Monday, December 17, 2012

Piracicaba está entre as 5 cidades de SP que menos investem em educação

Nós podemos concluir que é lamentável e vergonhoso saber que Piracicaba investe o mínimo possível em educação, mas penso que não é surpresa, mas esperado. A falta de investimento é a prova de que a prefeitura de Piracicaba não respeita o seu cidadão e joga contra a cidadania. Espero que a situação mude nos próximos anos de governo.


sábado, 15 de dezembro de 2012 20h29

Piracicaba está entre as 5 cidades de SP que menos investem em educação

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Piracicaba está entre as cinco cidades que menos investem, proporcionalmente, em educação, segundo o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que divulgou nesta semana os resultados das finanças públicas dos municípios paulistas referentes ao exercício de 2011.
O município está entre os 50 paulistas que não atingiram, pelo critério do TCE, o limite mínimo de 25% estabelecido pela Constituição Federal. A prefeitura afirma que o investimento foi acima do exigido em lei, e que há divergência no lançamento de dados no Audesp (Auditoria Eletrônica de Órgãos Públicos), que forneceu informações para o resultado apontado pelo TCE e o obtido em auditoria pela administração municipal.
Segundo o tribunal, foram investidos R$ 72.926.988,75 em educação, que representam 12,79% do montante arrecadado em impostos no período, R$ 578.940.574,93, posicionando a cidade como a quinta pior do Estado em 2011. A porcentagem de 2010, 12,99%, foi a terceira menor de São Paulo. Em 2009, foram 19,78%, novamente o quinto menor investimento do Estado. De acordo com as contas da Prefeitura de Piracicaba, os investimentos reais de 2009 a 2011 foram, respectivamente, 26,16%, 26,05% e 26,17%, portanto sempre acima do mínimo exigido.
Paiva diz que vai cobrar explicações
O vereador José Antônio Fernandes Paiva (PT) se mostrou preocupado com a indicação do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de que a Prefeitura de Piracicaba aplica percentuais menores do que os exigidos pela Constituição Federal em educação. Presidente da Comissão de Educação da Câmara de Vereadores e candidato à presidência da Casa para próxima Legislatura, Paiva também disse discordar da forma como a Procuradoria Jurídica do município e a Secretaria Municipal de Finanças avaliam os pareceres do tribunal sobre contas do prefeito Barjas Negri (PSDB).
“São divergências técnicas, e não políticas, em que a prefeitura inclui como ensino, investimentos que na verdade estão em outro setor, na educação, mas não no ensino direto. Na avaliação dos pareceres contrários de 2010 e 2011 ficou clara a necessidade de correção em situações, como por exemplo, dos agentes escolares de saúde. A prefeitura entendia tratar-se de gastos com educação, o tribunal com saúde. Para 2013, finalmente aconteceu uma correção e, pelo menos por este motivo, o TCE não rejeitará as contas. Mas ainda há correções a serem feitas”, afirmou o vereador.

Fonte: http://www.jornaldepiracicaba.com.br/capa/default.asp?p=viewnot&cat=viewnot&idnot=208785

Evitar a responsabilização de autoridades faz com que o Brasil se assemelhe a um Estado absolutista

Um bom artigo do professor Roberto Romano sobre os acontecimentos recentes no Brasil

SÁBADO, 15 DE DEZEMBRO DE 2012

Caderno Aliás, Somingo dia 16/12/2012.

