Para a grande maioria, o Papa Francisco é o rosto da compaixão do catolicismo hoje.
Ele resgatou refugiados, abriu as portas do Vaticano aos sem-teto e disse aos católicos que não há pecado que Deus não perdoe.
Mas há algo mais que tem chamado a atenção para o pontífice argentino nos últimos dias: a disposição de mostrar a que veio e estabelecer as regras.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por Religion News Service, 19-06-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Debaixo da face de compaixão do Papa, há um lado de aço, que ele lança mão principalmente em relação a sacerdotes, bispos ou cardeais que ele sente que estão prejudicando a missão da Igreja.
Isso ficou evidente no início deste mês, quando o Papa repreendeu duramente os sacerdotes da Diocese de Ahiara na Nigéria. Os sacerdotes se recusaram a aceitar a nomeação de 2012 de um bispo de outro clã.
Ao encontrar-se com o clero de Ahiara, ele ordenou que cada um dos sacerdotes se desculpasse por escrito, prometesse "total obediência" ao papado e aceitasse quem quer que fosse designado para a liderança a diocese.
Para completar, ele disse aos sacerdotes que se eles não enviarem a carta dentro de 30 dias, eles serão automaticamente suspensos. A disciplina papal não tem como ser muito mais rígida que isso.
O Papa ficou furioso porque as diferenças entre clãs estavam sendo colocadas antes da unidade e da missão da Igreja. Se há uma coisa que Francisco realmente não gosta, é que a Igreja seja usada para agendas políticas, sectárias ou tribais.
"Considerar Francisco 'bonzinho’ é um ledo engano", disse um dos seus assessores. O Papa, ele explicou, é uma pessoa "radical" que tem uma missão.
Um dia depois, em 9 de junho, Francisco foi duro novamente. O Vaticano anunciou que o Papa havia aceitado a saída do arcebispo Alfredo Zecca de Tucumán, na Argentina, por razões de saúde.
A carta afirmava que, aos 68 anos, ele não se aposentaria antes do previsto simplesmente, mas permaneceria como arcebispo "titular", o que significa que, tecnicamente, ele ainda tem que servir.
Isso foi alguma punição? Zecca teria chateado o Papa por não ter defendido um de seus padres, Juan Viroche, uma voz forte contra traficantes locais.
Em outubro, Viroche foi encontrado enforcado, mas Zecca resistiu aos pedidos de que fosse colocada uma placa em sua homenagem na paróquia de Viroche. Pelo contrário, ele acreditou na versão oficial de que Viroche havia se suicidado. Muitos moradores locais suspeitam que o suicídio tenha sido encenado.
Em ambas as ocasiões percebe-se que Francisco tem uma verdadeira aversão à hipocrisia. O Papa já criticou os cristãos que levam uma "vida dupla" várias vezes, argumentando que é melhor ser ateu do que ser um "católico hipócrita", que condena os outros, mas não pratica o que prega.
Ao contrário, o Papa quer uma Igreja inclusiva. Ele quer que os líderes católicos sejam pacifistas em suas sociedades e possam "atacar as feridas" da divisão. Ver um bispo fazendo o contrário ferveu seu sangue.
Há 18 meses, durante uma visita à África, Francisco fez um apelo no Quênia contra o "espírito do mal" que "nos leva à falta de unidade". Em observações não escritas durante uma reunião com jovens em Nairobi, o Papa pediu que eles dessem as mãos como "sinal contra o mal do tribalismo".
O Papa também demonstrou seu lado severo ao agir contra os Cavaleiros de Malta, uma antiga ordem cavalheirista católica, depois de seu então líder, Matthew Festing, ser acusado de despedir indevidamente um assistente idoso em um conflito sobre a distribuição de preservativos em projetos de saúde para os pobres.
Quando o Papa anunciou uma investigação sobre o assunto, a disputa fervilhou em um guerra fria entre Francisco e os que se opuseram à direção de seu papado, com o cardeal Raymond Burke - um dos críticos mais ferozes do Papa, que tinha sido considerado a ligação do Vaticano com a ordem -, com um papel fundamental na saga. O Papa venceu.
Em relação a repreensões, vale a pena lembrar que Francisco é um jesuíta, membro de uma ordem religiosa fundada pelo ex-soldado Santo Inácio de Loyola, que incorporou princípios militares em sua governança interna. Uma delas é a obediência.
Relativamente jovem, aos 36 anos, Jorge Bergoglio liderou os jesuítas na Argentina, período em que ele mais tarde confessou ter cometido erros devido a uma "maneira autoritária e rápida de tomar decisões".
Embora muito tenha mudado desde então, parte dele ainda desempenha o papel de superior religioso.
Esta semana, vazou uma carta que revelava que o Papa quer que os cardeais que moram em Roma o informem quando saírem da cidade e para onde vão.
Escrita pelo cardeal Angelo Sodano, decano do Colégio dos Cardeais, a carta pede que os prelados reavivem esta "nobre tradição" de informar o papado e o Vaticano sobre sua movimentação, principalmente por longos períodos.
Tal prática seria rotina para qualquer padre ou religioso morando em um mosteiro, convento ou seminário, mas mostra que o Papa quer responsabilidade de seus conselheiros mais próximos. Também é taticamente inteligente, pois garante que o Papa saiba se algum cardeal sair para alguma grande palestra ou fala que possa ser crítica para seu papado.
Durante todo o seu papado, Francisco procurou governar a Igreja colegialmente, criando um corpo consultivo de cardeais que se reuniu em Roma pela vigésima vez dessa semana.
Eles discutiram como delegar mais poder às igrejas locais, e o Vaticano também anunciou que queria ouvir a opinião dos jovens antes da grande reunião da Igreja para os jovens que acontecerá em 2018.
Seus defensores argumentam que o Papa precisa ser duro para implementar as reformas da Igreja, pois ele está enfrentando oposições internas.
A ironia, no entanto, é que para trazer o lado da Igreja mais misericordioso e centrado nas pessoas que ele tanto deseja, Francisco está tendo que exercer uma autoridade firme no processo.
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