Friday, October 28, 2016

Privatização, a face oculta da PEC-241

Privatização, a face oculta da PEC-241

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Por sucatear serviços públicos, governo levará parte da população a descrer da ideia de direitos e a comprar, no mercado, Saúde, Educação de Previdência
Por Paulo Kliass*, na Carta Maior
Uma das principais consequências que o golpeachment pode proporcionar ao País refere-se à implementação de um conjunto de medidas que já haviam sido sistematicamente rechaçadas pelas urnas nas eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014. A agenda assumidamente conservadora envolvida nas candidaturas de Serra, Alckmin e Aécio não conseguiu convencer a população e a opção majoritária sempre foi no sentido de apoiar o processo político visando a consolidação da melhoria da distribuição de renda e da diminuição das desigualdades.
As dificuldades que começaram a surgir no domínio da política macroeconômica terminaram por induzir o governo Dilma a adotar as soluções apresentadas pelos setores ligados ao capital financeiro. Com isso, cresceu o espaço para a consolidação de uma narrativa ortodoxa hegemônica a respeito dos problemas nacionais, e que se propaga com fluidez através dos meios de comunicação. Para além das denúncias seletivas envolvendo os casos de corrupção da Lava Jato, o foco da imprensa passa a ser a criminalização das alternativas para a política econômica que não fossem as previstas na cartilha da ortodoxia.
Tudo pode ser resumido naquilo que passou a ser chamado genericamente de “irresponsabilidade fiscal”. De acordo com as opiniões dos “especialistas” e articulistas vinculados ao financismo, tudo não teria passado de má fé e incompetência de um governo irresponsável e populista. E ponto final. O que o Brasil necessitaria é de uma equipe governamental com um perfil oposto e que contasse com o bem querer e a simpatia dos detentores do capital. Bingo!
Golpeachment e desmonte conservador
Pouco a pouco, diversos representantes de setores que haviam compartilhado das benesses de poder desde a primeira eleição de Lula vão abandonando o barco de Dilma e do PT. Para comprovar tal incoerência aparente, basta olhar os nomes de boa parte dos ocupantes de ministérios e integrantes da base de apoio governista no Congresso Nacional. Estavam com Dilma e ficaram com Temer.
O desenrolar dos acontecimentos é conhecido de todos nós. Consumado o golpe e o afastamento de Dilma, Temer assume o governo e resgata o programa elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães do PMDB, presidida por Moreira Franco. As propostas constantes do documento “Ponte para o Futuro” consolidam a via liberal-conservadora para nossa crise, com especial atenção dedicada à saída do Estado da economia, em uma espécie de recuperação anacrônica dos desígnios do neoliberalismo já ultrapassado no resto do mundo.
O mote para viabilizar tal estratégia é a crise fiscal. Argumentando ao extremo a respeito de uma suposta falência orçamentária estrutural do Estado brasileiro, o novo governo apresenta um conjunto de medidas de redução do espaço público na economia. Assim, pretende-se promover a venda de ativos importantes das empresas estatais ainda existentes, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás. Por outro lado, o estratégico “Programa de Parcerias de Investimento” (PPI) lança novas oportunidades de investimento privado em áreas de presença tradicional do setor público, como infraestrutura e energia.
TEXTO-MEIO
O círculo se fecha com a profunda asfixia na maneira como se encara a busca de soluções para a situação fiscal. Ao manter a armadilha do superávit primário como plano orientador do voo, o governo continua mirando apenas no corte das despesas de natureza social e de investimentos no orçamento. Dessa forma, ficam livres para crescer os gastos de natureza financeira, envolvidos no pagamento de juros da dívida pública. Para o exercício atual, a previsão é de encerramento do ano com um déficit de R$ 176 bilhões nas contas do governo federal.
PEC 241 e a redução dos gastos sociais.
A intenção declarada é aproveitar dessa oportunidade única de ter chegado ao poder sem o voto popular para implementar o conjunto do pacote de maldades, com impacto de longo prazo. Essa é a lógica que está por trás da PEC 241, que promete congelar as despesas primárias por 20 anos, ao introduzir no corpo da Constituição aquilo que eufemisticamente foi qualificado como “Novo Regime Fiscal”.
Ora os estudos e pesquisas são unânimes em denunciar o absurdo volume de perdas que seriam imputados a setores como previdência social, saúde, educação, assistência social, cultura, esportes, investimentos, funcionalismo e outros. Como a fórmula prevê o teto máximo de correção pelos índices inflacionários a cada ano, na prática isso significa uma redução dos valores atribuídos a tais áreas. Isso porque certamente haverá crescimento populacional no período e o gasto per capita vai cair. Ou ainda pelo fato de que o eventual crescimento do PIB em algum período ao longo das próximas duas décadas tampouco será considerado para efeito de maior despesa primária.
Por mais que o governo tente dourar a pílula e fazer contorcionismo retórico, o fato é que a intenção do Novo Regime Fiscal é impor redução de gastos. As polêmicas permanecem apenas na determinação dos números bilionários relativos a tais diminuições. Estudo elaborado pelo IPEA chega a apurar uma perda potencial de R$ 654 bilhões apenas para a área da saúde até 2036. Já as perdas para assistência social são estimadas em R$ 868 bi ao longo dos vinte anos, de acordo com outro estudo da mesma instituição de pesquisa do próprio governo federal.
Nesse modelo elaborado a partir de uma concepção meramente financeira do Brasil e do mundo, apenas poderão crescer os valores orçamentários das despesas associadas a operações da política monetária ou destinados ao pagamento de juros da dívida. Uma loucura!
Como se pode perceber, esse sistema inviabiliza que sejam assegurados pelo Estado aos cidadãos e cidadãs aqueles direitos sociais previstos na Constituição. O discurso liberal já se preparou para esse fato e constrói a lengalenga de que o modelo previsto em 1988 não cabe mais no Orçamento de 2016. Assim, a solução passa por transferir de forma crescente a oferta de serviços como saúde, previdência e educação para o setor privado. Essa, aliás, tem sido a tendência observada ao longo dos últimos anos. O capital internacional já farejou esse novo campo de ganhos seguros e fundos multinacionais de investimento já estão penetrando pesado em educação e saúde, por exemplo.
Asfixia e privatização.
A PEC 41 chega, portanto, para não deixar mais sobra de dúvidas a respeito desse caminho. O Estado não poderá mais gastar nesses setores, nem mesmo se a população quiser e se houver sobras de caixa. Haverá proibição constitucional. Ao longo das próximas décadas, a única alternativa para tornar real esse tipo de serviço essencial será recorrer aos empreendimentos realizados pelo capital privado. O reino absoluto da mercantilização dos direitos de cidadania.
Ao estabelecer o garrote na capacidade orçamentária, o governo impede a promoção do crescimento e do aperfeiçoamento da rede pública de saúde, previdência social, educação, assistência social, entre outras. Assim, os mentores do governo Temer hipotecam o futuro da Nação aos desejos do capital privado e às regras insensíveis do mercado de bens e serviços.
A PEC 241 é o caminho seguro para consolidar e perpetuar o mecanismo perverso da privatização como principal instrumento de políticas públicas em nosso País.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