Absolvição sumária
Evitar a responsabilização de autoridades faz com que o Brasil se assemelhe a um Estado absolutista
15 de dezembro de 2012 | 16h 05


ROBERTO ROMANO

Em artigo jocoso, "Apenasmente" Cajazeiras, o professor Eugênio Bucci analisou recentemente as acusações contra Luis Inácio da Silva. Ele compara o político popular ao personagem da novela O Bem-Amado, Odorico Paraguaçu. Boa dose de injustiça ressalta do texto, mas vários elementos devem nele ser levados em conta, como a crítica dos que eximem a priori o ex-presidente de toda responsabilidade pelos malfeitos cometidos em seu governo. Lula, escreve Bucci, "teria tudo para enfrentar com grandeza as denúncias que dele se aproximam, sobretudo as mais recentes. Em vez disso, prefere se refugiar no mito de si próprio, um mito que, convenhamos, além de precocemente instalado, é oco". Discordo da última frase e me apoio no antropólogo Malinowski: "O mito é um subproduto constante de uma fé viva que precisa de milagres, de um estado sociológico que tem necessidade de precedentes e de um código moral que exige uma sanção". A taumaturgia cortesã se opõe à racionalidade da ordem política e jurídica. Não existe mito oco ou inocente.

Dois pilares, na república democrática, garantem o direito e a liberdade. O primeiro é a transparência dos atos políticos. Tal princípio é reforçado pela norma segundo a qual em todo processo os fatos devem ser descritos à exaustão (quid facti), sem os obstáculos das seitas, partidos, governantes poderosos. Os tribunais e seus integrantes (polícia, ministério público, advogados de defesa) precisam apurar os atos, os documentos, os testemunhos para definir uma narrativa sólida, contrária ou favorável ao acusado, do humilde cidadão ao poderoso. Outro item é a busca de situar os fatos sob a lei que os sanciona positiva ou negativamente (quid juris). Na Constituição brasileira estão previstos os casos em que governantes, atuais ou pretéritos, devem responder perante a nação. Nenhum parágrafo afirma que um líder, por sua popularidade ou grandeza, deve escapar da pesquisa dos fatos e das normas jurídicas. A Constituição, no entanto, não é espelho fiel do que ocorre na política nacional. Falar no Brasil em responsabilização de grandes líderes é anátema que faz surgir de imediato, nos lábios de quem manda na esquerda e direita, a ladainha sobre a intangibilidade do acusado, sua condição de pessoa acima das outras. Semelhante traço oligárquico impede a soberania popular, gera os tutores do País.

Enquanto não existir responsabilização das "autoridades", o Brasil será um anacrônico e virulento Estado absolutista no qual o soberano jamais é o povo e sim o ocupante do trono e seus cortesãos. O gestor e o político não podem ter contra si nenhuma acusação ou dúvida. É o que manda a fórmula restritiva "ilibada reputação" (illibatus, no latim bem conhecido pelos nossos poderosos significa "íntegro", "completo"). Quando um prócer de qualquer partido ou ideologia sofre acusações que chegam à sociedade ele deixa - mesmo que inocente - de ser "ilibado", condição a que retorna se a Justiça assim o decidir. Quem paga impostos ou aceita obedecer às leis sob autoridades espera que os dirigentes sejam ilibados. Para manter um cargo é preciso que o funcionário, mesmo na chefia do governo, seja responsável e responsabilizado. Essa doutrina foi compendiada por John Milton e acolhida nas democracias: "Se o rei ou magistrado provam ser infiéis aos seus compromissos, o povo é liberto de sua palavra". (The Tenure of Kings and Magistrates).

É evidente que a imprensa não pode ser instância julgadora. Ela, não raro, abusa ao veicular acusações. Mas é também evidente que os julgamentos podem deixar de existir se atos que atentem contra o Estado e a sociedade não forem trazidos ao eleitor. Quando um político é acusado de negligência ou crime, para manter a fé pública o correto é investigar as denúncias até que prova cabal ou juízo as dissolvam. O político representa o Estado e deve ser íntegro. Caso contrário, desaparece a base legitimadora do poder que se regula pela democracia e se justifica pelo direito.

