Friday, September 30, 2016

O MP é apenas um fármaco. A superconcentração do Executivo é a causa da corrupção. Entrevista especial com Roberto Romano

Como é próprio de muitos filósofos, ao analisar um problema, tal como o da crise brasileira e os casos de corrupção no país, Roberto Romano está preocupado, antes de tudo, em identificar qual é a sua causa para depois sugerir maneiras de resolvê-lo. E as causas da corrupção, que tem gerado uma “ânsia popular”, podem ser identificadas na estrutura do Estado brasileiro, que é “absolutista e atrasada” à medida que subordina todas as suas instâncias ao Executivo, que mantém uma relação direta com as oligarquias do país, diz à IHU On-Line.
Esse modelo de Estado, explica, foi herdado de Napoleão, introduzido no Brasil porDom João VI e se mantém até os dias de hoje. Não é à toa, exemplifica, que 90% daspolíticas públicas realizadas no país “são propriedade do Poder Executivo”. “Essa superconcentração faz com que o poder central tenha que captar apoio das regiões. Mas para manter sua presença nas regiões o instrumento estratégico reside nas oligarquias que obedecem ao poder central e ao mesmo tempo vendem essa obediência a preço caríssimo. (...) Trata-se de um modelo atrasado de representação política”, afirma.
Identificada a causa da corrupção, o filósofo pontua que é preciso reformar o Estadoe isso inclui “democratizar o Judiciário”. Entre as propostas, Romano sugere que os funcionários do Judiciário sejam eleitos pelo povo, tal como são os representantes do Executivo e do Legislativo. O ponto, afirma, é que através das eleições “eles teriam condições de se afirmarem como poder no Estado. Com mais autonomia e legitimidade, não dependeriam das maiorias parlamentares ou do beneplácito da Presidência. Sem esse quesito, ocorre a judicialização”.
Na avaliação dele, se o Judiciário não é eleito, ele sempre pode ficar subordinado aoPoder Executivo e suas ações podem ser questionadas. Sua crítica à Lava Jato vai justamente nessa direção. “Torna-se difícil entender e justificar aspectos da Operação Lava Jato e do Supremo Tribunal Federal”. Abdicar da eleição de juízes, promotores e procuradores e aceitar o princípio da boa-fé, o qual tem sido evocado por alguns membros do Ministério Público, também é problemático, argumenta, uma vez que “a boa-fé pode se transformar em má-fé, porque são dois lados de uma consciência que está em situação existencial, não é uma consciência pura, um Cogito ao estilo cartesiano ou kantiano. (...) Eles fazem uma tarefa maravilhosa, são honestos, mas e se muda o personagem? E se aparece um promotor sem boa-fé e não é honesto? É perfeitamente possível”, adverte.
Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line na última segunda-feira, 26-09-2016, quando esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHUparticipando do Ciclos de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum, onde ministrou a palestra a “Reinvenção do espaço público e político: o individualismo atual e a possibilidade de uma democracia da igualdade e dos afetos”, Romano comenta o atual momento político, a atuação do Ministério Público desde 1988 e explica a fundamentação teórica da Operação Lava Jato.

Romano durante sua palestra, em 26-09 passado, no IHU
Foto: Ricardo Machado | IHU
Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Cursou doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS, França. Escreveu, entre outros livros, Igreja contra Estado. Crítica ao populismo católico (São Paulo: Kairós, 1979), Conservadorismo romântico (São Paulo: Ed. UNESP, 1997), Moral e Ciência. A monstruosidade no século XVIII (São Paulo: SENAC, 2002), O desafio do Islã e outros desafios (São Paulo: Perspectiva, 2004) e Os nomes do ódio (São Paulo: Perspectiva, 2009).

Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que entende por judicialização, já que esse tem sido um termo recorrentemente utilizado no país?
Roberto Romano – Como todo vocábulo surgido nas lutas políticas e sociais, “judicialização” indica algo polissêmico que adquire sentido conforme a situação. NaFrança há um forte ressentimento contra os juízes ditos midiáticos que, em vez de se pronunciarem nos processos, procuram a imprensa para forçar decisões conformes ao seu ideário e modos de entender o problema e sua resolução. Naquele país existem muitos artigos e livros sobre a chamada judicialização da política. Cito apenas um livro, cujo título, aliás, é muito expressivo, publicado pelo jurista Daniel Soulez LarivièreDu cirque médiatico-Judiciaire et des moyens d’en sortir (Sobre o circo midiático-Judicial, e sobre os meios de nos livrar dele). O volume é de 1993, o que mostra a longevidade do problema.
Judicialização não significa apenas que o Judiciário às vezes usurpa as prerrogativas dos outros poderes. Ele comunica essa passagem à opinião pública, o que pode ser saudável em alguns momentos, mas problemático em outros. Geralmente quando não se consegue equacionar uma aporia econômica, política, religiosa, se força um caminho via imprensa. Com isso, duas coisas ocorrem: se abandona a senda tradicional da Justiça, e se transforma a imprensa — e esse parece o destino dela — em instrumento de poder. Isso ocorre menos na Inglaterra e na Alemanha. Mas surge com força na França, nosEUA, na Itália. No Brasil não estávamos acostumados ao juiz ator ou promotores como agentes político-ideológicos. Temos aí uma novidade que corresponde à crise geral do Estado. Aqui e no mundo.

O Estado centralizador

Desde que o Estado foi instituído, nos séculos XV, XVI e XVII, procurou manter o controle da sociedade, impor–lhe normas obtidas com sacrifício contra o poder eclesiástico e o dos nobres. A centralização da Justiça, da economia, da repressão social e política e do direito levou muito tempo. No século XIX vislumbramos um Estado que teria condições de realizar três monopólios: o da Norma Jurídica, o da Força e o dos Impostos. Esse Estado sobreviveu sob a hegemonia do Executivo. O Termidoracabou com a ditadura do Legislativo na França e atenuou o poder do Parlamento naInglaterra. Com o golpe do 18 Brumário, o Judiciário passou a ser tutelado pelo Executivo. Temos o rompimento com o modelo anterior do Estado democrático revolucionário: os juízes, na Revolução Francesa, eram eleitos e demitidos pela população com base no princípio da responsabilidade, herdado da Revolução Inglesado século XVII. O juiz que respondia diretamente ao cidadão em eleições se manteve, em parte, nos EUA, mas na França isso acabou e o magistrado passou a responder ao Imperador.
Esse foi o modelo de Justiça que recebemos, paradoxalmente, a partir de Dom João VI. Nós o herdamos de Napoleão, que retirou o juiz do trato com a cidadania. O magistrado passa a ocupar um nicho na máquina estatal. Tal nicho não é de poder, pois trata-se de uma instância superior no funcionalismo. Para existir poder efetivo é preciso que o cidadão apoie, escolha, legitime o responsável pelo cargo. É o que não acontece najudicialização da política. Um funcionário não eleito se imiscui em competência alheia, a do Parlamento ou do Executivo.
No Brasil, juízes e promotores jovens aproveitam a autonomia do Ministério Público e da Judicatura, que veio com a Constituição de 88, para exibir certo protagonismo em relação ao povo. Assim, eles não caminham para a via democrática. Na “entrevista show” em que denunciou Luiz Inácio da Silva, Deltan Dallagnol insistiu no fato de que eles são concursados, como se um concurso preenchesse o requisito pleno da legitimidade. E se conversamos com juízes ou promotores sobre eleições no Judiciário, ouvimos que elas não podem ocorrer porque isso introduziria instabilidade nos julgamentos e sentenças. Mas os juízes norte-americanos são eleitos.
IHU On-Line – Que vantagens o senhor vê na eleição de juízes, procuradores e promotores? Em que a eleição alteraria a prática deles?
Roberto Romano – É o ponto: eles teriam condições de se afirmarem como poder no Estado. Com mais autonomia e legitimidade, não dependeriam das maiorias parlamentares ou do beneplácito da Presidência. Sem esse quesito, ocorre ajudicialização. Torna-se difícil entender e justificar aspectos da Operação Lava Jatoe do Supremo Tribunal Federal. Há certa margem de razão na queixa dos petistas e da esquerda em geral de que juízes e promotores priorizam, na caça à corrupção, alguns partidos e setores ideológicos. Quando nada sai contra notório integrante do PMDB que ocupa a presidência do Senado, podemos perguntar: quando chegará a hora do PSDB ou do PMDB? E se terminar no PMDB, será legítima tal ação definida pelo aplauso popular? Esse ponto me deixa preocupado.

