"Temer aguarda o momento de sair", diz Roberto Romano, Doutor em Filosofia
Conforme professor de Ética Política da Unicamp, "Brasil é o país dos salvadores"
Juliana Bevilaqua
Um ano após o impeachment de Dilma Rousseff e da posse de Michel Temer, o país não teve nenhum avanço ético. A análise é do Doutor em filosofia e professor de Ética Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano. O que acontece, segundo ele, é um diagnóstico mais rigoroso da falta de ética na vida pública.
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Nesta entrevista, concedida por telefone na quinta-feira, Romano reconhece a importância da Lava-Jato, embora não a considere a solução para o país. Sobre a transformação da figura do juiz Sérgio Moro em "salvador", ele diz que é típico de um país com cidadania frágil. Romano ainda classifica o governo do presidente Michel Temer um fracasso:
— Ele, de certo modo, está na Presidência aguardando o momento de sair.
Confira:
Quais os avanços éticos na política e na sociedade um ano após o impeachment?Roberto Romano: Avanço ético, nenhum. É complicado relacionar avanços na descoberta de crimes contra o erário público, de falta de respeito ao Tesouro Nacional com avanço ético. Estamos fazendo o diagnóstico um pouco mais rigoroso da falta de ética correta na vida pública brasileira tanto do ponto de vista dos governantes, quanto da própria população. É muito imprudente dizer que houve avanço ético desde o impeachment da ex-presidente Dilma. O que aconteceu é que estamos fazendo uma radiografia mais rigorosa e, portanto, estamos descobrindo conexões criminosas, erros tradicionais de governança brasileira e outros elementos. E, do ponto de vista da sociedade, nós não avançamos um milímetro, pelo contrário. Veja a matança de indígenas, a matança de homossexuais, a violência urbana, o trânsito brasileiro. Você continua exatamente no mesmo lugar ou, talvez, até pior. Acho que falar de uma mudança para melhor em termos éticos no Brasil é otimismo excessivo.
Como o senhor avalia a Lava-Jato?
É uma iniciativa interessante, que vem no bojo da autonomia do Ministério Público e que tem ajudado muito nesse trabalho de retratar corrupção brasileira procurando punição para criminosos. Não vejo na Lava-Jato uma solução para o problema nacional. Acho que tem havido uma confusão muito grande que tem colocado os promotores públicos, sobretudo, como grandes líderes da moralização brasileira, inclusive, eles mesmos caíram nesse erro. Aquelas chamadas 10 Medidas (contra a corrupção) que eles apresentaram em nome de 2 milhões de pessoas eram profundamente equivocadas e algumas, inclusive, nocivas para a vida pública nacional. Por exemplo, aquela história de você premiar os delatores com uma quantidade do produto arrecadado pela punição ao crime. Aquilo é uma forma de corrupção. Aquela história de aceitar como legal uma série de investigações que não tinham amparo da lei e eram feitas de boa fé. Boa fé não é um termo jurídico nem um termo ético válido. É um termo moral, da subjetividade da pessoa. Quando apresentaram as medidas, fui chamado na Comissão Especial da Câmara que discutia e critiquei pesadamente.
É uma iniciativa interessante, que vem no bojo da autonomia do Ministério Público e que tem ajudado muito nesse trabalho de retratar corrupção brasileira procurando punição para criminosos. Não vejo na Lava-Jato uma solução para o problema nacional. Acho que tem havido uma confusão muito grande que tem colocado os promotores públicos, sobretudo, como grandes líderes da moralização brasileira, inclusive, eles mesmos caíram nesse erro. Aquelas chamadas 10 Medidas (contra a corrupção) que eles apresentaram em nome de 2 milhões de pessoas eram profundamente equivocadas e algumas, inclusive, nocivas para a vida pública nacional. Por exemplo, aquela história de você premiar os delatores com uma quantidade do produto arrecadado pela punição ao crime. Aquilo é uma forma de corrupção. Aquela história de aceitar como legal uma série de investigações que não tinham amparo da lei e eram feitas de boa fé. Boa fé não é um termo jurídico nem um termo ético válido. É um termo moral, da subjetividade da pessoa. Quando apresentaram as medidas, fui chamado na Comissão Especial da Câmara que discutia e critiquei pesadamente.
Como o senhor vê outros aspectos da Lava-Jato, como as prisões preventivas? Acho que nesse sentido houve excesso muitas vezes por parte da Operação Lava-Jato. Essa questão da prisão preventiva, me parece que está sendo utilizada, muitas vezes, para arrancar dos acusados uma confissão e uma delação e isso não é bem o alvo da prisão preventiva. Aí você tem um debate extremamente delicado, que está sendo conduzido de uma maneira atabalhoada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com aquelas brigas do ministro Gilmar Mendes e daquela segunda turma, com o resto do colegiado e vai ser necessária uma pacificação desse tema, porque, caso contrário, do simples descuido, nós podemos passar para o abuso e é isso que tem sido o calcanhar de Aquiles da Lava-Jato em relação aos políticos. Veja que eles avançaram rapidamente na lei do abuso, tendo em vista esse tipo de atitude.Muitas pessoas endeusam o juiz Sérgio Moro e muitas outras o criticam.
Como o senhor vê a atuação de Moro?
