“Em 2015, o Orçamento original destinou ao Ministério da Educação 103 bilhões de reais, ao da Saúde 121 bilhões, ao do Desenvolvimento Social 75 bilhões, ao dos Transportes 20 bilhões. Somados ao déficit da Previdência daquele ano, de 86 bilhões de reais, os gastos chegariam a 405 bilhões. Os recursos destinados ao pagamento de juros no mesmo ano foram de 502 bilhões, quase 100 bilhões a mais que os orçamentos elencados”, informa Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, em artigo publicado por CartaCapital, 27-03-2017.
Segundo ele, “a carga fiscal no Brasil, apesar de um pouco inferior à média dos mais de 30 países da OCDE, tem quase um terço do seu valor direcionado aos juros nominais, o que aponta os perdedores e ganhadores do jogo dos descontentes, também conhecido como o concurso “você paga, mas não recebe”.
“As cabeças de aluguel – conclui o economista - corroboram a descrição de Adorno e Horkheimer: “O mundo em que tentamos sobreviver é uma prova diária da degeneração da razão ocidental, transformada em mero instrumento dos métodos de domínio e conquista”.
Eis o artigo.
O governo Temer conseguiu a proeza de juntar gregos, troianos e etruscos na caudalosa marcha dos adversários da reforma da Previdência. Disse um participante da manifestação em São Paulo: “Não se trata de esquerda ou direita, mas da defesa de direitos”.
No livro Il Colpo di Stato Di Banche e Governi: L’Attacco a La Democrazia in Europa, o sociólogo italiano Luciano Gallino denuncia as estratégias dos reformistas do financismo: “Por muito tempo, vocês viveram acima de seus meios, referindo-se à medicina gratuita, às pensões públicas excessivamente generosas, ensino gratuito ou financiado com taxas mínimas de inscrição.
Estas tecnologias de governabilidade buscam criar no maior número de pessoas um profundo sentimento de culpa, ao difundir a crença do ataque vampiresco dos menos favorecidos sobre o Orçamento do Estado”.
No Brasil, a opinião econômica, abrigada majoritariamente na grande mídia, utiliza a trajetória da dívida bruta e o desempenho fiscal para incriminar aposentados, trabalhadores e mães do Bolsa Família pelo “ataque” ao Orçamento público.
O leitor que tem a paciência de acompanhar nossos textos escritos em parceria com Gabriel Galípolo já está farto de saber: a economia brasileira exibiu, ao longo de 16 anos (1998 a 2013), superávits primários, o que não impediu o salto da dívida bruta do setor público, do patamar de 40% em 1998 para quase 58% do PIB em 2013, acompanhado da elevação de 6% na carga fiscal, também medida em relação ao PIB.
Em 2015, o Orçamento original destinou ao Ministério da Educação 103 bilhões de reais, ao da Saúde 121 bilhões, ao do Desenvolvimento Social 75 bilhões, ao dos Transportes 20 bilhões. Somados ao déficit da Previdência daquele ano, de 86 bilhões de reais, os gastos chegariam a 405 bilhões. Os recursos destinados ao pagamento de juros no mesmo ano foram de 502 bilhões, quase 100 bilhões a mais que os orçamentos elencados.
No ano da desgraça fiscal de 2016, mais de 90% do déficit nominal é devido ao pagamento de juros nominais, e não ao déficit primário. Os locatários de opinião argumentarão que os juros no Brasil figuram entre os maiores do mundo justamente pela ausência de espaço fiscal, por causa dos abusos do Estado brasileiro, um dos mais gastadores e endividados do mundo. Faltou combinar o discurso com os dados.
O World Economic Outlook do FMI compara os resultados primários apresentados por Rússia, Chile, Índia, China, Brasil, Indonésia, Polônia, México, Colômbia, Turquia e Alemanha.
Segundo o FMI, de 2007 a 2015, na média, a economia brasileira apresenta os maiores superávits primários entre os países da amostra. O período coincide com a propagandeada inauguração da nova matriz macroeconômica, “cujo desprezo pelo equilíbrio fiscal, sem precedentes na história e materializado em políticas populistas, teria nos levado ao abismo econômico atual”. Os corifeus do financismo que afirmam tais impropriedades, históricas e histéricas, pretendem acusar seus críticos e opositores de desonestidade intelectual.
A tentativa de inverter a relação de causalidade, responsabilizando a trajetória e o estoque da dívida pelos juros altos (e não o inverso), também não encontra amparo empírico. Diversos países apresentam relações dívida/PIB muito superiores ao Brasil e praticam taxas de juro muito inferiores à Selic.
O governo japonês deve duas vezes e meia o PIB de sua economia, Estados Unidos e Reino Unido em torno de 100% dos seus PIBs, a Grécia deve aproximadamente 170% do seu PIB, enquanto o Brasil detém uma dívida bruta inferior a 70% do seu PIB. Ainda assim, essas economias despendem com juros menos da metade dos 10% do PIB revertidos pelo Brasil aos detentores da dívida pública.
Como demostra Min Zhu, deputy managing director do FMI, após a crise de 2008, tanto desenvolvidos quanto emergentes reduziram drasticamente suas taxas de juro. Alguns elevaram suas taxas a partir de 2010. No entanto, o Brasil está isolado no movimento de praticamente dobrar a taxa de juros (de 7,25% para 14,25%) a partir de 2013, em plena desaceleração da economia mundial.
A carga fiscal no Brasil, apesar de um pouco inferior à média dos mais de 30 países da OCDE, tem quase um terço do seu valor direcionado aos juros nominais, o que aponta os perdedores e ganhadores do jogo dos descontentes, também conhecido como o concurso “você paga, mas não recebe”.
As cabeças de aluguel corroboram a descrição de Adorno e Horkheimer: “O mundo em que tentamos sobreviver é uma prova diária da degeneração da razão ocidental, transformada em mero instrumento dos métodos de domínio e conquista”.
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