A crise do Estado

Todos os Estados enfrentam uma crise de competência, de legitimidade e de eficácia. Desde o século XIX a população do mundo mudou em termos numéricos e qualitativos, deixou de viver no campo e veio para as urbes e, nelas, as necessidades públicas se tornaram incomensuráveis com o que era exigido pelo campo. É difícil que o Estado possa garantir todos os serviços à população concentrada em aglomerados complexos. Como “solução” para a crise surgiram doutrinas de cunho fascista. Autores como Carl Schmitt tiveram sua doutrina aceita e aplicada por governos como o de Pinochet: privatização máxima dos serviços públicos e repressão máxima, elementos que fazem o Estado sobreviver. No Guardião da Constituição vemos a receita: seria insuportável, naRepública de Weimar, que o Estado fosse proprietário de estradas de ferro ou assumisse o controle da economia. Tal ideia, banalizada pelos neoliberais como Hayek— devedores de Carl Schmitt — ajudou o Estado a ter um respiro ao flexibilizar o controle da economia e do social. Mas na Alemanha nazista, ao lado da repressão inaudita na História, a parceria de governo e empresários não aceitou limites no uso de trabalho escravo, no esgotamento até à morte de povos como o judeu, na superexploração dos prisioneiros de guerra. Empresas hoje muito conhecidas mantiveram tal conúbio com o totalitarismo. Mas sejamos claros: se o Estado perdesse de fato, em tais tiranias, o controle da economia e do social, perderia o poder. Essa é uma realidade já conhecida por Luís XIV .
Essa crise leva os governantes a procurarem o cidadão diretamente, na política de massas. Legislador e políticos procuram o cidadão nas eleições, não o juiz. A Lava Jato, com ações espetaculosas, surge para a população como uma liga dos salvadores da República. Os únicos salvadores. E como o nosso Estado em crise nunca foi plenamente democrático, a cidadania se sente desassistida, pois o Estado não consegue manter os serviços. Junho de 2013 começou com os problemas no transporte público, depois seguiu para a saúde, a educação etc. E na crise acontecem duas coisas: a ânsia popular face à corrupção e a tentativa de colocar nos juízes — e nos militares — a responsabilidade pela correção do Estado e da vida social que ameaça a todos. A solução proposta pelos atores da Lava Jato é perigosa para eles e para a República, se ainda for possível falarmos em República no Brasil.
IHU On-Line – Muitos têm feito outra leitura, de que a Lava Jato é composta por uma nova geração de juízes e procuradores jovens que justamente querem fazer Justiça, já que num país como o Brasil, o Judiciário sempre ficou atrelado, no mau sentido, ao Estado. Então, os procuradores e juízes estariam desempenhando suas funções sem fazer militância para um outro partido. Não concorda com essa interpretação?
Roberto Romano – Concordo em parte, porque acompanhei o Ministério Públicoantes e depois da Constituição de 88. De fato, muitos procuradores e juízes não queriam esse protagonismo social. A novidade veio com a geração petista, como Luiz Francisco, que tentaram fazer o que os procuradores e juízes da Lava Jato fazem hoje, só que pela esquerda. Mas os petistas não tinham o treino e o scholarship dos procuradores e juízes que hoje atuam. Eles são jovens, mas o problema não está na juventude, embora esse seja um ponto importante. Joaquim Barbosa não era um menino e representou, no episódio do Mensalão, tudo que a opinião pública espera. Quando o Estado não tem controle e setores importantes das finanças e da indústria definem o padrão de funcionamento do que é público, aparece a ineficácia institucional à luz do dia e o povo procura, de maneira blasfema, um Salvador humano, individual ou coletivo. Como aquele Soter não é Deus, as falhas sempre representam ameaças autoritárias, por melhor que seja a intenção de quem se julga tutor do povo.
IHU On-Line – E como equalizar essa situação, porque de um lado há uma demanda legítima da sociedade de apurar e condenar os casos de corrupção e, de outro lado, os atores que estão atuando para que isso seja feito são o MP e o Judiciário na primeira instância?
Roberto Romano – Na Alemanha existe a saída colegiada, partilha de poderes, o que traz uma ausência de lideranças democráticas. Se tirarmos Angela Merkel, poucos sabem quem são os demais políticos. Na França, meia dúzia de agentes medíocres dominam a política. Na Itália é hilariante, porque um primeiro ministro foi empregado do Lehman Brothers. No Brasil, a situação é pior porque tivemos duas ditaduras violentas que ceifaram vocações para a liderança. Quando desapareceu a geração que resistiu ao arbítrio ditatorial, Ulysses Guimarães e Mário CovasLeonel Brizola,Miguel Arraes e outros, não sobrou ninguém. Fora Luiz Inácio da Silva, com milhares de seguidores, não há outra liderança nacional autêntica.

Assembleia Constituinte

Nossos partidos não são agremiações políticas. Eles não têm programa ideológico, mas são oligarquias e federações de oligarquias disfarçadas. Nossa federação não é federação; não existe autonomia real dos municípios e Estados. A situação é dramática porque o poder federal corta recursos e os Estados exigem dinheiro da República, mas dinheiro é o que não existe mais no cofre. Seria necessário coragem — e delírio — para convocar aAssembleia Nacional Constituinte que fizesse uma Constituição na qual se ampliasse o que na Carta de 88 integra o Estado Democrático de Direito.

Quem dá unidade à Constituição?

Constituição de 88 foi um golpe de Estado porque o Congresso que serviu à ditadura foi mantido, acrescentado de constituintes. A doutrina que resultou teve traços do Estado Democrático de Direito e do Estado de Direito. Mas as duas doutrinas não são consentâneas e harmonizáveis. Num capítulo se trata da propriedade como algo absoluto e noutro como social. Conforme o juiz, o governador, o presidente, o peso é dado para um capítulo ou outro. A Constituição está desfigurada devido à quantidade de Emendas, quase todas em favor do Executivo, como a da reeleição. Se compararmos a escrita original com a de hoje, são textos completamente diferentes. A Constituição não tem síntese, algo fundamental em termos lógicos. O que fornece unidade interna à Constituição? No nosso caso isso não existe.
Um texto deve ter duas marcas: ou ele é um manuscrito incompleto e precisa de técnicas hermenêuticas ou é contemporâneo e requer um sistema unificador dos seus parágrafos, uma forma lógica, um núcleo. A Constituição não tem semelhantes marcas, o que gera o subjetivismo: um intérprete diz que tal situação é constitucional, outro que essa mesma situação não o é. Instaura-se uma querela perene sobre que é, ou não, constitucional. Desde o impeachment da presidente Dilma, essas interpretações se acirraram. Os intérpretes nem falam a partir de situações opostas: eles não falam a mesma linguagem.

Medidas

É preciso uma Assembleia Nacional Constituinte que ordene uma nova estrutura interna dos partidos políticos. Algo complicado: o STF decidiu que não haveria cláusula de barreira na criação dos partidos. Agora, o mesmo tribunal não assume a responsabilidade pelo que está acontecendo. O aumento dos partidos levou à maior corrupção. O Mensalão e o Petrolão se explicam por isso, porque os donos dos partidos, sobretudo dos pequenos, não têm visão de mundo, mas só buscam o lucro pessoal. Precisamos de partidos, de federalização. É preciso decidir sobre o tipo deJudiciário que queremos: atrelado ao governo e às suas maiorias ocasionais no Congresso, ou um Judiciário eleito? Nos EUA há muita polêmica sobre a eleição dos juízes eleitos, mas ali, com as dificuldades de toda vida institucional, a justiça é aplicada.
IHU On-Line – Então a eleição resolveria parte dos problemas do Judiciário?
Roberto Romano – Sim. Mas também urge instituir um Judiciário altamente gabaritado do ponto de vista do saber técnico. Caminhamos em tal sentido. O dito pelo procurador Dallagnol — os concursos — faz um pouco de sentido. Antigamente muitos concursos eram feitos com base na influência de governadores e políticos. Agora existe a profissionalização.
IHU On-Line – Ao falar que eles são concursados, o que ele quer não é justamente se distanciar dos políticos e da militância política?
Roberto Romano – Sim, quer se distanciar da política oligárquica e isso é verdade. Mas, por outro lado, não basta o saber técnico. É preciso a legitimidade concedida pelo povo soberano. Devemos enfrentar uma nova atitude face ao regime político: é ou não democracia. Pode não ser uma democracia, porque Deus não disse que a única saída é a escolha democrática. Mas para merecer o título de democracia, aqueles setores devem ser eleitos.
IHU On-Line – O senhor tem acompanhado a atuação do MP nas últimas décadas. O protagonismo que ele vem desempenhando desde a Constituição de 88 é por conta da falência de outras instâncias do Estado em geral?
Roberto Romano – Com certeza. Certa vez o procurador geral do Estado de São Paulo,Rodrigo Pinho, me chamou para conversar. Ele queria um curso sobre ética. Antes da pauta, perguntei-lhe por que todo prefeito odeia o promotor público da sua cidade. Dada a estrutura do Estado brasileiro, os impostos saem das cidades e vão direto para o Ministério da Fazenda e do Planejamento. Para que o dinheiro volte ao município é necessário o “é dando que se recebe”, um político que carreie o dinheiro para a região. Nesse ínterim em que a verba não vem, o prefeito, eleito por seus cidadãos, se vai à feira o feirante cobra as estradas, no futebol recebe vaia porque não foi terminado o campo. Se ele encontra as mães, elas exigem a creche prometida. O padre diz que as ruas não estão iluminadas etc. O prefeito enfrenta todas essas questões, enquanto o promotor apenas tem a lei diante de si e não responde à população, tampouco se preocupa se o cofre da prefeitura tem ou não dinheiro, aplica a Lei de Responsabilidade Fiscalimpiedosamente.
Muitos promotores querem legislar e executar. E dizem o que o prefeito pode ou não fazer. Aí a situação é gravíssima. Não se trata da pessoa empírica do prefeito ou do promotor, mas de uma estrutura de poder que passa pelo dinheiro, pelos recursos e serviços públicos. Numa cidade de 200 mil habitantes, imaginemos tudo o que o prefeito precisa fazer com recursos limitados, tendo que obedecer a chefes oligárquicos, porque do contrário o dinheiro não vem. E aí entra a corrupção, com raiz nessa estrutura não federativa e distribuição desigual de recursos. Somemos o fato de que por volta de 30% dos municípios brasileiros não têm recursos próprios, recebem do Estado ou das federações, ou seja, são cartórios eleitorais disfarçados. É uma situação sem saída, e a tutela, que vem de antigos tempos, se acentuou depois da autonomia do MP.

Legisladores ou promotores de Justiça?

