Monday, December 17, 2012

Piracicaba está entre as 5 cidades de SP que menos investem em educação

Nós podemos concluir que é lamentável e vergonhoso saber que Piracicaba investe o mínimo possível em educação, mas penso que não é surpresa, mas esperado. A falta de investimento é a prova de que a prefeitura de Piracicaba não respeita o seu cidadão e joga contra a cidadania. Espero que a situação mude nos próximos anos de governo.


sábado, 15 de dezembro de 2012 20h29

Piracicaba está entre as 5 cidades de SP que menos investem em educação

A+ | A- ENVIAR ESSA MATÉRIA


Piracicaba está entre as cinco cidades que menos investem, proporcionalmente, em educação, segundo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que divulgou nesta semana os resultados das finanças públicas dos municípios paulistas referentes ao exercício de 2011.
O município está entre os 50 paulistas que não atingiram, pelo critério do TCE, o limite mínimo de 25% estabelecido pela Constituição Federal. A prefeitura afirma que o investimento foi acima do exigido em lei, e que há divergência no lançamento de dados no Audesp (Auditoria Eletrônica de Órgãos Públicos), que forneceu informações para o resultado apontado pelo TCE e o obtido em auditoria pela administração municipal.
Segundo o tribunal, foram investidos R$ 72.926.988,75 em educação, que representam 12,79% do montante arrecadado em impostos no período, R$ 578.940.574,93, posicionando a cidade como a quinta pior do Estado em 2011. A porcentagem de 2010, 12,99%, foi a terceira menor de São Paulo. Em 2009, foram 19,78%, novamente o quinto menor investimento do Estado. De acordo com as contas da Prefeitura de Piracicaba, os investimentos reais de 2009 a 2011 foram, respectivamente, 26,16%, 26,05% e 26,17%, portanto sempre acima do mínimo exigido.
Paiva diz que vai cobrar explicações
O vereador José Antônio Fernandes Paiva (PT) se mostrou preocupado com a indicação do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de que a Prefeitura de Piracicaba aplica percentuais menores do que os exigidos pela Constituição Federal em educação. Presidente da Comissão de Educação da Câmara de Vereadores e candidato à presidência da Casa para próxima Legislatura, Paiva também disse discordar da forma como a Procuradoria Jurídica do município e a Secretaria Municipal de Finanças avaliam os pareceres do tribunal sobre contas do prefeito Barjas Negri (PSDB).
“São divergências técnicas, e não políticas, em que a prefeitura inclui como ensino, investimentos que na verdade estão em outro setor, na educação, mas não no ensino direto. Na avaliação dos pareceres contrários de 2010 e 2011 ficou clara a necessidade de correção em situações, como por exemplo, dos agentes escolares de saúde. A prefeitura entendia tratar-se de gastos com educação, o tribunal com saúde. Para 2013, finalmente aconteceu uma correção e, pelo menos por este motivo, o TCE não rejeitará as contas. Mas ainda há correções a serem feitas”, afirmou o vereador.

Fonte: http://www.jornaldepiracicaba.com.br/capa/default.asp?p=viewnot&cat=viewnot&idnot=208785

Evitar a responsabilização de autoridades faz com que o Brasil se assemelhe a um Estado absolutista

Um bom artigo do professor Roberto Romano sobre os acontecimentos recentes no Brasil

SÁBADO, 15 DE DEZEMBRO DE 2012

Caderno Aliás, Somingo dia 16/12/2012.

Absolvição sumária
Evitar a responsabilização de autoridades faz com que o Brasil se assemelhe a um Estado absolutista
15 de dezembro de 2012 | 16h 05


ROBERTO ROMANO

Em artigo jocoso, "Apenasmente" Cajazeiras, o professor Eugênio Bucci analisou recentemente as acusações contra Luis Inácio da Silva. Ele compara o político popular ao personagem da novela O Bem-Amado, Odorico Paraguaçu. Boa dose de injustiça ressalta do texto, mas vários elementos devem nele ser levados em conta, como a crítica dos que eximem a priori o ex-presidente de toda responsabilidade pelos malfeitos cometidos em seu governo. Lula, escreve Bucci, "teria tudo para enfrentar com grandeza as denúncias que dele se aproximam, sobretudo as mais recentes. Em vez disso, prefere se refugiar no mito de si próprio, um mito que, convenhamos, além de precocemente instalado, é oco". Discordo da última frase e me apoio no antropólogo Malinowski: "O mito é um subproduto constante de uma fé viva que precisa de milagres, de um estado sociológico que tem necessidade de precedentes e de um código moral que exige uma sanção". A taumaturgia cortesã se opõe à racionalidade da ordem política e jurídica. Não existe mito oco ou inocente.

Dois pilares, na república democrática, garantem o direito e a liberdade. O primeiro é a transparência dos atos políticos. Tal princípio é reforçado pela norma segundo a qual em todo processo os fatos devem ser descritos à exaustão (quid facti), sem os obstáculos das seitas, partidos, governantes poderosos. Os tribunais e seus integrantes (polícia, ministério público, advogados de defesa) precisam apurar os atos, os documentos, os testemunhos para definir uma narrativa sólida, contrária ou favorável ao acusado, do humilde cidadão ao poderoso. Outro item é a busca de situar os fatos sob a lei que os sanciona positiva ou negativamente (quid juris). Na Constituição brasileira estão previstos os casos em que governantes, atuais ou pretéritos, devem responder perante a nação. Nenhum parágrafo afirma que um líder, por sua popularidade ou grandeza, deve escapar da pesquisa dos fatos e das normas jurídicas. A Constituição, no entanto, não é espelho fiel do que ocorre na política nacional. Falar no Brasil em responsabilização de grandes líderes é anátema que faz surgir de imediato, nos lábios de quem manda na esquerda e direita, a ladainha sobre a intangibilidade do acusado, sua condição de pessoa acima das outras. Semelhante traço oligárquico impede a soberania popular, gera os tutores do País.

Enquanto não existir responsabilização das "autoridades", o Brasil será um anacrônico e virulento Estado absolutista no qual o soberano jamais é o povo e sim o ocupante do trono e seus cortesãos. O gestor e o político não podem ter contra si nenhuma acusação ou dúvida. É o que manda a fórmula restritiva "ilibada reputação" (illibatus, no latim bem conhecido pelos nossos poderosos significa "íntegro", "completo"). Quando um prócer de qualquer partido ou ideologia sofre acusações que chegam à sociedade ele deixa - mesmo que inocente - de ser "ilibado", condição a que retorna se a Justiça assim o decidir. Quem paga impostos ou aceita obedecer às leis sob autoridades espera que os dirigentes sejam ilibados. Para manter um cargo é preciso que o funcionário, mesmo na chefia do governo, seja responsável e responsabilizado. Essa doutrina foi compendiada por John Milton e acolhida nas democracias: "Se o rei ou magistrado provam ser infiéis aos seus compromissos, o povo é liberto de sua palavra". (The Tenure of Kings and Magistrates).

É evidente que a imprensa não pode ser instância julgadora. Ela, não raro, abusa ao veicular acusações. Mas é também evidente que os julgamentos podem deixar de existir se atos que atentem contra o Estado e a sociedade não forem trazidos ao eleitor. Quando um político é acusado de negligência ou crime, para manter a fé pública o correto é investigar as denúncias até que prova cabal ou juízo as dissolvam. O político representa o Estado e deve ser íntegro. Caso contrário, desaparece a base legitimadora do poder que se regula pela democracia e se justifica pelo direito.

No Brasil, o poder público está sempre em crise, o que evidencia o frankenstein jurídico e institucional do nosso Estado. Apesar de sinais que anunciam melhorias na ordem política, como a lei de improbidade administrativa, a lei da ficha limpa, a lei de acesso à informação e outras, a fé pública é frágil entre nós. Combater a descrença da cidadania exige apurações isentas e responsáveis, sem truques afetivos e propaganda enganosa. A cada novo dia é preciso mostrar, por atos e palavras, que existe compromisso ético. Sem tais atitudes públicas e particulares, a governabilidade é impossível. Estado desprovido de fé pública não pode ser um regime livre e responsável.

A governabilidade tem como pressuposto a obediência, pela cidadania soberana, das leis elaboradas no Parlamento e destinadas à execução pelo governo. Se os eleitores não podem confiar na abrangência universal das referidas normas, se existe suspeita de que elas não valem para todos e para cada um dos cidadãos, se existem pessoas acima da lei, some a governabilidade. Bismarck dizia que duas coisas o cidadão ignora porque, caso contrário, jamais aceitaria: o modo pelo qual são produzidas as salsichas e as leis. Ele usa a figura médica antiga que une o poder político ao "regime". As leis alimentam o corpo político e devem ser controladas pelo juízo público. Este último requer ética e decoro dos políticos, estejam eles no poder ou fora dele. Bismarck foi contrário à democracia, inimigo da soberania popular. Se aplicarmos seu exemplo, no entanto, as nossas salsichas e as leis não passariam nunca pelo controle das secretarias de abastecimento. Nossos políticos, que se julgam acima do povo, provam apenas que elas surgem com o prazo vencido, apodreceram porque supõem o absolutismo ou a oligarquia. Não valem para uma república democrática.

* ROBERTO ROMANO É FILÓSOFO, PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA NA UNICAMP E AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE O CALDEIRÃO DE MEDEIA (PERSPECTIVA)

Fonte: http://silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com.br/2012/12/caderno-alias-somingo-dia-16122012.html

"Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro"

Uma entrevista interessante sobre o momento que vivemos.


"Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro". Entrevista com Giorgio Agamben


"O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro", afirma Giorgio Agamben, em entrevista concedida a Peppe Salvà e publicada por Ragusa News, 16-08-2012.

Giorgio Agamben é um dos maiores filósofos vivos. Amigo de Pasolini e de Heidegger, Giorgio Agamben foi definido pelo Times e por Le Monde como uma das dez mais importantes cabeças pensantes do mundo. Pelo segundo ano consecutivo ele transcorreu um longo período de férias em Scicli, na Sicília, Itália, onde concedeu a entrevista.

Segundo ele, "a nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governamentalidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas". Assim, "a tarefa que nos espera consiste em pensar integralmente, de cabo a cabo, aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”, afima Agamben.

A tradução é de Selvino J. Assmann, professor de Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.

Eis a entrevista.

O governo Monti invoca a crise e o estado de necessidade, e parece ser a única saída tanto da catástrofe financeira quanto das formas indecentes que o poder havia assumido na Itáli. A convocação de Monti era a única saída, ou poderia, pelo contrário, servir de pretexto para impor uma séria limitação às liberdades democráticas?

“Crise” e “economia” atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem, que servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as pessoas não têm motivo algum para aceitar. ”Crise” hoje em dia significa simplesmente “você deve obedecer!”. Creio que seja evidente para todos que a chamada “crise” já dura decênios e nada mais é senão o modo normal como funciona o capitalismo em nosso tempo. E se trata de um funcionamento que nada tem de racional.

Para entendermos o que está acontecendo, é preciso tomar ao pé da letra a idéia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro. Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro. O Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas - assumiu o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania ), manipula e gere a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do que o titulo de um grande jornal nacional (italiano) de alguns dias atrás: “salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo, “salvar” é um termo religioso, mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao preço de “sacrificar” vidas humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas.

A crise econômica que ameaça levar consigo parte dos Estados europeus pode ser vista como condição de crise de toda a modernidade?

A crise atravessada pela Europa não é apenas um problema econômico, como se gostaria que fosse vista, mas é antes de mais nada uma crise da relação com o passado. O conhecimento do passado é o único caminho de acesso ao presente. É procurando compreender o presente que os seres humanos – pelo menos nós, europeus – são obrigados a interrogar o passado. Eu disse “nós, europeus”, pois me parece que, se admitirmos que a palavra “Europa” tenha um sentido, ele, como hoje aparece como evidente, não pode ser nem político, nem religioso e menos ainda econômico, mas talvez consista nisso, no fato de que o homem europeu – à diferença, por exemplo, dos asiáticos e dos americanos, para quem a história e o passado tem um significado completamente diferente – pode ter acesso à sua verdade unicamente através de um confronto com o passado, unicamente fazendo as contas com a sua história.