A PEC 241 e a cegueira ideológica

“Sim, o Brasil tem uma das piores políticas fiscais do planeta: juros no topo e o sistema tributário mais complicado, extenso e regressivo. Ela faz o Brasil refém do rentismo e não beneficia a produção, tanto que o País se desindustrializou nos últimos anos”, constata Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology, em artigo publicado por CartaCapital, 26-10-2016.
Segundo ele, “a insistência em não reformar a tributação e manter um nível sobre a indústria que é mais do que o dobro da carga dos países da OCDE, enquanto que o nível da tributação da renda da pessoa física e da riqueza está bem abaixo do nível nesses mesmos países, é acreditar – ou fingir que se acredita – que a carga tributária já é muito alta e que não se pode mais mexer nela”.
Eis o artigo.
Qualquer um, inclusive o Estado, se quiser bons resultados, deve focar em gastar no que gera mais receitas. Não se pode olhar despesas e receitas em separado – regra básica econômica, financeira e contábil. Com a PEC 241, o governo Temer, num momento de queda de receitas e aumento de despesas financeiras, congela as despesas primárias, que, provadamente por diversos exemplos teóricos e práticos, podem gerar mais produtividade e receitas.
A PEC, para ter algum sentido, deveria passar a régua rígida de congelamento no lado das despesas não primárias, não nas primárias, que deveriam sofrer revisão caso a caso. Todo ano o governo teria de pagar menos juros e quitar parte da dívida.
As trajetórias das diferentes despesas primárias são variadas e precisam ser corrigidas uma a uma, com análise complexa de políticas públicas.
São elas, ademais, que elevam demanda agregada e produtividade, de modo que, ao proibir aumentos reais, a economia ficará afundada em crise.
Investimentos públicos em infraestrutura incentivam o investimento privado e geram ativos imobilizados, como pontes, aeroportos, estradas, ferrovias, trens etc. para a sociedade. Gastos com educação e saúde elevam o ativo humano, pois deixam os indivíduos mais produtivos e depois menos custosos para o Estado.
Gastos sociais, como o Bolsa Família, redistribuem renda numa sociedade imensamente desigual e garantem mais consumo, uma demanda agregada maior. Algo semelhante acontece com os aumentos reais de salário mínimo.
A grande maioria dos economistas mais respeitados no mundo vêm defendendo que o cerne da recuperação dos países é elevar a demanda agregada.
Por conta da desaceleração de nações como a China, que estavam puxando os demais, e por conta da concentração excessiva de riqueza e renda, não há consumo suficiente para dar conta da produção, que veio aumentando muito nos últimos anos com os avanços tecnológicos.
A forma de o mundo voltar a se desenvolver consideravelmente é incluir mais pessoas na economia, fazer com que mais gente possa consumir e, para isso, é preciso reduzir asdesigualdades.
Para que o aumento de consumo não venha a gerar novos desequilíbrios lá na frente, como inflação, é interessante que a redução das desigualdades não seja apenas por distribuição de dinheiro, mas por aumento de produtividade via melhoria deinfraestrutura e do nível de capital humano (educação e saúde).
As referidas despesas primárias são importantíssimas para o desenvolvimentoeconômico. Se a PEC 241 passar também no Senado, tal como é hoje, será um desastre para a economia, e não é possível que os membros do Ministério da Fazenda não vejam isso. Mesmo com a reforma da Previdência, ela espremerá tanto alguns gastos essenciais que sequer é viável; é inexequível.
Quanto às despesas não primárias, gasta-se centenas de bilhões em juros reais, os mais altos do planeta. São mais de 20% de todas as despesas.
Brasil, ano a ano, faz o que se chama de rolagem de dívida, paga a contraída no passado com dinheiro de nova dívida. Há quem use esse número para elevar o valor de juros pagos, mas isso é obviamente um erro.
Por outro lado, contabilmente, há aí despesas e, financeiramente, há desembolso. Em suma, há uma perpetuação da dívida e do pagamento de juros astronômicos.
Juros são a remuneração pelo tempo que alguém detém o dinheiro de outrem. O ideal de um empréstimo é que ele seja pago logo, a menos que o retorno do investimento daquele dinheiro seja maior do que os juros pagos, algo incomum.
Quanto mais se paga juros – por conta de o percentual ser alto e, se for alto, é pior que o tempo seja longo –, mais chances de o empréstimo não ter valido a pena. No Brasil, paga-se juros altíssimos e a dívida apenas aumenta.
Defensores da PEC usam uma cortina de fumaça para fugir do real problema, ao criticar quem infla o valor dos juros com os valores da dívida rolados. A questão é que o País está pagando dívida, juros altíssimos e contraindo nova dívida, o que não gera retorno. É um círculo vicioso que provoca enorme aumento das despesas estatais.
