Monday, May 26, 2014

A criminalização explícita das lideranças Kaingang no RS


A criminalização explícita das lideranças Kaingang no RS

"As lideranças indígenas encarceradas no Presídio de Jacuí argumentam insistentemente que as suas prisões foram arbitrárias e ocorreram num contexto de emboscada promovida por agentes dos governos estadual e federal, com o objetivo de criminalizar aqueles que lutam pela demarcação das terras. Deoclides de Paula, cacique da terra Kandóia e representante indígena do Sul do país na Comissão Nacional de Política Indigenista, disse: “Eu suporto o peso da injustiça, suporto a prisão, nem que seja por 30 anos, se as nossas terras forem demarcadas”. O relato é deRoberto Antonio Liebgott, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI-RS.
Eis o texto.
O objetivo deste texto é apresentar algumas das contradições que envolvem a prisão de cinco indígenas Kaingang, no estado do Rio Grande do Sul, procedida após o conflito em Faxinalzinho, que lamentavelmente resultou na morte de duas pessoas. Antes, porém, tomo a liberdade de transcrever parte do que ouvimos dos Kaingang, durante as visitas que realizamos aos líderes indígenas no presídio:
“Aqui nós somos muito bem tratados pelos presos. Nós fomos trazidos pra cá e ficamos muitas horas de pé, algemados e com o rosto na parede. De vez em quando um policial federal passava e torcia os nossos dedos e dizia que a gente ia pagar por tudo o que fizemos. Eu nem sei porque fui preso, não fiz nada. No dia do conflito eu estava com meu pai em Nonoaí, no banco, na Caixa Econômica Federal, ele foi sacar o dinheiro da aposentadoria. Eu estava com muito medo e não sabia o que ia acontecer aqui dentro do presídio. Eu estava com muita fome e sede. Ficamos muito tempo sem comer e sem beber água. Eles nos separaram em dois grupos, eu (Celinho), o Nelson e o Romildofomos levados para a galeria dos trabalhadores do presídio e o Deoclides e o Daniel foram pra ala dos evangélicos. Quando nos levavam lá pra galeria o medo aumentou. Mas ali fomos bem recebidos. Os presos perguntaram se a gente queria café e depois mandaram esquentar a comida e nos disseram para comer. Depois nos deram roupa, a nossa roupa estava toda suja. Aqui dentro nos trataram com dignidade”. (Celinho de Oliveira)
“O pessoal aqui nos acolheu muito bem. Tudo o que sofremos lá fora, da polícia, aqui foi o contrário. A gente estava só com a roupa do corpo. Aqui, quando chegamos, os presos procuraram roupa que poderia nos servir. Ganhamos calça, camisa, blusa, é que está ficando frio. Eles nos deram comida, nos trataram com respeito. Pode dizer lá para as nossas esposas que estamos bem. A gente sabe que eles estão sofrendo lá, que não sabem o que está acontecendo, mas diz pra eles que a gente está bem. Que se mantenham firmes, isso aqui vai passar. A gente sabe que eles queriam prender qualquer um da nossa comunidade, eles precisavam prestar conta pra sociedade. Nós caímos numa emboscada porque confiamos nas autoridades. Mas agora eles precisam se unir (os Kaingang) ainda mais. Não podem aceitar negociação. Se precisar ficar aqui 30 anos a gente fica. Eu suporto o peso da injustiça, suporto a prisão, nem que seja por 30 anos, se as nossas terras forem demarcadas”. (Deoclides de Paula)
A prisão temporária de sete indígenas Kaingang da terra Kandóia, Rio Grande do Sul, no dia 9 de maio – quando estes participavam de uma reunião promovida por integrantes do governo do estado do Rio Grande do Sul, da prefeitura municipal de Faxinalzinho e da Fundação Nacional do Índio (Funai) para dialogar sobre os conflitos entre indígenas e agricultores – foi eivada de irregularidades. De acordo com o relato feito pelos indígenas aos seus advogados de defesa, as prisões foram realizadas de forma truculenta e irregular, sendo que os mandados de prisão não foram apresentados no ato de detenção dos sete Kaingang, que puderam tomar conhecimento do documento apenas horas mais tarde, em Passo Fundo. Dentre os sete presos, dois acabaram sendo liberados em função de absoluta falta de elementos que justificassem uma prisão temporária.
Os demais Kaingang – Deoclides de PaulaNelson Reco de OliveiraDaniel Rodrigues FortesCelinho de Oliveira eRomildo de Paula – foram removidos para a Superintendência Regional da Polícia Federal, onde permaneceram até serem transferidos para o Presídio Estadual do Jacuí (PEJ). Registra-se, nesta transferência, mais uma irregularidade, posto que o presídio do Jacuí é destinado a abrigar condenados pelo Poder Judiciário, o que não é o caso dos líderes Kaingang, que foram presos temporariamente.
Evidencia-se também, neste processo, uma tentativa de dificultar o acesso dos advogados dos Kaingang ao inquérito policial, que acabou sendo disponibilizado pelo delegado da Polícia Federal, Mário Vieira, somente dias depois, quando os advogados acionaram a Justiça Federal.
Registra-se ainda que o delegado tem dificultado o acompanhamento dos advogados a alguns procedimentos durante a investigação, a exemplo das oitivas dos índios, realizadas no dia 14/05/2014 na Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio Grande do Sul. Neste caso, os advogados deveriam ter sido comunicados com antecedência, mas o delegado informou que as oitivas não seriam realizadas no dia proposto, uma manobra que, se não tivesse sido revertida, resultaria em prejuízo para os indígenas detidos. O fato foi denunciado ao delegado da Polícia Federal, Cesar Leandro Hubner, de plantão na SR/DPF/RS no dia 14/05, sendo então solicitado o afastamento do delegado Mário Vieira do caso, entendendo-se que este tem agido de modo parcial.
Além disso, o delegado também se manifestou de forma inadequada na imprensa, outorgando a si o poder de julgar quando afirmou publicamente a culpa dos Kaingang pela prática de crime hediondo, informando que estes ficarão presos por um período de 30 a 50 anos. Não bastasse isso, declarou que as prisões seriam um “presente de dia das mães”.
Alguns pedidos formalizados até aqui pelos advogados dos Kaingang foram negados, notadamente a solicitação de relaxamento das prisões, com a custódia dos índios submetida à Funai (previsão legal estabelecida pelo Estatuto do Índio, Lei 6001/1973) e o afastamento do delegado Mário Vieira da condução do inquérito.
Os fatos demonstram que a autoridade policial, responsável pelo inquérito, vem agindo contra os preceitos éticos da própria polícia, atuando com parcialidade e constituindo-se, dentro do inquérito, como “justiceiro” ao invés de investigador. Ao que parece, a autoridade policial quer “prestar contas” para a sociedade e atenuar a comoção social gerada pelo conflito e pelas mortes, o que pode comprometer o processo de busca e investigação rigorosa de provas acerca da autoria dos crimes.
As lideranças indígenas encarceradas no Presídio de Jacuí argumentam insistentemente que as suas prisões foram arbitrárias e ocorreram num contexto de emboscada promovida por agentes dos governos estadual e federal, com o objetivo de criminalizar aqueles que lutam pela demarcação das terras. Deoclides de Paula, cacique da terra Kandóia e representante indígena do Sul do país na Comissão Nacional de Política Indigenista, disse: “Eu suporto o peso da injustiça, suporto a prisão, nem que seja por 30 anos, se as nossas terras forem demarcadas”.
Com esse espírito, cinco líderes Kaingang passam os dias dentro de um presídio no Rio Grande do Sul aguardando que os brancos tenham bom senso, respeitem a lei e efetivamente promovam a justiça.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531674-a-criminalizacao-explicita-das-liderancas-kaingang-no-rs

Saturday, May 24, 2014

Ciência Aberta: Em defesa do compartilhamento público de dados científicos




A proposta dos enciclopedistas era da socialização do conhecimento e da aprendizagem pela instrução pública, isto é a publicidade do conhecimento e da ciência para o esclarecimento da população no processo da sua emancipação. Sobre esse assunto é bom ler Diderot, Condorcet e outros pares iluministas. O artigo da Claudia Domingues Vargas e do Fabio Koné é mais uma parcela da construção do projeto iluminista em vias de desenvolvimento. Boa leitura e reflexão. 