O passado não é, pois, apenas um patrimônio de bens e de tradições, de memórias e de saberes, mas também e sobretudo um componente antropológico essencial do homem europeu, que só pode ter acesso ao presente olhando, de cada vez, para o que ele foi. Daí nasce a relação especial que os países europeus (a Itália, ou melhor, a Sicília, sob este ponto de vista é exemplar) têm com relação às suas cidades, às suas obras de arte, à sua paisagem: não se trata de conservar bens mais ou menos preciosos, entretanto exteriores e disponíveis; trata-se, isso sim, da própria realidade da Europa, da sua indisponível sobrevivência. Neste sentido, ao destruírem, com o cimento, com as autopistas e a Alta Velocidade, a paisagem italiana, os especuladores não nos privam apenas de um bem, mas destroem a nossa própria identidade. A própria expressão “bens culturais” é enganadora, pois sugere que se trata de bens entre outros bens, que podem ser desfrutados economicamente e talvez vendidos, como se fosse possível liquidar e por à venda a própria identidade.

Há muitos anos, um filósofo que também era um alto funcionário da Europa nascente, Alexandre Kojève, afirmava que o homo sapiens havia chegado ao fim de sua história e já não tinha nada diante de si a não ser duas possibilidades: o acesso a uma animalidade pós-histórica (encarnado pela american way of life) ou o esnobismo (encarnado pelos japoneses, que continuavam a celebrar as suas cerimônias do chá, esvaziadas, porém, de qualquer significado histórico). Entre uma América do Norte integralmente re-animalizada e um Japão que só se mantém humano ao preço de renunciar a todo conteúdo histórico, a Europa poderia oferecer a alternativa de uma cultura que continua sendo humana e vital, mesmo depois do fim da história, porque é capaz de confrontar-se com a sua própria história na sua totalidade e capaz de alcançar, a partir deste confronto, uma nova vida.

A sua obra mais conhecida, Homo Sacer, pergunta pela relação entre poder político e vida nua, e evidencia as dificuldades presentes nos dois termos. Qual é o ponto de mediação possível entre os dois pólos?

Minhas investigações mostraram que o poder soberano se fundamenta, desde a sua origem, na separação entre vida nua (a vida biológica, que, na Grécia, encontrava seu lugar na casa) e vida politicamente qualificada (que tinha seu lugar na cidade). A vida nua foi excluída da política e, ao mesmo tempo, foi incluída e capturada através da sua exclusão. Neste sentido, a vida nua é o fundamento negativo do poder. Tal separação atinge sua forma extrema na biopolítica moderna, na qual o cuidado e a decisão sobre a vida nua se tornam aquilo que está em jogo na política. O que aconteceu nos estados totalitários do século XX reside no fato de que é o poder (também na forma da ciência) que decide, em última análise, sobre o que é uma vida humana e sobre o que ela não é. Contra isso, se trata de pensar numa política das formas de vida, a saber, de uma vida que nunca seja separável da sua forma, que jamais seja vida nua.

O mal-estar, para usar um eufemismo, com que o ser humano comum se põe frente ao mundo da política tem a ver especificamente com a condição italiana ou é de algum modo inevitável?

Acredito que atualmente estamos frente a um fenômeno novo que vai além do desencanto e da desconfiança recíproca entre os cidadãos e o poder e tem a ver com o planeta inteiro. O que está acontecendo é uma transformação radical das categorias com que estávamos acostumados a pensar a política. A nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governamentalidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas. E que este modelo seja, do ponto de vista do poder, mais econômico e funcional é provado pelo fato de que foi adotado também por aqueles regimes que até poucos anos atrás eram ditaduras. É mais simples manipular a opinião das pessoas através da mídia e da televisão do que dever impor em cada oportunidade as próprias decisões com a violência. As formas da política por nós conhecidas – o Estado nacional, a soberania, a participação democrática, os partidos políticos, o direito internacional – já chegaram ao fim da sua história. Elas continuam vivas como formas vazias, mas a política tem hoje a forma de uma “economia”, a saber, de um governo das coisas e dos seres humanos. A tarefa que nos espera consiste, portanto, em pensar integralmente, de cabo a cabo, aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”.

O estado de exceção, que o senhor vinculou ao conceito de soberania, hoje em dia parece assumir o caráter de normalidade, mas os cidadãos ficam perdidos perante a incerteza na qual vivem cotidianamente. É possível atenuar esta sensação?

Vivemos há decênios num estado de exceção que se tornou regra, exatamente assim como acontece na economia em que a crise se tornou a condição normal. O estado de exceção – que deveria sempre ser limitado no tempo – é, pelo contrário, o modelo normal de governo, e isso precisamente nos estados que se dizem democráticos. Poucos sabem que as normas introduzidas, em matéria de segurança, depois do 11 de setembro (na Itália já se havia começado a partir dos anos de chumbo) são piores do que aquelas que vigoravam sob o fascismo. E os crimes contra a humanidade cometidos durante o nazismo foram possibilitados exatamente pelo fato de Hitler, logo depois que assumiu o poder, ter proclamado um estado de exceção que nunca foi revogado. E certamente ele não dispunha das possibilidades de controle (dados biométricos, videocâmaras, celulares, cartões de crédito) próprias dos estados contemporâneos. Poder-se-ia afirmar hoje que o Estado considera todo cidadão um terrorista virtual. Isso não pode senão piorar e tornar impossível aquela participação na política que deveria definir a democracia. Uma cidade cujas praças e cujas estradas são controladas por videocâmaras não é mais um lugar público: é uma prisão.

A grande autoridade que muitos atribuem a estudiosos que, como o senhor, investigam a natureza do poder político poderá trazer-nos esperanças de que, dizendo-o de forma banal, o futuro será melhor do que o presente?

Otimismo e pessimismo não são categorias úteis para pensar. Como escrevia Marx em carta a Ruge: ”a situação desesperada da época em que vivo me enche de esperança”.

Podemos fazer-lhe uma pergunta sobre a lectio que o senhor deu em Scicli? Houve quem lesse a conclusão que se refere a Piero Guccione como se fosse uma homenagem devida a uma amizade enraizada no tempo, enquanto outros viram nela uma indicação de como sair do xequemate no qual a arte contemporânea está envolvida.

Trata-se de uma homenagem a Piero Guccione e a Scicli, pequena cidade em que moram alguns dos mais importantes pintores vivos. A situação da arte hoje em dia é talvez o lugar exemplar para compreendermos a crise na relação com o passado, de que acabamos de falar. O único lugar em que o passado pode viver é o presente, e se o presente não sente mais o próprio passado como vivo, o museu e a arte, que daquele passado é a figura eminente, se tornam lugares problemáticos. Em uma sociedade que já não sabe o que fazer do seu passado, a arte se encontra premida entre a Cila do museu e a Caribdis da mercadorização. E muitas vezes, como acontece nos templos do absurdo que são os museus de arte contemporânea, as duas coisas coincidem.

Duchamp talvez tenha sido o primeiro a dar-se conta do beco sem saída em que a arte se meteu. O que faz Duchamp quando inventa o ready-made? Ele toma um objeto de uso qualquer, por exemplo, um vaso sanitário, e, introduzindo-o num museu, o força a apresentar-se como obra de arte. Naturalmente - a não ser o breve instante que dura o efeito do estranhamento e da surpresa – na realidade nada alcança aqui a presença: nem a obra, pois se trata de um objeto de uso qualquer, produzido industrialmente, nem a operação artística, porque não há de forma alguma uma poiesis, produção – e nem sequer o artista, porque aquele que assina com um irônico nome falso o vaso sanitário não age como artista, mas, se muito, como filósofo ou crítico, ou, conforme gostava de dizer Duchamp, como “alguém que respira”, um simples ser vivo.

Em todo caso, certamente ele não queria produzir uma obra de arte, mas desobstruir o caminhar da arte, fechada entre o museu e a mercadorização. Vocês sabem: o que de fato aconteceu é que um conluio, infelizmente ainda ativo, de hábeis especuladores e de “vivos” transformou o ready-made em obra de arte. E a chamada arte contemporânea nada mais faz do que repetir o gesto de Duchamp, enchendo com não-obras e performances a museus, que são meros organismos do mercado, destinados a acelerar a circulação de mercadorias, que, assim como o dinheiro, já alcançaram o estado de liquidez e querem ainda valer como obras. Esta é a contradição da arte contemporânea: abolir a obra e ao mesmo tempo estipular seu preço.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512966-giorgio-agamben

De marqueteiro a ideólogo

Um artigo lúcido da Professora Maria Sylvia de Carvalho Franco sobre a nossa esfera pública, que mais parece condução da esfera privada.


De marqueteiro a ideólogo
Ao projetar seu pragmatismo radical na política e na ética, João Santana orienta a prática partidária do PT

02 de dezembro de 2012 | 2h 08
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO | É PROFESSORA TITULAR DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA USP E DA UNICAMP - O Estado de S.Paulo

A mácula da escravidão persiste, prenhe de racismo: João Paulo Cunha, condenado pelo STF, alega que Joaquim Barbosa foi indicado "porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de reparar a injustiça histórica com os negros"; isto é, foi nomeado pela cor e não por mérito. A escolha do ministro soa como favor não retribuído, esquecendo-se Cunha de que "não se pode ser grato com a toga" (Ayres Britto). Para compreender a ofensa ao juiz, cabe lembrar o sentido moderno da escravidão, o modo como se entranhou na sociedade brasileira. Há tempos, desenvolvi a tese de que a escravidão moderna fora constitutiva do sistema capitalista, inerente à correlata ordem sociopolítica. Articulada ao capital nos mercados europeus, a produção nas colônias expandiu-se em termos absolutos: a grande propriedade abriu vastos recursos fundiários e a escravidão alimentou, veloz, a fonte inexaurível do trabalhador cuja expropriação deu-se de chofre, ao passo que esse processo corria, lento, nos mercados europeus. Esse nexo essencial entre escravidão e capital desdobrou-se de ponta a ponta na cultura brasileira.


Nesse caldo, o grupo dominante não teve limites ao poder, aliado a célere enriquecimento. Para cronistas do século 19, "ganhar dinheiro é seu único motto, sua única palavra de ordem", compreendendo "importação de mercadorias adulteradas, tráfico de moeda falsa e contrabando de escravos", fortunas feitas por "meios desonestos, por assassínios, furtos e estelionatos". Joaquim Nabuco sustenta: "Em nossos dias tudo parece sujeito a transações. A alma humana é posta em leilão".

O nó entre ética do vale-tudo e escravidão atingiu os homens livres e pobres. Alijados da produção mercantil e da posse fundiária, carentes de firmes vínculos coletivos, tornaram-se andarilhos solitários em violento universo de penúria. Os nexos entre ricos (fazendeiros, políticos, mercadores, governantes) e remediados (sitiantes, clientes, agregados, capangas) teceram, como favor, a dominação pessoal: suas contraprestações entrelaçam dádivas de amizade e parentesco, apoio econômico e amparo social, retribuídos por adesão política. Daí resultam lealdades e compromissos que estiolam a consciência do mundo social, concebível apenas mediante a encarnação do poder transfigurado em benefício para o subalterno. Firma-se a brutal alienação assim produzida: as figuras do favor não provêm do patrimonialismo obsoleto, como se aventa, mas da prepotência moderna.

