado brasileiro ajudou a virar a mesa destituindo o governo que mais o favoreceu na história do Brasil".
Eis o artigo.
Findas as Olimpíadas, o Brasil retoma sua rotina de crise política e isolamento do conflito em sua esfera institucional. No modelo jabuticaba de governabilidade, a maioria política é a condição do exercício do governo de fato, mesmo que quando eleito ou eleita, a governante tenha de ser sancionada pelo escrutínio popular. Logo, na coação desta garantia de maioria parlamentar e em pleno tribunal de exceção, o Senado da república se assemelha ao Senado romano, onde os magistrados e tribunos são plenipotenciários e fazem o que querem, ou quase.
A manhã de 26 de agosto de 2016, na sessão especial do julgamento do Senado presidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski, demonstrou a ruptura entre a oligarquia e a ex-esquerda. Ao definir o andamento do processo de impeachment, o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), definiu o mesmo como “um hospício” e na sequência afirmou que fez pressão e intermediou a retirada do indiciamento da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e de seu marido, o ex-ministro das Comunicações e do Planejamento, Paulo Bernardo.
Neste texto, aponto a dimensão substantiva do equívoco da proposta de realizar uma aliança de classes com uma classe dominante que só quer dominar internamente e abrir mão da disputa de poder no Sistema Internacional. Sem a direita nacionalista, o projeto de poder da ex-esquerda revelara-se uma casca vazia. A escolha do vice-presidente eleito e reeleito é a prova cabal desta aliança absurda que se propôs a trair em nome de ambição desenfreada e apetite insaciável.
Na sessão do Hospício do Senado Federal, aponto a seguinte assertiva: "Quando os keynesianos e pós-keynesianos são de "esquerda", é porque a direita é muito dominante!"
Podemos ter noção do abismo entre a proposta da aliança e o exercício político da mesma quando do depoimento de uma das sumidades da economia política brasileira. Em 26 de agosto, a marcha dos debates se arrastava na tarde da Câmara Alta e revisora da nação. Afirmar o sistema de crenças neoliberal é um atalho para o desmonte do aparelho de Estado como intermediário das relações sociais. Isso, em termos econômicos, é muito perigoso. Tal insensatez alegada por Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular de economia da Unicamp, na sessão do Senado parece encontrar uma parede vazia de frente ao "informante". Não adianta apelar para um acórdão de elites ou uma espécie de Estado Maior de concertação e coordenação do capital. O ajuste do austericídio praticado pela presidente Dilma Rousseff no início do seu segundo mandato foi exatamente o que pregoava o adversário derrotado. Logo, em tese, deveria haver sido elogiado pelos ultra liberais e oportunistas de sempre. Deu-se o oposto.
Contradição explícita, ouvidos de mercador pelos senadores golpistas. Na sequência, retomaram a alegação de que o financiamento do Plano Safra com juros subsidiados foi uma operação ilegal segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ora, criminalizar o financiamento do capital através do Estado ou é a liquidação absoluta do aparelho de Estado ou então é uma nova hegemonia, esta sim, popular e bem à esquerda. O que ocorre é a aposta entreguista na primeira hipótese - desmontar tudo ou quase tudo, doa a quem doer.
Na sequência, duas falas de senadores me chamaram a atenção. O senador Capiberibe(AP-PSB) traçou a profecia da desgraça anunciada. O que será feito dos mais de 30 milhões de pessoas que tiveram mobilidade social? Possivelmente estamos retornando não apenas a um período recessivo, mas de clima de fim de festa e retorno ao passado recente distópico. O senador Armando Monteiro (PE-PTB) marcou a hipótese de fim da concertação de classes. Os golpistas estão apostando no caos completo e abandonando qualquer possibilidade de sobrevivência do Estado desenvolvimentista, ainda que no modelo liberal-periférico.
Como o mapa político-ideológico brasileiro hoje é pautado pelos posicionamentos estadunidenses, estamos de volta aos tempos dos Chicago Boys chegando ao poder, só que pela via da internet, como parte de uma nova elite dirigente arrivista, ao lado de paladinos liberais de toga e promotores. Armando Monteiro chama, conclama novamente à concertação de classes, na defesa do "empresariado brasileiro". A profecia de Monteiro é muito assertiva, e de fato estamos a caminho das expectativas anunciadas do caos bombardeado como verdade, e não como fato.
Repito o caminho das ilusões: se ilude quem aposta em alguma via de soberania nacional através de aliança com o capital brasileiro, sendo que a burguesia restante aqui presente sequer é nacionalista, sequer vê o país como "seu". Igualmente, se ilude quem aponta ser possível um grande pacto de classes conclamando "a razão de governabilidade" ou "ação anti insensatez", como proclama Belluzzo na Mesa do Senado. Estão literalmentecriminalizando a política nacional, e blindando a economia como área única e pura, onde a “contaminação da política” inibe a iniciativa individual. Essas balelas e outros absurdos semelhantes, podem não ter efeito concreto, mas como arma de publicidade da direita entreguista têm uma difusão devastadora.
Para concluir a apelação para a “racionalidade responsável”, o senador Requião(PMDB-PR) apontou a farsa estruturante do hospício político brasileiro e seu suporte midiático. "O ajuste fiscal se transforma em acusação de criminalidade como motivador jurídico para cassar a presidente reeleita!"
Quem aposta na aliança com partes da direita, morre afogado de braços dados com ela (tal como em 1954 e 1964), ou então morre com uma faca cravada pelas costas por esta, tal como está ocorrendo neste exato momento.