déficit brasileiro não estourou por conta das despesas primárias, que crescem regularmente desde 1997, apesar de que poderiam ser otimizadas: reduzir corrupçãoe má eficiência, por exemplo, para gastar melhor.
O déficit se deve à queda de receitas (provocada pela falta de demanda agregada que gera queda de vendas), às desonerações tributárias e ao aumento de despesas por quase duplicação dos juros de 7,25% em janeiro de 2013 para 14,25% em janeiro de 2016, tendo havido redução de míseros 0,25% há alguns dias.
Some-se a isso que boa parte do aumento dos gastos nos últimos tempos se deu por compra de dólar pelo Brasil para constituir sua reserva e por transferências de títulos para bancos federais, como explica Felipe Rezende.
Caíram as receitas e houve muitas despesas não primárias, mas o governo quer corrigir o déficit congelando as despesas primárias. Há erro de avaliação e de proposta de solução.
Onde está o cerne do problema da dívida: nas despesas primárias, que, como dito, têm potencial para tirar o País da crise econômica e não cresceram fora da curva, ou nas despesas financeiras, que têm apenas gerado desembolsos de centenas de bilhões em juros?
É essa a decisão que o Brasil precisa tomar, e não parece ser difícil quando o tema é colocado de forma honesta e clara.
Para pagar a dívida, é preciso que sejam geradas receitas de outro lugar, que não de novas dívidas, como o Brasil faz. Deve-se gerar mais receitas tributárias com urgência. É necessário elevar a demanda agregada, para que se consuma e se venda mais e, então, se arrecade mais.
Para que haja mais demanda agregada e maximização das receitas, é necessário destravar a economia. Não há outra saída melhor em curto prazo do que corrigir um grave desequilíbrio brasileiro: o pior sistema tributário do mundo.
Sim, o Brasil tem uma das piores políticas fiscais do planeta: juros no topo e o sistema tributário mais complicado, extenso e regressivo. Ela faz o Brasil refém do rentismo e não beneficia a produção, tanto que o País se desindustrializou nos últimos anos.
A insistência em não reformar a tributação e manter um nível sobre a indústria que é mais do que o dobro da carga dos países da OCDE, enquanto que o nível da tributação da renda da pessoa física e da riqueza está bem abaixo do nível nesses mesmos países, é acreditar – ou fingir que se acredita – que a carga tributária já é muito alta e que não se pode mais mexer nela.
A carga é altíssima para os pobres e classe média, mas baixa para os muito ricos. É necessário reformar a tributação de cima a baixo.
Não é apenas uma questão de acabar com a isenção de dividendos, mas de reformular quase tudo, para que, com a queda da tributação do consumo, ocorra redução nos preços e da inflação. Ao mesmo tempo, se pode obter mais receitas com o fim da isenção dos dividendos, a correção nas deduções permitidas no Imposto de Renda e a criação de novas alíquotas mais altas para os mais ricos.
Parece claro o que deve ser feito no Brasil. Poucos grandes economistas estrangeiros discordariam do que está sendo dito neste texto. Seus trabalhos recentes confirmam os argumentos. Basta conferir os estudos de conservadores como Olivier BlanchardLarry Summers e Allan Greenspan, que assumiram ter contribuído para a crise de 2007-2009 e não ter ferramentas para lidar com ela a partir dos sistemas teóricos que antes defendiam.
Está na hora dos membros do Ministério da Fazenda e dos demais apoiadores da PEC 241 se atualizarem e fazerem como Greenspan, ex-presidente do banco central americano por quase 20 anos, que, após ser posto contra a parede por conta da crise, disse que tinha cometido erros graves por cegueira ideológica.
Muitos brasileiros continuam defendendo posições que vão exatamente na linha geradora da crise. O resultado não poderá ser outro: aumento da desigualdade e mais crise.

“Até bem pouco tempo atrás era impossível comemorar Lutero juntos”, afirma líder luterano

“Nos anos 80, ninguém teria acreditado que luteranos e católicos teriam sido capazes de chegar a um acordo sobre a questão da justificação, o aconteceu em 1999, e se há apenas poucos anos se tivesse falado de comemoração conjunta dos 500 anos da Reforma de Martinho Lutero, muitos teriam dito: “Impossível”. O pastor Martin Junge, secretário-geral da Federação Luterana Mundial, foi convidado pela Sala de Imprensa vaticana para participar da apresentação da próxima viagem do Papa à Suécia, à cidade de Lund, entre os dias 31 de outubro e 1º de novembro próximos.

A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi e publicada por Vatican Insider, 26-10-2016. A tradução é de André Langer.