O compadrio move essa engrenagem no Estado: o que de melhor fazer, a um afilhado, "senão provê-lo de um emprego público?" Fácil é manter influências "criando novos cargos e novos funcionários", notam cronistas do século 19. Monta-se a máquina administrativa, motriz da corrupção, induzida por nosso ilusório pacto federativo. No Império, a técnica de concentrar fundos locais no Executivo central exauriu os municípios a ponto de seus vereadores empregarem recursos próprios em obras públicas. Esse empenho de valores privados na esfera estatal tinha retorno coerente: "Se uso meus bens para encargos oficiais, por que não usar os do governo para meus fins?". Hoje, aprimorando esse vezo, os edis "negociam" recursos, mas nada colocam de seu e pilham, não raro, algo do butim.

Essa sinopse das práticas autoritárias ilumina a trama de favores e dinheiros, multiplicada a partir de um núcleo forte, em redes de parceria e cumplicidade. Hoje, pretensos benefícios atraem multidões fiéis ao benfeitor imaginário que, de fato, as aprisiona. A propaganda amplia o confisco da autonomia, suscitando a adesão mecânica ao herói protetor. Personagem mítico, é produzido por marqueteiros, como João Santana, que se esmera em transformar Dilma em Dama de Ferro e Haddad em Jovem Turco. Essa retórica opera na aparência: exemplo disso é o fantasma da "nova classe média", endividada na compra fácil de produtos industrializados, mas carente de moradia, face às condições leoninas do Minha Casa, Minha Vida - o candidato ouve, do agente bancário, o conselho de procurar uma "empreiteira acostumada a trabalhar com a Caixa". Empresários, não o povo, são beneficiários desses programas. Essa sofística chega a pautar a imprensa, que tragou a falaciosa invenção do "novo" apenso a Haddad, cria de Lula, formidável sobrevivente e chefe autoritário à moda antiga, mantido pela oligarquia sindical e outras mais rançosas. Nada de inédito nesses vultos e em outros delfins herdeiros de vetustas linhagens.

Entretanto, o devaneio de João Santana, em recente entrevista - conjugar Dilma presidente, Lula governador, Haddad prefeito -, não conta com o real e perigoso desenlace da onipotência - a morte do rei, ou do pai - com os anseios da progênie minando a hegemonia do protetor. Lula sitiado pela corrupção de seus ministros e auxiliares dá asas aos afilhados cobiçosos e justifica romper seus votos de lealdade. Doutro lado, o patrono escuda-se e desampara os que perderam serventia. No traiçoeiro utilitarismo que manipula sentimento e razão, frágil é a generosidade de quem dá, tíbia a gratidão de quem recebe. Ao projetar os espectros do pragmatismo radical na política e na ética, valendo-se do imaginário vulgar e dos vícios da oligarquia brasileira, Santana orienta a prática partidária e passa de marqueteiro a ideólogo do PT. Seu sectarismo lhe permite reduzir as sessões do STF a "reality shows", atribuindo-lhes, assim, a falta de escrúpulos dessa mórbida exploração da curiosidade. Mais grave, esse espetáculo fere preceitos constitucionais, como o direito à privacidade, à intimidade e à honra. Essa violência arbitrária conjugada a alvos financeiros espezinha a dignidade humana. A analogia de Santana, portanto, atribui a violação das garantias inalienáveis da pessoa àqueles que receberam o mister de zelar pela Constituição. Essa arrogância o conduz ao "dever" de alertar os ministros contra o tóxico "excesso midiático", veneno do qual ele próprio abusa.

Fonte: http://silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com.br/2012/12/estado-de-sao-paulo-caderno-alias.html




Thursday, November 29, 2012

Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação, por que o senhor não acredita na formação educacional do seu país

Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação,
Espero encontrá-lo bem!
Se a informação do site Terra procede, penso que o senhor e os seus assessores e companheiros do "ministério da educação" do Estado Brasileiro não acreditam que a educação é uma necessidade social e vital na formação dos brasileiros, mas penso que o senhor acredita na curvatura do mercado e da sua espinha as universidades privadas no Brasil ao alterar o cálculo da nota de um curso superior (o professor com doutorado perdeu peso). Demonstra a falta de compromisso com a formação dos cidadãos brasileiros.
Penso que o senhor não depende e não sei se sabe do peso do seu doutorado, pois caso fosse, não autorizaria tal possibilidade.
Traição ministro, traição e olha que votei no senhor. Eu era jovem e com certeza acreditava e sonhava com um país melhor.
Santa ingenuidade de acreditar em homens como o senhor no poder.
Virou um balcão de negócios a nossa formação educacional.
Daner Hornich

Educação não é prioridade, mercado sim.

Segundo o MEC educação não é prioridade, nem mesmo uma necessidade social e vital na formação dos brasileiros. Veja a informação abaixo:

MEC decide alterar cálculo de nota de curso superior
29 de novembro de 2012 • 09h26

Reduzir
Normal
Aumentar
Imprimir
Notícia

Comentar1
O Ministério da Educação (MEC) decidiu alterar o cálculo da nota dos cursos de ensino superior. O quesito professor com doutorado perdeu peso, enquanto aumentou o valor para o docente com mestrado e com dedicação integral. Com a nova fórmula, a proporção de professores com doutorado cairá de 20% para 15% da nota, chamada de Conceito Preliminar de Cursos (CPC). Os que ficam com nota 1 ou 2 (em uma escala até 5) são inspecionados e podem até fechar. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
A diminuição do peso para doutores foi um pedido das instituições privadas, que afirmam ser difícil contratar professores tão qualificados em algumas áreas do conhecimento ou regiões do País. Educadores acreditam que houve afrouxamento nas exigências de qualidade. Segundo o MEC, o momento é o de induzir melhorias em outros aspectos. Os cinco pontos serão distribuídos entre os quesitos docentes mestres e com dedicação integral. Além disso, haverá um aumento no peso para a existência de projeto pedagógico e a qualidade da infraestrutura

Vergonha Ministro da Educação ou da Deseducação.

É uma vergonha o ministro da educação curvar-se para as Universidades Privadas e alterar o cálculo da nota do curso Superior. Pensei que o Ministro da Educação com título de doutor em economia pela UNICAMP fosse comprometido com a população e o Estado brasileiro, mas parece que não é, como informa a o site Terra

MEC decide alterar cálculo de nota de curso superior
29 de novembro de 2012 • 09h26

Reduzir
Normal
Aumentar
Imprimir
Notícia

Comentar1
O Ministério da Educação (MEC) decidiu alterar o cálculo da nota dos cursos de ensino superior. O quesito professor com doutorado perdeu peso, enquanto aumentou o valor para o docente com mestrado e com dedicação integral. Com a nova fórmula, a proporção de professores com doutorado cairá de 20% para 15% da nota, chamada de Conceito Preliminar de Cursos (CPC). Os que ficam com nota 1 ou 2 (em uma escala até 5) são inspecionados e podem até fechar. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
A diminuição do peso para doutores foi um pedido das instituições privadas, que afirmam ser difícil contratar professores tão qualificados em algumas áreas do conhecimento ou regiões do País. Educadores acreditam que houve afrouxamento nas exigências de qualidade. Segundo o MEC, o momento é o de induzir melhorias em outros aspectos. Os cinco pontos serão distribuídos entre os quesitos docentes mestres e com dedicação integral. Além disso, haverá um aumento no peso para a existência de projeto pedagógico e a qualidade da infraestrutura

Vergonha Nacional: professor com doutorado perdeu peso

MEC decide alterar cálculo de nota de curso superior
29 de novembro de 2012 • 09h26

Reduzir
Normal
Aumentar
Imprimir
Notícia

Comentar1
O Ministério da Educação (MEC) decidiu alterar o cálculo da nota dos cursos de ensino superior. O quesito professor com doutorado perdeu peso, enquanto aumentou o valor para o docente com mestrado e com dedicação integral. Com a nova fórmula, a proporção de professores com doutorado cairá de 20% para 15% da nota, chamada de Conceito Preliminar de Cursos (CPC). Os que ficam com nota 1 ou 2 (em uma escala até 5) são inspecionados e podem até fechar. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
A diminuição do peso para doutores foi um pedido das instituições privadas, que afirmam ser difícil contratar professores tão qualificados em algumas áreas do conhecimento ou regiões do País. Educadores acreditam que houve afrouxamento nas exigências de qualidade. Segundo o MEC, o momento é o de induzir melhorias em outros aspectos. Os cinco pontos serão distribuídos entre os quesitos docentes mestres e com dedicação integral. Além disso, haverá um aumento no peso para a existência de projeto pedagógico e a qualidade da infraestrutura.

Wednesday, September 05, 2012

Rede globo e a desonestidade editorial


Rede globo e a desonestidade editorial


Vocês não são honestos, e podemos argumentar que vocês são tendenciosos e prestam uns desserviços à população brasileira em nome do governo e suas propostas de leis sem estruturas adequadas para a sociedade. Exemplo: o problema da lei de fiscalização dos caminhoneiros nas estradas brasileiras. Vocês começaram a reportagem falando sobre o uso de cocaína pelos caminhoneiros nas estradas e logo após falam sobre a fiscalização dos governos nas estradas. Vocês não estão sugestionados os seus telespectadores? Por que vocês não questionaram a fala autoritária e truculenta do ministério do trabalho sobre o problema? Pobre jornalismo brasileiro.

Monday, July 23, 2012

Robert Kurz, crítico radical e inovador do marxismo, morreu

Robert Kurz, crítico radical e inovador do marxismo, morreu
Robert Kurz, filósofo alemão, crítico radical e contundente do “moderno sistema produtor de mercadorias”, morreu, aos 68 anos, no dia 18 de julho, quinta-feira.

Robert Kurz tornou-se conhecido no Brasil por ocasião da tradução do livro “O colapso da modernização”, em 1991. Robert Schwarz publicou no jornal Folha de S. Paulo um artigo anunciando o livro e prefaciou a tradução brasileira.

Ele estudou Filosofia, História e Pedagogia. É cofundador e redator da revista teórica EXIT! — Kritik und Krise der Warengesellschaft (EXIT! — Crítica e Crise da Sociedade da Mercadoria).

Entre seus livros publicados em português, além d'O colapso da modernização (São Paulo: Paz e Terra, 1991), citamos O retorno de Potemkin (São Paulo: Paz e Terra, 1994) e Os últimos combates (Petrópolis: Vozes, 1998).

Robert Kurz contribuiu, sempre com muita solicitude, com a revista IHU On-Line. Sempre que solicitado, nos atendia prontamente, expondo, erudita e detidamente, a sua crítica radical do moderno sistema produtor de mercadorias.

Na última vez que o contatamos foi no primeiro semestre deste ano. Quem nos respondeu foi a sua esposa dizendo que ele estava doente mas, uma vez recuperado, responderia à entrevista. Não imaginávamos que estivesse tão gravemente enfermo. Fomos surpreendidos, na última quinta-feira, pela notícia da sua morte que nos foi comunicada por amigos brasileiros comuns.

No livro “O colapso da modernizaçaõ”, escrito após a queda do muro de Berlim, “defende, entre outras teses, que a derrocada do dito socialismo na URSS não significava apenas o fracasso de um regime totalitário imposto como forma do que alcunhou de “modernização recuperadora” (já que na essência tanto o socialismo soviético como o capitalismo ocidental eram mais similares que antagônicos, sendo o primeiro uma espécie de fase mercantilista num momento avançado da história da acumulação do capital) como também anunciava – sem ser apocalíptico porque via a derrocada como um processo e não uma ruptura imediata – um prognóstico marcado por crises para o capitalismo ocidental nos anos vindouros”, escreve o blog Porta de Tudo, 19-07-2012.

Segundo o blog, “autor também de inúmeros artigos e ensaios, Kurz dirigia toda sua crítica ao capitalismo sempre com um escrita elegante e coerente onde, a partir de exemplos ricos e diálogo com outros filósofos, concatenava com bastante organicidade – apesar de algum hermetismo – seu raciocínio perspicaz, contundente e radical (raiz)”.

Kurz nasceu em Nuremberg, no dia 24 de dezembro de 1943. Na Alemanha, participou do movimento Wertkritik (crítica do valor) impulsionado pelo grupo Krisis que publicou, em 1999, o importante “Manifesto contra o trabalho”.

