É um dos escritores estadunidenses mais lidos nos Estados Unidos. Colunista do The New York Times e da Time, ele intervém frequentemente na Fox News e na NBC. Escreve livros de espiritualidade. O padre jesuíta James Martin, principal consultor do novo filme de Martin Scorsese, “Silêncio”, publicou recentemente um novo livro explosivo: Building a Bridge [Construindo uma ponte], dedicado à acolhida das pessoas LGBT.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 08-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No prefácio do livro, o cardeal Kevin Farrell, prefeito do dicastério vaticano para os Leigos, a Família e a Vida, escreve: “Um livro bem-vindo e muito necessário que vai ajudar os bispos, os sacerdotes, os agentes de pastoral e todas as lideranças da Igreja a desempenhar um ministério mais compassivo para a comunidade LGBT. O livro também vai ajudar os católicos LGBT a se sentirem mais em casa naquela que é, afinal de contas, a sua Igreja”.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 08-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No prefácio do livro, o cardeal Kevin Farrell, prefeito do dicastério vaticano para os Leigos, a Família e a Vida, escreve: “Um livro bem-vindo e muito necessário que vai ajudar os bispos, os sacerdotes, os agentes de pastoral e todas as lideranças da Igreja a desempenhar um ministério mais compassivo para a comunidade LGBT. O livro também vai ajudar os católicos LGBT a se sentirem mais em casa naquela que é, afinal de contas, a sua Igreja”.
Eis a entrevista.
Pe. Martin, por que escrever um livro dedicado à acolhida das pessoas LGBT?
Por muitos anos, eu conduzi um ministério informal com as pessoas homossexuais e transexuais (LGBT), especialmente em conversas e na direção espiritual. Mas, depois dos massacres em uma boate gay em Orlando, Flórida, no ano passado, quando 49 pessoas foram mortas, eu senti que tinha chegado o momento de ser mais público no apoio à comunidade LGBT. Do meu ponto de vista, as pessoas LGBT são, hoje, o grupo mais marginalizado na Igreja Católica, e, por isso, eu quis tentar construir uma ponte entre a comunidade LGBT e a Igreja institucional, utilizando os instrumentos mencionados no Catecismo – as virtudes do respeito, a compaixão e a sensibilidade. Mas a razão mais fundamental para acolher as pessoas LGBT é que o ministério de Jesus foi a acolhida a todos, e todos deveriam se sentir bem-vindos na nossa Igreja.
Na sua opinião, o que as pessoas homossexuais querem da Igreja?
A mesma coisa que todos querem, sentir-se em casa. Devemos lembrar que, por causa do seu batismo, os católicos LGBT já fazem parte da Igreja, assim como o papa, o bispo local ou eu. A Igreja é a sua casa, mas, às vezes, não age como tal. Às vezes, ela age como uma fortaleza projetada para mantê-los do lado de fora.
Se Jesus estivesse vivo hoje, como se comportaria com os homossexuais?
Durante o seu ministério público, Jesus muitas vezes frequentava aqueles que se encontravam às margens, nas “periferias”, como diz o Papa Francisco. Basta considerar algumas pessoas que ele conheceu durante o seu ministério público: um centurião romano, um cobrador de impostos, uma samaritana. Jesus vai constantemente às periferias, movendo os seus discípulos cada vez mais para o lado de fora, e trazendo cada vez mais para dentro aqueles que estão fora. Aqueles que estão dentro são encorajados a sair; e aqueles que estão fora são acolhidos. Então, na minha opinião, o primeiro grupo de católicos que Jesus iria buscar hoje são os mais marginalizados: as pessoas LGBT.
O Catecismo da Igreja Católica diz basicamente duas coisas sobre as pessoas homossexuais: que elas devem ser acolhidas, mas, ao mesmo tempo, pede que elas vivam castamente. Não é uma contradição?
Para muitas pessoas LGBT, parece uma contradição. Para mim, não é. Muitas pessoas LGBT já vivem como célibes – aquelas que não fazem parte de uniões homossexuais, aquelas que não estão em relacionamentos de longo prazo e aquelas que não têm relações com outras pessoas. No entanto, persistimos perguntando se deveríamos acolhê-las. É claro que devemos: são católicos. E, mesmo quando as pessoas não vivem em situações regulares, elas deveriam ser acolhidas mesmo assim. Porque a Igreja é uma Igreja de pecadores amados por Deus. Todos nós somos pecadores necessitados de misericórdia. Mas o ponto principal é este: por alguma razão, são apenas as pessoas LGBT que têm as suas vidas postas sob a lente do microscópio. Nós as submetemos a um controle que nenhum outro grupo é forçado a enfrentar. E essa é uma espécie de discriminação, a meu ver.
