É inútil usar eufemismos: o protesto deste domingo contra os políticos fracassou. Os mesmos que no ano passado tinham levado às ruas quase dois milhões de pessoas Brasil afora para pedir a saída de Dilma Rousseff e brandiram o “Fora Lula” e o “Fora PT”, junto com “Somos Moro”, desta vez preferiram ficar em casa vendo os acontecimentos de longe. O motivo agora será estudado pelos analistas políticos. Talvez concordem em parte com o que já apontamos nesta coluna, em 16 de fevereiro passado, quando alertamos que os novos protestos de hoje “poderiam ter um efeito bumerangue”, já que desta vez carregavam em seu seio “o veneno da ambiguidade”.
O comentário é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 26-03-2017.
A sociedade costuma sair à rua quando existe uma motivação forte e clara que afeta pelo menos uma parte representativa dela. Foi o caso das multidões em favor do impeachment de Dilma. O país estava assustado com a crise econômica. A inflação tinha disparado, o desemprego corria solto e as famílias começavam a se endividar. E a Lava Jato estava deixando às claras a podridão da corrupção política.
Como disse uma senhora de idade, entre as poucas pessoas que saíram desta vez no Rio, “não havia coisas específicas” contra as quais protestar. Desta vez, de fato, os motivos eram de engenharia política, como a lista fechada nas eleições, o foro privilegiado e a mais geral, uma “reforma da política”. Faltava o sujeito da narrativa. Poderia ter sido o “fora Temer”, mas a economia não está pior e até pode melhorar. A inflação está caindo e o país, ainda que as tropeções, saindo da longa recessão. E a Lava Jato continua investigando e prendendo políticos e empresários.
Não é que os temas do protesto não fossem objetivamente importantes. Eram, já que a reforma política, o não aos privilégios acumulados pelos políticos que acabam sempre enriquecendo, o perigo no Brasil de votar em listas fechadas e a continuidade da Lava Jato são cruciais para revitalizar a política agora colocada no banco de reservas. Os temas políticos sem um sujeito concreto falam, no entanto, menos aos brasileiros, já que como me dizia hoje na rua uma estudante de Direito, “não somos politizados como são na Europa ou na Argentina, neste mesmo continente”.
O problema agora é o que pode representar o fracasso da manifestação para uma classe política em busca de desculpas para se auto-anistiar e se perpetuar no poder. Poderia ser um cheque em branco para respirar aliviados e tentar dar o golpe mortal à Lava Jato. “Se for assim, então as pessoas voltarão a sair à rua”, me diz um amigo jornalista. Talvez, mas também é possível que já seja tarde demais. Apesar de ter razão em parte, já que a sociedade brasileira tem hoje mais consciência de que a política precisa de uma mudança radical se quiser salvar a democracia e que a justiça deve ser igual para todos. É uma sociedade que, ainda sem sair à rua, continua atenta ao que o Congresso e os grandes partidos políticos possam estar tramando, desta vez nem sequer na sombra, mas à luz do dia.
A grande manifestação popular será, no entanto, em outubro do próximo ano, quando 140 milhões de brasileiros poderão ir às urnas e escolher o novo ou nova presidente e a nova classe política. Essa será a hora da verdade.
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