Em 2003, o filósofo Anselm Jappe, em seu livro As aventuras da mercadoria - para uma nova crítica do valor (Lisboa: Antígona, 2006), apresentou os desenvolvimentos teóricos do trabalho de Kurz e do grupo Krisis.

Em abril de 2004, o grupo Krisis sofre uma cisão, e Robert Kurz, Roswitha Scholz e Claus Peter Ortlieb criam um novo grupo, em torno da revista EXIT! - Kritik und Krise der Warengesellschaft ('EXIT! - Crítica e Crise da Sociedade da Mercadoria').

Segundo a revista alemã Der Spiegel, 20-07-2012, Kurz tornou-se muito conhecido na Alemanha com a publicação do monumental livro “Schwarzbuch Kapitalismus. Ein Abgesang auf die Marktwirtschaft”. No lançamento deste livro, ele declarou: "Karl Marx hat selbst von sich gesagt, er sei kein Marxist" (“O próprio Marx disse de si mesmo que ele não era nenhum marxista”).

Segundo a revista alemã, no dia 30 de julho, está previsto que seu novo livro “Geld ohne Wert. Grundrisse zu einer Transformation der Kritik der politischen Ökonomie” (Dinheiro sem valor. Fundamentos para uma transformação da crítica da economia política, em tradução livre). Segundo a editora, trata-se de uma “crítica categorial do capitalismo” da qual se afastou “o conjunto da esquerda democrática domesticada”.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511676-robert-kurz-inovador-do-marxismo-morreu



Tuesday, July 17, 2012

É fato sabido que sem crédito a economia capitalista não anda, ou anda muito mal

Uma boa entrevista sobre as questões econômicas. Ver abaixo:



Política econômica: ''O antikeynesianismo por definição''. Entrevista especial com Leda Paulani
“Está se vendo agora como a economia está se recusando a aumentar o passo, mesmo com todos os incentivos tributários”, aponta a economista.

Confira a entrevista.

A desaceleração da economia brasileira é consequência da crise econômica internacional, mas também de um “erro de cálculo da equipe econômica, que subestimou a gravidade da crise na Europa”, diz Leda Paulani à IHU On-Line. Nesse sentido, assinala, a elevação dos juros, especialmente de abril a julho do ano passado, “abortou, por assim dizer, a retomada que se restringiu ao ano de 2010”.

A crise internacional reflete significativamente nas exportações de commodities e reafirma, segundo Leda, o que muitos economistas já apontavam em relação à opção de o Brasil investir no modelo agroexportador: “Depois de tudo que o país já tinha caminhado em termos de desenvolvimento industrial era um tremendo regresso voltar a assentar nosso crescimento e a busca de divisas na produção de bens primários”.

Na avaliação da economista, o governo Dilma é “mais claramente preocupado do que o anterior com o andamento da economia e com a questão do crescimento”. Entretanto, assinala, “políticas anticíclicas ancoradas na redução de impostos não são suficientes para recuperar o ritmo de crescimento, até porque, em termos de demanda efetiva, o que se dá com uma mão (supostamente um incentivo ao consumo e à produção) se retira com a outra (redução da capacidade de gasto do governo)”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Leda também comenta a notícia de que 64% dos recursos do BNDES são destinados a grandes empresas. Para ela, isso demonstra que o “Banco tem servido para viabilizar a troca de mãos de patrimônio já existente, não para criar capacidade produtiva nova”.

Leda Paulani (foto abaixo) é doutora em Teoria Econômica, pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo – USP. Obteve livre docência pela mesma universidade e é presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Econômicas e professora da USP, além de ser autora de obras como Modernidade e discurso econômico (São Paulo: Boitempo Editorial, 2005) e Brasil Delivery: servidão financeira e estado de emergência econômico (São Paulo: Boitempo Editorial, 2008). Em outubro de 2007, Leda esteve na Unisinos participando do Ciclo de Estudos Fundamentos Antropológicos da Economia, no qual apresentou o pensamento de Guy Debord (1931-1994), com a palestra “A mercadoria como espetáculo”. Leda Paulani é autora do artigo “A (anti) filosofia de Karl Marx”, publicado nos Cadernos IHU ideias, edição n. 41, de 2005.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A que atribuiu à desaceleração econômica do país?

Leda Paulani – Atribuo à crise econômica internacional e a um erro de cálculo da equipe econômica, que subestimou a gravidade da crise na Europa. Quando a economia brasileira, em 2010, retomou o forte ritmo de crescimento que vinha apresentando antes da crise, rapidamente surgiram as vozes pedindo elevação dos juros, e tão cedo quanto em abril daquele ano as taxas recomeçaram a subir e subiram até julho de 2011, já no governo Dilma. Ora, isso abortou, por assim dizer, a retomada que se restringiu ao ano de 2010. Ao tomar posse em janeiro de 2011, a equipe econômica de Dilma, em particular o Banco Central, finalmente sob nova direção, não se deu conta da gravidade da crise europeia (consequência, como se sabe, da crise anterior, de 2008) e de como sua continuidade poderia não só afetar o ritmo da economia mundial, principalmente das economias americana e chinesa, prejudicando por tabela a evolução de nossas exportações, como também as expectativas dos empresários, fazendo deprimir ainda mais um investimento extremamente baixo para as pretensões de potência econômica do país.

Assim, foi só em agosto de 2011 que o Banco Central inverteu o caminho dos juros, passando a reduzir a Selic. Como a situação externa não se reverteu, mas sim o contrário, isso não parece agora suficiente para fazer voltar a deslanchar o crescimento, mesmo com os estímulos pelo lado do crédito e dos tributos.

IHU On-Line – O que a queda no valor das commodities sinaliza para o país, e em que sentido aponta para a opção de o país continuar investindo na exportação de produtos primários?

Leda Paulani – Essa queda aponta aquilo que muitos economistas já vinham indicando sem serem ouvidos com a devida atenção, ou seja, que depois de tudo que o país já tinha caminhado em termos de desenvolvimento industrial era um tremendo regresso voltar a assentar nosso crescimento e a busca de divisas na produção de bens primários. É verdade que já há algum tempo os termos de troca estão a nosso favor. Mas isso, por si só, já seria naturalmente um incentivo para o crescimento desse setor, para o aumento de sua participação no PIB e nas exportações. Não precisava o governo ajudar com uma política monetária que apreciou sistematicamente o câmbio (com exceção dos períodos de crise, em 1999 e em 2002), sem falar no dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES para ajudar a consolidar os grandes grupos de capital do país nessa área!

IHU On-Line – Os atuais dados de inadimplência das famílias e empresas brasileiras são motivo de preocupação para a economia nacional?

Leda Paulani – Não. Ainda não são motivo de preocupação pelo simples fato de que o percentual da população com acesso a crédito antes das transformações mais recentes era muito baixo, de modo que agora o volume do crédito cresce simplesmente porque está aumentando o número de pessoas/famílias que fazem parte desse universo, e não necessariamente porque o grau médio de endividamento (comprometimento do orçamento doméstico) esteja se tornando mais elevado. De qualquer maneira, parece que tem havido uma elevação na inadimplência que tem causado preocupação. Mas isso está evidentemente muito mais ligado à dificuldade da economia em voltar a deslanchar do que à criação de alguma coisa do tipo bolha de crédito em nossa economia. Isso não quer dizer que a expansão irrefreada do crédito ao consumo não possa vir a ser um problema. Ancorar a dinâmica macroeconômica no consumo e o consumo no crédito é tentar fazer a economia capitalista andar com o motor girando ao contrário.

IHU On-Line – A política de acesso a crédito, amplamente utilizada pelo governo brasileiro desde 2008, está chegando ao limite? Qual é o sentido do crédito num país como o Brasil? Uma economia que baseia seu crescimento no crédito pode ser sustentável no longo prazo?

Leda Paulani – É fato sabido que sem crédito a economia capitalista não anda, ou anda muito mal. Mas a importância dele está relacionada ao investimento, não ao consumo. E o determinante no caso dos investimentos é a disposição de investir dos donos do capital. É evidente que, sendo boa essa disposição mas escasso o crédito, o processo pode ficar complicado. No entanto, com crédito e sem disposição de investir ele não anda mesmo. E o consumo não é um bom substituto para isso, a não ser temporariamente e desde que seja capaz de fazer detonar o investimento.

Isso posto, é dúbia a resposta que se pode dar à pergunta sobre os limites da política de acesso ao crédito. De um lado, é claro que uma política como essa tem limites claros: a partir do momento em que se tiver conseguido incorporar a grande maioria das famílias, zera o ganho adicional que se poderá obter daí. Trata-se aqui do tipo de ganho que os economistas chamam de once and for all. A partir daí, o ganho possível vai ter que se basear inteiramente na política de juros. De outro lado, porém, do ponto de vista da dinâmica macroeconômica, essa simplesmente não é uma política digna do nome, porque o máximo que faz é mexer com o consumo, e não com o investimento, que é a variável determinante.

De qualquer forma, no Brasil, essa política significou um pouco mais do que simplesmente a tentativa de dar um empurrão na economia. No capitalismo financeirizado de hoje, quando a identidade dos indivíduos é substituída pelo número de seu cartão de crédito, não deixa de ser uma promoção fornecer essa carteira de identidade às populações localizadas nos estratos sociais mais rebaixados, que, no caso do Brasil, como se sabe, formam contingente expressivo. É uma forma perversa, eu diria, de promoção, porque crédito significa, principalmente para as famílias mais pobres, um comprometimento da renda futura que pode vir a ser muito perigoso, além de ser injusto, dado o nível das taxas de juros no Brasil, mas teve também esse sentido, indubitavelmente.

IHU On-Line – Como vê as políticas econômicas do governo Dilma? Pode-se chamá-las de keynesianas? As medidas anticíclicas de combate à crise ancoradas na redução de impostos são suficientes para manter o crescimento? O que mais precisa ser feito?

Leda Paulani – O governo Dilma é mais claramente preocupado do que o anterior com o andamento da economia e com a questão do crescimento. Ao menos está enfrentando destemidamente a questão dos juros, o que não era sem tempo, e mais do que isso a questão dos spreads bancários, que chegam a ser vergonhosos em nosso país. Está fazendo o que tem que ser feito sem se importar com a cara feia e os maus humores do “mercado”, nem com os discursos terroristas da “banca”.

Ao mesmo tempo tem utilizado muito a política tributária (com redução de alíquota do IPI) para empurrar o consumo, além da desoneração fiscal da folha de pagamento (substituição da contribuição social sobre a folha por uma alíquota incidente diretamente sobre o faturamento) para supostamente incentivar o emprego. Ora, essas duas últimas medidas podem ser qualquer coisa, menos keynesianas. Ao contrário, têm mais a cara do supply side economics, que é o antikeynesianismo por definição. No caso da redução de alíquotas do IPI, está se tentando novamente aquilo que foi feito em 2009 como resposta à crise financeira internacional do final do ano anterior e que trouxe, para 2010, um crescimento de 7,5%. Acontece que naquele momento a economia simplesmente retomou o bom ritmo de crescimento que vinha obtendo em 2007 e 2008 (em torno de 5 a 6%), até ser subitamente golpeada pela crise. Então foi muito mais a retomada do ritmo que o país vinha apresentando que produziu esse resultado do que as quedas de preços decorrentes das reduções de alíquotas, que afinal não foram tão expressivas assim (e essa retomada foi rápida graças ao descongelamento do crédito operado pelos bancos estatais).

Evidentemente políticas anticíclicas ancoradas na redução de impostos não são suficientes para recuperar o ritmo de crescimento, até porque, em termos de demanda efetiva, o que se dá com uma mão (supostamente um incentivo ao consumo e à produção) se retira com a outra (redução da capacidade de gasto do governo). Está se vendo agora como a economia está se recusando a aumentar o passo, mesmo com todos os “incentivos” tributários.

IHU On-Line – Quais são os acertos e contradições na conjuntura macroeconômica?