CIÊNCIA ABERTA
Em defesa do compartilhamento público de dados científicos
O movimento da ciência aberta preconiza que as ferramentas e os dados utilizados pelos cientistas sejam disponibilizados publicamente para ampliar seus benefícios a toda a sociedade. Embora haja inegáveis avanços nos últimos anos, ainda há forças que resistem a essa ideia
por Claudia Domingues Vargas e Fabio Koné

A ideia de que o conhecimento deveria estar ao alcance de todos aqueles que quisessem apreciá-lo é uma questão recorrente na história da humanidade. Ela está presente desde os filósofos gregos da Antiguidade até os cientistas da Renascença, dos trovadores medievais aos grandes compositores eruditos do século XIX. Ao mesmo tempo, mecanismos de controle do conhecimento, proteção da informação e até criptografia existem há algumas centenas de anos. No século XX, houve um movimento na direção de restringir o acesso ao conhecimento como forma de gerar receita financeira ou vantagem comercial. Desse modo, apenas quem pagasse pelo direito de executar uma peça musical receberia autorização para sentar-se ao piano em um concerto público e somente quem pagasse pelo acesso a um artigo científico teria direito de lê-lo. Uma parte significativa dos avanços científicos do século foi motivada por fins militares, cuja prática de esconder as descobertas do inimigo é compreensível. No entanto, o que podemos observar a longo prazo é que, de maneira geral, quando há um nível maior de compartilhamento de ideias e abertura do conhecimento, o avanço da ciência é mais rápido e as sociedades tornam-se mais avançadas, ricas e democráticas.
Nos últimos anos, boa parte da comunidade científica internacional, com apoio de órgãos de fomento governamentais tais como a Fundação da Ciência Nacional (NSF) dos Estados Unidos, a Comissão Europeia e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no caso do Brasil, tem defendido o que se conhece como “ciência aberta”. Esse novo modelo de compartilhamento da informação científica está baseado em três fundamentos. Primeiro, os resultados científicos devem ser divulgados em veículos de “acesso aberto”, para que qualquer cientista ou cidadão tenha fácil acesso a essas descobertas, independentemente de sua origem ou situação financeira. Segundo, as ferramentas utilizadas no processo científico devem também ser compartilhadas abertamente; como boa parte da ciência hoje em dia depende de ferramentas computacionais, isso indica que elas devem ser disponibilizadas como “software livre”. Finalmente, os dados utilizados nas pesquisas devem ser compartilhados como “dados abertos”: não só os dados brutos e processados devem ser disponibilizados abertamente, mas também descrições do formato e significado desses dados (chamados metadados) devem ser distribuídas publicamente. Quando essas informações são coletadas em seres humanos, especial atenção é necessária para que a distribuição seja feita de forma criteriosa, respeitando a privacidade e o anonimato dos envolvidos. Um dos pilares da ciência experimental é sua reprodutibilidade. E a ciência só se torna reprodutível se os dados e ferramentas utilizados nos experimentos, simulações e análises forem também disponibilizados de forma aberta e livre.
A ideia de ciência aberta tem avançado em diferentes velocidades em distintos ramos. Em áreas como Ciência da Computação, Genética e Química, por exemplo, esses conceitos têm sido muito bem recebidos. Na Neurociência, o compartilhamento não é a praxe. Tanto a coleta como o armazenamento de dados ainda se fazem, de modo geral, de maneira artesanal. Há grande variabilidade nos tipos de dado que se coletam. Bancos de dados nessa área do conhecimento deverão contemplar desde informações sobre a forma e o comportamento de neurônios individuais, passando por medidas de funcionamento cerebral, até medidas comportamentais. Essa grande quantidade e variedade de informações requer um tipo de banco de dados desenhado especialmente para tal. Além disso, há, ainda hoje, grande desinformação na comunidade sobre mecanismos públicos de compartilhamento de dados.

