Wednesday, September 28, 2016

Vem aí nova ditadura?

Vem aí nova ditadura?

Alguns comentaristas estão vendo como inevitável uma onda de repressão brutal contra a esquerda, após as eleições. Pensar assim é entregar os pontos, antes da partida começar
Por Antonio Martins | Edição de vídeo: Gabriela Leite
[Leia a seguir a versão textual do comentário]
Renato Rovai, editor da revista Fórum e velho amigo de quem faz esta análise, postou em seu blog, na última sexta-feira, um texto amedrontador. Diz ele, em síntese: a) a esquerda sofrerá uma grande derrota, nas eleições de outubro; b) o resultado será a senha para uma perseguição em massa contra os movimentos de resistência ao golpe; c) quem puder, que prepare seu passaporte. Com todo respeito a Renato, esta perspectiva parece não apenas derrotista mas também incapaz de enxergar aspectos essenciais do cenário brasileiro.
Que a esquerda institucional será derrotada nas urnas, parece não haver dúvidas. O Valor de hoje traz, por exemplo, um conjunto de reportagens que apontam a desilusão dos eleitores do PT em cidades como São Paulo e seu entorno. Pesa uma série de fatores: do massacre da mídia, nas matérias sobre a Lava Jato, a problemas reais, de gestões que foram muito contemporâneas mas esqueceram-se das periferias. Há uma segunda verdade no comentário de Rovai. Haverá enorme exploração midiática dos resultados. Os jornais e TVs dirão que eles confirmam a necessidade urgente de “mudanças”. Chamarão assim contra-reformas como a PEC-241, que congela por vinte anos os gastos públicos; o aumento da idade mínima para aposentadoria, que levará milhões de brasileiros a procurar sistemas de previdência privados, para alegria dos bancos; e o ataque à CLT.
Mas julgar que um massacre contra os movimentos sociais será inevitável é um passo perigoso demais, por dois motivos. Primeiro, a ideia do “inevitável” desconsidera a luta e a inteligência sociais. Certamente, há setores no governo atuando em favor de uma repressão violenta. A presença de Alexandre de Moraes no ministério da Justiça é grave; assim como a relutância dos governos estaduais em apurar as violências cometidas pelas PMs.
Mas estes setores que querem repressão cruenta atingirão seus objetivos? Há, ainda, um enorme espaço para evitar que o façam e seria um enorme erro desprezar esta resistência – inclusive porque a maior parte dos que lutam não tem a opção de usar o passaporte. Há várias formas de lutar contra a repressão. A denúncia internacional é uma delas – e tem incomodado bastante o governo Temer. Mas mesmo no Brasil, a mobilização de procuradores dignos do Ministério Público Federal, impediu, por exemplo, que se repetisse, nas últimas manifestações contra o golpe, a selvageria dos primeiros atos.
E é possível atuar em muitos terrenos. Quais são os principais ataques a direitos tramados pelo governo ilegítimo? Que setores eles afetam? Como suscitar mobilização social? Os exemplos são múltiplos. O Palácio do Planalto já decidiu adiar para 2017 o envio, ao Congresso, das contra-reformas da Previdência e Trabalhista. Recuou por motivos muito concretos. Houve um início de rebelião no Congresso. Os parlamentares da própria base governista sabem que as medidas são muito impopulares. Temem desgastar-se. Continuarão temendo no próximo ano, a depender de nossa capacidade de comunicação, debate, mobilização.
É possível explorar contradições. Após os recuos, a grande pauta do governo, para 2016, é a PEC-241. Mas ainda ontem, surgiu um ruído, em São Paulo. Ao participarem de um evento, o ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, e o governador Geraldo Alckmin discordaram. Padilha diz querer a PEC “sem furos”. Alckmin retrucou. Segundo ele, da maneira que está redigida, a proposta causará enormes transtornos administrativos para Estados e Municípios. Não é uma contradição a ser explorada por quem defende os serviços públicos?
Esta questão remete a um segundo tema essencial. A possível derrota da esquerda institucional, em outubro, não pode ser vista como o fim de um projeto democrático de país. O que caracterizou as grandes manifestações contra o golpe foi, precisamente, o surgimento de uma nova configuração daquilo que podemos chamar de esquerda. As mesmas ruas que acolheram os militantes partidários e as estruturas sindicais receberam os sem-teto e os sem terra, a juventude rebelde e sem partido, as feministas, os LGTB, os que lutam pela democratização da mídia e tantos outros atores.
A novidade, agora evidente, é que os partidos já não comandam este enorme universo. E nosso principal desafio, nos próximos anos e meses, será construir formas de coordenação das lutas sociais em que estes mesmos partidos já não sejam protagonistas. Serão bem-vindos, é claro. Mas serão mais um sujeito – nunca mais o único, nem o central.
Quando estaremos prontos para esta nova fase? Não sabemos. Ela requer alguns movimentos complexos. De quebra de hierarquias: os partidos institucionais não podem mais enxergar a si mesmos como condutores automáticos do universo da esquerda. E de responsabilização: centenas de milhares de ativistas precisam compreender que não basta criticar os erros e insuficiências dos supostos dirigentes. Todos precisamos ser dirigentes agora, e precisamos nos coordenar.
É a este novo aprendizado que precisamos, todos, nos convidar. Haverá repressão muito dura? Não sabemos. Talvez. Depende também de nossas lutas. E é a esta aventura da formulação política coletiva – muito mais que à renovação dos passaportes – que precisamos todos, agora, nos entregar.

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