Com ele estava o cardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, que revelou que ambas as Igrejas estão “no bom caminho” para chegar a um acordo sobre as questões pendentes, relacionadas à Igreja, ao ministério e à eucaristia, o que poderia levar a uma nova e não muito distante segunda declaração conjunta. O diretor da Sala de Imprensa vaticana, Greg Burke, destacou que também Bento XVI teria feito semelhante viagem.

Francisco partirá no dia 31 de outubro de Roma e chegará às 11h ao Aeroporto deMalmö, no sul da Suécia, onde será recebido pelo primeiro-ministro sueco Stefan Löfven. O Papa terá um almoço privado, enquanto são oferecidos dois almoços de honra: um oferecido pelo próprio primeiro-ministro ao cardeal secretário de Estado Pietro Parolin, e o outro para o cardeal Kurt Koch por parte da Federação Luterana Mundial.

À tarde, Francisco fará uma visita à família real sueca, no palácio de Kungshuset, em Lund. Posteriormente, haverá dois encontros fundamentais para a visita: primeiro, na catedral luterana de Lund, perto do palácio real, haverá uma oração ecumênica às 14h30; em seguida, o evento ecumênico organizado na Malmö-Arena, ao final da qual o Papa se reunirá com as 30 delegações protestantes presentes e oriundas de diferentes partes do mundo.

A cidade de Lund foi escolhida porque é a sede da Federação Luterana Mundial, e a viagem papal pretende comemorar não apenas os 500 anos da Reforma de Lutero, mas também os 50 anos do diálogo entre esta federação e a Santa Sé. Uma vez que a única diocese e a nunciatura apostólica na Suécia encontram-se em Estocolmo, o Papadormirá em um centro de pesquisa médica perto de Lund, onde costuma reunir-se a Conferência Episcopal do país.

O segundo e último dia da visita, na terça-feira, 01 de novembro, dia de Todos os Santos, estará dedicado à comunidade católica: o Papa celebrará a missa no Swedbank Stadion de Malmö. Depois, pegará o avião no aeroporto local, às 12h30, para retornar a Roma em torno das 15h30.

O lema da viagem papal inspira-se no título de um relatório publicado em 2013 pela Comissão Internacional Católico-Luterana sobre a Unidade: “Do conflito à comunhão”. Respondendo às perguntas dos jornalistas, o diretor da Sala de Imprensa vaticana, Burke, respondeu: “Creio que também Bento teria feito semelhante viagem, uma comemoração, é lógico. Tendo em vista a longa preparação deste evento”.

Durante a viagem a Lund, destacou Burke, o Papa falará em sua língua, o espanhol, porque a Suécia é um país com uma considerável imigração e muitos membros da minoria católica (119 mil pessoas de quase 10 milhões de habitantes) são imigrantes. Entre os testemunhos da tarde ecumênica em Lund irá intervir uma mulher refugiada do Sudão do Sul. Participará também o bispo de Aleppo, uma vez que a Cáritas e a Igreja sueca colaboram há muito tempo para ajudar o país em guerra e em outras emergências.

“A Federação Luterana Mundial compreende perfeitamente as necessidades pastorais do Papa”, explicou Junge aos jornalistas que lhe perguntaram se o segundo dia da viagem, inicialmente não previsto no programa, não poderia diluir o conteúdo ecumênico da viagem.

A novidade desta visita, indicou Koch, “consiste no fato mesmo de que temos uma comemoração comum”, ao passo que no passado havia comemorações em separado, e muitas vezes inclusive com tons “triunfalistas ou polêmicas”. “Tenho um pouco de medo de que a viagem seja reduzida à pergunta: ‘Voltará a acontecer?’ Seja como for, não sei o que o Papa irá dizer: sabemos que sempre está pronto para nos surpreender, mas, se as surpresas forem contadas antes, não serão surpresas”.

Durante a entrevista coletiva, Burke explicou que não se espera que o Papa anuncie novidades em relação à questão da inter-comunhão, mas recordou que Francisco já havia feito aberturas significativas durante uma visita à igreja luterana de Roma, em novembro de 2015.

E a excomunhão contra Martinho Lutero irá cair?, perguntaram os jornalistas. “Não pode ser derrogada”, explicou Koch, “uma vez que a excomunhão caducou com sua morte. Uma excomunhão acaba com a morte de uma pessoa, e um Papa não tem o poder de mudar as coisas na eternidade... Outra coisa é o que podemos dizer sobre Lutero e o que podemos aprender de Lutero. Por exemplo, o belo discurso que João Paulo II fez em Mainz, ou aquele que Bento XVI fez em Erfurt, quando destacou que a maior preocupação de Lutero era a centralidade de Deus e de Cristo, ou, inclusive, o que disse o Papa ao retornar da Armênia, quando disse que Lutero tinha boas intenções”.

Diversas são as questões que ainda dividem luteranos e católicos. Tanto Junge como Koch destacaram que a própria declaração conjunta sobre a justificação coloca em evidência que não há acordo com relação a três pontos: o ministério, a Igreja e a Eucaristia. “Sobre estes temas, há, em nível regional, um diálogo que progride bem. Estamos no bom caminho para resolver estes três pontos, e podemos continuar pela via de uma nova declaração sobre estas questões”.