O caso da Neurociência
A construção, manutenção e curadoria de bancos de dados públicos são consideradas fundamentais por muitos membros da comunidade neurocientífica para que se possa avançar mais efetivamente na compreensão do funcionamento e no tratamento de patologias do cérebro. O novo paradigma de compartilhamento de dados surgiu de maneira mais sistemática na literatura neurocientífica a partir da década de 1990. Data também dessa época a primeira grande iniciativa de compartilhamento de dados coletados a partir de medidas de ressonância magnética funcional, o Consórcio Internacional de Mapeamento do Cérebro. Esse trabalho foi financiado pelas agências de fomento governamentais norte-americanas NSF e Institutos Nacionais de Saúde (NIH). O novo modelo acompanhava o aumento substancial da capacidade de geração de dados experimentais nas Neurociências e as novas possibilidades computacionais e de compartilhamento público de informações, decorrentes do grande avanço ocorrido nas últimas décadas em tecnologia da informação.
Apesar dos grandes avanços na concepção e introdução de bancos de dados públicos, seu compartilhamento não era então um consenso entre os neurocientistas. Em 2000, aRevista de Neurociência Cognitiva, publicada nos Estados Unidos, determinou que os artigos aceitos para publicação deveriam compartilhar seus dados brutos em bancos de dados públicos. Essa política de compartilhamento estimulou postura semelhante em outras publicações de grande circulação. Entretanto, por pressão da comunidade de neurocientistas, essa proposta de compartilhamento público foi revogada. Felizmente, esse primeiro conjunto de iniciativas prenunciava uma nova era e, desde então, várias iniciativas de compartilhamento de dados têm sido colocadas em prática, seja no formato de consórcios, como no caso da Rede de Pesquisa do Cérebro e Neurociência Integrada (BrainNet), seja em projetos públicos, como Análise de Código, Repositório e Modelagem para a Neurociência Eletrônica (Carmen) e Ontologias Eletromagnéticas Neurais (Nemo). Um exemplo interessante de compartilhamento público de dados clínicos é o banco de dados de pacientes com Parkinson, coordenado pela Fundação Michael Fox sobre a Doença de Parkinson. Essa bela iniciativa ilustra o fato de que cada vez mais se reconhece a necessidade de bancos de dados públicos para que se possa avançar na identificação de marcadores precoces de patologias do cérebro.
Em todos os exemplos citados, é necessário realizar um cadastro no site que abriga o banco de dados e assinar um termo de responsabilidade quanto à privacidade dos indivíduos cujos dados se encontram disponibilizados. A quebra do compromisso firmado no ato do cadastro pode ter consequências legais. Solicita-se também frequentemente que a origem dos dados e os artigos nos quais eles foram publicados sejam citados na nova publicação. Em alguns consórcios, o artigo deve ser submetido ao comitê científico que gerencia o banco de dados. Em certos casos, o pesquisador tem a opção de depositar os dados no banco sem disponibilizá-los publicamente, decidindo o melhor momento para o compartilhamento.
Stephen Koslow está entre os defensores mais ferrenhos do compartilhamento público de dados. Então diretor da Divisão de Neurociências do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) e um dos fundadores do consórcio BrainNet, Koslow publicou em 2000 um manifesto na revista Nature Neuroscience, de grande circulação e alto impacto na comunidade de neurocientistas, defendendo a necessidade de uma mentalidade voltada ao compartilhamento público de dados e ferramentas.
Entre as reações negativas mais comuns à ideia dos bancos de dados públicos, Koslow destacou os argumentos de que os dados brutos são muito complexos para serem compreendidos por outros neurocientistas e que a análise dos dados realizada por outra pessoa poderia levar a resultados diferentes dos originais. Outros argumentos contra o compartilhamento são, por exemplo, a resistência em tornar públicos dados muitas vezes duramente coletados, ou ainda a ausência de mecanismos legais de proteção no caso de fraude ou uso indevido das informações. Além disso, há críticas quanto a alguns dos modelos vigentes de compartilhamento de dados, nos quais, talvez por falta de uma curadoria, tanto a origem como a qualidade do dado disponibilizado são questionáveis.
Contrapondo-se a essas premissas, Koslow argumentou que é desejável e necessário que os dados sejam corretamente comentados e etiquetados, para que sejam compreendidos e utilizados por outros pesquisadores. Além disso, ele argumenta que a publicação dos resultados na forma de artigos científicos pressupõe que os dados já estejam prontos para ser compartilhados e que perspectivas complementares produzidas por novas análises dos dados poderão ajudar a comunidade a compreender melhor o fenômeno em questão.
Assim, Koslow concluiu que os benefícios científicos do compartilhamento dos dados superavam os argumentos contra o compartilhamento e levantou algumas estratégias para que essa prática possa ser adotada mais amplamente na comunidade científica. Por exemplo, a já citada política de compartilhamento de dados adotada no passado por algumas revistas de grande circulação poderia estimular os pesquisadores a compartilhar seus dados.
O apoio financeiro adicional para a construção de bancos de dados em projetos financiados com recursos públicos e a valorização acadêmica do investimento em tempo e recursos alocados na construção dos bancos de dados também são mecanismos de mudança cultural propostos pelo autor. Essas estratégias poderiam levar a um ambiente em que os dados seriam organizados de modo a serem compartilhados durante o próprio processo de aquisição, não apenas no final desse processo. Críticos poderiam objetar que isso levaria a um custo operacional. Para enfrentar essa dificuldade, faz-se necessário o desenvolvimento de tecnologias de baixo custo para compartilhamento, manutenção e curadoria dos dados.

O banco de dados NeuroMat
Participamos atualmente no Brasil do desenvolvimento de um banco de dados que permitirá o acesso público a dados de Neurociências (medidas fisiológicas e avaliações funcionais). Trata-se de um trabalho pioneiro desenvolvido pelo Centro de Pesquisa, Inovação e Disseminação em Neuromatemática (Cepid-NeuroMat), coordenado por Antonio Galves e financiado pela Fapesp. O projeto, que envolve principalmente pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de São Paulo (USP), pretende construir um repositório público que permita progressos na compreensão do funcionamento cerebral, assim como no tratamento de doenças neurológicas.
Entre as linhas de pesquisa cujos dados serão hospedados no banco de dados NeuroMat está o projeto de reorganização cortical após lesão e reconstrução do plexo braquial, o conjunto de nervos que conecta o braço ao cérebro, em andamento hoje no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) da UFRJ. A fim de albergar esse e outros projetos com perfil básico-clínico no âmbito do banco de dados do NeuroMat, a equipe desenhou um protótipo que permitirá registrar e armazenar a história clínica pregressa dos pacientes, documentar as lesões e registrar a evolução clínica destes por meio de avaliações fisioterapêuticas e neurofisiológicas longitudinais. Esse trabalho detalhado de construção e digitalização das avaliações vem sendo realizado por uma equipe multidisciplinar composta por médicos, fisioterapeutas e neurocientistas, além da equipe de cientistas da computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP. O resultado dessa iniciativa do Cepid-NeuroMat será a criação de uma base comum para o diagnóstico, a avaliação clínica e o prognóstico funcional de pacientes com lesão de plexo braquial. O modelo de banco de dados adotado pelo NeuroMat permitirá ainda colocar em um “terreno comum” as avaliações clínicas e todos os dados eletrofisiológicos coletados nos pacientes, possibilitando uma grande flexibilidade na consulta e análise dos dados. Estamos agora trabalhando no desenvolvimento de um protótipo eletrônico para a armazenagem, a manipulação e o compartilhamento dos dados, e esperamos em breve disponibilizá-lo para uso público. Quando tornada pública, essa base de dados poderá servir como um modelo para avaliação de outros pacientes com lesões semelhantes em nível mundial.
A criação do banco de dados NeuroMat abre uma oportunidade para que cientistas tenham acesso não somente a um universo de dados bem documentados e etiquetados, mas também ao processo que gerou essa ferramenta de trabalho compartilhada. Além disso, a disponibilização pública dos programas de análise que geraram os resultados cria um círculo virtuoso na medida em que permite a verificação pública de sua qualidade e veracidade. Dessa maneira abre-se uma janela de oportunidade para o avanço rápido do conhecimento nessa área. Esperamos contribuir para que haja mais compartilhamento de dados abertos na comunidade brasileira e internacional de Neurociência para que todos tenhamos melhores condições de trabalhar em conjunto e a Neurociência avance mais rápido, beneficiando diretamente a população. 

Claudia Domingues Vargas e Fabio Koné
* Claudia Domingues Vargas é professora associada do Programa de Neurobiologia do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho e chefe do Laboratório de Neurociências e Reabilitação (LabNeR) do Instituto de Neurologia Deolindo Couto, ambos sediados na UFRJ; e Fabio Koné professor titular em Ciência da Computação e vice-diretor do Centro de Competência em Software Livre (CCSL) do IME-USP. Ambos são pesquisadores do NeuroMat

