Wednesday, May 24, 2017

Crise brasileira, os erros do BNDES e a urgência em renovar os quadros políticos. Entrevista especial com Carlos Lessa

Dado o aprofundamento da crise política e a delação de executivos da JBS, a qual “compromete todas as figuras do primeiro plano da classe política nacional dos últimos anos” e envolve os nomes do presidente Temer e dos ex-presidentes Lula e Dilma, a saída mais adequada seria apostar em eleições indiretas, defende o economista Carlos Lessa na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line.
Para ele, o nome mais indicado para assegurar a transição política até as eleições de 2018 é o do ex-senador gaúcho Pedro Simon. “A história política de Simon faz dele um cidadão acima de qualquer suspeita do ponto de vista do comportamento pessoal, e é isso que o Brasil precisa agora, alguém que pudesse ser percebido como íntegro em sua totalidade”, diz. Pedro Simon, avalia, “pode até ter certas visões políticas com as quais eu não concordo, porque ele está muito neoliberal para o meu gosto, e ele continuaria essa proposta equivocada sobre a qual o Brasil vem navegando; do ponto de vista da opinião pública, porém, ele é um nome de integridade total. E a única maneira pela qual o Congresso pode realizar uma eleição indireta de forma legítima seria elegendo uma pessoa de integridade total”.
Na entrevista a seguir, Lessa comenta rapidamente as delações dos executivos da JBS e os aportes financeiros dados pelo BNDES ao grupo, com o discurso de criar os gigantes nacionais. “Vejo com muita aflição a colocação do BNDES sob suspeita, e nesse sentido, acredito que o BNDES errou de maneira impressionante em algumas de suas apostas, como a dos campeões nacionais. Essa é uma aposta perigosíssima porque, de repente, a sorte da instituição passa a estar associada à sorte do sistema internacional. (...) Na verdade a ideia de campeões nacionais é uma ideia perigosíssima; aliás, estamos vendo isso agora de maneira nítida, porque a JBS é o maior grupo operador de proteína na escala mundial. E qual é a vantagem que o Brasil leva nisso? Eu não sei”, comenta.
Para o economista, a maior dificuldade para o país superar a crise política está relacionada com a “falta absoluta de quadros nacionais” e, nesse sentido, afirma, uma futura eleição “não irá produzir uma transformação relevante”, mas é preciso “passar por uma renovação de quadros, porque estamos vivendo uma situação dramática de falta de lideranças. A grande dificuldade da crise é justamente esta: E aí, quem serão os novos quadros?”

Carlos Lessa (Foto: Aepet.org) 
Carlos Lessa é formado em Ciências Econômicas pela antiga Universidade do Brasil e doutor em Ciências Humanas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas - Unicamp. Em 2002, foi reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e presidente do BNDES.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual sua leitura da delação do dono da JBS, que implica denúncias envolvendo o presidente da República e os dois presidentes anteriores, Dilma e Lula, mas também nomes como Aécio e Serra e boa parte da classe política?
Carlos Lessa – Como brasileiro eu me sinto acabrunhado, obviamente. Agora, a situação não me surpreende no sentido de que o chamado processo eleitoral brasileiro está travejado pelo lado mercantil, onde as campanhas são caras e onde vale tudo pelas campanhas, inclusive quebra de padrões de moralidade, quebra de padrões de comportamento cívico. Realmente é muito significativo ter um depoimento que intriga e compromete todas as figuras do primeiro plano da classe política nacional dos últimos anos.
A delação passa a ser uma arma de competição empresarial. É assustador.
Agora, diante desse processo, sempre me pergunto o seguinte: qual é o significado disso agora? Acho que o significado é a continuidade da crise. Não vejo inovação; vejo uma astúcia impressionante nesse processo, em que a delação passa a ser uma arma de competição empresarial. É assustador. Não acho que esse seja um fenômeno novo do ponto de vista da história. Entretanto, a situação foi levada a consequências absolutamente assustadoras, realmente. Fico me perguntando, nesse cenário, qual é a saída e não consigo vislumbrá-la com facilidade. Uma saída seria se uma figura digna como Pedro Simon pudesse ser escolhido, por eleição indireta, para presidir um processo de transição até a nova eleição. A única maneira digna de enfrentar essa questão seria respeitando a Constituição, porém com um Congresso escolhendo uma figura que fosse percebida por todos os brasileiros como uma figura honorável, séria e competente. Sinceramente, o nome que me aparece é o de Pedro Simon.