Os gregos dizem que um fármaco é ao mesmo tempo veneno e remédio. O MP é fármaco; ele ajuda muito e agiu em situações heroicas, como no “escândalo da mandioca”, quando promotores foram assassinados por cumprir seu dever. Mas por outro lado eles estão exercendo certo poder devido à fraqueza de outros poderes. Tal coisa não é muito boa para eles, porque chegará um momento em que o MP deverá responder pelas políticas públicas. Por enquanto ele responde pelo que não pode na corrupção, nas obras públicas, mas quem assume ou que autoridade parlamentar vai querer ser definida pela autoridade do MP, como os prefeitos agora? E quem assumirá os cargos de legislador e executivo? O MP? Eles tentam. Pelo menos três pontos da proposta por eles encaminhadas à Câmara são delirantes. Os deputados estão furiosos, porque os procuradores não aceitam mudanças reais nos itens propostos. Ora, ou eles são legisladores ou promotores de Justiça.
IHU On-Line – Mas não há uma fraqueza do Legislativo nesse ponto? Ou a fraqueza é somente do Executivo?
Roberto Romano – A estrutura do Estado brasileiro é absolutista e atrasada. O poder central, desde antes da Independência, precisou manter a fidelidade das regiões para evitar que o Brasil se transformasse em dez “Bolívias” ou 50 “Uruguais”. Para isso foi utilizada a força física pelo poder central. A superconcentração das políticas públicas ficou atrelada ao poder Executivo e não ao Legislativo e menos ainda ao Judiciário. Se você analisar as políticas públicas hoje, 90% delas são propriedade do Poder Executivo: saúde, arte, educação etc. Sempre tivemos esse Estado burocratizado, truculento, permanentemente preocupado com a separação — até em 1932 houve essa tentativa em São Paulo. Essa superconcentração faz com que o poder central tenha que captar apoio das regiões. Mas para manter sua presença nas regiões o instrumento estratégico reside nas oligarquias que obedecem ao poder central e ao mesmo tempo vendem essa obediência a preço caríssimo. Pobre presidente da República que não consiga pagar a conta: João Goulart não conseguiu, GetúlioJânio Quadros,Collor e Dilma Rousseff não conseguiram. Amanhã será Michel Temer. Se o senador não conseguir levar o mínimo de obras para o seu Estado, ele perde votos e deixa de apoiar o presidente da República. Trata-se de um modelo atrasado de representação política.
Nesse contexto, o que é o Poder Legislativo? A reunião dos coronéis ou dos lobistas do poder econômico. Agora mesmo falam em regulamentar o lobby pelo Poder Executivo; é hilário. Nas gavetas do Congresso dormitam 11 projetos para regular o lobby. E nada. Então, se não o regulamentam, não é que o Legislativo seja fraco; ele é forte quando exprime os desejos e os interesses de poderes econômicos.

O golpe

Quando falam que o golpe parlamentar destituiu a presidente Dilma, digo que não houve golpe parlamentar, mas da Fiesp, como em 64 o golpe veio dos bancos e do poder estrangeiro. Os parlamentares cumpriram hoje o papel de lobistas desses poderes e votaram a favor do impeachment porque interessava a eles. Além disso, viram que — e esse foi o grande erro da Dilma Rousseff — o caixa do BNDES se esgotava. Daí, colocaram seus parlamentares e juristas para arquitetar um golpe.
No processo do impeachment, quase não me pronunciei porque não era possível conversar com a esquerda, porque ela localizava o golpe num lugar que era o instrumento do golpe, e não a sua origem. Continua, como em 64, a Fiesp como força motriz que teve apoio, consciente ou inconsciente, do MP. Esse ponto eu acho gravíssimo em relação aos integrantes do MP. Se eles não revisam seu modus operandi e não denunciam os líderes do PSDB e do PMDB, entram para a história como um instrumento de golpe de Estado, como os militares.
IHU On-Line – Quando o senhor diz que houve um “apoio” do MP para que o impeachment fosse levado adiante, está dizendo que o MP foi utilizado indiretamente como um instrumento para a realização do impeachment, ou que o MP quis, conscientemente, apoiar o impeachment como militantes de partidos?
Roberto Romano – Sim, foi indireto e instrumentalizado. Não digo que eles fizeram como foi feito em 64, quando os militares conspiraram ativamente com os poderes econômicos e estrangeiros.
IHU On-Line – Mas o MP percebe que está acontecendo isso que o senhor diz que acontece?
Roberto Romano – Eles não se dão conta, como também não se dão conta dos erros que cometem. Eles estão no momento pelo qual Joaquim Barbosa passou: encarnam o Bem absoluto e não aceitam críticas. Imaginam que sua tarefa é tão sublime que não pode ser discutida ou reconfigurada por ações e pensamentos contrários. Se existe pessoa autoritária no Brasil, ela se chama Joaquim Barbosa. E milhões o aplaudiram. Agora, quando ele se pronuncia contra o impeachment, quantos o evocam? Ninguém. 
Hegel e Marx têm uma expressão para definir as pessoas que carregam ideais e interesses complexos. Eles são apenas o suporte, o Träger. Em determinado momento Joaquim Barbosa foi o Träger e agora são os procuradores mais Sérgio Moro. Depois, podem ser outros. Meu receio é que logo teremos militares como Träger. Se não resolvermos a governabilidade e não vivemos a democracia, o que sobra? Se não tem lideranças democráticas, como fazer?
IHU On-Line - Muitos políticos e intelectuais têm criticado o MP na apresentação das denúncias e dizem que as coletivas são teatrais. Renan Calheiros chegou a chamar a coletiva em que o MP denunciou Lula por lavagem de dinheiro de “exibicionismo” e o PT chama os procuradores de “senhores da lei”. Também são feitas críticas ao Judiciário e ao juiz Sérgio Moro por aceitar as delações premiadas e manter alguns acusados presos. Eles alegam que o modo como a operação está sendo realizada fere o princípio da Presunção de Inocência. Há ou não irregularidades na condução jurídica da Lava Jato?
Roberto Romano – O primeiro erro é que eles estão fazendo política como se não estivessem. Eles não têm algo fundamental ensinado por AristótelesPlatão eMaquiavel: a prudência. Prisões espetaculares e entrevistas idem a cada vez, assim como o esquecimento tático ou estratégico de outros partidos, metidos até o nariz na corrupção, são erros políticos. Se assumem o protagonismo político, deveriam ter prudência. Os políticos oligárquicos têm um sentimento de poder que vem desde 1500 e conquistaram legitimidade pelos favores que prestam às cidades. Se a Lava Jatocontinua assim, daqui a pouco eles não terão o instrumento que lhes é essencial, a lei. Foi o que aconteceu com a Operação Mãos Limpas. A fonte de força vem justamente do trato dos políticos com a cidadania. Errado ou não, demagógica ou não, eles têm semelhante força, que os juízes não têm. A Lava Jato tem popularidade, o que difere do poder pleno.
IHU On-Line – Mas as coletivas dos procuradores não são uma estratégia justamente para garantir o apoio popular, porque os políticos já fazem o discurso contrário de deslegitimar a operação?
Roberto Romano – Sim, elas são feitas para ter a opinião pública do lado do MP e intimidar os adversários. E isso é péssimo. Uma vez analisei uma ação do Luiz Francisco. Ele fazia uma série de coisas pelas quais teve que responder ao conselho do MP e foi punido. Eu disse em artigo de jornal que o MP, do qual o Luiz Francisco era exemplo, poderia ter a sorte do Savonarola. O frade instalou a “ditadura da santidade” em Florença e mandou até que, por falta de armas, terminou na fogueira. À época, Luiz Francisco me enviou um e-mail dizendo que “não iria me processar” (clara ameaça de que estava inclinado a tal coisa) porque eu o tinha chamado de Torquemada. Respondi que se ele lia processos como lia artigos, estávamos muito mal. No fim, ele acabou pedindo desculpas.
Não duvido que o Luiz Francisco estivesse no ímpeto do bem, lutando ao lado do PT e agora há um ímpeto do bem contra o PT. Mas moralidade absoluta não existe em nenhuma sociedade. Basta ver que havia uma corrupção imensa no próprio governo jacobino, quando uma grande quantidade de corruptos governava à sombra deRobespierre, cujo título popular era “O incorruptível”.
IHU On-Line – Mas como é possível dissolver um caso de corrupção?
Roberto Romano – A última operação da Lava Jato chama-se Omertà, porqueMarcelo Odebrecht titubeia em assinar a delação premiada. Se não conseguem que um réu delate totalmente, prendem um novo réu para que o outro delate? Eles deveriam ter a prudência de não fazer coisas acima ou além das suas forças. Poderiam continuar com as delações premiadas, mas estão fazendo de si mesmos, para os políticos, um espantalho, um medo. Quando alguém que manda tem medo, deve-se tomar cuidado com essa pessoa. Já dizem que os próximos serão a ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, e Renan Calheiros. Quando se espalha o medo, cria-se solidariedade na “comunhão negra” a que se refere Merleau-Ponty, ao comentar Maquiavel.
IHU On-Line – E qual é a outra possibilidade?
Roberto Romano – Uma coisa é agir segundo as regras que definem a própria instituição, outra é o espetáculo oferecido. Dallagnol prega de Norte a Sul. Eles acham que garantem para si a opinião pública e que ela irá sempre sustentá-los? Mesmo na prisão de todo o parlamento? Na tutela do poder Executivo? Eles estão sendo imprudentes.
IHU On-Line – E quando eles argumentam por meio do princípio de boa-fé?
Roberto Romano – Fiz essa crítica na Comissão Especial da Câmara, que discute as propostas do MP, porque esse princípio da boa-fé não é aceito universalmente. Se você for ler um pensador rigoroso como Sartre, em O ser e o nada, a boa-fé pode se transformar em má-fé, porque são dois lados de uma consciência que está em situação existencial, não é uma consciência pura, um Cogito ao estilo cartesiano ou kantiano. Se você age de boa-fé mas não segundo a lei, relativiza a lei e termina por aboli-la. A sua vontade se transforma em lei e chegamos à tirania. É muito sério do ponto de vista ético que alguém, posto para promover o respeito da lei, relativize a lei em nome de uma consciência subjetiva.
Eles fazem uma tarefa maravilhosa, são honestos, mas e se muda o personagem? E se aparece um promotor sem boa-fé e que não é honesto? É perfeitamente possível. Este exemplo é típico para ilustrar isso: “O Presidente Costa e Silva pode abusar do poder do AI-5”. “Não, ele nunca vai abusar”. E pergunta Pedro Aleixo: “E o guarda da esquina?” É isso que se tem que pensar, não podemos, em nome de subjetividades, colocar em risco a soberania da lei. Ou a lei é ou não é. Se a lei do MP lhes facultasse obter provas que não são totalmente lícitas nem ilícitas, onde vamos parar? Fui vítima de promotores públicos na ditadura que disseram no processo que eu era terrorista, merecendo a pena capital, mas fui inocentado por um tribunal de militares por falta de provas.
IHU On-Line – Mas nos casos de corrupção é difícil chegar às provas concretas porque o esquema é montado justamente para que não existam provas. Como faz? Não resolve?
Roberto Romano – Procuremos outras maneiras de sanar a corrupção e não fiquemos apenas no resultado da aplicação da lei. É o que disse Lorde Acton, um católico, quando discutia com um bispo também católico: o bispo queria desculpar a Igreja e o papa pelos erros cometidos na noite de São Bartolomeu. Mas, segundo Acton, não é possível desculpar a Igreja e o papa dessa maneira, pois o papa não seguiu os mandamentos da própria Igreja. Logo, mesmo sendo o papa, ele é culpado. E Lorde Acton diz ao bispo: “O senhor quer evitar a corrupção, eu quero saber a causa da corrupção”. Esse é o ponto.
Se o Estado continua a não funcionar, pois é em demasia centralizado, se o parlamento é apenas uma correia de transmissão entre as regiões e o poder central, se uma Justiça napoleônica não é de fato autônoma, se o prefeito continua desprovido de dinheiro, continuaremos punindo, punindo, punindo sem mudar a estrutura do Estado e sem a exigência democrática de responsabilização? 