No Brasil, o poder público está sempre em crise, o que evidencia o frankenstein jurídico e institucional do nosso Estado. Apesar de sinais que anunciam melhorias na ordem política, como a lei de improbidade administrativa, a lei da ficha limpa, a lei de acesso à informação e outras, a fé pública é frágil entre nós. Combater a descrença da cidadania exige apurações isentas e responsáveis, sem truques afetivos e propaganda enganosa. A cada novo dia é preciso mostrar, por atos e palavras, que existe compromisso ético. Sem tais atitudes públicas e particulares, a governabilidade é impossível. Estado desprovido de fé pública não pode ser um regime livre e responsável.

A governabilidade tem como pressuposto a obediência, pela cidadania soberana, das leis elaboradas no Parlamento e destinadas à execução pelo governo. Se os eleitores não podem confiar na abrangência universal das referidas normas, se existe suspeita de que elas não valem para todos e para cada um dos cidadãos, se existem pessoas acima da lei, some a governabilidade. Bismarck dizia que duas coisas o cidadão ignora porque, caso contrário, jamais aceitaria: o modo pelo qual são produzidas as salsichas e as leis. Ele usa a figura médica antiga que une o poder político ao "regime". As leis alimentam o corpo político e devem ser controladas pelo juízo público. Este último requer ética e decoro dos políticos, estejam eles no poder ou fora dele. Bismarck foi contrário à democracia, inimigo da soberania popular. Se aplicarmos seu exemplo, no entanto, as nossas salsichas e as leis não passariam nunca pelo controle das secretarias de abastecimento. Nossos políticos, que se julgam acima do povo, provam apenas que elas surgem com o prazo vencido, apodreceram porque supõem o absolutismo ou a oligarquia. Não valem para uma república democrática.

* ROBERTO ROMANO É FILÓSOFO, PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA NA UNICAMP E AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE O CALDEIRÃO DE MEDEIA (PERSPECTIVA)

Fonte: http://silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com.br/2012/12/caderno-alias-somingo-dia-16122012.html

"Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro"

Uma entrevista interessante sobre o momento que vivemos.


"Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro". Entrevista com Giorgio Agamben


"O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro", afirma Giorgio Agamben, em entrevista concedida a Peppe Salvà e publicada por Ragusa News, 16-08-2012.

Giorgio Agamben é um dos maiores filósofos vivos. Amigo de Pasolini e de Heidegger, Giorgio Agamben foi definido pelo Times e por Le Monde como uma das dez mais importantes cabeças pensantes do mundo. Pelo segundo ano consecutivo ele transcorreu um longo período de férias em Scicli, na Sicília, Itália, onde concedeu a entrevista.

Segundo ele, "a nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governamentalidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas". Assim, "a tarefa que nos espera consiste em pensar integralmente, de cabo a cabo, aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”, afima Agamben.

A tradução é de Selvino J. Assmann, professor de Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.

Eis a entrevista.

O governo Monti invoca a crise e o estado de necessidade, e parece ser a única saída tanto da catástrofe financeira quanto das formas indecentes que o poder havia assumido na Itáli. A convocação de Monti era a única saída, ou poderia, pelo contrário, servir de pretexto para impor uma séria limitação às liberdades democráticas?

“Crise” e “economia” atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem, que servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as pessoas não têm motivo algum para aceitar. ”Crise” hoje em dia significa simplesmente “você deve obedecer!”. Creio que seja evidente para todos que a chamada “crise” já dura decênios e nada mais é senão o modo normal como funciona o capitalismo em nosso tempo. E se trata de um funcionamento que nada tem de racional.

Para entendermos o que está acontecendo, é preciso tomar ao pé da letra a idéia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro. Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro. O Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas - assumiu o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania ), manipula e gere a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do que o titulo de um grande jornal nacional (italiano) de alguns dias atrás: “salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo, “salvar” é um termo religioso, mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao preço de “sacrificar” vidas humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas.

A crise econômica que ameaça levar consigo parte dos Estados europeus pode ser vista como condição de crise de toda a modernidade?

