'Estamos mudando o modelo de sociedade pactuado em 1988'
No Senado, professor Fagnani cita Conceição Tavares para mostrar 'irresponsabilidade social' da reforma trabalhista. Ele também critica discussão "a toque de caixa" na questão previdenciária
por Vitor Nuzzi, da RBA publicado 23/05/2017 11h54, última modificação 23/05/2017 12h03
PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO
Fagnani e Conceição: nas atuais condições de exclusão social, propor degradação das condições de trabalho é absurdo ético
São Paulo – As "reformas" trabalhista e da Previdência, mais a terceirização, formam uma "combinação explosiva" para a economia e especificamente ao Regime Geral da Previdência Social, alertou o professor Eduardo Fagnani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em sessão da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, que discute o projeto trabalhista (PLC 38). Se esse texto representa uma volta ao "início do século 20", no caso da Previdência o país está "destruindo o contrato social", diz o economista.
"Estamos mudando o modelo de sociedade que foi pactuado em 1988", afirmou Fagnani, referindo-se à Constituição promulgada naquele ano, dizendo ver com tristeza deputados e senadores, que defenderam aquele projeto nos anos 1980, a favor da proposta do governo. Ele citou um documento de 1982 do PMDB intitulado Esperança e Mudança: "o que estamos fazendo hoje é enterrando esse documento".
Fagnani se disse favorável a mudanças na Previdência, mas afirmou que há um "problema de diagnóstico" e que uma reforma desse porte não pode ser feita de forma apressada e sem debate. "Não se faz isso a toque de caixa. Há economistas que confundem direitos com benefícios. Eu não confundo. Direitos são conquistados. o que está acontecendo hoje no Brasil, infelizmente, é que estamos fazendo a toque de caixa reformas que vão ter impacto daqui a 30, 40 anos. Eu achei que o Brasil tivesse consolidado sua democracia."
Irresponsabilidade social
No início de sua fala, Fagnani citou a economista e ex-deputada Maria da Conceição Tavares, em depoimento de 1996, questionando medidas de flexibilização como elemento favorável ao emprego e lembrando que o mercado de trabalho já é bastante flexível, com altas taxas de rotatividade e de informalidade e um custo de mão de obra dos mais baixos no mundo. "É de uma claridade impressionante", acrescentou o professor, ainda citando Conceição Tavares: "Nas atuais condições de exclusão social, propor as degradação das condições de trabalho, sob o falso pretexto de elevar o emprego, mais que um absurdo ético, é uma inominável irresponsabilidade social".
O economista lembrou que a Espanha, por exemplo, fez reformas sob a perspectiva da flexibilização e o desemprego continuou a crescer, especialmente entre os jovens. "O que define nível de emprego não é oferta, é demanda empresarial por emprego, e a demanda, como diz a professora, depende das variáveis macroeconômicas", observou Fagnani. Ele lembrou que no período recente o Brasil criou milhões de postos de trabalho com carteira assinada, com a mesma legislação, agora questionada. Assim, emendou, a relação entre criação de empregos e legislação trabalhista "não tem consistência".
"Reformas são necessárias. Reformas trabalhista e da Previdência mexem com a vida presente e futura das pessoas. Sou contra uma reforma que seja apenas fiscalista. E sobretudo contra uma reforma que supostamente vai ter impacto daqui a 30 anos a toque de caixa, sem debate. A sociedade quer debater. Não se faz reforma desse tipo por obra de marqueteiro."
Segundo ele, se houvesse "um debate democrático, plural", os temas poderiam ser efetivamente discutidos. "Um ponto que mereceria reflexão dos senhores senadores: a reforma da Previdência, a terceirização e a reforma trabalhista podem ter efeitos muitos sérios, muito importantes sobre a receita da Previdência. Apenas a reforma da Previdência já gera impactos negativos sobre as fontes do regime geral. Muitos serão desestimulados a continuar contribuindo. E vai ter uma migração das camadas de mais alta renda para a previdência privada, o que já está ocorrendo."
Além da "expulsão" de contribuintes do sistema, Fagnani afirmou que a terceirização e a reforma da legislação trabalhista vão amplificar esse efeito, em um mercado que tem aproximadamente metade da força de trabalho com carteira assinada e a outra metade sem. "A terceirização e a reforma trabalhista vão mexer justamente nos 50% com carteira."
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