Fonte: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1653

David Harvey: leia Piketty, mas não se esqueça de Marx


David Harvey: leia Piketty, mas não se esqueça de Marx

"Reflexões sobre desigualdade do economista francês são brilhantes e oportuníssimas. Porém não conte com ele para compreender dinâmica central do sistema". O comentário é de David Harvey em artigo reproduzido pelo sítioOutras Palavras, 23-05-2013.
Eis o artigo.
Thomas Piketty escreveu um livro chamado Capital que causou uma tremenda comoção. Ele defende a taxação progressiva e a tributação da riqueza global como único caminho para deter a tendência à criação de uma forma “patrimonial” de capitalismo, marcada pelo que chama de uma desigualdade “apavorante” de riqueza e renda. Também documenta com detalhes excruciantes, e difíceis de rebater, como a desigualdade social de ambos, riqueza e renda, evoluíram nos últimos dois séculos, com ênfase particular no papel da riqueza.
Ele aniquila a visão, amplamente aceita, de que o capitalismo de livre mercado distribui riqueza e é o grande baluarte para a defesa das liberdades individuais. Piketty demonstra que o capitalismo de livre mercado, na ausência de uma grande intervenção redistributiva por parte do Estado, produz oligarquias antidemocráticas. Essa demonstração deu base à indignação liberal e levou o Wall Street Journal à apoplexia.
O livro tem sido frequentemente apresentado como substituto para o século XXI do trabalho do século XIX de Marx, que leva o mesmo título. Piketty nega que fosse essa sua intenção, na verdade – o que parece certo, uma vez que seu livro não é, de modo algum, sobre o capital. Ele não nos conta por que razão ocorreu a catástrofe de 2008, e por que está demorando tanto para tanta gente se levantar, sob o fardo do desemprego prolongado e da execução da hipoteca de milhões de casas. Ele não nos ajuda a entender por que o crescimento é tão medíocre hoje nos EUA, em oposição à China, e por que a Europa está travada sob uma política de austeridade e uma economia de estagnação.
O que Piketty mostra estatisticamente (e estamos em dívida com ele e seus colegas por isso) é que o capital tendeu, através da história, a produzir níveis cada vez maiores de desigualdade. Isso, para muitos de nós, é má notícia. Além disso, é exatamente a conclusão teórica de Marx, no primeiro volume de sua versão do Capital. Piketty fracassa em observar isso, o que não é surpresa, já que sempre clamou, diante das acusações da mídia de direita de que é um marxista disfarçado, que não leu O Capital de Marx.
Piketty reúne uma grande quantidade de dados para sustentar sua argumentação. Sua descrição das diferenças entre renda e riqueza é persuasiva e útil. E faz uma defesa cuidadosa da tributação sobre herança, do imposto progressivo e de um imposto sobre a riqueza global como possíveis (embora quase certamente não politicamente viável) antídotos contra o avanço da concentração de riqueza e poder.
Mas, por que razão ocorre essa tendência ao crescimento da desigualdade? A partir de seus dados (temperados com ótimas alusões literárias a Jane Austen e Balzac), ele deriva uma lei matemática para explicar o que acontece: o contínuo aumento da acumulação de riqueza por parte do famoso 1% (termo popularizado graças, claro, ao movimento Occupy) é devido ao simples fato de que a taxa de retorno sobre o capital (r) sempre excede a taxa de crescimento da renda (g). Isso, diz Piketty, é e sempre foi “a contradição central” do capital.
Mas esse tipo de regularidade estatística dificilmente alicerça uma explicação adequada, quanto mais uma lei. Então, que forças produzem e sustentam tal contradição? Piketty não diz. A lei é a lei e isso é tudo. Marx obviamente teria atribuído a existência de tal lei ao desequilíbrio de poder entre capital e trabalho. E essa explicação ainda está valendo. A queda constante da participação do trabalho na renda nacional, desde os anos 1970, é decorrente do declínio do poder político e econômico, à medida que o capital mobilizava tecnologia, desemprego, deslocalização de empresas e políticas antitrabalho (como as de Margaret Thatcher e Ronald Reagan) para destruir qualquer oposição.
Como Alan Budd, um conselheiro econômico de Margaret Thatcher, confessou num momento em que baixou a guarda: as políticas anti-inflação dos anos 1980 mostraram-se “uma maneira muito boa de aumentar o desemprego, e aumentar o desemprego era um modo extremamente desejável de reduzir a força das classes trabalhadoras… o que foi construído, em termos marxistas, como uma crise do capitalismo que recriava um exército de mão de obra de reserva, possibilitou que os capitalistas lucrassem mais do que nunca.” A disparidade entre a remuneração média dos trabalhadores e dos executivos-chefes era cerca de trinta para um em 1970. Hoje está bem acima de trezentos para um e, no caso do MacDonalds, cerca de 1200 para um.
Mas no segundo volume do Capital de Marx (que Piketty também não leu, como alegremente declara) Marx apontou que a tendência do capital de rebaixar os salários iria, em algum momento, restringir a capacidade do mercado de absorver os produtos do capital. Henry Ford reconheceu esse dilema há muito tempo, quando determinou o salário de cinco dólares para o dia de oito horas dos trabalhadores – para aumentar a demanda dos consumidores, disse.
Muitos pensavam que a falta de demanda efetiva estava na base da Grande Depressão da década de 1930. Isso inspirou políticas expansionistas keynesianas depois da Segunda Guerra Mundial e resultou em alguma redução das desigualdades de renda (nem tanto da riqueza), em meio a uma forte demanda que levou ao crescimento. Mas essa solução apoiava-se no relativo empoderamento do trabalho e na construção do “estado social” (termo dePiketty) financiado pela taxação progressiva. “Tudo dito”, escreve ele, “durante o período de 1932-1980, durante cerca de meio século, o imposto de renda federal mais alto, nos EUA, era em média 81%.” E isso de modo algum prejudicou o crescimento (outra parte das evidências de Piketty, que rebate os argumentos da direita).
Ali pelo final dos anos 1960, ficou claro para vários capitalistas que eles precisavam fazer alguma coisa a respeito do excessivo poder do trabalho. Por isso, Keynes foi excluído do panteão dos economistas respeitáveis, o pensamento de Milton Friedman deslocou-se para o lado da oferta, e teve início uma cruzada para estabilizar, se não para reduzir a tributação, desconstruir o Estado social e disciplinar as forças do trabalho. Depois de 1980, houve uma queda nas taxas mais altas de imposto e os ganhos do capital – uma grande fonte de renda dos ultra ricos – passaram a ser tributados por taxas muito menores nos EUA, aumentando enormemente o fluxo de capital do 1% do topo da pirâmide.
Contudo, o impacto no crescimento era desprezível, mostra Piketty. Tal “efeito cascata” de benefícios dos ricos ao restante da população (outra crença favorita da direita) não funcionou. Nada disso era ditado por leis matemáticas. Tudo era política. Mas então a roda deu uma volta completa, e a pergunta mais importante tornou-se: e cadê a demanda?
Piketty ignora essa questão. Os anos 1990 encobriram essa resposta com vasta expansão do crédito, inclusive estendendo o financiamento hipotecário aos mercados sub-prime. Mas o resultado foi uma bolha de ativos fadada a estourar, como aconteceu em 2007-2008, levando consigo o banco de investimento Lehman Brothers, juntamente com o sistema de crédito. Entretanto, enquanto tudo e todos se davam mal, depois de 2009 as taxas de lucro, e a consequente concentração de riqueza privada, recuperaram-se muito rapidamente. As taxas de lucro das empresas estão agora tão altas quanto sempre estiveram nos EUA.
As empresas estão sentadas sobre grande quantidade de dinheiro e recusam-se a gastá-lo, porque as condições do mercado não estão robustas. A formulação da lei matemática de Piketty camufla, mais do que revela a respeito da classe política envolvida. Como notou Warren Buffett, “claro que há luta de classes, e é a minha classe, a dos ricos, que está lutando, e estamos vencendo.” Uma medida-chave de sua vitória são as crescentes disparidades da riqueza e renda do 1% do topo em relação a todo o resto da população.
Há, contudo, uma dificuldade central no argumento de Piketty. Ele repousa sobre uma definição equivocada de capital. Capital é um processo, não uma coisa. É um processo de circulação no qual o dinheiro é usado para fazer mais dinheiro, frequentemente – mas não exclusivamente – por meio da exploração da força de trabalho. Pikettydefine capital como o estoque de todos os ativos em mãos de particulares, empresas e governos que podem ser negociados no mercado – não importa se estão sendo usados ou não. Isso inclui terra, imóveis e direito de propriedade intelectual, assim como coleção de arte e de joias. Como determinar o valor de todas essas coisas é um problema técnico difícil, sem solução consensual. Para calcular uma taxa de retorno, r, significativa, temos de ter uma forma de avaliar o capital inicial. Não há como avaliá-lo independentemente do valor dos bens e serviços usados para produzi-lo, ou por quanto ele pode ser vendido no mercado.
Todo o pensamento econômico neoclássico (base do pensamento de Piketty) está fundado numa tautologia. A taxa de retorno do capital depende essencialmente da taxa de crescimento, porque o capital é avaliado pelo modo como produz, e não pelo que ocorreu em sua produção. Seu valor é fortemente influenciado por condições especulativas, e pode ser seriamente distorcido pela famosa “exuberância irracional” que Greenspan apontou como característica dos mercados imobiliário e de ações. Se subtrairmos habitação e imóveis – para não falar do valor das coleções de arte dos financiadores de hedge – a partir da definição de capital (e as razões para sua inclusão são bastante débeis), então a explicação de Piketty para o aumento das disparidades de riqueza e renda desabariam, embora sua descrição do estado das desigualdades passadas e presentes ainda ficassem em pé.
Dinheiro, terra, imóveis, fábricas e equipamentos que não estão sendo usados produtivamente não são capital. Se é alta a taxa de retorno sobre o capital que está sendo usado, é porque uma parte do capital foi retirado de circulação. Restringir a oferta de capital para novos investimentos (fenômeno que estamos testemunhando agora) garante uma alta taxa de retorno sobre o capital que está em circulação. A criação dessa escassez artificial não é só o que fazem as companhias de petróleo, para garantir a sua elevada taxa de lucro: é o que todo o capital faz quando tem oportunidade. É o que sustenta a tendência de a taxa de retorno sobre o capital (não importa como é definido e medido) exceder sempre a taxa de crescimento da renda. Esta é a forma como o capital garante sua própria reprodução, não importa quão desconfortáveis sejam as consequências para o resto de nós. E é assim que a classe capitalista vive.
Há muitas outras coisas valiosas nos dados coletados por Piketty. Mas, sua explicação de porque as tendências à desigualdade e à oligarquia surgem está seriamente comprometida. Suas propostas de solução para a desigualdade são ingênuas, se não utópicas. E ele certamente não produziu um modelo de trabalho para o capital do século XXI. Para isso, ainda precisamos de Marx ou de seus equivalentes para os dias atuais.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531652-david-harvey-leia-piketty-mas-nao-se-esqueca-de-marx

