Monday, August 13, 2007

"O pensamento dualista opera com oposições simples e dogmáticas"

Interessante artigo do Professor Roberto Romano
Saiu no http://www.ucho.info/roberto_romano.htm

Descansem em paz
(*) Roberto Romano da Silva


O pensamento dualista opera com oposições simples e dogmáticas. Se uma proposta reforça “o nosso lado”, ela é vista com plena complacência. Se ruma em sentido diferente, deve ser estimagtizada. Nem sempre, no entanto, as coisas são límpidas. É possível criticar um governo por várias causas. Muitas críticas, caso tomadas abstratamente, podem trazer argumentos com aparente identidade teórica e prática. Mas a sua base e pressupostos não se identificam. É de urgente prudência negar o dito de Churchill: "Se Hitler invadisse o inferno, eu me aliaria ao diabo". Mais saudável é ir contra Hitler e contra as tropas de Lúcifer. A aliança estratégica, estabelecida entre os que defendiam a democracia e as legiões de Stalin, serviu no plano imediato, mas gerou frutos amargos nos campos de concentração administrados pelo Partido totalitário.
Não sou conviva de oligarquias brasileiras. Mas a paulista, conheço bem. É do seu interior que atitudes nobres (de alguns) foram geradas e muita coisa hedionda foi produzida. Não posso — não sei e não quero — andar pelas ruas em protesto, seja lá contra quem for, com setores que financiaram a Oban (quem ignora o significado da sigla, leia os livros de Elio Gaspari sobre a ditadura) e a repressão do período militar. Entre os cansados da rua Oscar Freire, surgem pimpolhos de muita gente que fez aquilo. Dinheiro de bancos e de empresas (bem conhecidas) circulou nas veias do organismo repressivo.
As oligarquias brasileiras repetiram (ainda repetem, à socapa) as teses de Nina Rodrigues e de outros, sobre o povo como caso de teratologia. Dado o “fato científico”, seguiu-se a tese da pretensa incapacidade popular para o exercício da soberania política. E surgiram, à direita e à esquerda, os tutores do povo. Estes se abarrotam de privilégios (econômicos e sociais) e açambarcam os bens públicos para os seus cofres privados. Em tal faina, para fazer o serviço sujo, os verdadeiros poderosos usam os políticos como estafetas. Eles, os privilegiados, vivem no mundo Daslu, Louis Vuitton, Tifanny, Ferrari, etc. Se o ministro Marco Aurélio Garcia foi pornográfico, não esqueçamos a pior pornografia, a do luxo ostentado pela pretensa elite paulista.
Não considero golpista, como faz crer a máquina de propaganda governamental, o happy few que vai hoje às ruas contra Lula. Que vivesse tranqüilo no seu universo onírico e custoso, próprio dos “Beautiful and Damned”, sem exigir melhorias na Casa Grande, seu habitáculo normal, à custa dos dinheiros estatais. Eles lucram muito com o governo, e dele são os maiores sócios. E não cabe a gente séria, sobretudo a que amarga as dores da senzala, apagar lágrimas de dondocas e dondocos com lenço de seda. Basta ler as proclamações de a-politicidade emitidas pelos líderes dos cansados. Face a um governo que usa os piores truques em currais eleitoreiros e mobiliza uma chusma de amigos em cabides de emprego (a Folha de São Paulo trouxe o rol dos "companheiros" nas agências reguladoras), só a má fé pode proclamar a-politicidade. São inaceitáveis os gestos “indignados” das mesmas pessoas que aplaudem contingenciamentos na educação, na segurança, ciência e tecnologia, em todas as políticas públicas, pois tais cortes engrossam as suas burras (com a polissemia da palavra), mas depois se abraçam às vítimas dos seus lucros indecentes, lágrimas de crocodilos nos olhos.
Se o referido movimento defender mudanças econômicas que assegurem o desenvolvimento do país, com o fim da atual ortodoxia financeira, se exigirem aberta e politicamente o defenestramento dos companheiros incompetentes e arbitrários das agências de controle e demais órgãos do Estado, se defenderem a prestação de contas do governo, se exigirem que a Justiça coloque na cadeia boa parte da "base aliada" de apoio, etc. contem comigo. Caso contrário, arrumem uma boa poltrona. E descansem em paz.

(*) Roberto Romano da Silva é Professor titular de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor de Ética, também pela Unicamp. Doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e membro do Instituto de Filosofia e deCiências Humanas da Unicamp, é autor dos livros "Brasil, Igreja contra Estado", de 1979, "Copo e Cristal, Marx Romântico", de 1985, e "Conservadorismo Romântico", de 1997.

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