Leda Paulani – O professor Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge, deu recentemente uma entrevista em que afirma que o governo Lula, ao optar pela dupla “juro alto/câmbio apreciado”, escolheu as finanças, as commodities e os serviços, desdenhando e prejudicando a indústria, que seria beneficiada pela política oposta. Está certíssimo e é preciso lembrar que essa opção veio de antes, veio do governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo sido aprofundada por Lula. E o que significa prejudicar a indústria? Significa dificultar que os setores que mais agregam valor e que são os mais dinâmicos do ponto de vista tecnológico assumam a dianteira. No nosso caso isso significou um claro regresso, porque já estivemos em situação muito melhor desse ponto de vista. Veja-se o que aconteceu com a indústria automobilística: tínhamos internalizado a cadeia produtiva inteira e, hoje, as indústrias de automóveis que operam no Brasil são quase maquiladoras. Ao reduzir decididamente os juros, o governo Dilma parece estar impondo uma correção nesse rumo, optando por uma política que pelo menos não contribui com a apreciação do câmbio e incentiva o investimento privado com a redução do juro básico. Mas, de outro lado, em vez de combinar isso com uma política fiscal ativa, corta recursos do governo, com os incentivos tributários, e corta gastos, encolhendo a demanda efetiva.

IHU On-Line – 64% dos recursos do BNDES foram aplicados em projetos de grandes empresas. Como compreender estes dados num país em que o Estado assume a postura de Estado máximo? Quais as implicações destes investimentos para o restante da indústria e desenvolvimento social?

Leda Paulani – O Brasil, apesar da onda neoliberal que aqui vicejou por duas décadas, conseguiu preservar alguns instrumentos preciosos para a capacidade de intervenção do governo na economia. Os bancos estatais são exemplos deles. Aliás, eles tiveram um papel determinante, como já indiquei, na possibilidade que o país teve de sair rapidamente do círculo vicioso da crise instalada ao final de 2008. Como quem manda neles é o Estado, eles passaram a ofertar crédito e descongelaram muito rapidamente o mercado interbancário, coisa que os bancos privados não fariam, como não estavam fazendo. (O governo Lula tinha reduzido muitíssimo o compulsório dos bancos, esperando com isso que a situação no interbancário se normalizasse, mas a liquidez obtida foi reaplicada em títulos do governo.)

Portanto, é extremamente importante podermos contar com um instrumento poderoso como o BNDES, que hoje mobiliza recursos anuais de quase US$100 bilhões (volume três vezes maior do que o mobilizado pelo Banco Mundial e 10 vezes maior do que o mobilizado pelo BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento). Mas as operações que o Banco tem financiado nos últimos anos são muito mais para tornar possíveis processos de fusões e aquisições do que para incentivar investimentos produtivos. Quer dizer, o Banco tem servido para viabilizar a troca de mãos de patrimônio já existente, não para criar capacidade produtiva nova. E muitas vezes, como já indicado, os recursos a custos subsidiados acabam sendo investidos nos setores de commodities, que, ao contrário, deveriam ser sobretaxados, em função dos lucros extraordinários que já há alguns anos vêm obtendo. Além disso, é preciso acrescentar que o volume de recursos que o Tesouro Nacional tem diretamente aportado no BNDES vem crescendo substantivamente em função do esgotamento da fonte principal de seus recursos, que é o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT (a participação do Tesouro na estrutura passiva do BNDES passa de 7% em 2007 para 46% em 2010). É o caso então de se perguntar se o país não ganharia mais se o setor público aplicasse diretamente esses recursos, por exemplo, em infraestrutura, encetando, aí sim, uma política de fato keynesiana (demanda efetiva na veia) e fundamental para o país, que há três décadas está com sua relação Formação Bruta de Capital Fixo/PIB no chão.

IHU On-Line – Qual o impacto dos ajustes fiscais para as economias que enfrentam crises e, de modo mais amplo, para o desenvolvimento dos países?

Leda Paulani – Os ajustes fiscais são deletérios. A história já mostrou com abundância de evidências que políticas de austeridade matam o doente em lugar de curá-lo. Mas esse tipo de discurso, amparado pela ciência econômica ortodoxa, ainda tem muito espaço, muitos ouvidos, muito eco. No caso da periferia europeia hoje, parece óbvio que, cortando salários de funcionários, gastos sociais e pagamento de aposentadorias, a economia só pode piorar. Se a economia encolhe, encolhem também os recursos que o governo arrecada, implicando aumento da dívida pública. Se ao mesmo tempo o PIB está caindo, de que modo a relação dívida pública/PIB, que é um dos critérios mais importantes que eles olham, pode ser melhorada?

Mas na Europa, para além da questão stricto sensu econômica deste presente momento, há a grande complicação trazida por esta situação inédita de um ponto de vista histórico, que é a existência de uma moeda sem Estado. Quando o euro foi adotado, para blindar a Europa do ponto de vista cambial, o pressuposto era que as economias europeias, em que pesem suas enormes diferenças sociais e seu histórico bélico, viessem a se irmanar, de modo que os vários estados nacionais funcionassem em uníssono. Mas isso não aconteceu nem vai acontecer, antes o contrário.

IHU On-Line – Por que há uma racionalização da economia, como se ela fosse o setor determinante da sociedade?

Leda Paulani – A economia, gostemos ou não, é a instância determinante da sociedade moderna. Marx dizia que a forma de reprodução material da sociedade é que determinava qual das instâncias sociais era a determinante em cada modo de produção. Ora, na sociedade moderna, com a reprodução da existência material do homem sendo organizada pela troca e pelo mercado, é a própria existência material que se torna determinante. O modo específico que o processo de acumulação toma em cada momento, que alguns autores chamam de “regime de acumulação”, pode atenuar ou intensificar essa característica. O momento em que vivemos, ou melhor, a etapa da história capitalista iniciada há três décadas é do segundo tipo, o que implica dizer que vivemos numa era de completo e absoluto domínio do mercado e do capital, que triunfa e tripudia.



Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/511538-politica-economica-tem-mais-a-cara-do-supply-side-economics-que-e-o-antikeynesianismo-por-definicao-entrevista-especial-com-leda-paulani




Monday, July 09, 2012

A guarda pretoriana da folha - vulgo editorial ou os novos termidorianos

A guarda pretoriana da folha - vulgo editorial ou os novos termidorianos

Como vocês são idiotas de preitear tal possibilidade, como vocês da folha são “republicanos” (isso é uma piada, pois vocês são termidorianos) e representantes do que tem de pior neste país – uma burguesia sem horizonte e opção diante da economia mundial e do capital internacional. E, vocês da folha falam de crise e de modelo de financiamento para as Universidades públicas? Quem são vocês da folha? Vocês da folha (editorial ou jornalistas imbecis da guarda pretoriana) nunca estudaram sobre a autonomia das Universidades Públicas brasileira na Constituição do Republica Federativa do Brasil? Vocês da folha não estudam, mas são representantes do autoritarismo burro que representa o futuro desse país que vive sem história.

Segue a matéria



São Paulo, segunda-feira, 09 de julho de 2012

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
EDITORIAIS

editoriais@uol.com.br

Universidade justa

Crise nas federais põe a nu dilema do financiamento; benefício de renda obtido por egressos deveria contribuir para ampliar oferta de vagas

"Universidade gratuita" é um ótimo slogan para manifestações. Mas, no mundo real, implica um paradoxo. Prédios, professores, funcionários, laboratórios -alguém precisa pagar por eles.

Só expandir o sistema oficial, sem criar formas sustentáveis de financiá-lo, torna recorrentes as crises -como a que ora paralisa as universidades federais.

Se não é o aluno quem paga, com mensalidades, a conta vai para o conjunto da sociedade, por meio de impostos. É mais que legítimo, portanto, discutir qual modelo serve melhor aos interesses do país.

O primeiro ponto a elucidar é que universidades não servem apenas para ensinar, mas também para fazer pesquisa. E essa é justamente a parte mais cara.

Nos EUA, até instituições estatais cobram anuidades, que chegam a dezenas de milhares de dólares. Lá, o grosso do financiamento da pesquisa, tanto das universidades privadas como das oficiais, se faz com recursos públicos -fomento direto à investigação ou doações filantrópicas, que envolvem algum tipo de renúncia fiscal.

Não faria sentido algum exigir que alunos de universidades públicas brasileiras arcassem com as despesas da instituição com pesquisa, tampouco com outros itens que pesam bastante em seus orçamentos, como aposentadorias, hospitais universitários etc.

Ainda assim, resta uma conta diretamente ligada ao ensino, cujo custeio precisa ser debatido.

A "universidade gratuita", afinal, é socialmente regressiva. Embora formar médicos e engenheiros justifique investimento público (interessa à sociedade pagar para tê-los), é grande a apropriação privada que ocorre após a graduação.

Um estudo de 2005 de Marcelo Neri, da FGV, mostrou que a diferença entre o salário médio de um médico e o de alguém que jamais estudou chegava a 1.500%. É claro que nem todos os cursos superiores resultam na mesma desproporção, mas não se pode negar que detentores de títulos universitários são mais bem remunerados, em geral.

A cobrança direta de mensalidades é uma possibilidade entre outras. Seu efeito mais nocivo seria dificultar a entrada de estudantes sem recursos, mas pode ser mitigado por programas de bolsas de estudo e empréstimos a juro baixo.

Existem alternativas, porém, como o pagamento de alíquota adicional do Imposto de Renda por egressos da universidade pública. Mas o mecanismo seria muito vulnerável à ocultação de renda e exigiria uma burocracia própria.

Outra opção seria criar um serviço social compulsório para formados em instituições oficiais. Um médico formado numa universidade federal, por exemplo, passaria determinado período trabalhando onde o governo determinasse.

Essas são apenas algumas das propostas. O importante é que se discuta o modelo de financiamento das universidades como forma de promover mais justiça social.

Monday, June 04, 2012

Solução para a "seca" do Nordeste, mas que "seca"? -


Uma boa entrevista sobre a região do semiárido - A questão é que a política do Estado Brasileiro em relação a "seca" no Nordeste é uma catástrofe e uma calamidade publica do ponto de vista governamental, pois se o Estado brasileiro fosse sério em relação ao sertão nordestino a população não precisaria "... para sempre dos programas famigerados como O Bolsa Família, carros-pipa, cestas de alimentos e, ultimamente, O “Bolsa Estiagem”" como afirma Haroldo Schistek em sua entrevista para IHU ou http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/semiarido-uma-regiao-mal-compreendida-entrevista-especial-com-haroldo-schistek/510090-semiarido-uma-regiao-mal-compreendida-entrevista-especial-com-haroldo-schistek.






A convivência com o semiárido. Um novo paradigma. Entrevista especial com Haroldo Schistek
“Querendo combater a seca, nunca ganharemos. A convivência com o semiárido procura entender a natureza cada vez mais e organizar a vida e a produção conforme os parâmetros encontrados”, diz o agrônomo.

Confira a entrevista.

“Quando um ano de baixa precipitação assusta a sociedade e os governos, isso é um sinal de que até hoje o semiárido é uma região mal compreendida”. É com essa declaração que Haroldo Schistek comenta as notícias de que o semiárido brasileiro enfrenta a maior seca dos últimos 50 anos. Idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA, ele esclarece que “anos de mais baixa precipitação não devem assustar a ninguém, ao contrário, devem ser considerados como fator de produção”. Para ele, as dificuldades do semiárido brasileiro estão relacionadas à falta de investimento dos governos estaduais e federal, que não propõe alternativas eficazes para assegurar uma vida digna no sertão. “Uma catástrofe, isto sim, é a falta de preparo dos nossos governos. Tiveram três décadas, deste a última grande seca, para não, mais uma vez, serem apanhados de surpresa. Porém, precisam mais uma vez tomar medidas de emergência, gastar somas vultuosas para evitar maiores prejuízos econômicos e mortes da população”.