Friday, May 23, 2014

Roberto Romano no Ciclo de debates da Faculdade Dom Bosco de Piracicaba: 50 ANOS DO GOLPE CIVIL MILITAR NO BRASIL


Gazeta de Piracicaba. Agradeço ao professor Daner Hornich, pelo envio da matéria e pela gentil acolhida em Piracicaba.

GAZETA DE PIRACICABA 

 CIDADE PIRACICABA, TERÇA-FEIRA, 20 DE MAIO DE 2014

ADRIANA FEREZIM
Da Gazeta de Piracicaba
adriana.ferezim@gazetadepiracicaba.com.br
“Osistema político brasileiro  ainda é contrário ao debate com a sociedade e à liberdadede imprensa", afirmou, ontem, o professor de Filosofia Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à Gazeta. Ele participoudo evento Ciclo de Debates: 50 anos do Golpe Civil Militar e os Direitos Humanos que está sendo realizado pela Faculdade Salesiana Dom Bosco Piracicaba. Mais duas palestras serão realizadas pela instituição, sobre ética e educação. Romano é doutorado pela L'École des Hautes Études en Sciences Sociales, (EHESS), na França e falou, ontem, paracerca de 200 pessoas, entre estudantesdo Ensino Médio, da Faculdade Dom Bosco dos cursos de Pedagogia, Administração e Ciências Contábeis. O auditório da instituição ficou lotado durante o evento, que teve início às 19h30.


O professor destacou que o Brasil não aprendeu com o golpe, mesmo passados 50 anos e que outros golpes continuam ocorrendo, como os planos econômicos que são elaborados em segredo pelos governos, sem a participação da sociedade, e lançados ocasionando prejuízos a toda sociedade ou a grande parte dela, como exemplo o Plano Collor e o Cruzado. "Há muitas coisas geradas no Estado autorítário que são baseados em três monopólios, o da força física que precisa ser empregada pelo Estado, o da norma jurídica, onde mais uma vez o Estado mantém a criação das leis e a taxação do excedente econômico por meio dos impostos. O que aprendemos com as ditaduras de Vargas (ex-presidente Getúlio Vargas) e o golpe de 64 é que esses três monopólios têm de ser controlados pela cidadania". Segundo ele, um exemplo atual é o controle da polícia. "No Brasil não temos uma política de segurança pública, mas uma Polícia Militar com as mesmas prerrogativas de Exército. Para a polícia não há cidadãos que cometem crimes,mas bandidos inimigos e há o conceito que por isso eles não têm o direito de defesa", afirmou.


O professor analisa que na Constituição Federal de 1988, ficou uma herança do período da ditadura militar que precisa ser debatida. "As Forças Armadas Brasileiras têm a função de garantir a ordem externa e interna do país. Em outros países, as Forças Armadas combatem o inimigo externo. Foi uma continuidade do golpe colocada na Constituição pelas forças conservadoras. Para mudar isso, somente com a força da cidadania".Os cidadãos, por meio de mobilizaçõestêm conseguido algumas vitórias contra essa herança que está impregnada no sistema político do país. "Poucoa pouco estão obtendo conquistas.Entre elas destacou aLei da Ficha Limpa e a Lei daTransparência. Somente conhecendo as ações dos governos é possível diminuir os excessos e as ocorrências de novos golpes", comentou. INTERESSES Na palestra, Roberto Romano explicou, didaticamente, o que é o Estado Moderno e como ocorre a relação entre o governo e o controle da população. "Em um Estado absolutista a conduta é autoritária e o direito dos povos é derrocado por leis e passa a vigorar somente
as do interesse do Estado". Romano fez considerações sobre o que é o golpe. "De acordo com Gabriel Naude, que afirmou em 1640, há dois tipos de golpes: o bem-sucedidoe mal-sucedido. Os que têm êxito ocorrem sem que a população perceba, já os malsucedidos, para serem implantados, tiveram de fazer uso da força física, com uso da violência, torturas, e isso aconteceu no século XX em muitos países". afirmou.