IHU On-Line – Por que aposta no nome do ex-senador, em particular? Alguns especulam o nome do ministro da Fazenda, Meirelles. O que lhe parece?
Carlos Lessa – Pessoalmente, tenho pavor do nome do Meirelles, porque ele representa tudo que acho lamentável na vida brasileira. Ele seria a pior de todas as escolhas, mas infelizmente o nome dele é o que mais está posicionado para levar essa. A crise está avançando numa dimensão assustadora, porque num momento em que se vê a ideia da proteção do desenvolvimento industrial avançar, existe, no Brasil, um candidato que propõe justamente o contrário.
Vai ser um aspecto negativo para qualquer candidatura ter qualquer passado político formal
Eu gosto da ideia do nome de Pedro Simon, mas ninguém levanta o nome dele. A história política de Simon faz dele um cidadão acima de qualquer suspeita do ponto de vista do comportamento pessoal, e é isso que o Brasil precisa agora, alguém que pudesse ser percebido como íntegro em sua totalidade. Pedro Simon pode até ter certas visões políticas com as quais eu não concordo, porque ele está muito neoliberal para o meu gosto, e ele continuaria essa proposta equivocada sobre a qual o Brasil vem navegando; do ponto de vista da opinião pública, porém, ele é, um nome de integridade total. E a única maneira pela qual o Congresso pode realizar uma eleição indireta de forma legítima, seria elegendo uma pessoa de integridade total.
IHU On-Line – Depois da delação dos executivos da JBS, retomou-se a discussão e avaliação das políticas dos governos Lula e Dilma via BNDES, de ter concedido aportes para a criação de grandes gigantes nacionais, da qual a JBS é fruto. Considerando o atual cenário e as delações dos executivos do grupo, como o senhor avalia em retrospectiva aquela política do BNDES? Quais suas consequências?
Carlos Lessa – Vejo com muita aflição porque creio que, se o Brasil abrir mão de seus bancos sociais, não sobrará absolutamente nada para construir o futuro. Vejo com muita aflição a colocação do BNDES sob suspeita e, nesse sentido, acredito que o BNDES errou de maneira impressionante em algumas de suas apostas, como a dos campeões nacionais. Essa é uma aposta perigosíssima porque, de repente, a sorte da instituição passa a estar associada à sorte do sistema internacional. Acho assustador ainda que haja uma renúncia do desenvolvimento das forças produtivas internas do país. Na verdade a ideia de campeões nacionais é uma ideia perigosíssima; aliás, estamos vendo isso agora de maneira nítida, porque a JBS é o maior grupo operador de proteína na escala mundial. E qual é a vantagem que o Brasil leva nisso? Eu não sei. Acho que a multiplicação de pequenas indústrias tem um impacto muito mais expressivo na vida brasileira do que a criação de uma JBS. Na verdade a ideia de desenvolver as forças produtivas brasileiras é a ideia central que animou a trajetória do BNDES, mas o investimento em gigantes nacionais abandonou esse caminho.
Brasil tem uma malha urbana e metropolitana nacional, e pensar no futuro brasileiro é pensar no futuro dessa malha urbana. A solução não está extramuros, o Brasil precisa procurar ser uma economia desenvolvida e deixar de ser periférica. Mas para isso é necessário levar para frente um processo de desenvolvimento das forças produtivas internas, e não essa ideia de extroversão, que foi a ideia que esteve por trás da trajetória da JBS.
IHU On-Line - Quais diria que são as principais implicações políticas das delações da JBS para a política brasileira?