Diante das dificuldades enfrentadas pelos sertanejos que dispõem de pouca terra e não têm infraestrutura para enfrentar os períodos mais críticos, Schistek lamenta: “Sabemos que para o povo, agora é a hora de cuidar da vida, ter carro-pipa, achar preço bom para os animais, procurar emprego para alimentar a família. Ir atrás de subsídios do governo. Serão longos meses de sol quente, de poeira e de muitas caminhadas e viagens. Será uma luta, uma batalha, até alcançar a próxima chuva”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Schistek destaca que o semiárido está sendo invadido por “mineradoras” e “projetos que expulsam a população, destroem a caatinga, explorando os bens naturais, sem maiores benefícios para as populações locais, causando desertificação”. A preservação da Caatinga, enfatiza, é fundamental para garantir a regularidade da temperatura, das chuvas e a fertilidade do solo do semiárido. Citando a frase dita por morador da região, ele é enfático ao comentar o projeto de transposição do rio São Francisco: “Para resolver os problemas do semiárido, não precisamos apelar para o São Francisco. O São Pedro dispõe de água mais do que o suficiente para sermos uma região próspera”.

Na avaliação do agrônomo, a mudança no semiárido brasileiro também depende de uma educação contextualizada, que integre o semiárido e a Caatinga. “Ainda recentemente, encontramos um livro didático, no capítulo sobre os biomas brasileiros, que mostrava uma foto da Caatinga nos meses da estiagem, com a legenda inacreditável: ‘Caatinga morta’. Na verdade, os arbustos e árvores retratados somente estavam em hibernação, cheios de seiva e nutrientes, esperando apenas a primeira chuva para se vestirem novamente em abundantes roupas de folhas e flores”, explica.

Haroldo Schistek é teólogo pela Universidade de Salzburgo, Áustria, agrônomo pela Universidade de Agricultura em Viena e da Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco em Juazeiro, na Bahia. É idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA, com sede em Juazeiro, fundado em 1990. Trabalha com assessoria relacionada a recursos hídricos, desenvolvimento rural, beneficiamento de frutas nativas, questões agrárias, entre outras áreas. É elaborador de apostilas, livros, relatórios. Além disso, acompanha e coordena programas junto de agricultores, dentro do conceito da Convivência com o Semi Árido. Atualmente integra a Coordenação Coletiva do IRPAA como coordenador administrativo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A imprensa tem informado que a atual seca do semiárido brasileiro é a maior dos últimos 50 anos. É possível fazer distinções entre a seca atual e a de outros momentos, mesmo considerando que este é um processo natural do semiárido brasileiro?

Haroldo Schistek – O termo “seca”, a meu ver, não cabe bem no contexto climático do semiárido. A palavra “seca” quer caracterizar uma situação climática excepcional, de baixa pluviosidade, numa região que normalmente apresenta chuvas regulares. Esta definição não se aplica ao semiárido brasileiro. Anos de mais baixa precipitação não devem assustar a ninguém, ao contrário, devem ser considerados como fator de produção. Quando um ano de baixa precipitação assusta a sociedade e os governos, isso é um sinal de que até hoje o semiárido é uma região mal compreendida. Para a natureza, os seus animais e plantas, um ano como este não é nenhuma catástrofe. Em milhares de anos souberam se adaptar e criar resistência. Uma catástrofe, isto sim, é a falta de preparo dos nossos governos. Tiveram três décadas, deste a última grande seca, para não, mais uma vez, serem apanhados de surpresa. Porém, precisam mais uma vez tomar medidas de emergência, gastar somas vultuosas para evitar maiores prejuízos econômicos e mortes da população.

IHU On-Line – Como as populações do semiárido brasileiro convivem com a seca e com as demais características do semiárido?

Haroldo Schistek – Na última grande seca de 1979 a 1983, fui convidado a acompanhar uma equipe de reportagem para retratar os acontecimentos no Sertão nordestino. Partimos de Recife, viajamos longitudinalmente pelo estado da Paraíba e atravessamos Pernambuco, em direção à Bahia. Foi assustador o que vimos. Levas de gente nas estradas, fogões de lenha nas casas, sem nenhuma brasa, armazéns da Cobal saqueados, e frentes de serviço fazendo estradas, que foram levadas pela primeira chuva. Mas quando atravessamos a ponte sobre o rio São Francisco e nos dirigimos para o Distrito de Massaroca, município de Juazeiro, parecia que tínhamos mergulhados em outro mundo. A feira abastecida de tudo que se precisa, farinha, feijão e rapadura, roupas e chocalhos. As árvores em torno eram ocupadas pelas cordas dos jegues e cavalos amarrados e o povo alegremente tomando sua pinga.

Um dos agricultores nos convidou para almoçar. Perguntamos: “Aqui choveu?”, porque por onde passamos só vimos fome e miséria. “Choveu nada”, foi a resposta, “só sobrou um pouco de mandioca na roça. Nem milho, nem feijão. Mas temos o criatório (cabras e ovelhas) e o pasto para eles é a Caatinga. Aqui é uma grande área de Fundo de Pasto. Aqui ninguém passa necessidade”, disse ele.

Momentos como esse fizeram descobrir e definir o novo paradigma da convivência com semiárido, jogando para o lixo da história o “combate à seca”.

E não foi muito diferente agora, com a seca atual: telefonei para a cooperativa de beneficiamento de frutas nativas, como umbu e maracujá do mato, a Coopercuc, que atende aos municípios de Canudos, Uauá e Curaçá, e o presidente me contou que conseguiram facilmente alcançar e até ultrapassar a meta visada, atendendo assim a todas as encomendas. Foram 190.000 toneladas de frutas nativas da Caatinga. E mais: nestas duas semanas passadas inauguraram três minifábricas para beneficiar frutas nativas, dentro das medidas do nosso programa de Recaatingamento. Foram eventos muito festivos, com churrasco de carne de bode, reunindo toda vizinhança do povoado interioriano. Os de fora se admiraram: onde está a seca de que tanto se fala? São comunidades tradicionais, que tiram seu sustento básico da criação de animais de médio porte e onde a Caatinga preservada é o fundamento.

Não podemos generalizar esta situação benigna. Pois a maioria dos agricultores, por circunstâncias históricas e políticas, são obrigados a sobreviver em cima de uma terra pequena e dependendo principalmente do plantio da roça.

IHU On-Line – A que atribui os impactos ambientais do semiárido brasileiro e a dificuldade de desenvolver a região? Há risco de desertificação no semiárido brasileiro?

Haroldo Schistek – Para entender mais sobre nossa região, o que ela oferece, onde ficam os limites e quais são as propostas para uma vida econômica estável, quero destacar alguns elementos.

Sobre o clima no Semiárido

A estiagem recente no semiárido brasileiro se enquadra no comportamento previsível do tipo climático, com suas chuvas irregulares, no tempo e no espaço geográfico. Quer dizer, nunca se sabe quando se terá outra chuva nem em que área ela cairá. Nem se sabe quando iniciará o período chu-voso, nem quando será a última chuva. E tem mais: a irregularidade é muito mais acentuada em certos anos. Não é novidade desde a grande seca dos anos 1980, que a cada 26 anos há uma estiagem forte.

São muitos os “ingredientes” que fazem chover ou que impedem a chuva no semiárido brasileiro: A Zona de Convergência Intertropical, el niño, la niña, frentes frias do sul, a temperatura da água da porção do Oceano Atlântico que se encontra entre o Nordeste do Brasil e África. Além das contribuições feitas pelos humanos, através de desmatamentos, plantios extensos de pastos e grãos inadequados, trazendo consequências, uma vez que, a terra despida da sua roupa de Caatinga aquece o ar demasiadamente e, por sua vez, empurra as nuvens em alturas inadequadas. Podemos dizer, que a cobertura intacta da Caatinga é o regulador da temperatura e da chuva, man-tendo a fertilidade das terras e amenizando as influências naturais sobre o clima.

O clima semiárido se instalou entre oito e dez mil anos atrás, e o comportamento das chuvas é mais do que documentado pelos viajantes e padres portugueses. A população nativa, porém, adaptou-se perfeitamente às chuvas irregulares, cobrindo toda área do semiárido com suas aldeias e caminhos migratórios.

Sobre a ocupação do Semiárido

A vida da população indígena integrada ao ambiente semiárido foi brutalmente interrompida pela invasão dos portugueses. Assim, o grande mal que se fez ao semiárido não vem de agora, ou do século passado. Vem desde a primeira invasão pelos portugueses e tem tudo a ver com a monocultura de cana-de-açúcar no litoral nordestino. O gado, indispensável para o manejo da cana-de-açúcar e para a alimentação da população humana, num certo momento, numa época em que não existia o arame farpado, não podia mais ficar próximo às plantações e foi, por decreto governamental, mandado para o interior. Já em 1640 se estabeleceu o primeiro curral para gado bovino no médio São Francisco, dando assim início a uma sequência até hoje mantida: uma política concebida fora da região, introduzindo algo não adaptado ao clima, servindo a interesses estranhos. Não demorou e se formaram dois imensos latifúndios que ocuparam toda a região desde o Maranhão até Minas Gerais: os morgados da Casa da Torre e outro da Casa da Ponte. Para o povo, só existia lugar como vaqueiro, que mantinha sua rocinha para alimentar a família, mas ele nunca poderia ser dono daquele pedaço de chão. Essa é a origem da agricultura familiar na região.

Estamos numa fase de nova invasão do semiárido, que é mais devastadora que a dos portugueses. São os grandes projetos que expulsam a população, destroem a caatinga, explorando os bens naturais, sem maiores benefícios para as populações locais, causando desertificação. A exemplo das mineradoras, grandes projetos energético e de irrigação. Tais projetos ampliam a concentração de renda, o êxodo rural. Para os grandes fica o lucro, e para o povo ficam as “bolsas”. Prometem “emprego” para um povo que não necessita de emprego, pois já tem seu ganho de vida, como homem livre, na agricultura e criação de animais, mas necessita de segurança na terra, e terra, em tamanho adequado para as condições de semiaridez.

IHU On-Line – O que tem impedido o desenvolvimento social e econômico do semiárido? Pode-se dizer que é a má distribuição de água e não a seca?

Haroldo Schistek – O problema não é a má distribuição da água, mas da terra. Precisamos assim, mais uma vez, insistir num fato que muitos preferem não mencionar, por ser incômodo, por tocar em privilégios de uma minoria e de ser perigoso e, em muitos casos, até mortal. Trata-se da questão da terra, ou melhor, do tamanho dela. A Embrapa Semiárido afirma que nas áreas da grande Depressão Sertaneja, as mais secas do Semiárido, uma propriedade necessita de até 300 hectares de terra para ser sustentável, sendo a atividade principal a criação de caprinos e ovinos. Assim, a principal forma de preservar o nosso bioma, a Caatinga, é garantir às famílias um ta-manho de terra adequado às condições de semiaridez. Quanto menor a quantidade de chuva na região, mais terra se precisa.

Enquanto isso, qual é a realidade? Propriedades de dois, três, dez hectares, enquanto no outro lado da cerca uma única pessoa possui dois, três, dez mil hectares. É preciso elaborar uma proposta de reforma agrária apropriada às condições socioambientais do semiárido. Em muitos casos as famílias possuem terra, são da terra, mas só precisam dela em tamanho suficiente para ter uma produção estável, podendo garantir reservas e assim suportar as instabilidades climáticas. Sendo assim, poderemos esquecer para sempre os programas famigerados como O Bolsa Família, carros-pipa, cestas de alimentos e, ultimamente, O “Bolsa Estiagem”.

Evidentemente, o tamanho da terra necessário para viver bem no semiárido varia de região para região, depende da chuva, da fertilidade do solo, da formação topográfica. Mas sempre é maior do que de fato as famílias possuem, ou o que o Incra disponibiliza nos seus assentamentos e é alcançável financeiramente pela cédula da terra.

IHU On-Line – Como avalia o desenvolvimento do semiárido nos últimos anos? Como os sertanejos convivem com os períodos de seca?

