THINK TANKS
As bases e o ‘habitat’ da nova direita
Na segunda matéria sobre novos atores que ganham relevância no cenário político brasileiro, o papel dos 'think tanks' e a importância das redes sociais
por Glauco Faria e Luciano Velleda, para a RBA publicado 15/05/2017 19h35, última modificação 16/05/2017 11h53
REPRODUÇÃO
Cena de um dos vídeos do Instituto Millenium, um dos principais think tanks da direita brasileria
São Paulo – O Instituto Liberal, entidade presidida pelo economista e ex-colunista da revista Veja Rodrigo Constantino e que tem Bernardo Santoro como diretor-executivo, é tido como um dos principais think tanks brasileiros. A expressão inglesa designa as organizações ou instituições que produzem e divulgam conhecimento com o objetivo de influenciar mudanças sociais, políticas e econômicas. O papel desempenhado por entidades como Instituto Millenium, Mises Brasil e Estudantes pela Liberdade ajuda a entender melhor o atual estágio do liberalismo no país e as suas bases.
Na página de abertura do site Estudantes pela Liberdade (EPL) há um ícone onde se lê: “Receba recursos do Fundo Donald Stewart Jr”. O atraente convite tem potencial para desenrolar um extenso novelo sobre a origem, o desenvolvimento e o crescimento da ideologia liberal no Brasil. Apesar do nome em inglês, Donald Stewart Jr. foi um engenheiro civil carioca, fundador do Instituto Liberal, em 1983, a primeira entidade a divulgar de modo sistemático as ideias desse campo no país.
“O trabalho inicial do Instituto se concentrou por algum tempo na tradução, edição e publicação de livros e panfletos, já que eram muito poucos os textos sobre liberalismo existentes no Brasil”, explica o próprio site do Instituto Liberal. Em 1984, nasceu no Rio Grande do Sul o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), organização composta na ocasião por jovens empresários, entre eles William Ling, do grupo Évora. Apenas quatro anos depois, em 1988, o IEE criou o Fórum pela Liberdade, tradicional evento de debate político e econômico que, em 2017, realizou sua 30° edição tendo como astro o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB).
Wiston Ling, também do grupo Évora e irmão de William, é o fundador do Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul, entidade que nasceu como uma expansão regional do Instituto Liberal de Stewart Jr. e depois passou a ter vida própria. Seu filho, Anthony Ling, é por sua vez um dos fundadores do Estudantes pela Liberdade, ao lado de Juliano Torres e Fábio Ostermann. O grupo surgiu em 2012 com a missão de “desenvolver nos estudantes seu potencial máximo de liderança”.
Em junho de 2013, a efervescência das manifestações que tomaram conta do país também mexeu com o brio dos membros do Estudantes pela Liberdade (EPL). Porém, como a entidade recebia financiamento de organizações estrangeiras, seus integrantes não podiam levar às ruas a bandeira EPL. Para contornar o empecilho, tiveram então a singela ideia de criar uma marca apenas para participar das manifestações que sacudiam o Brasil: nascia assim o Movimento Brasil Livre (MBL).
“Quando teve os protestos em 2013 pelo Passe Livre, vários membros do Estudantes pela Liberdade queriam participar, só que, como a gente recebe recursos de organizações como a Atlas e a Students for Liberty, por uma questão de imposto de renda lá, eles não podem desenvolver atividades políticas. Então a gente falou: ‘Os membros do EPL podem participar como pessoas físicas, mas não como organização para evitar problemas. Aí a gente resolveu criar uma marca, não era uma organização, era só uma marca para a gente se vender nas manifestações como Movimento Brasil Livre. Então juntou eu, Fábio [Ostermann], juntou o Felipe França, que é de Recife e São Paulo, mais umas quatro, cinco pessoas, criamos o logo, a campanha de Facebook. E aí acabaram as manifestações, acabou o projeto. E a gente estava procurando alguém para assumir, já tinha mais de 10 mil likes na página, panfletos. E aí a gente encontrou o Kim [Kataguiri] e o Renan [Haas], que afinal deram uma guinada incrível no movimento com as passeatas contra a Dilma e coisas do tipo. Inclusive, o Kim é membro da EPL, então ele foi treinado pela EPL também. E boa parte dos organizadores locais são membros do EPL. Eles atuam como integrantes do Movimento Brasil Livre, mas foram treinados pela gente, em cursos de liderança”, disse Juliano Torres, diretor-executivo do Estudantes pela Liberdade (EPL), em entrevista concedida à Agência Pública em 2015.
As organizações Atlas e Students for Liberty citadas por Juliano Torres como financiadoras do Estudantes pela Liberdade são dois think tanks estadunidenses de peso na propagação da ideologia liberal não só nos Estados Unidos como na América Latina e em diversos países, incluindo a formação de novos e jovens líderes. “São poucos os analistas que conhecem o papel dos think tanks, mas são eles que facilitam a circulação de recursos, espaços físicos e mesmo virtuais, não só recursos financeiros como pessoais, muitas vezes com gente de fora, dos Estados Unidos, da Alemanha, Espanha”, explica Camila Rocha, doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
O fio do novelo que envolve essas organizações, movimentos e partidos da nova direita, chega até o argentino Alejandro Chafuen, presidente da Atlas Network. Em 2015, ele passou por Porto Alegre e participou das manifestações pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Na ocasião, publicou no Facebook uma foto ao lado de Fábio Ostermann. Naquele ano, ao lado do colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, coautor do livro Manual do perfeito idiota latino-americano, Chafuen participou do Fórum da Liberdade, em Porto Alegre.
Foi no mesmo Fórum da Liberdade, em 2006, que foi lançado o Instituto Millenium, desde então uma das organizações mais influentes do liberalismo brasileiro. Em sua página na internet, o instituto se define como “entidade sem fins lucrativos e sem vinculação político-partidária com sede no Rio de Janeiro. Formado por intelectuais e empresários, o think tank promove valores e princípios que garantem uma sociedade livre, como liberdade individual, direito de propriedade, economia de mercado, democracia representativa, Estado de Direito e limites institucionais à ação do governo”.
Entre seus patrocinadores estão a Gerdau, a Pottencial Seguradora, a editora Abril, o Bank of America Merrill Lynch e o grupo Évora. Hélio Beltrão, do grupo Ultra, também é um dos fundadores do Instituto Millenium, ainda que o empresário tenha a sua própria entidade, o Mises Brasil, “associação voltada à produção e à disseminação de estudos econômicos e de ciências sociais que promovam os princípios de livre mercado e de uma sociedade livre”, segundo o próprio site do instituto.
É como decorrência das teorias econômicas de Ludwig von Mises, da chamada Escola Austríaca, que surgiu a frase muitas vezes vista nas manifestações pró-impeachment e proferida por alguns líderes dos novos movimentos direitistas: “Menos Marx e mais Mises”.
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