Percorra a vida de Lutero através destes destinos na Alemanha



Martinho Lutero ao centro do Monumento da Reforma, em Worms, na Alemanha. (Wikimedia Commons/JD)

Um globo na Praça do Mercado de Wittenberg traz um relógio em contagem regressiva para o 500º aniversário da Reforma, em 20 de maio de 2017. (Wikimedia Commons/Dr. Avishai Teicher)
Falecido há 470 anos, a luz de Martinho ainda tem de se difundir pela Alemanha. Na verdade, aquele que foi uma vez monge, tendo lecionado por 37 anos na Universidade de Wittenberg e pregado mais de dois mil sermões nesta pequena cidade alemã, promete transmitir a sua luz por todo o país, por toda a Europa e o mundo na medida em que cerimônias começam este mês a marcar o 500º aniversário da Reforma Protestante.
A reportagem é de Patricia Lefevere, publicada por National Catholic Reporter, 22-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Para os católicos que não cresceram ouvindo falar muito sobre Lutero – pelo menos não a ponto de ser edificante –, o próximo ano promete não uma história revisionista tanto quanto promete um olhar renovado ao homem que alterou a história desafiando tanto o papa como o imperador o Sacro Império Romano no começo do século XVI. Séculos à frente de seu tempo, concordam os críticos, Lutero lutou pela liberdade de consciência e buscou educar os fiéis, especialmente os pais e chefes de família, com o seu Catecismo Menor, bem como o clero com o seu Catecismo Maior.
Em sentido real, Lutero deixou carimbada na língua alemã a sua espiritualidade e a semelhança de sua alma, criando uma embarcação literária na qual pôde colocar suas traduções das Escrituras, tornando-as acessíveis a todos os leitores. Este empreendimento não só popularizou o cristianismo como também se transformou num fator na construção da nação alemã. Lutero também traduziu a missa para o alemão e escreveu dezenas de hinos que levaram o movimento para fora das fronteiras de geração em geração.
O seu legado pode ser encontrado não só em reformas introduzidas na Igreja Católica durante o Concílio Vaticano II, mas 400 anos antes, no Concílio de Trento. É o que afirma Wolfgang Thönissen, pesquisador que vive em Paderborn, na Alemanha, e que trabalha como consultor da Comissão Católico-Luterana para a Unidade.
Lutero passou a vida se perguntando: “Como posso encontrar um Deus misericordioso?” Os seus esforços preenchiam-se com dias de oração, jejum, leitura, escrita, confissão, ensino e pregação.
Na medida em que o Ano da Misericórdia católico se encerra e um ano de recordações da Reforma se abre, esta repórter aqui escolheu percorrer os passos de Lutero, viajando, em meados de setembro, por oito dias a destinos na Alemanha, por onde ele andou entre o nascimento (em 10-11-1483) e sua morte (em 18-02-1546).

Wittenberg

Os peregrinos – mais de um milhão são esperados na Alemanha em 2017 – podem querer começar a jornada nas portas de ferro da Igreja de Todos os Santos, de Wittenberg, onde Lutero, segundo consta, postou as suas 95 Teses em 31-10-1517. As portas atuais datam de 1858; os originais foram destruídos pelo fogo um século antes.

A porta da Igreja de Todos os Santos com as 95 Teses de Martinho Lutero inscritas no original em latim. (Wikimedia Commons/Fewskulchor)
Estudiosos contemporâneos duvidam que o monge tenha pregado as suas 95 frases denunciando a venda de indulgências e outras práticas que considerava corruptas na Igreja Católica. Pesquisadores reconhecem que Lutero escreveu este seu tratado, provavelmente no início de 1517, e as apresentou em pregação, publicando-as mais tarde, mas nunca as martelando à porta.
Até o Papa Francisco concordou que a Reforma se deu em meio a abusos na Igreja Católica. “Naquela época (…) vemos que a Igreja não era propriamente um modelo a imitar: havia corrupção na Igreja, havia mundanidade, havia apego ao dinheiro e ao poder”, disse ele a jornalistas no voo papal que o trouxe de volta a Roma no final de sua visita à Armênia em 26 de junho.
Somente um político pregaria um aviso na porta de uma igreja, contou ao National Catholic Reporter o pesquisador Timothy Wengert antes de proferir uma palestra sobre a Reforma na Seton Hall University em 5 de outubro.
Lutero foi muitas coisas, menos político”, disse Wengert, professor emérito de história da igreja no Seminário Teológico Luterano na Filadélfia.

Pintura sobre a porta da Igreja de Todos os Santos retratando Lutero com uma Bíblia alemã e Philip Melanchthon segurando a Confissão de Augsburg. (Wikimedia Commons/Dr. Avishai Teicher)
Discussões acadêmicas de lado, pegue sua câmera e tire uma selfie na porta de 997 aquilos de ferro, que tem todas as 95 teses inscritas em latim. Acima do texto há uma pintura representando Lutero com uma Bíblia em alemão e o seu colega teólogo de WittenbergPhilip Melanchthon, segurando a Confissão de Augsburg, documento que Melanchthon escreveu em 1530 definindo as crenças luteranas.
Os dois reformadores contam com um lugar de destaque no belo mercado de Wittenberg, onde se ergueram suas estátuas no século XIX. O mercado convida à contemplação e à admiração. Para uma direção, o espectador pode ver a torre da Igreja de Todos os Santos e, na extremidade oposta, pode fitar a Igreja de Santa Maria. Saia deste momento de contemplação e entre nesta segunda igreja. Aí irá encontrar uma pia baptismal de bronze e um púlpito esculpido da época de Lutero.