Você acredita que a homofobia está presente na Igreja?
Certamente, trata-se também de homofobia. Hoje, esse é um dos principais pecados da Igreja. Ouvi inúmeras histórias de católicos LGBT insultados pelos seus padres, em pessoa ou no púlpito, aos quais foi até pedido que deixassem a paróquia. É algo extraordinariamente doloroso de se ouvir. Grande parte disso deriva do medo. Medo da pessoa que não entendemos. Medo da pessoa que não encontramos. Medo da pessoa que vemos de acordo com estereótipos. Isso dificulta amar. São Paulo disse: “O amor perfeito exclui o medo”. Por outro lado, um medo perfeito impossibilita amar.
Alguns criticaram o fato de que um cardeal da Cúria Romana lhe dedicou o prefácio do livro. Por quê?
Não surpreende que algumas pessoas tenham criticado o prefácio de um cardeal. E, a propósito, eu fiquei muito grato pela aprovação do cardeal Farrell e do cardeal Tobin. Mas, como já disse, há grande medo e incompreensão em torno dos católicos LGBT. Tudo isso é irônico, porque o meu livro é bastante moderado. Ele não desafia nenhum ensinamento da Igreja, e a base do livro é o Catecismo, que nos pede para tratar as pessoas LGBT com “respeito, compaixão e sensibilidade”. Portanto, se alguém tem um problema a esse respeito, então tem um problema não com o meu livro, mas com o Catecismo da Igreja Católica. Se eles têm um problema com o fato de não julgar as pessoas LGBT como pessoas, então eles têm um problema com o Papa Francisco. E, se eles têm um problema com o amor, a misericórdia e a compaixão, então eles têm um problema com Jesus.
Por que a direita católica critica quem fala de acolhida aos homossexuais?
Essa é uma ótima pergunta. Eu acho que, talvez, eles pensem que “acolher” significa que se deve estar de acordo com tudo o que qualquer pessoa LGBT diz ou faz, o que não é verdade. Ninguém diz que, quando “acolhemos” os líderes empresariais católicos, por exemplo, devemos concordar com tudo o que eles fazem nos seus negócios, ou com todo valor do mundo empresarial, ou com tudo o que cada líder empresarial já disse ou fez. Portanto, há um grande equívoco. Mas devemos admitir que grande parte disso deriva da homofobia, que deriva do fato de não conhecer muito bem as pessoas LGBT. Às vezes, quando me criticam, eu pergunto: “O que os seus amigos LGBT dizem?”. E eles não podem responder, porque, muitas vezes, não conhecem pessoas LGBT. É bastante triste, na minha opinião.
Jesus disse que, no céu, as prostitutas vão nos preceder. Podemos dizer que muitos santos podem ser gays?
Em primeiro lugar, não quero comparar as pessoas LGBT com as prostitutas, porque a questão é diferente. Muitas pessoas LGBT levam uma vida santa. Por exemplo, um amigo gay meu, por muitos anos, cuidou do seu parceiro, que tem uma grave doença incurável. Esse é um caminho para a santidade. E, certamente, há santos canonizados pela Igreja que tinham uma orientação homossexual. Isso não significa que fossem sexualmente ativos, mas apenas que alguns deles tinham uma orientação homossexual. Se uma certa porcentagem da humanidade nasce gay, então uma certa porcentagem dos santos também deve ter sido gay. Quais santos? É impossível dizer. Mas muitos daqueles que são contra a acolhida às pessoas LGBT provavelmente ficarão surpresos quando chegarem ao céu e forem acolhidos por esses santos LGBT.
Que fato do evangelho se aproxima mais da ideia da acolhida às pessoas LGBT?