IHU On-Line – Mas, por outro lado, não lhe parece que há uma recusa da punição? Porque de fato é fundamental tratar das causas, mas nunca se trata da causa e nem da punição. Aí nem se pune quem rouba dinheiro público, nem se muda o sistema, e continua tudo como está.
Roberto Romano – Sim, tudo bem, mas aí se faz o linchamento, na tradição brasileira. Todo mundo sabe que mulheres são violentadas, que homens violentam crianças, mas aí aparece um sujeito na praça e todo mundo grita: “estuprador!”. As pessoas correm para a praça e matam o sujeito. Está tudo resolvido?
No fundo temos um Estado e uma sociedade fraca e violenta. Todos vivem sob o regime do medo. Aí nesse contexto surge Getúlio, esperança da lavoura, mesmo sendo um ditador. Depois, aparece JK, que é a maravilha, mas termina tendo que governar quase que tutelado pelos militares. Aí chega Jânio Quadros, que vai cuidar da corrupção e sete meses depois abandona o governo. No lugar dele, entra Jango, que tem uma saída racional, capitalista inclusive, mas que não interessa ao capital estrangeiro, e cai. Depois chega um longo governo de militares que não se equilibram com os poderes econômicos e sociais. Na sequência vem Sarney, que ao terminar seu governo, perde toda governabilidade. Aí surge o Collor, que iria resolver a inflação. Depois vem um sujeito que não tinha compromisso nenhum com oligarcas e militares, Itamar, que conseguiu um mínimo de governabilidade, atenuando a inflação. Depois FHC, que termina o primeiro governo mal das pernas, paga para a reeleição e segura o dólar causando bilhões de prejuízos à economia brasileira. E depois veio Lula, o grande salvador, com o apoio de toda a burguesia que esperava os bilhões. E os bilhões vieram. Mas há diferença entre Lula e DilmaLula dava dinheiro para os empresários via banco e os empresários tinham que pagar o banco, e a Dilma deu dinheiro diretamente do BNDES. Empresários aplicaram em letras do Tesouro norte-americano, e deixaram a produção em compasso de espera. Quem diz tal coisa não é um veículo de esquerda, é o jornalValor Econômico.
Desculpe a resposta longa, mas existe certa ciclotimia de massas no Brasil, doutrinadas diuturnamente pela mídia para serem dóceis ao governo. Quando aparece um movimento mais forte, é identificado com baderna. A luta contra a corrupção precisaria de outros parâmetros éticos. Insisto: se o juiz Sérgio Moro segue aOperação Mãos Limpas, não pode estar agindo de um modo consciente. De tão envolvido no movimento, ele revive o drama ocorrido na Itália. Amanhã pode aparecer no Brasil um caçador dos corruptos, como foi o Berlusconi. Este, uma vez instalado no poder, acabou com o poder dos juízes e promotores. 

IHU On-Line – Qual é a fundamentação filosófica da Lava Jato? Qual é a doutrina jurídica que a fundamenta?
Roberto Romano – Entre as doutrinas que circulam no meio acadêmico e as maneiras pelas quais elas são assumidas, há uma distância. Uma figura presente desde Joaquim Barbosa até Curitiba é Claus Roxin, com a teoria do domínio de fato. Mas não se constata entre nós a doutrina tal como ele a formulou, mas reaproveitamento que passa pelo crivo da ação prática. Existem também tentativas de aplicar a hermenêutica à teoria do domínio de fato, e fazer uma espécie de retomada de Hans Kelsen, mas sem o normativismo brutal, e também existem tentativas de repensar contributos do Carl Schmitt, como no caso de Agamben, sobretudo no que tange ao estado de exceção. Mas não vejo essa imediatez que se percebe no andamento da Justiça. Na Lava Jato se utiliza a teoria do domínio de fato: quem controla a situação é o responsável, mesmo que ele negue tudo. Lula nomeou funcionários, fez isso e aquilo. Portanto, ele é chefe da quadrilha petista. Mas não é isso que Claus Roxin indica. Seu pensamento foi suscitado pelo totalitarismo, pela quantidade de nazistas que fugiram da responsabilidade depois de Nuremberg.
IHU On-Line – O que seria então a democratização do Judiciário além da eleição dos juízes, como o senhor sugere?
Roberto Romano – Existem várias possibilidades. Não se muda um regime e uma estrutura de poder em três dias. O que poderia ser feito é retornar pouco a pouco a práticas similares à do juiz de fora, que vem do Império Português, a qual deixamos de lado. Retomar a carreira do juiz de paz, que dirime querelas mais simples do convívio (muitas vezes não são tão simples, basta pensar nas brigas de propriedades limítrofes). Poderíamos ir de baixo para cima restabelecendo padrões e definindo uma relação nova do juiz com o cidadão. Aí podemos subir para outras instâncias e não admitir, por exemplo, no STF, alguém que não tenha sido juiz. Esse é um ponto de consenso nosEUA. Um advogado como Dias Toffoli, não porque não passou em concursos, mas por não ter trato com a judicatura, não tem experiência, não poderia estar ali. Se fizermos essas mudanças, pode-se ir instituindo eleições intra corpus e depois extra corpus etc. São centenas de ano de um Judiciário napoleônico. De todo modo, precisamos mudar.
IHU On-Line – O juiz Moro tem defendido o fim do foro privilegiado, como outros também têm apoiado. A proposta é adequada?
Roberto Romano – Sim. A prerrogativa de foro tem seus defensores, mas por outro lado, se levarmos a sério o princípio republicano e democrático, não pode existir prerrogativa de foro a não ser — e esse é um ponto que precisa ser sublinhado — para os chefes dos poderes, por uma razão muito simples: se um chefe de Poder Judiciário, Executivo ou Legislativo é submetido a um juiz de comarca, a República inteira cai por terra. Mas o foro seria destinado ao chefe e não a cada deputado, a cada prefeito e a cada senador.
No Império não existia prerrogativa de foro. Na Constituição de 1934 ela era proibida, a ditadura não conheceu foro privilegiado, ou seja, isso é uma coisa daConstituição de 88 e integra o golpe que foi a Constituição. Os políticos que serviram a ditadura e meteram a mão no dinheiro público colocaram, na prerrogativa, uma salvaguarda para si mesmos. A grande traição de Lula e FHC foi aceitar essa medida e normatizá-la. Assim como os militares fizeram a lei de Anistia se prevenindo e prevenindo os seus, os parlamentares também fizeram. Mas isso precisa ser mudado.
IHU On-Line – O senhor tem dito que não existe espaço público no Brasil? Qual é a dificuldade de instituí-lo?
Roberto Romano – Não existe. No antigo regime, o espaço público era a Corte.Habermas disse que com a imprensa e a burguesia se ampliou o espaço público. Onde está isso no Brasil, na imprensa nacional, nos debates, na sociedade? Um embrião de espaço público foi feito em Porto Alegre, com o Orçamento Participativo - OP, e aquilo poderia ter ajudado a educar o cidadão. Mas uma vez eu fui visitar o OP num ginásio em Porto Alegre e um grupo entrou atrasado, com uma faixa que dizia algo assim, vou inventar um nome: “Pedro Leopoldo saúda os participantes”. Aí perguntei para minha colega de sociologia onde ficava Pedro Leopoldo e ela respondeu: “Onde não, quem é Pedro Leopoldo; ele é o dono da comunidade”. Depois, na hora das falas, tinha gente que dizia: “O meu movimento, o meu movimento”. Na mesma ocasião, a prefeitura tinha feito fichas de agendamento de matrículas justamente para os pais não ficarem na fila, mas alguns líderes comunitários exigiam as fichas para eles distribuírem para a sua comunidade.
Está claro o que isso significa? Então, o OP era um modo da cidadania saber o que era política pública e formar bons fiscais e proponentes de modificações, mas acabaram com o OP. Esses dias o Lula disse: “acabaram com o OP”, mas o fato é que desde que o PTchegou ao Planalto, acabou o OP no Brasil todo.
IHU On-Line – O senhor pode nos falar sobre a sua tese de doutorado, que foi bastante criticada à época?
Roberto Romano – Minha tese chama-se “Le Signe et la Doctrine, prismes du discours théologique dans le Brésil contemporain” (1978). Ela foi traduzida e publicada com o título de “Brasil, Igreja contra Estado”. Nela, questionei não a Teologia da Libertação, mas o modo pelo qual ela estava sendo encaminhada como um “Ersatz” das vozes das massas brasileiras, tentativa de servir como mediador político. O fundador da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez, nunca fez o que Clodovis Boff e outros fizeram. Essa é uma diferença. Eles propuseram uma Igreja que se transformaria em socialista. Não existe isso. Quem conhece a história da Igreja sabe que ela tem múltiplas experiências de base. A ilusão dos teólogos da libertação foi achar que a Igreja, enquanto instituição global, tenderia para o socialismo. Ela não vai tender para o socialismo ou capitalismo, pois tem uma cultura própria e 5 mil anos de cultura e não 2 mil anos atrás de si. Se essa instituição tem uma capacidade imensa de autorreflexão e de se autorrenovar, não se pode atrelá-la a um projeto secular como o socialismo.
A maior celeuma ao redor do meu livro é que eles estavam falando isso quando João Paulo II subiu ao trono de São Pedro. Ele era anticomunista e o foi por razões próprias da Polônia. Ele começou a desmontar o que era progressista na Igreja, movimento esse que não começou com ele, mas com Paulo VI — e as pessoas não lembram. Se você analisar o serviço de documentação dos anos 60, vai perceber um controle cada vez maior de Paulo VI e o momento simbólico foi a Humanae VitaeJoão Paulo I também não era progressista, o seu modelo era pastoral e não tinha a ver com a política. João Paulo II veio para acabar com o comunismo. E nesta época os teólogos da libertação diziam que a Igreja se tornava socialista... Clodovis Boff escreveu uma resenha de duas páginas do meu livro e eu só consegui responder na coluna dos leitores. Ele disse que eu era um tolo que não via que a Igreja estava se tornando socialista. No meu livro critiqueiComblin, mas sempre tive uma grande admiração por ele, porque nunca disse o que seus pares alardearam. Outro que admiro é Leonardo Boff, que fala dos pobres, mas criticou a tendência marxizante dos anos 70 mirando níveis mais elevados da teologia. Frei Betto, por exemplo, pensa em termos marxistas, mas não é marxista ao pensar a teologia e a pastoral.