Isso é próprio de um país em que a cidadania é extremamente frágil, ela não se compromete com a sua responsabilidade pública e entrega o seu destino na mão de salvadores. O Brasil é o país dos salvadores. Nós tivemos a ditadura Vargas, onde Getúlio Vargas era o grande salvador dos pobres e da pátria. Depois, o governo de Jânio Quadros, que viria salvar o Brasil da corrupção. Depois, o golpe de 64, em que o governo ditatorial seria o grande salvador da Nação contra a corrupção. Depois, a eleição de Fernando Collor, que iria acabar com a inflação e a corrupção em três dias. Depois, Luiz Inácio da Silva. Depois, com o mensalão, Joaquim Barbosa colocado como salvador da pátria. E, agora, Sérgio Moro, e também já está aparecendo no horizonte Jair Bolsonaro. Isso é próprio de uma cidadania que não assume sua responsabilidade, que não assume sua maioridade, precisa de um tutor, de um paizinho para cuidar dos negócios. Enquanto o Brasil estiver nesse estágio de elevar indivíduos ao papel de salvador, de herói, nós estamos muito mal.
Isso é próprio de um país em que a cidadania é extremamente frágil, ela não se compromete com a sua responsabilidade pública e entrega o seu destino na mão de salvadores. O Brasil é o país dos salvadores. Nós tivemos a ditadura Vargas, onde Getúlio Vargas era o grande salvador dos pobres e da pátria. Depois, o governo de Jânio Quadros, que viria salvar o Brasil da corrupção. Depois, o golpe de 64, em que o governo ditatorial seria o grande salvador da Nação contra a corrupção. Depois, a eleição de Fernando Collor, que iria acabar com a inflação e a corrupção em três dias. Depois, Luiz Inácio da Silva. Depois, com o mensalão, Joaquim Barbosa colocado como salvador da pátria. E, agora, Sérgio Moro, e também já está aparecendo no horizonte Jair Bolsonaro. Isso é próprio de uma cidadania que não assume sua responsabilidade, que não assume sua maioridade, precisa de um tutor, de um paizinho para cuidar dos negócios. Enquanto o Brasil estiver nesse estágio de elevar indivíduos ao papel de salvador, de herói, nós estamos muito mal.
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Qual sua avaliação sobre o governo do presidente Temer?
Tem sido um retumbante fracasso. Se você compara com o governo Itamar Franco, que também assumiu numa situação de crise, de impedimento do presidente, em pouco tempo ele encaminhou o Plano Real, portanto, deu os primeiros passos para acabar com aquela inflação delirante na era (José) Sarney. Ele moralizou a vida pública. Só dou um exemplo que é muito importante porque está ligado à universidade a qual pertenço: o ministro Murilo Hingel, da Educação, fechou o Conselho Nacional de Educação por corrupção. A situação do Conselho é tão grave hoje ou pior e, no entanto, não temos um ministro que assuma esse papel de controlar a vida pública no ministério que lhe é afeito. Pelo contrário. Tivemos um ministro da Educação (Mendonça Filho) cuja primeira audiência foi com um ator pornô. Além disso, a quantidade de ministros que são indicados em operações do Ministério Público e da polícia é uma coisa inédita. Ele próprio está com problemas sérios em relação à Justiça, tanto Eleitoral quanto Criminal. Nesse período, teve um crescimento tremendo de ataques aos índios, da violência. Veja o que aconteceu nos presídios, não há um plano nacional de segurança. Não há nenhuma obra, salvo as famosas reformas da Previdência e a Trabalhista, que possa ser adjudicada ao presidente como uma proeza ou uma coisa muito positiva. Ele, de certo modo, está na Presidência aguardando o momento de sair e não fazendo como Itamar, possibilitando a mudança da estrutura econômica e social brasileira.
Tem sido um retumbante fracasso. Se você compara com o governo Itamar Franco, que também assumiu numa situação de crise, de impedimento do presidente, em pouco tempo ele encaminhou o Plano Real, portanto, deu os primeiros passos para acabar com aquela inflação delirante na era (José) Sarney. Ele moralizou a vida pública. Só dou um exemplo que é muito importante porque está ligado à universidade a qual pertenço: o ministro Murilo Hingel, da Educação, fechou o Conselho Nacional de Educação por corrupção. A situação do Conselho é tão grave hoje ou pior e, no entanto, não temos um ministro que assuma esse papel de controlar a vida pública no ministério que lhe é afeito. Pelo contrário. Tivemos um ministro da Educação (Mendonça Filho) cuja primeira audiência foi com um ator pornô. Além disso, a quantidade de ministros que são indicados em operações do Ministério Público e da polícia é uma coisa inédita. Ele próprio está com problemas sérios em relação à Justiça, tanto Eleitoral quanto Criminal. Nesse período, teve um crescimento tremendo de ataques aos índios, da violência. Veja o que aconteceu nos presídios, não há um plano nacional de segurança. Não há nenhuma obra, salvo as famosas reformas da Previdência e a Trabalhista, que possa ser adjudicada ao presidente como uma proeza ou uma coisa muito positiva. Ele, de certo modo, está na Presidência aguardando o momento de sair e não fazendo como Itamar, possibilitando a mudança da estrutura econômica e social brasileira.
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