 A solução não está extramuros, o Brasil precisa procurar ser uma economia desenvolvida e deixar de ser periférica
Carlos Lessa – As implicações políticas desse episódio são, para mim, singelas, e a mais elementar é a seguinte: qualquer eleição trará nomes novos, com pessoas sem currículo político significativo, e algumas delas poderão surpreender o país. Não acho que o desdobramento político disso seja uma solução da crise, mas o desdobramento dessa crise é a continuidade da crise, porém tenho a impressão e a suspeita de que o país está disposto a fazer uma renovação dos nomes das pessoas do quadro político, ou seja, vai ser um aspecto negativo para qualquer candidatura ter qualquer passado político formal. Isso vai trazer uma variedade de nomes, e alguns se revelarão figuras importantes para o futuro brasileiro. Hoje, nosso problema é a falta absoluta de quadros nacionais. Recorrer a Pedro Simon como estou recorrendo na minha aspiração solitária é a ideia de que, dos nomes do passado, não temos muitos nomes disponíveis para enfrentar essa situação.
IHU On-Line - O aparecimento de novos nomes políticos, com essa característica de não ter um passado político, é positivo para o país? Alguns criticaram, por exemplo, a eleição de Macron na França, justamente por ele não ter propriamente um passado político.
Carlos Lessa – Mas acontece que Macron é uma figura que foi produzida pela política francesa, porque ele é uma invenção do economista Jacques Attali, ou seja, ele foi preparado para essa posição. Ele é, do ponto de vista formal, uma inovação na vida europeia; porém, do ponto de vista operacional, é uma conservação de uma tendência do processo de integração europeia. Ele não é uma inovação relevante.
A eleição brasileira também não irá produzir, numa próxima eleição, uma transformação relevante, a não ser colocar novas figuras à vista dos brasileiros. O Brasil precisa passar por uma renovação de quadros, porque estamos vivendo uma situação dramática de falta de lideranças. A grande dificuldade da crise é justamente esta: E aí, quem serão os novos quadros?
IHU On-Line – Parte da esquerda parece apostar no retorno do ex-presidente Lula em 2018, e não numa renovação de quadros.
Carlos Lessa – O que acho curioso é que o próprio PT queira que o Temer complete o mandato. Pelo menos Lula quer isso e ele não está apostando em uma remoção do Temer. Na verdade a impressão que tenho é que, na avaliação do Lula, o cenário brasileiro exige o mínimo de estabilidade, e o aumento da instabilidade pode levar o país para um caminho absolutamente assustador.
O que está se discutindo quanto ao futuro brasileiro? Qual é o projeto nacional que está sendo delineado? Para onde o país está querendo ir? Isso não está claro.
IHU On-Line – Mas a defesa da manutenção de Temer na presidência até 2018 não poderia ser uma estratégia do PT para que o ex-presidente possa voltar em 2018?
Carlos Lessa – Não tenho a menor dúvida de que, na cabeça do Lula, ele acha que está eleito e eu também acho que ele está eleito, porque a política do Temer faz a campanha eleitoral do Lula. O problema é que a eleição dele não representaria nenhuma mudança significativa na vida brasileira e a minha esperança é que surjam outras lideranças que terão capacidade de pôr o Brasil em discussão de novo.
A minha aflição é a seguinte: O que está se discutindo quanto ao futuro brasileiro? Qual é o projeto nacional que está sendo delineado? Para onde o país está querendo ir? Isso não está claro, nem o debate está permitindo que isso seja discutido com a importância que merece. Não oferecemos uma preliminar de saída da crise, que é uma discussão de futuro para o país.
Hoje vejo a minha geração como uma geração que está de cabelos brancos, olhando o cenário sem saber para onde se virar
IHU On-Line – O senhor participou da vida política nos últimos anos, sempre insistiu na ideia de se discutir um projeto de país e, inclusive, esteve à frente do BNDES. Considerando sua trajetória, como está olhando o país neste momento?
Carlos Lessa – Com a idade que estou, confesso que olho esse cenário com muita angústia. E a pergunta que me faço é a que todo brasileiro responsável está se fazendo: Para onde nós vamos? A minha esperança é que caminhemos para uma renovação de quadros, mas essa renovação exige que haja um processo eleitoral, onde novos nomes vão surgir e alguns deles serão portadores do futuro brasileiro. Hoje vejo a minha geração como uma geração que está de cabelos brancos, olhando o cenário sem saber para onde se virar.

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