O BRASIL NÃO É um país de metáforas, costuma dizer uma amiga. Por aqui, mar de lama são resíduos de barragem rompida, zica é questão de saúde pública e o partido da Ponte para o Futuro é o mesmo que derruba ciclovia em sua administração.Desta vez a não metáfora é uma manchete de portal: “Brasília está em chamas”.
E não só porque, um ano depois do impeachment, a capital é o cartão-postal de um país longe de ser pacificado, como garantiam os arquitetos da nova (nova?) ordem. Ou porque uma rebelião de partidos aliados promete deixar um presidente rejeitado pela opinião pública sangrando sozinho enquanto tenta, de forma patética, se defender da acusação de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa. Ou porque um (outro) auxiliar do mandatário está preso junto com dois ex-governadores acusados de desvios nas obras do estádio Mané Garrincha, um elefante branco que recebeu mais recursos do que torcedores após a Copa do Mundo de inaceitáveis 12 sedes. Ou porque o Congresso tenta aprovar na marra as reformas igualmente rejeitadas pela população que não escolheu a agenda adotada pelo presidente que não foi eleito para o posto.
Brasília ficou literalmente em chamas após mais de 35 mil manifestantes se reunirem contra o governo e as reformas Trabalhista e da Previdência. Até onde se sabe, um grupo com cerca de 50 pessoas, após confusão com a polícia, promoveu quebra-quebra, incendiou os ministérios da Agricultura, da Fazenda e da Cultura e depredou outros dois prédios, segundo o UOL. Todos os prédios da Esplanada foram evacuados, e as imagens de documentos em chamas e de vidraças, persianas, paradas de ônibus, placas de trânsito, orelhões, banheiros químicos arrebentados no entorno de Brasília se espalharam como num rastilho.
Michel Temer decretou ação de garantia de lei e da ordem e, como se confirmasse o delírio de saudosos da ditadura que se multiplicaram em outras manifestações recentes pelo país, tropas federais cercaram o Palácio do Planalto e o Itamaraty.
A ação acontece no pior momento do governo Temer, que nos últimos dias parecia finalmente unificar a nação no sentido da rejeição.
Quem até ontem era chamado de revanchista por gritar “Fora, Temer” e acusar o chamado golpe parlamentar ganhava a companhia de parte da opinião pública que fatalmente acompanhou revoltada a escalada do noticiário contra um governo cercado por delinquentes de todo tipo.
Acuado e prestes a cair de maduro, Temer fatalmente usará as cenas como argumento político da ordem (a que ajudou a degringolar) contra o caos – este supostamente provocado por partidários interessados em sua queda. Sabe que, em boa parte da opinião pública, apenas o medo da “baderna”, citada há pouco pelo seu ministro da Defesa, Raul Jungmann, é maior do que a sua rejeição.
Em seu pronunciamento, o ministro justificou a convocação das tropas federais dizendo que a marcha, “prevista como pacífica, degringolou para a violência, desrespeito, ameaça às pessoas”. Segundo ele, “o presidente da República faz questão de ressaltar que é inaceitável a baderna e o descontrole. E que ele não permitirá que atos como esse venham a turbar um processo que se desenvolve de forma democrática e com respeito às instituições”.
Sem força política, Temer ganhou uma brecha para fazer o que governantes impopulares fazem nas horas de desespero: apelar para o medo. Não faltará quem veja nessa brecha a chance de alimentar o seu próprio Reichstag. O mais provável, porém, é que as cenas do incêndio e da pancadaria em Brasília sirvam como epígrafe de um governo que prometeu pacificar o país e o devolveu em chamas.
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