As torres da Igreja de Santa Maria vistas da Praça do Mercado em Wittenberg. (Wikimedia Commons/Asurnipal)
Perto há um belo altar com cenas pintadas por Lucas Cranach, o Velho, que inclui Lutero entre um grupo de apóstolos imersos em um diálogo. Cranach – e mais tarde o seu filho, Lucas, o Jovem – era o principal ilustrador da Reforma. Os seus frequentes retratos e xilogravuras dos reformadores difundiram o movimento pela Europa.
O altar fornece um bonito ambiente para a celebração em inglês realizada semanalmente aqui ou na Igreja de Todos os Santos. Organizado pelo grupo Wittenberg English Ministry, o serviço da Palavra – atualmente em seu 19º ano – é conduzido por pastores convidados dos Estados Unidos e do Canadá.
Se puder, visite a Casa de Lutero, lugar originalmente chamado de o Mosteiro (ou ConventoNegro dos eremitas agostinianos. Aqui, o reformador viveu primeiro como monge católico em 1508. O piso superior contém a cela de Lutero, o andar do meio é um ambiente acadêmico, e o piso inferior serve de refeitório. Lutero continuou a viver na casa mesmo depois de o mosteiro ser dissolvido e quase todos os monges terem deixado a vida religiosa.
O eleitor da SaxôniaFrederico, o Sábio, soberano e patrono de Lutero e dono da Igreja de todos os Santos, cedeu a casa para o reformador. Depois de Lutero se casar com a ex-freira Katharina von Bora em 1525, aí eles criaram os seis seus filhos, além de seis sobrinhos e sobrinhas. A eles se juntavam a tia de Katharina e vários alunos e convidados. Os biógrafos observam que Katharina fazia todas as noites um jantar para até 40 convidados.

Halle e Eisleben

De volta ao ônibus ou ao seu carro, pare brevemente na cidade vizinha de Halle, onde o compositor George Friedrich Handel nasceu e foi batizado em 1685. Os luteranos e católicos vêm cantando os seus dramáticos oratórios há três séculos. Visite a casa de Handel em Halle ou pegue um bonde com o compositor a conduzir e com sua orquestra pintada por sobre a superfície do vagão.
Dentro da Igreja de Santa Maria em Halle, veja a máscara mortuária de Lutero e a sua bíblia pessoal, além de uma série de notas manuscritas.
Não longe de Halle está o local da morte e do nascimento de LuteroEisleben. As duas casas que relembram o seu início e o seu fim não são as estruturas originais, embora o conteúdo delas deem uma impressão do que era a vida de uma família de mineiros na idade média, e a casa de sua morte contenha uma réplica do leito de morte de Lutero.

A casa que lembra a morte de Lutero em Eisleben. (Wikimedia Commons/Tilman2007)
Em um esforço para resolver uma disputa de terra entre os condes de Mansfeld – dois irmãos que não se davam bem entre si –, Lutero voltou para Eisleben em janeiro de 1546. Ele tinha 62 anos e esteve doente a maior parte do tempo das três semanas que aí ficou. Mesmo assim, pregou os seus quatro últimos sermões na Igreja de Santo André, onde seu corpo foi velado por dois dias após morrer de ataque cardíaco em 18 de fevereiro. As últimas palavras escritas por ele estão exibidas em sua câmara mortuária: “Nós somos mendigos, essa é a verdade”.
Em seu leito, Lutero professou Cristo como o seu Salvador e Senhor antes de respirar pela última vez, segundo os dois condes e seus filhos que o atendiam.
Milhares de pessoas em luto saíram pelas ruas de Halle e outras cidades ao longo do caminho enquanto o corpo de Lutero era levado de volta a Wittenberg por 60 cavaleiros para o enterro na Igreja de Todos os Santos. E, ao longo de quatro séculos, dezenas de milhares de crentes continuaram a prestar-lhe reverência no local em que foi enterrado.

Um memorial a Lutero ergue-se na Praça do Mercado de Eisleben. (Wikimedia Commons/Tilman2007)

Erfurt e Veste Coburg

Lutero viveu como um católico e morreu como um católico”, disse o Rev. David Elseroad, que também estava andando nas pegadas do reformador. Elseroad, pastor da Igreja Luterana da Trindade, em HawthorneNova York, ainda que ordenado pastor luterano, considera-se católico.
“Eu tenho que compartilhar constantemente o Evangelho”, diz ele ao National Catholic Reporter, notando que Lutero o tem ajudado nessa tarefa. “Lutero não quis uma revolução; ele quis uma reforma”.
Para apreciar a catolicidade de Lutero, a sugestão ao peregrino é passar um tempo em Erfurt, cidade onde Lutero recebeu os títulos de bacharel, mestre e doutor. Além da excepcional universidade, a cidade também ficou conhecida pelas suas numerosas igrejas e ordens monásticas que proliferaram nela após a fundação de Erfurt por São Bonifácio em 742.
O pai de Lutero queria que o seu brilhante filho estudasse Direito de forma que não tivesse de trabalhar na mineração e que pudesse ajudar a família. Mas em meados de 1505, voltando para a universidade depois de uma visita com a família, Lutero é levado ao chão por um raio perto da localidade de Stotternheim. Aterrorizado, invocou Santa Ana, padroeira dos mineiros. Ele a prometeu que se tornaria monge.

