Um elo entre a ditadura e o agronegócio
– 16 DE MAIO DE 2017
Tese de doutorado revela como viveu, sob o regime militar, a Esalq — uma das principais faculdades de Agricultura do país. Oposição foi aniquilada. Pesquisa científica voltou-se a apoiar a grande propriedade
O pesquisador da Unicamp Rodrigo Sarruge Molina defendeu recentemente sua tese de doutorado em que aborda a repressão política com assassinatos e prisões que ocorreu na Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), campus de Piracicaba da USP. O estudo “Ditadura, agricultura e educação: a USP/Esalq e a Modernização conservadora do campo brasileiro (1964 a 1985)” é de fundamental importância para compreender o papel da Esalq no desenvolvimento do agronegócio.
O papel que os órgãos dirigentes da USP cumpriram na repressão política contra seus próprios estudantes e professores durante a ditadura no Brasil é já relativamente conhecido e divulgado. Da cadeira de reitor da USP saiu Alfredo Busaid, redator do AI-5. A Associação de Docentes da USP (ADUSP), reeditou “O livro negro da USP (1964-1978), com o nome alterado para “O controle ideológico na USP (1964-1978) em que se denuncia o papel que diversas instâncias da universidade cumpriram na perseguição política, particularmente em escolas como a Faculdade de Medicina, que fizeram uma verdadeira devassa em todos os que parecessem “subversivos” em qualquer nível.
A tese de Rodrigo Sarruge Molina vem complementar esse trabalho fundamental de investigação sobre os porões da ditadura – um trabalho que em um país como o Brasil, com uma transição pactuada com os militares, ainda está muito longe de ser completado. A Esalq, objeto de estudo da pesquisa, cumpriu um papel fundamental para a modernização do campo brasileiro de acordo com os interesses do latifúndio e do imperialismo (os EUA chegaram a instalar uma base na escola na época da ditadura).
Para atentar à importância fundamental do campo brasileiro nesse período, basta lembrar que em grande medida foi a poderosa luta de classes no campo, movida pelas ligas camponesas e os levantes de sem-terras e camponeses país afora, que colocou de cabelo em pé o governo americano e a burguesia nacional, temendo que o Brasil virasse “uma nova Cuba”.
A importância fundamental da tese de Molina está, também, em apontar o papel que a Esalq cumpriu para o desenvolvimento do agronegócio no país: “Pelas fontes que tive acesso, comecei a ver que a Esalq teve um papel fundamental para a aplicação das políticas agrárias da ditadura. A instituição foi muito orgânica para o regime militar”. Ele também afirma que “Se não fossem essas alianças, o agronegócio do Brasil, aos moldes que existe hoje, não seria assim”.
E, para que cumprisse esse papel, o regime militar tratou de aniquilar seus oponentes no corpo docente e discente. Um desses foi o estudante Luiz Hirata, assassinado pelo DOPS e a quem a tese é dedicada. A tradição de trotes selvagens, até hoje perpetuada na Esalq, também esteve a serviço da repressão da ditadura: o calouro Paulo Maconomi foi pego pelos colegas durante o trote e entregue à direção da faculdade. Molina relata: “Encontrei documentos sobre um estudante que foi entregue pelos colegas do centro acadêmico da época para o ao diretor da Esalq, que na ocasião era Hugo de Almeira Leme, pelo simples motivo de carregar com ele alguns livros de ideologia política de esquerda, como de Lenin e Engels”. O diretor, por sua vez, entregou o aluno à polícia. Molina ressalta que o episódio ocorreu em 1964, mas ainda antes do golpe. Depois do 1 de abril, o estudante “Ficou na clandestinidade porque depois a ditadura começou e ele já era fichado. Na sequência, foi alvo de inquérito policial militar (IPM).”
Outro caso analisado é o de Rodolfo Hoffman, que hoje é professor do departamento de economia da Esalq, e que quando era estudante foi detido dentro da sala de aula. “A bedel chegou e disse que o diretor queria falar com ele. Quando ele chegou na direção, os militares o levaram para a delegacia e ficou 50 dias presos. Ele era apenas um simpatizante de ideias de esquerda. Não era um militante. Foi um momento de paranoia”.
Um diretor da Esalq na época, Salim Simão, entregou à polícia os professores que eram acusados de serem hostis ao regime da ditadura. Luiz Hirata, a quem Molina dedica a tese, teve que fugir de Piracicaba nos anos 1970 por ser perseguido. Foi caçado e preso pelo delegado Fleury, torturado e morto nos porões do DOPS.
Um mérito fundamental de Molina é mostrar que a repressão estava a serviço do modelo de desenvolvimento econômico capitalista no campo, dentro do qual a Esalq servia como um centro de inteligência e desenvolvimento tecnológico. Molina afirmou em entrevista ao G1 que “A modernização não foi feita nos marcos da democracia, foi feita a ferro e fogo e como não tinha debate, era tudo feito a força, as pessoas que não concordavam com esses projetos eram presas e assassinadas”. A mesma brutalidade assassina que foi – e ainda é muitas vezes – usada contra os camponeses que lutavam pela reforma agrária, foi usada pelos militares contra os professores e estudantes que discordavam desse modelo econômico dentro da Esalq.
Sobre a base americana que foi implantada dentro da Esalq, Molina disse que “O objetivo desses técnicos norte-americanos que estiveram em Piracicaba era auxiliar e determinar como seria esse processo de modernização capitalista no brasil. Muitos deles eram bem intencionados, do ponto de vista capitalista, para eles, o projeto poderia ajudar o país a sair da miséria e com isso não entrar para a órbita dos países comunistas (…) A grosso modo, isso representava quase que uma unidade do governo dos EUA dentro da Esalq, ditando, opinando e até conduzindo a política educacional na escola”.
Hoje, quando assistimos a bancada ruralista pressionando no Congresso pela legalização do trabalho escravo no campo no bojo da reforma trabalhista de Temer, podemos ter a certeza de que a herança da ditadura que tomou conta da Esalq permanece viva na democracia degradada em que vivemos.
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