Do mercado à desigualdade


Do mercado à desigualdade

"É impressionante a quantidade de papers dedicados à questão da desigualdade nos Estados Unidos. A mudança de foco de alguns relevantes economistas, deixando em segundo plano o imperativo das forças de mercado, a favor de uma visão voltada à distribuição da renda e sua importância para o desenvolvimento de uma economia mais equilibrada e, portanto, mais sólida, deve-se dizer, não é recente", constata Maria Clara R. M. do Prado, jornalista e sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente, em artigo publicado pelo jornal Valor, 22-05-2014.
E ela provoca: "No país da desigualdade, poucos economistas se dedicam ao estudo do tema. Quem sabe agora a academia não se sente mais inspirada?"
Eis o artigo.
É impressionante a quantidade de papers dedicados à questão da desigualdade nos Estados Unidos. A mudança de foco de alguns relevantes economistas, deixando em segundo plano o imperativo das forças de mercado, a favor de uma visão voltada à distribuição da renda e sua importância para o desenvolvimento de uma economia mais equilibrada e, portanto, mais sólida, deve-se dizer, não é recente.
Há dois anos, Joseph Stiglitz lançou "O Preço da Desigualdade", chamando a atenção para a crescente concentração de renda nos Estados Unidos e como isso molda a configuração das forças políticas em uma espécie de simbiose que pode comprometer o caráter universal e inclusivo da democracia do país.
Em abril, um paper preliminar dos cientistas políticos Martin Gilens, da Universidade de Princeton, e Benjamin Page, da Northwestern University, chega a levantar o argumento de que os Estados Unidos não funcionam mais como umademocracia, mas como uma oligarquia. A novidade, no entanto, está na disseminação do tema no meio dos economistas. Paul Krugman e Robert Shiller têm colocado luz no aumento da desigualdade nos Estados Unidos e inspirado vários trabalhos acadêmicos e de especialistas em estudos econômicos. Não é de se estranhar, portanto, o imediato sucesso no meio americano do livro de Thomas Piketty (Escola de Economia de Paris), "Capital no Século XXI".
Apesar de tratar da concentração de renda ocorrida nas últimas décadas em vários países, os Estados Unidos aparecem como o campeão da lista dos desenvolvidos. O Brasil ainda não foi analisado - segundo a BBC Brasil, pela falta de empenho da Receita Federal em disponibilizar os dados da renda dos mais ricos. Como se sabe, a pesquisa de Piketty toma por base a renda e o capital apurados pela tributação para calcular os mais ricos.
A verdade é que o centro das análises econômicas está mudando. E, é claro, não falta comparação com o Brasil. É o caso do paper escrito por quatro economistas - Nora Lustig, especializada em Economia da América Latina na Tulane University, com dois pesquisadores da mesma universidade, Sean Higgins e Whitney Ruble, e o diretor do Instituto de Pesquisa sobre a Pobreza e professor de Assuntos Fiscais na Universidade de Wisconsin-Madison, TimothySmeeding -, publicado em março pelo Centro de Desenvolvimento Econômico, em Washington.
"Comparing the Incidence of Taxes and Social Spending in Brazil and the United States" ("Uma Comparação da Incidência de Impostos e Despesas Sociais no Brasil e nos Estados Unidos") é parte de um projeto maior que cobre mais de 20 países, com o objetivo de verificar como a política fiscal tem sido usada, caso a caso, para enfrentar a questão da desigualdade.
Apesar de a renda per capita nos Estados Unidos ser quatro vezes maior do que a do Brasil, os autores encontram muitas similaridades entre os dois países e citam o tamanho do déficit primário, conjunto, nos três níveis da administração publica, os altos níveis de desigualdade relativamente aos níveis de desenvolvimento e, assinalam, o Brasil tem hoje o mesmo nível de desigualdade que tinha os Estados Unidos em 1940, quando o PIB per capita americano atingiu o nível atual do brasileiro.
"Apesar de o Brasil ter maiores níveis de desigualdade de renda, de ganhos intergerações e de educação do que osEstados Unidos, esses indicadores estão crescendo nos Estados Unidos e se movendo em direção oposta à do Brasil. Se a tendência continuar, os níveis podem convergir", diz o estudo.
O trabalho faz uso de uma metodologia que busca assegurar o máximo de comparabilidade entre os países, considerando quatro diferentes medidas de rendimento: a renda bruta (renda de mercado mais as transferências de recursos e de alimentos); renda disponível (renda bruta menos tributação sobre indivíduos, empresas e propriedade; renda pós fiscal (renda disponível mais subsídios indiretos e menos taxação indireta) e renda final (renda pós fiscal mais gastos do governo com educação e saúde).
Os autores confirmam a alta regressividade tributária no Brasil e nos Estados Unidos (os pobres pagam mais relativamente à sua participação na renda total) e chegam, no caso brasileiro, a uma conclusão que eles chamam de"abhorrent" (abominável): quando se considera a distribuição dos benefícios para a educação de nível superior no Brasil, obtém-se um coeficiente de concentração de 0.472, próximo do Gini para a distribuição de renda, indicando que os ricos se beneficiam quase que proporcionalmente à sua renda com a educação superior gratuita.
No país da desigualdade, poucos economistas se dedicam ao estudo do tema. Quem sabe agora a academia não se sente mais inspirada?
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531577-do-mercado-a-desigualdade

Os sem-teto protagonizam o terceiro dia de caos nas ruas de São Paulo


Os sem-teto protagonizam o terceiro dia de caos nas ruas de São Paulo


“Se não atenderem nossas reivindicações vamos parar a Copa. Se não respeitam nossos direitos, no dia 12 de junho não vai ter inauguração”. A ameaça, hoje recorrente, veio desta vez do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que protagonizou nesta quinta-feira o terceiro dia de caos nas ruas de São Paulo. Coordenados com a Frente de Resistência Urbana, qualificaram a marcha como "a maior manifestação do ano na cidade". A Polícia Militar afirmou que cerca de 5.000 pessoas acompanharam o ato, enquanto os movimentos elevaram o número a 20.000.
A reportagem é de Frederico Rosas e María Martín, publicada pelo jornal El País, 22-05-2014.
“Ninguém tomou chuva e caminhou porque acha bonito”, gritava no final da caminhada um dos líderes do MTST,Guilherme Boulos. “Nós temos uma proposta clara. Não adianta fazer Copa do Mundo sem que sejam respeitados nossos direitos. Queremos dizer que a bola está com o povo. Queremos nossa fatia do bolo e não migalhas”, continuou Boulos antes de atacar também as construtoras que seriam, segundo ele, as principais beneficiadas pelo evento. “Já nos reunimos com Dilma [Rousseff] e com o governador [de São Paulo, Geraldo Alckmin]. Eles não vão poder falar que não sabem o que estamos pedindo”, advertiu. A ameaça foi clara: “Nos disseram em Brasília que os recursos para moradia acabaram, enquanto os da FIFA não. Ou aparece o dinheiro ou o junho da Copa vai virar um junho vermelho [em referência à cor que identifica os movimentos populares]”.
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Entre os ativistas também se encontravam estudantes e grupos que há meses levantam a bandeira contra a realização do Mundial no país. A Frente de Resistência Urbana, que compartilha coordenação com os trabalhadores sem-teto, reúne muitos outros movimentos sociais. As reivindicações, cristalizadas em três protestos só neste mês, abrangem, além de moradia, saúde, transporte e educação, uma pensão vitalícia às famílias dos operários mortos e incapacitados durante as obras da Copa. Ao todo, nove trabalhadores já morreram nos canteiros dos estádios do torneio, cujos gastos superam com uma grande diferença os efetuados nos dois últimos Mundiais, na África do Sul e na Alemanha.
O protesto, que iniciou a marcha sob uma intensa chuva do Largo da Batata, zona oeste de São Paulo, elevou o grito “Copa sem povo, tô na rua de novo” até à ponte Estaiada, na zona leste, fechando pelo caminho importantes avenidas da cidade, como Brigadeiro Faria Lima e a Marginal Pinheiros, em horário de pico. Às 19 horas, São Paulo registrou 248 quilômetros de lentidão, um trânsito próximo ao recorde do ano, atingido na terça feira quando os motoristas e cobradores de ônibus estacionaram seus veículos no meio da rua como reivindicação por melhores condições de trabalho.
Durante o protesto, comerciantes do Largo da Batata fecharam as portas, assim como o shopping Iguatemi – um dos mais sofisticados e caros da cidade– que trancou e blindou com seguranças sua entrada principal por temor a invasões.
Em São Paulo existem hoje cerca de 290.000 prédios desabitados, segundo a Secretaria Municipal de Habitação. A pesar disso, quase 3,2 milhões de pessoas vivem em condições inadequadas, segundo um relatório municipal. Isto significa que ou não são proprietários da casa onde moram por ter sido construídas irregularmente –como as favelas-, pagam um aluguel excessivo em relação à sua renda ou moram em áreas de risco. Trata-se de 30% dos mais de 11 milhões de habitantes da cidade.
A menos de um quilômetro do estádio de abertura da Copa, a Arena Corinthians (Itaquerão), por exemplo, há uma comunidade composta por 300 famílias que esperam moradias populares e convivem com esgoto a céu aberto e problemas de falta de luz. Na zona, também se instalou um dos acampamentos do MTST, que reúne atualmente 5.000 famílias na denominada "Copa do Povo", que reclama uma casa própria do programa federal Minha Casa Minha Vida. As melhorias viárias que estão sendo realizadas no entorno acabam moldando um bolsão de riqueza em meio a uma das áreas mais pobres da cidade, na zona leste.
A proximidade do torneio está incentivando os trabalhadores das mais diversas categorias –professores, policiais, rodoviários- a ameaçar uma paralisação de suas atividades, mas com a demonstração de força deste último protesto, os movimentos sociais se perfilam como a principal ameaça à tranquilidade da Copa. No último dia 8, durante a primeira manifestação da Frente de Resistência Urbana, centenas de sem-teto invadiram as sedes de três grandes construtoras em São Paulo: a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a OAS, todas responsáveis por obras de infraestrutura para o Mundial. Na ocasião, líderes do protesto se reuniram com a presidenta Dilma Rousseff, que estava visitando a cidade, e que se comprometeu a encaminhar as reivindicações de moradia para os programas de habitação do Governo federal. A manifestação desta quinta-feira foi um aviso de que não esqueceram a promessa.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531615-os-sem-teto-protagonizam-o-terceiro-dia-de-caos-nas-ruas-de-sao-paulo