Para mim, a história de Zaqueu, no Evangelho de Lucas (19, 1-10) é uma passagem importante a se considerar. Zaqueu era o chefe dos cobradores de impostos em Jericó, uma posição que o colocava na situação de pecador público em Jericó. Zaqueu subiu no sicômoro, tentando ver “quem era Jesus”, enquanto Jesus passava. Portanto, a figura de Zaqueu é muito similar à pessoa LGBT hoje: tentam ver quem é Jesus, tentam se aproximar de Jesus, mas são considerados pecadores públicos e devem fazer um longo caminho para se aproximar dele. E como Jesus trata Zaqueu? Ele não grita “pecador!”. Não, ele lhe diz: “Hoje, devo ir à sua casa”. Jesus lhe oferece um sinal de acolhida pública. Em resposta, Zaqueu fica tão feliz a ponto de se oferecer para pagar todos os seus credores e, depois, ocorre uma conversão nele. Naturalmente, o povo de Jericó “murmurou” sobre a escandalosa acolhida feita por Jesus, como hoje as pessoas “murmuram” quando se fala de acolher as pessoas LGBT. Para Jesus, primeiro vem a comunidade, depois a conversão. E todos somos chamados à conversão. Mas, para Jesus, não há ninguém que seja “outro”. Não há um “nós” e um “eles”. Há apenas um “nós”. Esse é o coração da acolhida.
Por muitos anos, eu conduzi um ministério informal com as pessoas homossexuais e transexuais (LGBT), especialmente em conversas e na direção espiritual. Mas, depois dos massacres em uma boate gay em Orlando, Flórida, no ano passado, quando 49 pessoas foram mortas, eu senti que tinha chegado o momento de ser mais público no apoio à comunidade LGBT. Do meu ponto de vista, as pessoas LGBT são, hoje, o grupo mais marginalizado na Igreja Católica, e, por isso, eu quis tentar construir uma ponte entre a comunidade LGBT e a Igreja institucional, utilizando os instrumentos mencionados no Catecismo – as virtudes do respeito, a compaixão e a sensibilidade. Mas a razão mais fundamental para acolher as pessoas LGBT é que o ministério de Jesus foi a acolhida a todos, e todos deveriam se sentir bem-vindos na nossa Igreja.
Na sua opinião, o que as pessoas homossexuais querem da Igreja?
A mesma coisa que todos querem, sentir-se em casa. Devemos lembrar que, por causa do seu batismo, os católicos LGBT já fazem parte da Igreja, assim como o papa, o bispo local ou eu. A Igreja é a sua casa, mas, às vezes, não age como tal. Às vezes, ela age como uma fortaleza projetada para mantê-los do lado de fora.
Se Jesus estivesse vivo hoje, como se comportaria com os homossexuais?
Durante o seu ministério público, Jesus muitas vezes frequentava aqueles que se encontravam às margens, nas “periferias”, como diz o Papa Francisco. Basta considerar algumas pessoas que ele conheceu durante o seu ministério público: um centurião romano, um cobrador de impostos, uma samaritana. Jesus vai constantemente às periferias, movendo os seus discípulos cada vez mais para o lado de fora, e trazendo cada vez mais para dentro aqueles que estão fora. Aqueles que estão dentro são encorajados a sair; e aqueles que estão fora são acolhidos. Então, na minha opinião, o primeiro grupo de católicos que Jesus iria buscar hoje são os mais marginalizados: as pessoas LGBT.
O Catecismo da Igreja Católica diz basicamente duas coisas sobre as pessoas homossexuais: que elas devem ser acolhidas, mas, ao mesmo tempo, pede que elas vivam castamente. Não é uma contradição?
Para muitas pessoas LGBT, parece uma contradição. Para mim, não é. Muitas pessoas LGBT já vivem como célibes – aquelas que não fazem parte de uniões homossexuais, aquelas que não estão em relacionamentos de longo prazo e aquelas que não têm relações com outras pessoas. No entanto, persistimos perguntando se deveríamos acolhê-las. É claro que devemos: são católicos. E, mesmo quando as pessoas não vivem em situações regulares, elas deveriam ser acolhidas mesmo assim. Porque a Igreja é uma Igreja de pecadores amados por Deus. Todos nós somos pecadores necessitados de misericórdia. Mas o ponto principal é este: por alguma razão, são apenas as pessoas LGBT que têm as suas vidas postas sob a lente do microscópio. Nós as submetemos a um controle que nenhum outro grupo é forçado a enfrentar. E essa é uma espécie de discriminação, a meu ver.
Você acredita que a homofobia está presente na Igreja?
Certamente, trata-se também de homofobia. Hoje, esse é um dos principais pecados da Igreja. Ouvi inúmeras histórias de católicos LGBT insultados pelos seus padres, em pessoa ou no púlpito, aos quais foi até pedido que deixassem a paróquia. É algo extraordinariamente doloroso de se ouvir. Grande parte disso deriva do medo. Medo da pessoa que não entendemos. Medo da pessoa que não encontramos. Medo da pessoa que vemos de acordo com estereótipos. Isso dificulta amar. São Paulo disse: “O amor perfeito exclui o medo”. Por outro lado, um medo perfeito impossibilita amar.