Vitral do século XIV na catedral católica de Erfurt, onde Lutero foi ordenado em 1507. (Wikimedia Commons / GFreihalter)
Dentro de poucos dias, o reformador se despojou de todos os bens e bateu à porta de uma das ordens mendicantes mais austeras de Erfurt, os frades agostinianos. Uma decisão que seu pai detestou, mas que levou Lutero a ser ordenado em 1507. Visite a catedral católica de Erfurt, local de sua ordenação, e o mosteiro que ainda tem alguns dos pisos e vitrais originais que Lutero via em seus dias.
Ao sul de Erfurt, no belíssimo vale do norte da Baviera está a Veste Coburg, ou Fortaleza de Coburg, com 900 anos de idade. Aqui, Lutero refugiou-se por seis meses no ano de 1530, enquanto os seus companheiros reformadores foram para Augsburgo participar de uma reunião com o imperador do Sacro Império Romano. Acharam que os tempos estavam demasiado turbulentos para Lutero e que os seus inimigos eram demais numerosos para que participasse da Dieta Imperial, que fora convocada para unir a Alemanha em torno de uma única fé cristã num momento em que os turcos invadiam a Europa.

Monumento a Lutero sobre os muros da Veste Coburg. (Wikimedia Commons/Storfix)
Seja no lado de fora, seja no lado de dentro do Castelo de Coburg, o visitante pode maravilhar-se com a paisagem deslumbrante que talvez tenha inspirado a escrita dos 26 tratados reformistas de Lutero. A música há muito também está ligada a Coburg. Quase se pode ouvir Lutero, que adorava cantar e tocar o alaúde, cantarolando em sua câmara encantada.

Eisenach e o Castelo de Wartburg

Ao leste de Erfurt e ao norte de Coburg está a cidade de Eisenach, onde Luteropassou os anos de estudante secundarista, quando também frequentou uma escola de latim bem conceituada. Além do latim, ele estudou retórica, poesia e música e ganhava uns trocados ao cantar no coro dos meninos, que cantarolava de casa em casa muitas vezes pedindo um pão como recompensa.
Frau Ursula Cotta gostou de ouvir o jovem Martin a cantar. Ela lhe ofereceu moradia durante três dos quatro anos em que ficou Eisenach e o contratou para cuidar de seu filho pequeno.
Vale a pena visitar a casa de Cotta, que foi transformada num museu interativo da Bíblia. Todas as exposições estão em inglês e alemão. Um quarto contém elogios generosos de grandes nomes alemães como GoetheHegelNietzsche, Heine e Brecht para a tradução que Lutero fez do livro sagrado. “Lutero (...) despertou e libertou a língua alemã, um gigante adormecido”, observou o teólogo Johann Gottfried Herder.

A casa de Cotta em Eisenach, onde Lutero morou enquanto estudava o ensino médio. (Wikimedia Commons/Hjalmar)
Grande parte deste despertar ocorreu não muito longe, no Castelo de Wartburg. O verdadeiro peregrino de Lutero irá contar os 250 passos que levam do ônibus até a porta do castelo. Foi aqui, em 1521, que o reformador passou 11 semanas vertendo as Escrituras Gregas para um idioma que pudesse ser entendido por todos, criando uma tradução tão bem-sucedida que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da língua alemã na modalidade escrita.

A escrivaninha onde Lutero traduziu a Bíblia para o alemão encontra-se no Castelo de Wartburg. (Wikimedia Commons/Vitold Muratov)
Nada disso aconteceu facilmente. O visitante pode ainda ver a mancha na parede onde Lutero lançou o seu tinteiro contra Satanás, que estava infernizando os seus esforços literários.
Os dez meses de Lutero neste castelo não eram um período sabático de Wittenberg. Em vez disso, foram uma emboscada e refúgio seguro arranjado por seu apoiador, Frederico, o Sábio, depois que Lutero desafiou o chamado do imperador Carlos V na Dieta de Worms para se retratar de seus escritos. Lutero recusou, tendo supostamente dito a Carlos e portanto ao Papa Leão X, cuja bula papal o ameaçava de excomunhão: “Aqui estou, não posso fazer outra coisa”.
Temeroso de que Lutero fosse morto, uma vez que sua resposta o colocava como um fora da lei, Frederico mandou os seus homens sequestrá-lo no caminho de volta a Wittenberg e o pôs no Castelo de Wartburg. Aqui o reformador deixou crescer a barba e ficou conhecido como o Cavaleiro Jorge para os pouquíssimos que o viram naqueles dias.
As semanas de Lutero no Wartburg foram talvez as mais prolíficas em uma vida de estudos e escritas contínuos. Mas estiveram também repletas de depressão, melancolia e doenças digestivas trazidas pelos alimentos ricos servidos no castelo – tão diferentes das refeições escassas servidas nos seus aposentos agostinianos.

Worms

Antes de desembarcar no Castelo de Wartburg, os dias de Lutero frequentando a Dieta de Worms estiveram entre os mais estressantes de sua vida. O monge aguardou com expectativa a reunião com Carlos durante a primeira viagem do imperador à Alemanha. Lutero pensou que a dieta – reunião imperial – seria o lugar onde as suas 95 Teses finalmente receberiam uma audiência. Ficou assustado quando soube que o encontro não seria para debater os seus pontos de vista, mas sim uma audiência que terminaria em sua condenação e excomunhão.
Uma laje esculpida em Worms exibe a recusa de Lutero em se retratar. Também na cidade está o maior monumento da Reforma na Alemanha, com personagens como Calvin, Zwingli, Erasmus, Savonarola, e o boêmio Jan Hus, que fora queimado na fogueira em 1415 na sequência do julgamento do Concílio de Constança que o classificou como herege. Passar um tempo estudando esta obra gigante de bronze, com Lutero em seu centro, pode ser uma lição sobre uma revolução que começou antes do seu nascimento e que foi levado para muito além das fronteiras da Alemanha pelos escritos e ensinamentos de Lutero.