A crise atravessada pela Europa não é apenas um problema econômico, como se gostaria que fosse vista, mas é antes de mais nada uma crise da relação com o passado. O conhecimento do passado é o único caminho de acesso ao presente. É procurando compreender o presente que os seres humanos – pelo menos nós, europeus – são obrigados a interrogar o passado. Eu disse “nós, europeus”, pois me parece que, se admitirmos que a palavra “Europa” tenha um sentido, ele, como hoje aparece como evidente, não pode ser nem político, nem religioso e menos ainda econômico, mas talvez consista nisso, no fato de que o homem europeu – à diferença, por exemplo, dos asiáticos e dos americanos, para quem a história e o passado tem um significado completamente diferente – pode ter acesso à sua verdade unicamente através de um confronto com o passado, unicamente fazendo as contas com a sua história.

O passado não é, pois, apenas um patrimônio de bens e de tradições, de memórias e de saberes, mas também e sobretudo um componente antropológico essencial do homem europeu, que só pode ter acesso ao presente olhando, de cada vez, para o que ele foi. Daí nasce a relação especial que os países europeus (a Itália, ou melhor, a Sicília, sob este ponto de vista é exemplar) têm com relação às suas cidades, às suas obras de arte, à sua paisagem: não se trata de conservar bens mais ou menos preciosos, entretanto exteriores e disponíveis; trata-se, isso sim, da própria realidade da Europa, da sua indisponível sobrevivência. Neste sentido, ao destruírem, com o cimento, com as autopistas e a Alta Velocidade, a paisagem italiana, os especuladores não nos privam apenas de um bem, mas destroem a nossa própria identidade. A própria expressão “bens culturais” é enganadora, pois sugere que se trata de bens entre outros bens, que podem ser desfrutados economicamente e talvez vendidos, como se fosse possível liquidar e por à venda a própria identidade.

Há muitos anos, um filósofo que também era um alto funcionário da Europa nascente, Alexandre Kojève, afirmava que o homo sapiens havia chegado ao fim de sua história e já não tinha nada diante de si a não ser duas possibilidades: o acesso a uma animalidade pós-histórica (encarnado pela american way of life) ou o esnobismo (encarnado pelos japoneses, que continuavam a celebrar as suas cerimônias do chá, esvaziadas, porém, de qualquer significado histórico). Entre uma América do Norte integralmente re-animalizada e um Japão que só se mantém humano ao preço de renunciar a todo conteúdo histórico, a Europa poderia oferecer a alternativa de uma cultura que continua sendo humana e vital, mesmo depois do fim da história, porque é capaz de confrontar-se com a sua própria história na sua totalidade e capaz de alcançar, a partir deste confronto, uma nova vida.

A sua obra mais conhecida, Homo Sacer, pergunta pela relação entre poder político e vida nua, e evidencia as dificuldades presentes nos dois termos. Qual é o ponto de mediação possível entre os dois pólos?

Minhas investigações mostraram que o poder soberano se fundamenta, desde a sua origem, na separação entre vida nua (a vida biológica, que, na Grécia, encontrava seu lugar na casa) e vida politicamente qualificada (que tinha seu lugar na cidade). A vida nua foi excluída da política e, ao mesmo tempo, foi incluída e capturada através da sua exclusão. Neste sentido, a vida nua é o fundamento negativo do poder. Tal separação atinge sua forma extrema na biopolítica moderna, na qual o cuidado e a decisão sobre a vida nua se tornam aquilo que está em jogo na política. O que aconteceu nos estados totalitários do século XX reside no fato de que é o poder (também na forma da ciência) que decide, em última análise, sobre o que é uma vida humana e sobre o que ela não é. Contra isso, se trata de pensar numa política das formas de vida, a saber, de uma vida que nunca seja separável da sua forma, que jamais seja vida nua.