A busca incessante por uma direita econômica e empresarial que seja nacionalista

O professor de economia Luiz Gonzaga Belluzzo deu uma aula de economia política no Senado, quando falou como “informante”, em 26 de agosto de 2016. O problema é sempre de premissa, contando com uma teoria modernizante sem burguesia nacional à altura do crescimento capitalista tardio. O problema é mais complexo; a direita empresarial é nacionalista, quando é, apenas por coerção ou conveniência. Ele mesmo citou a boa impressão que o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) deixou nos mandarins chineses no início da Era Deng. E depois, sem nenhuma coincidência, a própria FIESP pula fora do planejamento nacional. Ou seja, o entreguismo e a condição vira-lata da direita econômica é estruturalmente ideológica, embora profundamente ignorante. Em termos de debate, a postura dos financistas e neoliberais é vergonhosa mesmo dentro de um patamar conservador. O que Belluzzofalou no Senado é conteúdo de 3º semestre de Relações Internacionais e nem assim “convence”. Que horror....
Definitivamente a projeção imaginária da burguesia nacionalista se provou um pesadelo distópico. O golpe foi orquestrado, em sua etapa final, pelas federações empresariais. Para quem acredita em "burguesia nacional progressista", "empresariado do bismarckismo tropical" ou outras projeções imaginárias de uma classe dominante que não existe, eis outra prova cabal – mais uma em centenas destas – que aliança de classes no Brasil é apenas por coerção. É a parábola do sapo e do escorpião. Diante da ausência de projeção de poder no Sistema Internacional, o empresariado brasileiro ajudou a virar a mesa destituindo o governo que mais o favoreceu na história do Brasil.

A dimensão substantiva do golpe

Para alegria do Império e danação dos brasileiros, a conta do golpe vai ser muito salgada. A dimensão substantiva do golpe em andamento - PPPs para hospitais e presídios, já são mais de 600 mil famílias descredenciadas do Bolsa Família (em tese, elas mudaram de faixa de renda, mas com a recessão, podem voltar e não terão como e quem ampará-las),"reforma" da Previdência, PPPs no saneamento, creches (rede de pré-escolas); enfim, a rede de proteção social será invertida completamente como um novo modelo de negócios em expansão.
Esta é a conta da aventura do golpe com apelido de impeachment. A ex-esquerda foi muito à direita, dando margem para, sem serviço de inteligência por cima, aparato de mídia ou a correspondente mobilização popular, ficar entregue para a puxada de tapete dos oligarcas e dos partidos que perderam na urna por quatro eleições consecutivas.
Washington ri à toa, sem dar nenhum tiro, sem desembarque de Marines, sem ameaçar com porta-aviões, sem operações clandestinas violentas. John Kerry agradece, Hillarytambém.

O latifúndio vai salvar o lulismo?

Quando a direita nacional é a tábua de salvação da ex-esquerda, é porque somos de fato dominados por uma camarilha de colonizados. Eu li e jurei que estava vendo uma miragem, mas sim, parece que há uma ínfima parcela de empresários-políticos brasileiros com dilemas de consciência. A última salvação do governo de centro-direita e com verniz de algum nacionalismo seria esta liderança empresarial que entendeu o projeto lulista como o maior defensor do capitalismo brasileiro em todos os setores. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), parece que não desiste, e aponta para a virada no Plenário do Senado.
Independente de eu julgar que estamos diante de um golpe branco à moda paraguaia, especulo que seja blefe da ex-líder da Confederação Nacional da Agricultura. Será que o latifúndio salvaria o lulismo?

Apontando conclusões nos argumentos contraditórios

Desde quando oligarcas exigem compromisso entre discurso de palanque e prática no Poder Executivo?! Tem muita gente, muita gente, afirmando que a presidente Dilma Rousseff cometera estelionato eleitoral. Dilma foi à reeleição de forma quase plebiscitária e derrotou o adversário através de um acirramento aparentemente ideológico. Daí, logo no ano de 2014, convocou um Chicago Boy para estar á frente da Fazenda e começou sua desgraça recente. Isso é estelionato, perfeito. Mas, convenhamos. A oligarquia brasileira e as elites dirigentes e mesmo os setores do empresariado e dos financistas querem uma democracia onde o compromisso quebrado pode retirar o direito do exercício de mandato?
Essa gente não quer isso, nunca quis, a não ser quando a democracia era censitária. Aí sim, na minúscula democracia inglesa, o mandato era imperativo, mas o colégio eleitoral era mínimo e só para comerciantes, nobres e todos os votantes e elegíveis, homens. Quando a democracia é massiva e o direito político está vinculado ao compromisso pronunciado publicamente, isso é uma democracia semi-direta. Ou seja, o horror dos representantes profissionais, o terror dos setores dominantes que praticam a sobre-representação (representam a si mesmos).
Eu adoraria ver regras de compromisso no Brasil, mas definitivamente, nem os golpistas e tampouco a ex-esquerda quer uma democracia sob o controle popular com mecanismos de tipo participativo ou direto. Ou querem?

Militares, ciências, Educação Popular.

A pandemia atual expõe a falácia de alguns dogmas sobre a pós modernidade, ela mesma integra a lista dos enunciados falsos de evidências lóg...