Lutero ao centro do Monumento da Reforma em Worms. (Wikimedia Commons/JD)
Embora os tratados de Lutero eram, em geral, edificantes e inspiradores, eles também foram ataques mordazes ao papado, que ele chamava de uma “uma instituição do diabo”, aos cardeais e especialmente aos vendedores de indulgências. Os judeus sofreram muito com os textos de Lutero também, especialmente nos tratados que ele produziu na parte final de sua vida, significativamente diferentes dos primeiros sermões anteriores em que havia buscado um tratamento mais justo para os judeus, cuja longa história na Alemanha é plena de discriminação, morte e guetização.
Um dos lugares mais tranquilos em Worms é o cemitério judaico de Worms, o mais antigo cemitério judeu da Europa, datando de 1059 e contendo mais de 2.500 lápides, pelo menos um terço deles erguido na Idade Média. O local fica perto do Monumento Reforma.

Lápides no cemitério judaico em Worms. (Wikimedia Commons/Dietrich Krieger)
Worms e a região de Mainz são antigos assentamentos com longas histórias de vida judaica. Os alemães são ávidos em mostrar aos visitantes as muitas lembranças de seu passado maculado nesta terra de Lutero, incluindo gravuras depreciativas ao lado da Igreja de Santa Maria, em Wittenberg, a redescoberta sinagoga de 600 anos de Erfurt e o grande Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, celebrando o Holocausto erguido em Berlim na sombra do Palácio de Reichstag e do Portão de Brandemburgo.

Mainz e Heidelberg

Em Mainz, os visitantes podem visitar a catedral, cujo interior dá sensação é a de uma barca ecumênica a cruzar o Reno, rio que fez conhecida esta cidade desde os tempos romanos. Na época de Lutero, foi Johannes Gutenberg, ourives de Mainz, quem inventou a prensa de tipos móveis, assim ajudando a difundir os tratados da Reforma com uma intensidade missionária ao longo das rotas comerciais dos mercadores alemães.
Dentro do Museu Gutenberg, os visitantes podem assistir a impressão real de um texto, parecido com os métodos empregados nos dias de Lutero. Eles podem ouvir também o que se chama de o “beijo da impressora”, quando o rolo afasta-se da página e a página, agora preenchida com o tipo impresso, suspende-se.
Das 180 Bíblias de Gutenberg, restam apenas 49. Três estão no museu de Mainz. Um par delas – dispostas lado a lado e abertas ao mesmo texto – mostra a variedade de iluminação e arte que estava disponível para os nobres, comerciantes ricos e ordens religiosas, que foram os primeiros compradores deste presente alemão à civilização.
A Reforma não teria tido sucesso sem aquilo que Ernest Weidl chama de “as mãos ajudantes” de Lutero. Um lugar de destaque entre estes está reservado aos tipos móveis de Gutenberg e às inovações tipográficas. Poucos dias depois de um sermão de Luteroou de um tratado escrito a mão por ele, uma cópia impressa tornava-se disponível em formato de panfleto, cartaz ou xilografia, diz Weidl, de Augsburg, na Alemanha, professor aposentado que conduziu o passeio pelos sítios aqui relatados.
Weidl apontou para Cranach, para o prefeito de Wittenberg bem como para o seu principal agente, que divulgava os eventos dos reformadores através de retratos, xilogravuras e por meio do seu fácil acesso ao aristocratas e proprietários de terras. Ele fez notar também as contribuições da dinastia Saxe-Coburgo-Gota e o papel de Frederico, o Sábio e de seu sucessor, João, o Firme, promovendo as ideias de Luteroe protegendo-o contra as autoridades papais.
Os protestantes alemães não têm a intenção de canonizar Lutero, e estão bem cientes de suas faltas e diatribes não só contra Roma, mas também judeus e muçulmanos. “Nós não temos santos”, Weidl diz.
Mas mais tarde, nesse mesmo dia, o nosso guia confessou a necessidade de tê-los, quando um dos 43 peregrinos do grupo de excursão “Oportunidades Educacionais” desapareceu em Heidelberg. A cidade universitária é onde Lutero apresentou a sua visão das Escrituras a eremitas agostinianos e convidou os convivas para aquilo que veio a ser chamado de a Disputa de Heidelberg de 1518.

Uma placa na Universidade de Heidelberg comemora a Disputa de Heidelberg de 1518. (Wikimedia Commons/Anneyh)
Wiedl chama-a de “a cidade mais romântica da Alemanha”, cuja universidade está interligada com cada uma das ruas e foi destaque em um filme chamado “O Príncipe Estudante”. Entre 35 mil alunos e um número igual de turistas, não há lugar melhor na Alemanha a se maravilhar distanciado da multidão.
“Sou luterano a minha vida toda”, contou o guia ao nosso grupo. “Mas às 13h10 de hoje, me tornei católico romano, orando para Santo Antônio nos ajudar a encontrar a nossa passageira perdida”.
Santo Antônio sempre ajuda, disseram os poucos católicos que estavam no ônibus quando, duas horas depois, ele guiava a alma perdida para o seu assento. No mínimo um católico no ônibus se perguntou se Santo Antônio poderia ajudar com que luteranos e católicos se aproximem, talvez recebam a Ceia do Senhor na mesa um do outro, neste ano de lembrarmos Lutero e celebrarmos a misericórdia.

Militares, ciências, Educação Popular.

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