Papa aos bispos italianos: ''Não confiem na abundância de recursos e estruturas''


Papa aos bispos italianos: ''Não confiem na abundância de recursos e estruturas''

Francisco pediu aos bispos italianos para não confiarem na "abundância de recursos e estruturas", nas "estratégias organizativas". Ele voltou a falar do carreirismo, citado desta vez como "ambição que gera correntes, panelinhas e sectarismo". Faz um apelo à unidade do episcopado e, ao mesmo tempo, espera que haja na Conferência dos Bispos da Itália (CEI) real liberdade de discussão e de expressão. Ele convidou os bispos a serem "simples no estilo de vida, destacados, pobres e misericordiosos" para "poder estar perto das pessoas". E indicou três prioridades: família, trabalho e imigrantes.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 19-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É a primeira "prolusão" do novo papa à Assembleia Geral da CEI, durante a qual se discutirá a mudança dos seus estatutos referentes ao modo de designar o presidente: uma novidade absoluta, já que, no passado, o discurso papal era previsto na fase final dos trabalhos, sempre abertos pelo cardeal presidente.
Já no ano passado, o discurso tinha sido surpreendente, mas pouco compreendido. Hoje, depois de muitos encontros pessoais e visitas "in loco", o Papa Bergoglio oferece "algumas reflexões para se revisitar o ministério" dos bispos, para que ele seja sempre conforme ao Evangelho. Indo assim ao encontro "daqueles que se perguntam quais são as expectativas do bispo de Roma sobre o episcopado italiano".
No início, improvisando, Francisco disse que a única mensagem é o que Jesus diz a Pedro: "Segue-me!". "É preciso seguir Jesus." Depois acrescenta: "Um jornal deu os nomes da presidência da CEI dizendo: este é um homem do papa, este não é um homem do papa. Gostaria de dizer-lhes que todos são homens do papa! A nossa linguagem é comunal, não política. Às vezes, a imprensa inventa".
Na primeira parte do seu discurso, Francisco não hesitou em fazer perguntas capitais aos bispos: "Quem é Jesus Cristo para mim? Como ele marcou a verdade da minha história? O que a minha vida diz d'Ele?". O papa lembrou que, "sem oração assídua, o pastor está exposto ao perigo de se envergonhar do Evangelho, acabando por neutralizar o escândalo da cruz na sabedoria mundana".
E enumera uma série de "tentações" para a vida do bispo: "Vão desde a tepidez, que acaba na mediocridade, à busca de um viver tranquilo, que se esquiva de renúncias e sacrifício. Tentação é a pressa pastoral, assim como a sua irmã de criação, aquela apatia que leva à intolerância, quase como se tudo fosse apenas um fardo".
"Tentação é – continua Francisco – a presunção daqueles que se iludem que podem contar apenas com as próprias forças, com a abundância de recursos e de estruturas, com as estratégias organizativas que sabe colocar em campo." E o papa sabe que está falando com uma das conferências episcopais mais estruturadas, que pode contar com notáveis recursos econômicos.
"Tentação é – acrescenta – acomodar-se na tristeza, que, enquanto apaga toda expectativa e criatividade, nos deixa insatisfeitos e, portanto, incapazes de entrar na vivência da nossa gente e de compreendê-la à luz da manhã de Páscoa."
"Irmãos, se nos afastamos de Jesus Cristo, se o encontro com Ele perde o seu frescor – adverte Francisco – acabamos por tocar com a mão apenas a esterilidade das nossas palavras e das nossas iniciativas. Porque os planos pastorais são úteis, mas a nossa confiança está posta em outr lugar: no Espírito do Senhor, que – na medida da nossa docilidade – nos escancara continuamente os horizontes da missão".
Por isso, o papa convida a voltar "ao essencial" da fé, à relação viva com Deus, que é "metro de liberdade do juízo do chamado 'senso comum'". "Não nos cansemos, portanto, de buscar o Senhor" e de "deixar-se buscar por Ele".
Na segunda parte do seu discurso, o papa perguntou aos bispos: "Que imagem eu tenho da Igreja, da minha comunidade eclesial? Sinto-me filho dela, além de pastor? Sei agradecer a Deus por ela acima ou capto apenas os seus atrasos, defeitos e falhas? Quanto estou disposto a sofrer por ela?".
Ele explica que a missão do pastor "requer um coração despojado de todo interesse mundano, distante da vaidade e da discórdia; um coração acolhedor, capaz de sentir com os outros e também de considerá-los mais dignos do que a si mesmos".
Depois, Francisco, com as palavras de Paulo VI, lembrou que o serviço à unidade é "questão vital para a Igreja". "A falta ou mesmo a pobreza de comunhão é o maior escândalo, a heresia que deturpa o rosto do Senhor e dilacera a sua Igreja. Nada justifica a divisão: é melhor ceder, melhor renunciar – dispostos às vezes até a tomar sobre si a prova de uma injustiça – em vez de rasgar a túnica e escandalizar o povo santo de Deus".
Por isso, os pastores devem "fugir de tentações que de outra forma nos desfiguram: a gestão personalista do tempo, quase como se pudesse haver um bem-estar independentemente do das nossas comunidades; as fofocas, as meias-verdades que se tornam mentiras, a ladainha das queixas que trai desilusões íntimas; a dureza de quem se julga juiz sem se envolver". Mas Francisco não se esquece, no lado oposto, também "do laxismo daqueles que aquiescem sem se encarregar do outro".
O papa citou depois, sem rodeios, uma das chagas que infelizmente caracterizam a vida eclesial: "O roer-se de ciúme, a cegueira induzida pela inveja, a ambição que gera correntes, panelinhas e sectarismos: como o céu está vazio daqueles que estão obcecados por si mesmos...".
Também falou do "retrocesso que vai buscar nas formas do passado as seguranças perdidas; e a pretensão daqueles que gostariam de defender a unidade negando a diversidade, humilhando assim os dons com que Deus continua tornando a sua Igreja jovem e bela".
Em relação a essas tentações, explicou o papa, "justamente a experiência eclesial é o antídoto mais eficaz. Ela emana da única Eucaristia, cuja força de coesão gera fraternidade, possibilidade de se acolher, se perdoar e caminhar juntos".