Haroldo Schistek – Um jeito que o povo encontrou de viver bem no semiárido é se organizando em comunidades de Fundo de Pasto, forma tradicional de posse de terra no semiárido, remota desde as Sesmarias, e atende a esta característica: preservação e viabilidade econômica. As áreas de pasto não são individualizadas, não possuem cercas para separar cada propriedade. Os animais de todos os proprietários pastam livremente em toda a área, deslocando-se sempre para aquelas manchas verdes onde choveu recentemente. Com isso eles evitam superpastoreio e garantem animais bem alimentados. Organizando dessa maneira a terra, de forma coletiva, a área necessária por família pode ser bem menor, mesmo na Depressão Sertaneja: entre 80 e 100 hectares. A área do Fundo de Pasto fica sob a responsabilidade de uma associação, dos próprios donos. Temos belos exemplos de como essa forma organizacional eleva a consciência ambiental e protege a Caatinga, como na região de Canudos, por exemplo.

IHU On-Line – E no que se refere à distribuição da água, como resolver essa questão?

Haroldo Schistek – Uma região semiárida precisa diversificar as fontes de água, conforme sua utilização final. Mas precisa estar atenta à formação geológica. É teimosia escavar reservatórios profundos em áreas de calcário ou arenito e querer poços com água em quantidade com subsolo cristalino, onde não há lençol freático. Mas as cinco linhas de luta pela água valem para o semiárido, observando as variações conforme a geologia. A realização das cinco linhas de luta pela água precisa ser acompanhada pela preocupação de conquistar o tamanho de terra adequada às condições de semiaridez.

São estas as linhas:

– Água de beber, deve vir de preferência da captação da água da chuva em cisternas, que é construída no pé da casa, dando um acesso confortável à água aos moradores.
– Água para a comunidade para uso doméstico, banho, lavar louça e roupas, e para os animais, fornecida por meio de tanques, barreiros trincheira, estreitos, mas profundos, cacimbas, poços.
– Água para a agricultura, suprida por meio de barragens subterrâneas, irrigação de salvação (cisterna ou barreiro), captação em estradas para irrigação de árvores frutíferas, aração em curva de nível, com sulcos para armazenar água de chuva in situ; uso de esterco e cobertura seca para re-ter a umidade do solo para as plantas; cultivo de variedades adaptadas às condições climáticas.
– Água de emergência para os anos de longa estiagem, fornecida por poços profundos e pequenas barragens estrategicamente distribuídas. Este ponto é uma solução transitória, enquanto os três pontos anteriores não foram completamente alcançados.
– Água para o meio ambiente: proteção de olhos d’ água e da mata ciliar, prevenção de poluição de aguadas, não desmatar a Caatinga, nem queimar as roças. Pois a Caatinga intacta e o solo gru-moso proporcionam uma boa infiltração da água chuva, evitando erosão. Além disso, o tratamento do esgoto, o reuso e a reciclagem da água para irrigação de capineiras e fruteiras, por exemplo.

Propostas

Essa visão deve ser a base para elaboração de Planos de Água Municipais, realizado em todos os municípios do Semiárido, elaborados pela sociedade civil e administração pública. É preciso construir propostas adequadas para abastecimento hídrico dos núcleos urbanos do Semiárido.

É importante, neste ponto, falar da transposição do rio São Francisco: é uma obra que visa beneficiar grandes empresas e empreendimentos, abastecer cidades litorâneas, mas não tem nada a ver com “matar a sede do nordestino” como a propaganda oficial martela. A divulgação dos supostos benefícios (que não fala da situação do rio São Francisco) parece muito eficiente: recebemos um tempo atrás um e-mail de gente do Sul nos chamando de “fora da realidade”, pois como podemos ser contra uma obra que finamente vai resolver o problema da água para o nordestino. Melhor do que muitas palavras para explicar e responder, vou citar um lavrador de Pernambuco que falou mais ou menos assim: “Para resolver os problemas do semiárido, não precisamos apelar para o São Francisco. O São Pedro dispõe de água mais do que o suficiente para sermos uma região próspera”.

IHU On-Line – Que políticas públicas são necessárias para garantir o desenvolvimento do social, econômico e ambiental do semiárido?

Haroldo Schistek – O bioma Caatinga é a garantia para a vida do povo, é o patrimônio nativo do Brasil e é um bem que deve ser herdado de maneira intacta pelos filhos e netos. Onde a Caatinga não existe mais, os efeitos de estiagens são muito mais devastadores. Portanto, menciono oito preceitos da produção apropriada para o semiárido.

1. Perseguir a sustentabilidade para não ocorrer desertificação: criação de animais de maneira inadequada, animais impróprios para o semiárido, desnudação de grandes áreas e plantas que não suportam o clima, além da concentração fundiária, são as causas da desertificação.
2. Recaatingamento para repor a vegetação e riqueza da Caatinga perdida.
3. Tamanho da terra: os zoneamentos agroecológicos realizados pela Embrapa precisam, além de mostrar o uso correto da terra, conforme a configuração edafoclimático, indicar também a área mínima para que uma propriedade seja viável, mesmo em anos mais secos. Esses dados devem ser a base para titulação de terras e assentamentos do Incra.
4. Priorizar a produção animal de pequeno e médio porte, pois o semiárido é por excelência uma re-gião pecuária.
5. Para manter a riqueza da Caatinga e seu aproveitamento racional para a criação de animais e extrativismo, precisa-se do manejo correto, fazer reservas alimentares para os meses sem chuva e maiores do que para um ano, para não precisar comprar “farelos” na cidade. Isso deve ser o ponto de partida, para a Assistência Técnica e Extensão Rural.
6. Em regiões, microclimas/nichos climáticos, onde a agricultura pode ser indicada, é indispensável a escolha de plantas que consigam lidar com a grande irregularidade das chuvas. Porém, para que o agricultor tenha depois sucesso na venda dos seus produtos, espera-se mais flexibilidade dos ór-gãos estaduais na promoção de sua comercialização. Assim, o Seguro Safra pode ser algo do pas-sado ou então existirá somente para anos extremos.
7. O extrativismo e consequente beneficiamento e comercialização a exemplo do Umbu, do maracujá do mato e outros, tem mostrado o grande potencial financeiro e também em termos de preservação do bioma, quando a agricultura familiar assume a etapa da transformação dos produtos primários. A inclusão destes produtos nos programas locais de alimentação deve ser prioridade de todos os níveis governamentais. Não há como tolerar que uma prefeitura compre doce de goiaba, de péssima qualidade, de um fornecedor do Rio Grande do Sul, enquanto na porta são disponíveis produtos locais, orgânicos e reconhecidos pela qualidade.
8. Devido ao grande potencial da Caatinga e a pouquíssima expressividade de áreas irrigadas, somente em torno de 2% do semiárido são economicamente aptos para a irrigação, as universidades de agronomia e escolas técnicas do Semiárido devem concentrar esforços para um ensino agronômico dirigido para a região.

A educação contextualizada

O mais importante é a educação contextualizada. Não se pode pensar o semiárido brasileiro com seu bioma Caatinga de forma isolada, com propostas setoriais. A educação escolar tradicional tem contribuído muito para divulgar uma imagem de inviabilidade econômica, feiura e morte. Ainda re-centemente encontramos um livro didático, no capítulo sobre os biomas brasileiros, que mostrava uma foto da Caatinga nos meses da estiagem, com a legenda inacreditável: “Caatinga morta”. Na verdade, os arbustos e árvores retratados somente estavam em hibernação, cheios de seiva e nutrientes, esperando apenas a primeira chuva para se vestirem novamente em abundantes roupas de folhas e flores. Ou seja, precisamos de uma educação contextualizada, que leve o contexto da vida dos alunos, as plantas da Caatinga, a sua casa de adobe, para dentro da sala de aula. Tivemos experiências magníficas nesse sentido com os alunos, prestando atenção de maneira inacreditável, sendo as faltas às aulas quase não registradas. Materiais didáticos nesse sentido já existem. Precisamos que o Ministério da Educação e Cultura faça uma volta de 180 graus em termos de políticas educacionais, pois não é somente necessário que exista material didático apropriado: é indispensável que a formação de professores nas universidades seja, desde o início, no sentido da contextualização e que a formação continuada do corpo docente acompanhe a proposta. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos dá respaldo total nesse sentido.

É importante ressaltar que a educação contextualizada tem princípios universais e deve ser traba-lhada em todas as realidades, não somente restrita aos ambientes rurais, mas deve alcançar também as escolas nas cidades, sedes dos municípios. Muitos dos alunos da área rural hoje em dia estudam nas cidades, por força da legislação das escolas nucleadas. Além disso, o bioma da Caatinga circunda todas estas aglomerações urbanas. Muitos dos alunos possuem raízes nele e precisam ter a oportunidade de receber as informações corretas. Outro aspecto importante e necessário é que a educação contextualizada seja pautada pelas universidades, e em todos os espaços educacionais.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Haroldo Schistek – Fica a pergunta: como vamo-nos prevenir contra a próxima grande estiagem?

Assistimos, mais uma vez, o desfile dos carros-pipa, o ressurgimento com toda força da indústria da seca, agora enriquecida com novos elementos perversos, e lamentamos, mais uma vez, décadas perdidas pelos governos, nas quais poderia ter dotado o semiárido com infraestruturas e políticas corajosas para que nunca mais se repetisse algo como a seca dos anos 1980.

Mas sabemos que, para o povo, agora é a hora de cuidar da vida, ter carro-pipa, achar preço bom para os animais, procurar emprego para alimentar a família. Ir atrás de subsídios do governo. Serão longos meses de sol quente, de poeira e de muitas caminhadas e viagens. Será uma luta, uma batalha, até alcançar a próxima chuva.

Mas como em toda batalha, existe sempre o pensamento sobre o que será depois, e o que podemos e devemos fazer para que nunca mais sejamos surpreendidos por uma situação com esta agora. Ou será que depois das primeiras chuvas encherem as cisternas e os campos se tingirem de verde, pensemos que nunca mais se repetirá uma estiagem como esta?

Com certeza se repetirá e pode ser pior, desde que o processo de desmatamento e a concentração da terra continuem. Provavelmente se junte até um novo ingrediente: pode ser que o aquecimento global acentue a irregularidade e aumente a evaporação da água.

Os conceitos acima ainda são incompletos, mas básicos e propõem uma meta a alcançar nestes próximos 26 anos. Eles se enquadram no paradigma da Convivência com o Semiárido. São propostas estruturantes, que garantem a autonomia dos agricultores familiares. Pois é, querendo combater a seca, nunca ganharemos. A convivência com o semiárido procura entender a natureza cada vez mais e organizar a vida e a produção conforme os parâmetros encontrados.



Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/semiarido-uma-regiao-mal-compreendida-entrevista-especial-com-haroldo-schistek/510090-semiarido-uma-regiao-mal-compreendida-entrevista-especial-com-haroldo-schistek

Saturday, May 12, 2012

NOBREZA DE ESPIRITO - UM IDEAL ESQUECIDO

Indicação de livro:


NOBREZA DE ESPIRITO - UM IDEAL ESQUECIDO
Formato: Livro
Autor: RIEMEN, ROB
Tradutor: JANSSEN, FRANCIS PETRA
Editora: VOZES
Assunto: FILOSOFIA


Nesta série de três ensaios, o autor fala sobre o tempo e a nobreza de espírito; explora o papel da civilização e aborda a busca da verdade e da liberdade, tendo Sócrates por exemplo. Mas adverte - mito ou razão, tradição ou ciência, direita ou esquerda - um desses dois sempre haverá de indicar o caminho. Daí o papel do intelectual - artista, pensador ou escritor - como a alma crítica do mundo.

Boa leitura!