Alguns criticaram o fato de que um cardeal da Cúria Romana lhe dedicou o prefácio do livro. Por quê?
Não surpreende que algumas pessoas tenham criticado o prefácio de um cardeal. E, a propósito, eu fiquei muito grato pela aprovação do cardeal Farrell e do cardeal Tobin. Mas, como já disse, há grande medo e incompreensão em torno dos católicos LGBT. Tudo isso é irônico, porque o meu livro é bastante moderado. Ele não desafia nenhum ensinamento da Igreja, e a base do livro é o Catecismo, que nos pede para tratar as pessoas LGBT com “respeito, compaixão e sensibilidade”. Portanto, se alguém tem um problema a esse respeito, então tem um problema não com o meu livro, mas com o Catecismo da Igreja Católica. Se eles têm um problema com o fato de não julgar as pessoas LGBT como pessoas, então eles têm um problema com o Papa Francisco. E, se eles têm um problema com o amor, a misericórdia e a compaixão, então eles têm um problema com Jesus.
Por que a direita católica critica quem fala de acolhida aos homossexuais?
Essa é uma ótima pergunta. Eu acho que, talvez, eles pensem que “acolher” significa que se deve estar de acordo com tudo o que qualquer pessoa LGBT diz ou faz, o que não é verdade. Ninguém diz que, quando “acolhemos” os líderes empresariais católicos, por exemplo, devemos concordar com tudo o que eles fazem nos seus negócios, ou com todo valor do mundo empresarial, ou com tudo o que cada líder empresarial já disse ou fez. Portanto, há um grande equívoco. Mas devemos admitir que grande parte disso deriva da homofobia, que deriva do fato de não conhecer muito bem as pessoas LGBT. Às vezes, quando me criticam, eu pergunto: “O que os seus amigos LGBT dizem?”. E eles não podem responder, porque, muitas vezes, não conhecem pessoas LGBT. É bastante triste, na minha opinião.
Jesus disse que, no céu, as prostitutas vão nos preceder. Podemos dizer que muitos santos podem ser gays?
Em primeiro lugar, não quero comparar as pessoas LGBT com as prostitutas, porque a questão é diferente. Muitas pessoas LGBT levam uma vida santa. Por exemplo, um amigo gay meu, por muitos anos, cuidou do seu parceiro, que tem uma grave doença incurável. Esse é um caminho para a santidade. E, certamente, há santos canonizados pela Igreja que tinham uma orientação homossexual. Isso não significa que fossem sexualmente ativos, mas apenas que alguns deles tinham uma orientação homossexual. Se uma certa porcentagem da humanidade nasce gay, então uma certa porcentagem dos santos também deve ter sido gay. Quais santos? É impossível dizer. Mas muitos daqueles que são contra a acolhida às pessoas LGBT provavelmente ficarão surpresos quando chegarem ao céu e forem acolhidos por esses santos LGBT.
Que fato do evangelho se aproxima mais da ideia da acolhida às pessoas LGBT?
Para mim, a história de Zaqueu, no Evangelho de Lucas (19, 1-10) é uma passagem importante a se considerar. Zaqueu era o chefe dos cobradores de impostos em Jericó, uma posição que o colocava na situação de pecador público em Jericó. Zaqueu subiu no sicômoro, tentando ver “quem era Jesus”, enquanto Jesus passava. Portanto, a figura de Zaqueu é muito similar à pessoa LGBT hoje: tentam ver quem é Jesus, tentam se aproximar de Jesus, mas são considerados pecadores públicos e devem fazer um longo caminho para se aproximar dele. E como Jesus trata Zaqueu? Ele não grita “pecador!”. Não, ele lhe diz: “Hoje, devo ir à sua casa”. Jesus lhe oferece um sinal de acolhida pública. Em resposta, Zaqueu fica tão feliz a ponto de se oferecer para pagar todos os seus credores e, depois, ocorre uma conversão nele. Naturalmente, o povo de Jericó “murmurou” sobre a escandalosa acolhida feita por Jesus, como hoje as pessoas “murmuram” quando se fala de acolher as pessoas LGBT. Para Jesus, primeiro vem a comunidade, depois a conversão. E todos somos chamados à conversão. Mas, para Jesus, não há ninguém que seja “outro”. Não há um “nós” e um “eles”. Há apenas um “nós”. Esse é o coração da acolhida.
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