O mal-estar, para usar um eufemismo, com que o ser humano comum se põe frente ao mundo da política tem a ver especificamente com a condição italiana ou é de algum modo inevitável?

Acredito que atualmente estamos frente a um fenômeno novo que vai além do desencanto e da desconfiança recíproca entre os cidadãos e o poder e tem a ver com o planeta inteiro. O que está acontecendo é uma transformação radical das categorias com que estávamos acostumados a pensar a política. A nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governamentalidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas. E que este modelo seja, do ponto de vista do poder, mais econômico e funcional é provado pelo fato de que foi adotado também por aqueles regimes que até poucos anos atrás eram ditaduras. É mais simples manipular a opinião das pessoas através da mídia e da televisão do que dever impor em cada oportunidade as próprias decisões com a violência. As formas da política por nós conhecidas – o Estado nacional, a soberania, a participação democrática, os partidos políticos, o direito internacional – já chegaram ao fim da sua história. Elas continuam vivas como formas vazias, mas a política tem hoje a forma de uma “economia”, a saber, de um governo das coisas e dos seres humanos. A tarefa que nos espera consiste, portanto, em pensar integralmente, de cabo a cabo, aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”.

O estado de exceção, que o senhor vinculou ao conceito de soberania, hoje em dia parece assumir o caráter de normalidade, mas os cidadãos ficam perdidos perante a incerteza na qual vivem cotidianamente. É possível atenuar esta sensação?

Vivemos há decênios num estado de exceção que se tornou regra, exatamente assim como acontece na economia em que a crise se tornou a condição normal. O estado de exceção – que deveria sempre ser limitado no tempo – é, pelo contrário, o modelo normal de governo, e isso precisamente nos estados que se dizem democráticos. Poucos sabem que as normas introduzidas, em matéria de segurança, depois do 11 de setembro (na Itália já se havia começado a partir dos anos de chumbo) são piores do que aquelas que vigoravam sob o fascismo. E os crimes contra a humanidade cometidos durante o nazismo foram possibilitados exatamente pelo fato de Hitler, logo depois que assumiu o poder, ter proclamado um estado de exceção que nunca foi revogado. E certamente ele não dispunha das possibilidades de controle (dados biométricos, videocâmaras, celulares, cartões de crédito) próprias dos estados contemporâneos. Poder-se-ia afirmar hoje que o Estado considera todo cidadão um terrorista virtual. Isso não pode senão piorar e tornar impossível aquela participação na política que deveria definir a democracia. Uma cidade cujas praças e cujas estradas são controladas por videocâmaras não é mais um lugar público: é uma prisão.

A grande autoridade que muitos atribuem a estudiosos que, como o senhor, investigam a natureza do poder político poderá trazer-nos esperanças de que, dizendo-o de forma banal, o futuro será melhor do que o presente?

Otimismo e pessimismo não são categorias úteis para pensar. Como escrevia Marx em carta a Ruge: ”a situação desesperada da época em que vivo me enche de esperança”.

Podemos fazer-lhe uma pergunta sobre a lectio que o senhor deu em Scicli? Houve quem lesse a conclusão que se refere a Piero Guccione como se fosse uma homenagem devida a uma amizade enraizada no tempo, enquanto outros viram nela uma indicação de como sair do xequemate no qual a arte contemporânea está envolvida.

Trata-se de uma homenagem a Piero Guccione e a Scicli, pequena cidade em que moram alguns dos mais importantes pintores vivos. A situação da arte hoje em dia é talvez o lugar exemplar para compreendermos a crise na relação com o passado, de que acabamos de falar. O único lugar em que o passado pode viver é o presente, e se o presente não sente mais o próprio passado como vivo, o museu e a arte, que daquele passado é a figura eminente, se tornam lugares problemáticos. Em uma sociedade que já não sabe o que fazer do seu passado, a arte se encontra premida entre a Cila do museu e a Caribdis da mercadorização. E muitas vezes, como acontece nos templos do absurdo que são os museus de arte contemporânea, as duas coisas coincidem.