IHU On-Line – Muitos consideram que o Papa Francisco tem sido a voz progressista no mundo. O que lhe parece?
Roberto Romano – Sim, mas hoje o Papa Francisco enfrenta uma resistência do episcopado no Brasil e no mundo bastante forte, porque esse episcopado resulta do período definido por João Paulo II.
IHU On-Line – Mas o senhor diria que ele é progressista?
Roberto Romano – Não, eu acho que ele é pastoral, no modelo de João XXIII e do papa Albino LucianiJoão Paulo I. Ele, além disso, conheceu um regime populista e ditatorial na Argentina e está mais escolado do que os papas que viviam no mundo diplomático, como Paulo VI, que não tinham trato com a população. A novidade doPapa Francisco está nessa retomada de uma inspiração pastoral. Foi isso que moveuJoão XXIII. Mas Francisco tem resistência da Cúria porque ele não oferece um programa teológico sofisticado como era o caso de Ratzinger. Isso o torna mais atraente para as multidões e para o diálogo com outras religiões. Tal coisa aumenta seu carisma e seu profetismo evangélico e também ético. Quando João Paulo II se aliou a Ronald Reagan e se tornou amigo do Pinochet, diminuiu sua influência ética.
IHU On-Line – Que perspectivas vislumbra para o futuro da esquerda no Brasil?
Roberto Romano – Recentemente li um bom artigo de Aldo Fornazieri, e o acho pessimista. Não creio que direita e esquerda sejam propriedade de movimentos ou partidos. Direita e esquerda resultam de contradições na vida social. Se temos uma política conservadora que tira direitos e não põe nada no lugar, evidentemente isso alenta os donos do capital, mas levanta questões dos prejudicados. Não se tem impunemente 12 milhões desempregados sem direito à previdência e educação. Infelizmente, não temos lideranças de esquerda que saibam levar o movimento dos despossuídos, ou “negativamente privilegiados”, para usar o termo de Max Weber.
Embora não seja gramsciano, penso ser preciso interpretar os movimentos que surgem da sociedade. Mas não temos ainda intelectuais orgânicos para fazer isso. Houve uma espécie de “engolimento” do sistema de poder brasileiro pelo PT e parte do PSOL e a subsunção das lideranças de esquerda para o sistema de poder estabelecido. Se não aparecerem novas lideranças, a situação fica cada vez mais dramática. Mas isso não acontece por culpa da esquerda, mas porque o poder de cooptação e imposição das elites brasileiras é muito grande. No começo do governo LulaJosé Genuíno disse algo verdadeiro: “Estamos no governo, mas não estamos no poder”. Se o PT tivesse pensado nisso, não teria caído em certas armadilhas.

Thursday, September 29, 2016

Os limites de um Brasil contemporâneo preso ao período colonial. Entrevista especial com Mino Carta

O bom humor, a acidez e a perspicácia na análise de conjuntura de Mino Carta são únicos e cabem mesmo somente no italiano com coração brasileiro. Isso o faz perceber momentos sombrios com certo pessimismo, mas de forma muito peculiar. “Olha, vejo um negrume, um futuro muito terrível, pelo menos no imediato e a médio prazo. A longo prazo, estarei morto”, dispara em meio a gargalhadas ao falar do Brasil de hoje, durante uma conversa de cerca de uma hora com a IHU On-Line. Ele foi convidado a dar uma entrevista sobre a perspectiva da judicialização da política, a partir do que incita aOperação Lava Jato e as associações que são feitas com a Operação Mãos Limpas, na Itália. Mas, inevitavelmente, extrapola. Antes de falar de judicialização, ele entende que se vive ainda na relação entre a Casa-Grande e a Senzala retratadas na obra deGilberto Freyre. “Ele escreveu coisas que deveriam levar as pessoas a meditar”, indica.
Antes de mergulhar na entrevista a seguir, concedida por telefone, é preciso que se faça algumas ressalvas ao leitor. A primeira delas é que a entrevista deve ser lida como uma conversa, marcada por rompantes, sorrisos e gargalhadas. A segunda é que se tenha em mente a trajetória desse ítalo-brasileiro, profundo conhecedor desses dois cenários, bem como sua aproximação com ideias de esquerda, o que não o fazem menos crítico da própria esquerda. “O PT, no poder, portou-se como todos os demais, não se portou melhor. Isso não impede de afirmar que o Governo Lula tenha sido um ótimo governo, dentro das possibilidades e oferecendo grandes compensações para a Casa-Grande”, analisa.
Por fim, essa conversa passa por clássicos da literatura brasileira que, como defende Carta, precisam ser revisitados antes de se fazer apressadas análises de conjuntura. “Pense e fale de Euclides da Cunha, em Os Sertões, que é uma obra de grande valor e também uma obra de denúncia. A obra do FaoroOs donos do poder, é outra obra de denúncia”, indica.
Assim, o jornalista sugere que se observe para além da ideia de judicialização, das comparações entre Mãos Limpas e Lava Jato e se olhe para o que de fato mantém aCasa-Grande de pé e a Senzala com seus cativos. “É importante destacar que [na Mãos Limpas] não havia a menor intenção de destruir um partido. Digamos as coisas como elas realmente são: querem acabar com o PT afinados com a Casa-Grande.”