Feliz Dia das Mães

Rob Riemen, O Eterno Retorno do Fascismo


A pensar ...
O regresso do fascismo por Rui Bebiano, Portugal
Publicado em Direitos Humanos, Livros & Leituras, Olhares, Opinião a 9 de Maio de 2012

Lê-se num instante este pequeno livro do filósofo e ensaísta holandês Rob Riemen. Com ele passamos em revista, de forma clara e informativa, como num manual de instruções, o modo insidioso como o fascismo – tomando outros nomes, invocando até a liberdade, a igualdade de oportunidades e a democracia – se tem vindo a instalar nas nossas consciências narcotizadas pelos média, preparando o terreno para novas formas de sujeição. Mais traiçoeiras, menos espetaculares, mas não menos escravizantes e violentas do que aquelas que na primeira metade do século passado foram aplicadas pelos protótipos italiano e alemão. Lembra a dada altura Riemen que o fascismo con­temporâneo «resulta, mais uma vez, de partidos po­líticos que renunciaram à sua tradição intelectual, de intelectuais que cultivaram um niilismo com­placente, de universidades que já não são dignas desse nome, da ganância do mundo de negócios e de mass media que preferem ser ventríloquos do público em vez de o seu espelho crítico», notando serem justamente estas elites corrompidas que alimentam o vazio espi­ritual que serve de caldo de cultura à sua expansão. O Eterno Retorno do Fascismo é um brado de alerta e um estímulo à crítica do acriticismo que vai chocando o ovo da serpente. Deve por isso ser lido com a etiqueta de urgente.
Rob Riemen, O Eterno Retorno do Fascismo. Bizâncio. Trad. de Maria Carvalho. 78 páginas. Ver também uma recente entrevista dada pelo autor ao ionline.

Fonte: http://silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com.br/search?updated-max=2012-05-12T03:55:00-07:00&max-results=10

Não podemos nos esquecer da Grécia

Ainda a Grécia ...
Grécia, no dia seguinte por Joana Lopes, Portugal



Os gregos votaram ontem «com o coração e com as vísceras», como leio em El País. Chegados ao ponto em que se encontram, foi mesmo disso que se tratou, mas desengane-se quem julgue que deixaram a cabeça em casa.
Muito claramente, ou se abstiveram (o que é grave mas compreensível e expectável dado o desencantamento com partidos e com política, bem patente nos últimos tempos), ou condenaram, expressivamente, a política de austeridade extrema a que estão submetidos, castigando o centro e fazendo crescer «as pontas» – para além do esperado, é certo. Se é de lamentar, e de olhar com extrema preocupação, que a extrema-direita tenha conseguido eleger 21 deputados, saudemos (eu saúdo…) o Syriza (não anti-europeísta) que vai ter 52.
Por mais que veja a grande e comovente felicidade dos que ontem embandeiraram em arco a vitória de Hollande (e, sim, ela foi importante porque correu com Sarkozy e introduzirá alguns paus na engrenagem europeia), ninguém me convence que não foi muito mais importante o que aconteceu na Grécia, com todos os riscos implicados no que vai seguir-se. Arriscada está a Europa e esta pedrada no charco só pode fazer-lhe bem.
Alguns comentários:
1 - Quebrou-se a alternância no poder (Nova Democracia / PASOK), essa pecha dos regimes parlamentares em que vivemos. Página virada e digo apenas: «Aleluia!»
2 - Lamente-se a reacção imediata de rejeição, por parte do Partido Comunista, ao apelo do líder do Syriza para uma tentativa de coligação da esquerda.
3 - Registe-se a pressa do PASOK em propor a união de todos os que apoiam o Memorando com a União Europeia. Não aprende, apesar de ter perdido cerca de 2/3 dos votos.
4 - Entre nós, sublinhe-se o silêncio significativo sobre a Grécia (no Facebook foi / é flagrante), por parte dos grandes entusiastas da vitória de Hollande. Não cheguei a perceber o que esperavam ou desejavam: muito provavelmente uma vitória do PASOK, com a Nova Democracia em segundo lugar e uma maioria garantida por ambos no Parlamento, certamente nunca que o que se passou com o Syriga.
Sobre tudo isto, apetece-me para já dizer, como o outro: «Pois é, habituem-se!»

Fonte: http://silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com.br/search?updated-max=2012-05-12T03:55:00-07:00&max-results=10

Thursday, February 09, 2012

Pipa, Sopa, Acta, Projeto Azeredo e Marco Civil da Internet: o que está em jogo?

Pipa, Sopa, Acta, Projeto Azeredo e Marco Civil da Internet: o que está em jogo?
Para manter o domínio sobre a circulação na internet de bens culturais ainda sob o controle dos intermediários, os projetos propostos e as leis já existentes afetam diretamente a regulação de direitos fundamentais, como o acesso à educação e à cultura e, em particular, a liberdade de expressão na web.

A opinião é de Venício Lima, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011, em artigo publicado por Carta Maior, 08-02-2012.

Eis o artigo.

Os recentes debates em torno de dois projetos de lei que tramitam no Congresso dos Estados Unidos sobre a regulação da internet têm tudo a ver com as esperanças democratizadoras centradas nas novas tecnologias de comunicação.

As siglas Pipa (Project IP Action, ou Preventing Real Online Threats to Economic Creativity and Theft of Intellectual Property Act) e Sopa (Stop Online Piracy Act) identificam iniciativas legislativas que, apesar de se apresentarem apenas como propostas contra “ciber-crimes” e contra a pirataria, na verdade têm implicações importantíssimas no controle de tudo o que possa circular no espaço virtual.

Já existem leis desse tipo na França (Lei Hadopi) e na Espanha (Lei Sinde), e no Brasil, na mesma linha, tramita no Congresso Nacional o chamado Projeto Azeredo (hoje Projeto de Lei nº 84/1999).

O que está em jogo?

Um exemplo simples: antes da internet, na cadeia produtiva de bens culturais como filmes, músicas (CDs), textos (livros), havia a necessidade de um intermediário entre o criador e o consumidor final: surgiram então a indústria do cinema, a indústria fonográfica, as editoras. E, além do processo de produção material, fabril, havia a distribuição física dos produtos. Com a internet, tudo isso se torna, potencialmente, desnecessário. O próprio autor do bem cultural, seja qual for – uma música, uma poesia, um filme, um livro –, pode agora disponibilizar diretamente sua criação para o consumidor final na rede. Em princípio, portanto, o autor passa a controlar, ele mesmo, sua criação, sem precisar de intermediários.

Em outras palavras, a internet acaba com a necessidade da valiosíssima indústria do copyright, isto é, dos direitos autorais. E a indústria, por óbvio, não está gostando do que vê.

Mais abrangente do que o Pipa e o Sopa é o Acta (Anti-Counterfeiting Trade Agreement – Acordo Comercial Anticontrafação), que vem sendo negociado entre os EUA, a União Europeia e outra dezena de países, entre eles Japão e Canadá. Trata-se de criar uma entidade independente das Nações Unidas, da Organização Mundial do Comércio e da Organização Mundial da Propriedade Intelectual para a proteção de io marcas, patentes e copyrights.

Enquanto vivemos a transição do antes para o depois da internet, os problemas surgem, entre outras razões, porque criadores que têm contratos com os atuais “intermediários” buscam formas de se libertar do controle que até agora era exercido sobre suas obras e sua carreira. Aí o problema vira conflito de interesses.

Ademais, para manter o domínio sobre a circulação na internet de bens culturais ainda sob o controle dos intermediários, os projetos propostos e as leis já existentes – tanto lá como cá – afetam diretamente a regulação de direitos fundamentais, como o acesso à educação e à cultura e, em particular, a liberdade de expressão na web.

E o Brasil?

No Brasil, o Projeto de Lei nº 2.126/2011, conhecido como Marco Civil da Internet – e não penal –, tenta caminhar no sentido oposto. Resultado de um longo processo de consulta pública iniciado pelo Ministério da Justiça ainda ao tempo do ministro Tarso Genro no governo Lula, constitui uma tentativa de garantir a liberdade de circulação na rede, afirmar direitos, e não transformá-la em “caso de polícia”.

De qualquer maneira, o assunto é muito mais complexo do que a descrição resumida apresentada aqui e não é fácil saber a real natureza desses projetos apenas fazendo um corte vertical e identificando quem os apoia ou não. Tem de tudo.

O importante é que prevaleçam o interesse público e os direitos fundamentais. E isso não é simples nem fácil.

A ver.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506371-pipasopaactaprojetoazeredoemarcocivildainternetoqueestaemjogo

Ainda o Pinheirinho

Ainda o Pinheirinho. Decisão judicial não se discute, cumpre-se?
"Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão atingir diretamente muitas pessoas indefesas.Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão atingir diretamente muitas pessoas indefesas", escreve José Osório de Azevedo Jr., desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de direito civil desde 197, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 09-02-2012.

Segundo ele, "estranha-se que o governador tenha usado o conhecido chavão segundo o qual decisão judicial não se discute, cumpre-se. Mesmo em casos menos graves, os chefes de Executivo estão habituados a descumprir decisões judiciais".

Eis o artigo.

Os fatos são conhecidos: uma decisão judicial de reintegração de posse sobre uma favela. A ocupação começou em 2004, por pessoas necessitadas de moradia.

Segundo a Folha, a proprietária obteve reintegração liminar em 2004. Durante um imbróglio processual, os ocupantes permaneceram. Em 2011, uma nova decisão ordena a reintegração. Foi essa a ordem que o Poder Executivo cumpriu no dia 22 de janeiro, com aparato policial, caminhões e máquinas pesadas.

A ordem era, porém, inexequível, pois, em sete anos, a situação concreta do imóvel e sua qualificação jurídica mudaram radicalmente.

O que era um imóvel rural se tornou um bairro urbano. Foi estabelecida uma favela com vida estável, no seu desconforto. Dir-se-á que a execução da medida mostra que a ordem era exequível. Na verdade, não houve mortes porque ali estava uma população pacífica, pobre e indefesa.

Ninguém duvida da exequibilidade física da ordem judicial, pois todos sabem que soldados e tratores têm força física suficiente para "limpar" qualquer terreno.

O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da ordem.

Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na Constituição.

O principal deles está inscrito logo no art. 1º, III, que indica a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse valor permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos, inclusive os chefes de Poderes.

As imagens mostram a agressão violenta à dignidade daquelas pessoas. Outro princípio constitucional foi afrontado: o da função social da propriedade. É verdade que a Constituição garante o direito de propriedade. Mas toda vez que o faz, estabelece a restrição: a propriedade deve cumprir sua função social.

Pois bem, a área em questão ficou ociosa por 14 anos, sem cumprir função social alguma. O princípio constitucional da função social da propriedade também obriga não só aos particulares, mas também a todos os Poderes e os seus dirigentes.

O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo já consagrou esse princípio inúmeras vezes, inclusive em caso semelhante, em uma tentativa de recuperação da posse de uma favela. O tribunal considerou que a retomada física do imóvel favelado é inviável, pois implica uma operação cirúrgica, sem anestesia, incompatível com a natureza da ordem jurídica, que é inseparável da ordem social. Por isso, impediu a retomada. O proprietário não teve êxito no STJ (recurso especial 75.659-SP).

Tudo isso é dito porque o cidadão comum e o estudante de direito precisam saber que o direito brasileiro não é monolítico. Não é só isso que esse lamentável episódio mostrou. Julgamento e execução foram contrários ao rumo da legislação, dos julgados e da ciência do direito.

Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão atingir diretamente muitas pessoas indefesas.

Estranha-se que o governador tenha usado o conhecido chavão segundo o qual decisão judicial não se discute, cumpre-se. Mesmo em casos menos graves, os chefes de Executivo estão habituados a descumprir decisões judiciais. Nas questões dos precatórios, por exemplo, são milhares de decisões judiciais definitivas não cumpridas.

Fontes: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506372-aindaopinheirinhodecisaojudicialnaosediscutecumprese

Militares, ciências, Educação Popular.

A pandemia atual expõe a falácia de alguns dogmas sobre a pós modernidade, ela mesma integra a lista dos enunciados falsos de evidências lóg...