Francisco, com uma indicação significativa também em relação às experiências da CEI, salienta a necessidade de "participação e colegialidade", de "diálogo, na busca e no esforço do pensar juntos". E aplica também à vida da CEI as expressões usadas por Paulo VI para definir o Concílio, indicando, como "nota dominante", a "livre e ampla possibilidade de investigação, de discussão e de expressão. Isso é importante em uma assembleia: que cada um diga o que sente, isso ajuda...".
O papa convidou a CEI a ser "espaço vital de comunhão a serviço da unidade, na valorização das dioceses, mesmo das mais pequenas. Começando pelas conferências regionais".
Em outra passagem, Francisco pediu que os bispos estejam perto dos seus padres: "Façam com que, no coração de vocês, eles possam se sentir sempre em casa". "Peçam aos consagrados, aos religiosos e às religiosas – acrescenta – que seja testemunhas alegres: não se pode narrar Jesus choramingando; ainda mais que, quando perdemos a alegria, acabamos por ler a realidade, a história e a própria vida sob uma luz distorcida".
Por isso, o papa convidou os pastores a serem totalmente dedicados às pessoas e às comunidades. "Ouçam o rebanho. Confiem no seu senso de fé e de Igreja, que também se manifesta em tantas formas de piedade popular. Tenham confiança que o povo santo de Deus tem o pulso para identificar os caminhos certos."
Também foi particularmente significativo o convite a acompanhar "com largueza o crescimento de uma corresponsabilidade laical; reconheçam espaços de pensamento, de planejamento e de ação às mulheres e aos jovens: com as suas intuições e a sua ajuda, vocês conseguirão não se atrasar ainda em uma pastoral de conservação – de fato, genérica, dispersiva, fragmentada e pouco influente – para assumir, em vez, uma pastoral que enfatize o essencial".
Na terceira parte do seu discurso, Francisco pediu que os bispos verifiquem a correspondência da sua ação no mundo com as palavras de Jesus relatadas no capítulo 25 do Evangelho de Mateus: "Tive fome... tive sede... era estrangeiro... estava na prisão". "Temo o juízo de Deus? Por consequência, gasto-me para espalhar com amplitude de coração a semente do bom grão de trigo no campo do mundo?".
Aqui, o papa fala de outras tentações, como a "distinção que às vezes aceitamos em fazer entre 'os nossos' e 'os outros'; nos encerramentos de quem está convencido de já ter o suficiente dos próprios problemas, sem ter que se preocupar também com a injustiça que é causa daqueles outros; na espera estéril de quem não sai do próprio recinto e não atravessa a praça, mas fica sentado aos pés da torre, deixando que o mundo siga pelo seu caminho".
Ao contrário, é necessário, acrescenta Francisco, "viver descentrados em relação a si mesmos, voltados ao encontro, que é também o caminho para reencontrar verdadeiramente o que somos: anunciadores da verdade de Cristo e da Sua misericórdia".
Verdade e misericórdia, explica o papa, citando Bento XVI, nunca devem ser separados, porque, "sem verdade, o amor se resolve em uma caixa vazia, que cada um enche a seu próprio critério": e "um cristianismo de caridade sem verdade pode facilmente ser confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social, marginais".
Aos bispos, Francisco pede "a eloquência dos gestos", pede que sejam "simples no estilo de vida, destacados, pobres e misericordiosos, para caminhar rapidamente e não interpor nada entre vocês e os outros. Sejam interiormente livres, para poder ser próximos das pessoas, atentos para aprender a sua língua, para se aproximar de cada um com caridade, ficando ao lado das pessoas ao longo das noites das suas solidões, das suas preocupações e dos seus fracassos: acompanhem-nas, até aquecer o seu coração e provocá-las assim a empreender um caminho de sentido, que restitua dignidade, esperança e fecundidade à vida".
"A nós, olha o povo fiel, o povo nos olha", dissera Francisco no início, improvisando. "Lembro-me do filme I bambini ci guardano para ser ajudado a compreender o próprio cotidiano".
Por fim, Francisco indica três "lugares" em que a presença dos bispos parece ser "mais necessária e significativa – e em relação as quais um excesso de prudência condenaria à irrelevância". O primeiro é a família, hoje "seriamente penalizada por uma cultura que privilegia os direitos individuais e transmite uma lógica do provisório. Sejam uma voz convicta daquela que é a primeira célula de toda sociedade. Testemunhem a centralidade e a beleza. Promovam a vida do nascituro, assim como a dos idosos. Apoiem os pais no difícil e entusiasmante caminho educativo. E não se esqueçam de se curvar com a compaixão do samaritano a quem está ferido nos afetos e vê comprometido o próprio projeto de vida".
Um segundo "espaço" que hoje "não se pode desertar é a sala de espera lotada de desempregados, pensionistas, trabalhadores precários, onde o drama de quem não sabe como levar o pão para casa se encontra com o de quem não sabe como levar a empresa para a frente. É uma emergência histórica, que interpela a responsabilidade social de todos: como Igreja, ajudemos a não ceder ao catastrofismo e à resignação, apoiando com todas as formas de solidariedade criativa o esforço daqueles que, com o trabalho, se setem privados até da dignidade".
"Por fim – conclui o papa – o bote que deve ser lançado é o abraço acolhedor aos migrantes: eles fogem da intolerância, da perseguição, da falta de futuro. Que ninguém volte o olhar para o outro lado".
Mais em geral, acrescenta, "que as difíceis situações vividas por muitos dos nossos contemporâneos nos encontrem atentos e partícipes, prontos para rediscutir um modelo de desenvolvimento que explora a criação, sacrifica as pessoas no altar do lucro e cria novas formas de marginalização e de exclusão. A necessidade de um novo humanismo é gritado por uma sociedade desprovida de esperança, abalada em tantas das suas certezas fundamentais, empobrecida por uma crise que, mais do que econômica, é cultural, moral e espiritual".
A íntegra do discurso, em italiano, pode ser lida aqui.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531514-papa-aos-bispos-italianos-nao-confiem-na-abundancia-de-recursos-e-estruturas

Militares, ciências, Educação Popular.

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