Mino Carta | Foto: Editora Confiança
Demetrio Carta, ou simplesmente Mino Carta, é jornalista, editor, escritor e pintor. Dirigiu as equipes de criação de publicações que fizeram história na imprensa brasileira, como Quatro Rodas, o Jornal da Tarde, Veja, IstoÉ e CartaCapital. Atualmente, aos 83 anos de idade, segue como diretor de redação deCartaCapital. Italiano nascido em Gênova, chegou ao Brasil em 1946, trazido pelos pais. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, mas acabou abandonando o curso. É doutor honoris causa pela Faculdade Cásper Líbero e, em novembro de 2006, recebeu o prêmio de Jornalista Brasileiro de Maior Destaque no Ano da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil – ACIE. Entre seus livros publicados estão O Castelo de Âmbar (São Paulo: Editora Record, 2000), Histórias da Mooca, com as bençãos de San Gennaro (São Paulo: Editora Berlendis & Vertecchia), A Sombra do Silêncio(São Paulo: Editora Francis, 2003) e O Brasil (São Paulo: Editora Record, 2013). Neste ano, está lançando o que chama “o quarto livro de minha vida”, A vida de Mat (São Paulo: Editora Hedra, 2016), livro, sobretudo, de memórias, misturando até na ficção um fundo autobiográfico.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor compreende o que foi a Operação Mãos Limpas [1], na Itália? O que fez essa Operação perder força ao longo do tempo?
É importante destacar que não havia a menor intenção de destruir um partido. Ao contrário do que acontece no Brasil, pois aqui se pretende destruir o PT
Mino Carta - Na verdade, essa Operação não perdeu força. Ela chegou a precipitar o fim daquilo que chamamos de Primeira República Italiana, seguiu à guerra e ao fascismo. E começou uma segunda fase, no período que agora chamamos de nova república, a Segunda República Italiana. Historicamente, a Mãos Limpas fez um estrago total. Ela acabou com os partidos, mesmo o Partido Comunista [2] também mudou de nome e, de alguma maneira, mudou de linha. O Partido acabou aproveitando outros fatores, outras razões, tais como, em primeiríssimo lugar, a queda do Muro de Berlim [3], nas mudanças naquela que ainda era a União Soviética, e acabou se adaptando a uma nova situação, novas condições do mundo. De qualquer maneira, o Partido Comunista não foi envolvido na Operação Mãos Limpas porque não havia como envolvê-lo, pois tinha um comportamento absolutamente honesto e não havia como pegá-lo. Agora, os demais partidos foram todos pegos, como também os empresários que estavam envolvidos nessas operações incorretas, em atos de corrupção pura.
A verdade é que a Operação deslanchou mais ou menos por acaso, porque foi aí que entrou o procurador da República Antonio Di Pietro [4], que, na verdade, era um promotor que foi incumbido de seguir a história de um sujeito menor, uma pessoa aparentemente insignificante, medíocre, que, no entanto, estava envolvida num escândalo muito maior do que se imaginava. Começou aí a Operação Mãos Limpas. Dessa investigação se revelou apenas uma ponta mínima, como a ponta de um iceberg. E eles foram atrás de todo o resto.
É importante destacar que não havia a menor intenção de destruir um partido. Ao contrário do que acontece no Brasil, pois aqui se pretende destruir o PT. A Casa-Grande mandou destruir o PT, e o senhor Moro [5] e seus promotores, que são fanáticos religiosos, apocalípticos, evangélicos, burros, de uma ignorância monumental e treinados nos Estados Unidos, se adaptam a isso. Digamos as coisas como elas realmente são: querem acabar com o PT afinados com a Casa-Grande.
IHU On-Line - Essa, então, é a principal diferença ente a italiana Mãos Limpas e a brasileira Lava Jato?
Mino Carta - Exato.
Na Itália, a imprensa representa todas as tendências. Aqui, ela só está ao lado da Casa-Grande
Operação Mãos Limpas não tinha a menor intenção de destruir um partido. Tinha a intenção de seguir uma linha de combate à corrupção desde que haviam aparecido sinais dela. É dessa corrupção que eles foram atrás. E digo mais: esse imbecil do Morocontinua falando que os vazamentos na Itália ajudaram muito a Justiça. [Gargalhadas] os vazamentos na Itália?!! Houve vazamentos na Itália, mas não na proporção que se deram aqui. E, na Itália, a imprensa representa todas as tendências. Aqui, ela só está ao lado da Casa-Grande. Isso realmente é uma coisa intraduzível. É uma violência inaudita, medieval, não existe em nenhum lugar do mundo uma imprensa com pensamento único alinhada com apenas um lado. Não existe! Procurem. Vocês não vão encontrar. Então, os vazamentos se dão para quem vai falar mal do PT, para quem quer tirar o PT do jogo, para quem quer prender o Lula, para quem quer o impeachment de Dilma. Então, que comparação é possível? A Itália é um país democrático. É o Estado Democrático de Direito que o Brasil não é.
IHU On-Line - Pelo que o senhor reitera, posso concluir que é impossível fazer essa comparação entre Mãos Limpas e Lava Jato?
Mino Carta - Claro! São países completamente distintos. A Itália tem seus defeitos, até muitos para o meu gosto — à parte, é claro, as catedrais românicas e os palácios renascentistas —, mas a Itália é, de fato, um Estado Democrático de Direito e oBrasil, não. Nós não temos justiça no Brasil.
IHU On-Line - Por que o Brasil não é um Estado Democrático de Direito?
Mino Carta - Porque as suas instituições não valem nada, zero. Quais são as bases de uma democracia? Executivo, Legislativo e Judiciário. Judiciário não existe, porque nós temos um Supremo Tribunal que se cala diante do assalto à lei que está sendo cometido. Agora, o Legislativo [risadas longas e com ar de deboche] sabemos que é formado por uma quadrilha. Ali dentro há assassinos e ladrões, num conjunto extraordinário em que o Cunha [6] é apenas um exemplar dessa máfia que tomou conta. E o Executivo acabou na mão de um senhor que está a ponto de enterrar o Brasil, a loteá-lo e vendê-lo, de liquidar a Petrobras, o pré-sal, privatizar tudo que for possível.
Privatizar significa, evidentemente, entregar ao capital estrangeiro. Isso é óbvio, basta ver o que aconteceu com os tucanos no poder. Aquilo foi a maior bandalheira já ocorrida na história do Brasil, a bandalheira das privatizações. Quem são os donos? Quem é odono das comunicações no Brasil? É o estrangeiro. E nós estamos aqui sem nenhum respaldo legal, da Justiça, ainda sob um processo de judicialização que é inegável. E tudo isso amparado numa polícia que está trabalhando a favor da Casa-Grande, são os novos jagunços, capatazes. Veja que o diretor da Polícia Federal, que se chama Leandro Daiello [7], de sobrenome italiano, continua lá. Estava antes e continua depois, porque é um homem de absoluta confiança da Casa-Grande. É simplesmente isso que está acontecendo no Brasil.
IHU On-Line - O senhor recorre o tempo todo a essa analogia de Casa-Grande & Senzala [8]. Gostaria que explicasse mais claramente essa associação que o senhor faz. Entendo que o senhor quer dizer que este momento que se vive no Brasil atualiza a lógica da relação entre a Casa-Grande e a Senzala, explicitada na obra de Freyre [9]. É isso?
Mino Carta - Sim, é isso.
IHU On-Line - Mas quem é a Casa-Grande hoje?
A Casa-Grande é o poder real. É o poder do dinheiro. Onde ele está, está a Casa-Grande
Mino Carta - Bem, a Casa-Grande é o poder real. É o poder do dinheiro. Onde ele está, está a Casa-Grande. Hoje, neste mundo, e como diz o Papa Francisco — por quem tenho grande admiração, embora não seja exatamente um crente —, o dinheiro é o grande fator, o que alimenta e movimenta o mundo é a busca de dinheiro. Mas a produção de dinheiro, a produção direta de dinheiro, que no fundo é o que prega oneoliberalismo, está produzindo cada vez mais pobres. Isso no mundo inteiro; noBrasil então, nem se fala.
Brasil é um país atrasado, medieval, estamos ainda nos tempos da descoberta, temos ainda senzalas. Para entender isso, basta olhar a rua. Olhe, ande pela rua, pelas calçadas, visite as favelas, pelo amor de Deus. São 65 mil pessoas assassinadas anualmente no Brasil. Isso é pior do que qualquer uma dessas recentes guerras, incluindo a do Vietnã. É uma piada e para nós está tudo normal. Veja a nossa capacidade de engolir sapos, a nossa tolerância, a nossa resignação. Isso é medo. Chama-se ME-DO, num país medieval onde nossa imprensa dá pena. Ela é ridícula e, além de tudo, pessimamente escrita, atacando a língua diariamente de forma implacável.
É isto: a Casa-Grande está onde está o dinheiro, os caras que decidem, e a serviço deles temos hoje os poderes da República, temos a Justiça, o Congresso e o Executivo. Temos tudo a serviço e ainda com a polícia ajudando. E a mídia trombeteando os valores dessa gente que, na verdade, é uma quadrilha mafiosa.
IHU On-Line - Então, podemos concluir que a população, os mais pobres, são mantidos cativos para servir a Casa-Grande, já que ela não funciona sem eles. É isso? E como romper com essa lógica? Como superar esse medo que nos encurrala dentro da Senzala?
Mino Carta - Exatamente. É isso que acontece. Será necessário que corra muito sangue na calçada para que um dia esse rompimento ocorra. Mas eu não assistirei a esse fenômeno. E, evidentemente, nem sei se acontecerá. Veja a história das nações que hoje catalogamos como do primeiro mundo. Todas essas nações resultaram de muito sangue na calçada. Primeiro, guerras de independência reais. Os Estados Unidos tiveram uma guerra de independência, depois tiveram uma Guerra de Secessão [10] que chegou a 600 mil mortos. Era sul contra norte. E isso tudo já no século XIX. Ou seja, não se forja uma nação de verdade sem sangue na calçada. A própria Venezuela teve uma guerra de independência. Bolívar [11] é de lá. San Martin [12] é argentino. Eles foram combatentes.
IHU On-Line - E uma revolução nos tempos de hoje ainda depende de um grande líder para mobilizar uma nação? Ou já se vive outros tempos?
Mino Carta - Eu não sei como se daria uma revolução hoje porque, realmente, ostempos são peculiares e os instrumentos à disposição de qualquer tipo de pregação mudaram brutalmente, são de outros tempos. Portanto, não ouso inventar. Poderia inventar, se quiser [risos], mas seria um esforço de imaginação. Então, é melhor imaginar que se dará em circunstâncias próprias, dentro de situações peculiares e, no mínimo, atuais.
Agora, é lógico que há sempre necessidade de líderes. Eu reconheço em Lula uma grande personalidade, um homem de grande inteligência e de grande faro político. Mas essa tendência que ele tem de negociar, que é uma coisa herdada do seu tempo de presidente de sindicato, a essa altura virou algo altamente daninho.
Se, no dia final do impeachmentDilma chegasse no Congresso e, em lugar de fazer sua penosa defesa — que classifico quase como ridícula —, tivesse dito apenas e tão somente: “senhores, não me dirijo a vocês porque por vocês tenho o maior desprezo. Vou limitar-me a expor ao povo brasileiro, que tanto prezo, nos mínimos detalhes a ficha criminal de cada um dos que me acusam”. Se ela tivesse feito isso, meu caro, seria um belo exemplo de coragem e que, talvez, pudesse ser de alguma maneira um tanto quanto contagiante para algumas pessoas.
Se o Lula, um ano e meio atrás, tivesse saído para fazer o que está fazendo somente agora nessa semana, viajando pelo Nordeste e tentando exatamente expor as razões verdadeiras do que está acontecendo, em lugar de fazer aquela penosa defesa, em que até chorou, se fizesse isso em abril do ano passado, quando eu defendi essa tese, poderia ter evitado que a situação chegasse ao ponto em que chegou. Isso que é a verdadeira liderança.
IHU On-Line - O senhor acredita que esse foi o principal erro do PT nesse processo? O partido perdeu o contato com a rua?
O PT no poder portou-se como todos os demais, não se portou melhor
Mino Carta - Totalmente. O PT no poderportou-se como todos os demais, não se portou melhor. Isso não impede de afirmar que o Governo Lula tenha sido um ótimo governo, dentro das possibilidades e oferecendo grandes compensações para aCasa-Grande. Sempre, sempre, seeeempre havia concessões, sempre colocando panos quentes para acalmar a Casa-Grande. Infelizmente é isso. Então, este país não vai sair desse atoleiro que agora está afundando.
IHU On-Line - Então, é possível formular que o governo do PT, não só do presidente Lula, abriu minimamente a porta da Senzala, sempre se curvando nos salões da Casa-Grande?
Mino Carta - Eu também acho exatamente isso. Agora, há nisso tudo um toque grave que cabe observação. Os cálculos de dois ou três anos atrás nos diziam que cerca de 35 ou 40 milhões de brasileiros tinham saído da miséria absoluta. Eu acho que esses cálculos não estavam errados. De fato, tivemos o pobre viajando de avião. Foi um momento importante porque foram implementadas políticas sociais, mas precisamos entender que essas políticas por si não criam a consciência da cidadania. Elas melhoram a vida do indivíduo e da família dele, mas não encucam a consciência de cidadão. Assim, no fundo, quem ascende no Brasil, quem avança um pouquinho, já quer ser da Casa-Grande, ou seja, são totalmente despolitizados. Colocam a camiseta verde e amarela da seleção brasileira e vão para rua para fazer barulho. Isso é trágico, mas é o que está acontecendo. Abrir a porta de políticas sociais, que foi um mérito inegável do governo Lula, por si só não resolve o problema.
IHU On-Line - O senhor quer dizer que não se promoveram as mudanças sociais necessárias, deu-se apenas um agrado aos habitantes da Senzala para os manter cativos?
Mino Carta - Sim. Ou até saem da Senzala, o que seria ótimo, mas nem por isso percebem que nas costas deles ainda existe uma Senzala, que deixaram uma Senzala e que ainda tem gente ali. Esse que sai quer ir para a Casa-Grande, a mentalidade dele é da Casa-Grande. O cara que ascende no Brasil, mesmo que um pouquinho, quer grana. Esse é o único problema dele.
governo Lula também foi importante porque implementou uma política exterior independente, de verdade e desatrelada dos interesses dos Estados Unidos. Isso ficou provado em inúmeras oportunidades. Esse governo do Temer e do chanceler Serra [13] quer ser súdito porque a Casa-Grande adora ser súdito do império. Isso porque acham que o império vai resolver os problemas e deixam tudo com ele.
IHU On-Line - Quer dizer, então, que vivemos o período colonial? Passamos o Império, a República, República Nova, Constituição Federal de 1988, mas ainda continuamos com a cabeça no Brasil colônia?
Mino Carta - Claro. Isso é lógico. Somos ainda um país com essa mentalidade. Veja a resignação do povo brasileiro. É porque a maioria ainda traz no lombo o sinal da chibata. Assim, tudo se explica. Não existem povos melhores ou piores. O que existem são circunstâncias históricas diferentes. E aqui nós tivemos uma Casa-Grande que teve seu trabalho incrivelmente facilitado pela falta de oposição, de combate. Até houve alguma rebeldia, houve tentativas de rebelião, mas muito circunscritas, efêmeras.
IHU On-Line - A elite política brasileira é da Casa-Grande por essência ou é saída da Senzala já convertida ao pensamento da Casa-Grande?
Mino Carta – [Risos, gargalhadas] Tem muito político que mereceria estar numasenzala [mais gargalhadas]. Não, não numa senzala. Deveriam estar numa selva ainda, subindo em árvores. Agora, eles servem à Casa-Grande. Alguns são decididamente Casa-Grande, são uns agregados que já ganharam um bom lugarzinho ali. Outros aspiram a estar lá e desde já servem a Casa-Grande.
IHU On-Line - E como romper com esse pensamento colonial?
Mino Carta – [Muitos risos] Olha, não tem, não tem. Veja o esforço brutal daqueles que pensam. Tem até gente de direita como o Gilberto Freyre, que certamente era um conservador, mas ele escreveu coisas que deveriam levar as pessoas a meditar. Pense e fale de Euclides da Cunha [14], em Os Sertões [15], que é uma obra de grande valor e também uma obra de denúncia. A obra do Faoro [16], Os Donos do Poder [17], é outra obra de denúncia. Mas as pessoas ou não leem ou não entendem. Assim, não temos muita alternativa.
IHU On-Line - Bem, então, a primeira tarefa depois dessa entrevista é voltar às obras clássicas para entender o Brasil de hoje.
Mino Carta - Não tenho dúvidas disso [risos]. É sempre muitíssimo bom, mas, evidentemente isso não chega ao povão, não chega à maioria e é sempre uma coisa de quem sabe ler. E saber ler é muito difícil, viu? É tão difícil quanto saber escrever. Lidar com o vernáculo, que é nossa pátria, é muito importante. Ter um bom desempenho no uso da língua é fundamental, porque é prova de raciocínio bom e, ao mesmo tempo, é prova de que é isso que alimenta o raciocínio, que alimenta nossos escassos neurônios.
IHU On-Line - Gostaria de voltar a um ponto na nossa conversa, em que citou o Papa Francisco. O senhor o considera um líder mundial?
Mino Carta - Ah, sem dúvida. Ele é um grande líder mundial e um verdadeiro estadista, porque ele está realmente tentando transformar a Igreja Católica para torná-la adequada aos dias de hoje sem perder o contato com seus primórdios, os momentos de seu nascimento. Momentos esses que depois foram traídos vergonhosamente porque, como sabemos, a Igreja se tornou um poder temporal, deixou de ser o poder espiritual para poder descer para a terra e se estabelecer como tal.
O Papa está lutando contra o deus dinheiro e o deus mercado
Papa está lutando contra o deus dinheiro e o deus mercado. A luta dele é contra isso, ele prega e faz o que pode contra isso, mas também tem os seus limites. Imagine, contra isso tem Wall Street, existem 80 multinacionais que hoje são donas do mundo e mandam muito mais do que os governos nacionais. Essa é a Casa-Grande do mundo. Só que existe algum recurso, alguma retaguarda num mundo mais avançado, civilizado, democrático do que o Brasil. Enquanto aqui, nesse momento trágico em que vivemos, nós não temos nem justiça. E a justiça seria o nosso último refúgio, essa haveria de ser a nossa única garantia. Não temos justiça, temos Gilmar Mendes [18], Celso de Mello[19] e coisas assim.
IHU On-Line - Falando em justiça, como o senhor compreende o que pensam esses novos juristas que se tornaram estrelas da Lava Jato, como o juiz Sérgio Moro e o procurador Dalton Dallagnol [20]?
Mino Carta - Pela cabeça deles passa um fanatismo apocalíptico, são figurastragicômicas, altamente tragicômicas de uma ópera bufa que não deixa de ser trágica, embora bufa.
IHU On-Line - Perdoe-me pela insistência, mas como pensar em alternativas, em linhas de fuga?
Mino Carta - Eu não enxergo alternativas. A única alternativa existiria se o povo brasileiro fosse diferente do que é, e eu não posso imaginar isso, e se tivéssemos líderes. Só eles são capazes de acender o estopim. Nós carecemos de líderes, carecemos de poetas, inclusive — o que é gravíssimo —, carecemos de um povo em condições de enfrentar a realidade como ela deveria ser enfrentada e na qualidade de conhecedor de sua própria força.
IHU On-Line - As manifestações de 2013 e agora a ocupação das escolas por estudantes secundaristas não seriam uma linha de fuga, uma inspiração para romper com esse pensamento colonial?
Mino Carta - De vez em quando aparece um sintoma muito simpático para almas como a minha. O comportamento dos estudantes secundaristas em São Paulo, por exemplo, tem sido exemplar. Acho isso excelente, tomara que eles continuem assim e cheguem à universidade com o mesmo espírito e que levem a vida com esses ideais que demonstram ter neste momento.
IHU On-Line - Que lição a esquerda nacional pode – e deve – tirar de todo esse processo de impeachment?
Mino Carta - A esquerda deve aprender que só se resolve essas coisas com coragem. A origem de tudo é a coragem, a coragem da coerência, sobretudo. A esquerda brasileira é um mistério. Evidentemente, há pessoas que são de esquerda por natureza. Mas uma esquerda brasileira convincente, contemporânea do mundo, digna da modernidade, digna até deste país extraordinário que é o Brasil, tão dotado e favorecido pela natureza, não existe. E isso está provado.
IHU On-Line - Que Brasil o senhor vê logo ali na frente?
Mino Carta - Olha, vejo um negrume, um futuro muito terrível, pelo menos no imediato e a médio prazo. A longo prazo estarei morto [gargalhadas].
Notas:
[1] Operação Mãos Limpas (Mani pulite): investigação judicial de grande envergadura na Itália, iniciada em Milão para esclarecer casos de corrupção durante a década de 1990, na sequência do escândalo do Banco Ambrosiano em 1982, que implicava a Máfia, o Banco do Vaticano e a loja maçônica P2. A Operação Mãos Limpas levou ao fim da chamada Primeira República Italiana e ao desaparecimento de muitos partidos políticos. Alguns políticos e industriais cometeram suicídio quando os seus crimes foram descobertos. (Nota da IHU On-Line)
[2] Partido Comunista Italiano (PCI): nasceu com a denominação inicial de Partido Comunista da Itália, da cisão de uma corrente de esquerda do Partido Socialista Italiano liderada por Amadeo Bordiga e Antônio Gramsci. Entre 1924 e 1926, Gramsci foi secretário do partido. (Nota da IHU On-Line)
[3] Queda do muro de Berlim: o muro começou a ser derrubado em 9 de novembro de 1989, num ato inicial de reunificação entre as duas Alemanhas. Além disso, a queda do muro significa, para muitos historiadores, o fim da Guerra Fria. A construção do muro aconteceu em 1961, dividindo a Alemanha entre República Federal Alemã (coordenada pelos países democráticos, liderados pelos EUA) e República Democrática Alemã (sob jurisdição dos países comunistas, liderados pela URSS). Centenas de pessoas foram mortas ou feridas tentando fugir do lado oriental para o ocidental da construção. (Nota da IHU On-Line)
[4] Antonio Di Pietro (1950): é um ex-magistrado do Ministério Público italiano, promotor, advogado e político italiano, principal nome do partido de esquerda Itália dos Valores. É parlamentar da Câmara dos Deputados da Itália (XV e XVI legislaturas) e foi membro do Senado na XIII legislatura. Fez parte da operação Mãos Limpas como promotor público e em 1996 deu início à sua carreira política, tendo fundado em 1998 o seu novo partido. (Nota da IHU On-Line)
[5] Sérgio Fernando Moro (1972): juiz federal brasileiro que ganhou notoriedade por comandar o julgamento dos crimes identificados na Operação Lava Jato. Formou-se em Direito pela Universidade Estadual de Maringá em 1995, tornando-se juiz federal em 1996. Também cursou o programa para instrução de advogados da Harvard Law School em 1998 e participou de programas de estudos sobre lavagem de dinheiro promovidos pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. É mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Além da Operação Lava Jato, também conduziu o caso Banestado. No caso do Escândalo do Mensalão, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber convocou o juiz Sérgio Moro para auxiliá-la. Em 2014, Moro foi indicado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil para concorrer à vaga deixada por Joaquim Barbosa no STF, porém, em 2015, a vaga foi preenchida por Luiz Fachin. (Nota da IHU On-Line)
[6] Eduardo Cosentino da Cunha (1958): economista, radialista e político brasileiro. É evangélico neopentecostal. Exerceu o cargo de Deputado Federal entre fevereiro de 2003 e setembro de 2016, quando foi cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados. Está sendo investigado pela Operação Lava Jato e foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal. Acusado de mentir na CPI da Petrobras, teve contra si aberto processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. Em 3 de março de 2016, o STF acolheu por dez votos a zero, em unanimidade, a denúncia do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contra Eduardo Cunha por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tornando-o réu neste tribunal. Em 5 de maio de 2016, o plenário do STF unanimemente manteve a decisão do ministro Teori Zavascki que determinou o afastamento de Cunha de seu mandato de deputado federal e consequentemente do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados. (Nota da IHU On-Line)
[7] Leandro Daiello Coimbra: é desde 2011 diretor geral do Departamento de Polícia Federal do Brasil, que ganhou notoriedade pelos trabalhos da Polícia Federal na Operação Lava Jato. (Nota da IHU On-Line)
[8] Casa-Grande & Senzala (Rio de Janeiro: Record, 1998): é um livro do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre publicado pela primeira vez em 1933. Freyre apresenta a importância da casa-grande na formação sociocultural brasileira, assim como a da senzala na complementação da primeira. Além disso, Casa-Grande & Senzala enfatiza a formação da sociedade brasileira no contexto da miscigenação entre os brancos, principalmente portugueses, dos negros das várias nações africanas e dos diferentes indígenas que habitavam o Brasil. Para Freyre, a própria arquitetura da casa-grande expressaria o modo de organização social e política do Brasil, o patriarcalismo. Tal estrutura seria capaz de incorporar os vários elementos que comporiam a propriedade fundiária do Brasil Colônia. Do mesmo modo, o patriarca proprietário da terra considerado dono de tudo que nela se encontrasse: escravos, parentes, filhos, esposa, amantes, padres, políticos. Este domínio se estabeleceu incorporando tais elementos e não os excluindo. O padrão se expressa na casa-grande que é capaz de abrigar desde escravos até os filhos do patriarca e suas respectivas famílias. Freyre também desmistifica a noção de determinação racial na formação de um povo, no que dá maior importância àqueles culturais e ambientais. Com isso refuta a ideia de que no Brasil se teria uma raça inferior devido à miscigenação. Antes, aponta para os elementos positivos da formação cultural brasileira oriundos desta miscigenação entre culturas tão distintas. (Nota da IHU On-Line)
[9] Gilberto Freyre (1900-1987): escritor, professor, conferencista e deputado federal. Colaborou em revistas e jornais brasileiros. Foi professor convidado da Universidade de Stanford (EUA). Recebeu vários prêmios por sua obra, entre os quais, em 1967, o prêmio Aspen, do Instituto Aspen de Estudos Humanísticos (EUA) e o Prêmio Internacional La Madoninna, em 1969. Entre seus livros, citamos: Casa grande & Senzala e Sobrados e Mocambos. Sobre Freyre, confira Cadernos IHU nº 6, de 2004, intitulado Gilberto Freyre: da Casa-Grande ao Sobrado. Gênese e Dissolução do Patriarcalismo Escravista no Brasil. Algumas Considerações. (Nota da IHU On-Line)
[10] Guerra Civil Americana: também conhecida como Guerra de Secessão ou Guerra Civil dos Estados Unidos, foi travada entre os anos de 1861 e 1865 nos Estados Unidos, depois de vários estados escravagistas do sul declararem sua secessão e formarem os Estados Confederados da América, conhecidos como "Confederação" ou "Sul". Os estados que não se rebelaram ficaram conhecidos como "União" ou simplesmente "Norte". O conflito teve sua origem na controversa questão da escravidão, especialmente nos territórios ocidentais. As potências estrangeiras não intervieram na época. Após quatro anos de sangrentos combates que deixaram mais de 600 mil soldados mortos e destruíram grande parte da infraestrutura do sul do país, a Confederação entrou em colapso, a escravidão foi abolida, um complexo processo de reconstrução começou, a unidade nacional retornou e a garantia de direitos civis aos escravos libertos teve início. (Nota da IHU On-Line)
[11] Simón Bolívar (Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-Andrade y Blanco) (1783-1830): foi um militar liberal e líder político venezuelano, sendo o primeiro a apoiar na prática a descolonização. Junto a José de San Martín, foi uma das peças-chave nas guerras de independência da América Espanhola do Império Espanhol. Após o triunfo da Monarquia Espanhola, Bolívar participou da fundação da primeira união de nações independentes na América Latina, nomeada Grã-Colômbia, da qual foi Presidente de 1819 a 1830. Simón Bolívar é considerado por alguns países da América Latina como um herói, visionário, revolucionário e libertador. Durante seu curto tempo de vida, liderou a Bolívia, a Colômbia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela à independência, e ajudou a lançar bases ideológicas democráticas na maioria da América Hispânica. Por essa razão, é referido por alguns historiadores como "George Washington da América do Sul". (Nota da IHU On-Line)
[12] José Francisco de San Martín y Matorras (1778-1850): foi um general sul-americano cujas campanhas foram decisivas para as declarações de independência da Argentina, Chile e Peru. (Nota da IHU On-Line)
[13] José Serra (1942): é um economista e político brasileiro, filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB. Atualmente, responde pelo Ministério de Relações Exteriores. Foi o trigésimo terceiro governador de São Paulo, entre 1º de janeiro de 2007 a 2 de abril de 2010. Foi um dos fundadores da Ação Popular e foi presidente da União Nacional dos Estudantes. Após o golpe militar de 1964, refugiou-se em embaixadas de outros países. Mais tarde radicou-se no Chile, onde conheceu sua esposa, Mónica Serra, com quem tem dois filhos nascidos lá. Neste mesmo período fez mestrado em Economia pela Escola de Pós-Graduação em Economia da Universidade do Chile. Ficou no país até o golpe militar de 1973, quando foi para os Estados Unidos, onde concluiu um segundo mestrado e um doutorado na Universidade de Cornell. Após catorze anos exilado, Serra voltou ao Brasil e trabalhou na Unicamp até 1983, quando foi nomeado pelo governador Franco Montoro como secretário de Planejamento de São Paulo. Foi eleito deputado federal durante a Assembleia Constituinte de 1988. Foi senador pelo PSDB, ministro da Saúde e Planejamento no governo de Fernando Henrique Cardoso, prefeito de São Paulo, governador do estado e candidato a presidente em 2002 e 2010. (Nota IHU On-Line)
[14] Euclides da Cunha (1866-1909): engenheiro, escritor e ensaísta brasileiro. Entre suas obras, além de Os Sertões (1902), destaca-se Contrastes e confrontos (1907), Peru versus Bolívia (1907), À margem da história (1909), a conferência Castro Alves e seu tempo (1907), proferida no Centro Acadêmico XI de Agosto (Faculdade de Direito), de São Paulo, e as obras póstumas Canudos: diário de uma expedição (1939) e Caderneta de campo (1975). Confira a edição 317 da IHU On-Line, de 30-11-2009, intitulada Euclides da Cunha e Celso Furtado. Demiurgos do Brasil. (Nota da IHU On-Line)
[15] Os Sertões: livro brasileiro, escrito por Euclides da Cunha e publicado em 1902. Trata da Guerra de Canudos (1896-1897), no interior da Bahia. Euclides da Cunha presenciou uma parte desta guerra como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo. Pertence, ao mesmo tempo, à prosa científica e à prosa artística. Pode ser entendido como uma obra de Sociologia, Geografia, História ou crítica humana, mas não é errado lê-lo como uma epopeia da vida sertaneja em sua luta diária contra a paisagem e a incompreensão das elites. O crítico literário Alexei Bueno considera Os Sertões uma das três grandes epopeias da língua portuguesa, podendo ser comparada à Ilíada — assim como Os Lusíadas podem ser comparados à Eneida e Grande Sertão: Veredas, à Odisseia. (Nota da IHU On-Line)
[16] Raymundo Faoro ou Raimundo Faoro (1925-2003): jurista, sociólogo, historiador e cientista político brasileiro. Suas obras se propõem a fazer uma análise da sociedade, da política e do Estado brasileiro. Em seu livro mais clássico, Os Donos do Poder (Porto Alegre: Editora Globo, 1958), abordou conceitos de patrimonialismo brasileiro, onde o contextualizava a partir da colonização portuguesa. Raymundo foi membro da Academia Brasileira de Letras e Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). (Nota daIHU On-Line)
[17] Os donos do poder (Rio de Janeiro: Globo, 2012): livro de Raymundo Faoro. Publicado pela primeira vez em 1958, em Porto Alegre, o livro só teve repercussão nacional com a edição de 1975. Faoro mostra que o patrimonialismo estatal se manteve por toda a história brasileira até Getúlio Vargas. "Olhos voltados para a especulação, o lucro e a aventura", escreve a resenhista Laura de Mello e Souza. "O Estado - escreveu Faoro - pela cooptação sempre que possível, pela violência se necessário, resiste a todos os assaltos, reduzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado-maior." (Nota da IHU On-Line)
[18] Gilmar Mendes (1955): ex-advogado, professor, magistrado e jurista brasileiro. Atualmente exerce o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2002. Foi indicado pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em cujo governo exercera o cargo de Advogado-Geral da União desde janeiro de 2000. É o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral. (Nota da IHU On-Line)
[19] José Celso de Mello Filho (1945): jurista brasileiro, é ministro do Supremo Tribunal Federal - STF desde 1989, nomeado pelo então presidente da República José Sarney, sendo o decano (membro mais antigo) do tribunal desde 2007. Foi presidente daquela corte de 1997 a 1999. Conhecido por seus votos longos e didáticos, possui uma formação liberal e de ideias progressistas. Formado pela Universidade de São Paulo, foi membro do Ministério Público do Estado de São Paulo desde 1970 até ser nomeado para a Suprema Corte. (Nota da IHU On-Line)
[20] Deltan Martinazzo Dallagnol (1980): mais conhecido por Deltan Dallagnol, é procurador do Ministério Público Federal desde 2003. Ganhou notoriedade por integrar e coordenar a força-tarefa da Operação Lava Jato, que investiga crimes de corrupção na Petrobras. Protestante da igreja Batista, é filho do procurador de Justiça Agenor Dallagnol e formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; realizou ainda mestrado em Direito por Harvard. Dallagnol é especialista em crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro. (Nota da IHU On-Line)

Militares, ciências, Educação Popular.

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