Duchamp talvez tenha sido o primeiro a dar-se conta do beco sem saída em que a arte se meteu. O que faz Duchamp quando inventa o ready-made? Ele toma um objeto de uso qualquer, por exemplo, um vaso sanitário, e, introduzindo-o num museu, o força a apresentar-se como obra de arte. Naturalmente - a não ser o breve instante que dura o efeito do estranhamento e da surpresa – na realidade nada alcança aqui a presença: nem a obra, pois se trata de um objeto de uso qualquer, produzido industrialmente, nem a operação artística, porque não há de forma alguma uma poiesis, produção – e nem sequer o artista, porque aquele que assina com um irônico nome falso o vaso sanitário não age como artista, mas, se muito, como filósofo ou crítico, ou, conforme gostava de dizer Duchamp, como “alguém que respira”, um simples ser vivo.

Em todo caso, certamente ele não queria produzir uma obra de arte, mas desobstruir o caminhar da arte, fechada entre o museu e a mercadorização. Vocês sabem: o que de fato aconteceu é que um conluio, infelizmente ainda ativo, de hábeis especuladores e de “vivos” transformou o ready-made em obra de arte. E a chamada arte contemporânea nada mais faz do que repetir o gesto de Duchamp, enchendo com não-obras e performances a museus, que são meros organismos do mercado, destinados a acelerar a circulação de mercadorias, que, assim como o dinheiro, já alcançaram o estado de liquidez e querem ainda valer como obras. Esta é a contradição da arte contemporânea: abolir a obra e ao mesmo tempo estipular seu preço.

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/512966-giorgio-agamben

De marqueteiro a ideólogo

Um artigo lúcido da Professora Maria Sylvia de Carvalho Franco sobre a nossa esfera pública, que mais parece condução da esfera privada.


De marqueteiro a ideólogo
Ao projetar seu pragmatismo radical na política e na ética, João Santana orienta a prática partidária do PT

02 de dezembro de 2012 | 2h 08
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO | É PROFESSORA TITULAR DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA USP E DA UNICAMP - O Estado de S.Paulo

A mácula da escravidão persiste, prenhe de racismo: João Paulo Cunha, condenado pelo STF, alega que Joaquim Barbosa foi indicado "porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de reparar a injustiça histórica com os negros"; isto é, foi nomeado pela cor e não por mérito. A escolha do ministro soa como favor não retribuído, esquecendo-se Cunha de que "não se pode ser grato com a toga" (Ayres Britto). Para compreender a ofensa ao juiz, cabe lembrar o sentido moderno da escravidão, o modo como se entranhou na sociedade brasileira. Há tempos, desenvolvi a tese de que a escravidão moderna fora constitutiva do sistema capitalista, inerente à correlata ordem sociopolítica. Articulada ao capital nos mercados europeus, a produção nas colônias expandiu-se em termos absolutos: a grande propriedade abriu vastos recursos fundiários e a escravidão alimentou, veloz, a fonte inexaurível do trabalhador cuja expropriação deu-se de chofre, ao passo que esse processo corria, lento, nos mercados europeus. Esse nexo essencial entre escravidão e capital desdobrou-se de ponta a ponta na cultura brasileira.


Nesse caldo, o grupo dominante não teve limites ao poder, aliado a célere enriquecimento. Para cronistas do século 19, "ganhar dinheiro é seu único motto, sua única palavra de ordem", compreendendo "importação de mercadorias adulteradas, tráfico de moeda falsa e contrabando de escravos", fortunas feitas por "meios desonestos, por assassínios, furtos e estelionatos". Joaquim Nabuco sustenta: "Em nossos dias tudo parece sujeito a transações. A alma humana é posta em leilão".

O nó entre ética do vale-tudo e escravidão atingiu os homens livres e pobres. Alijados da produção mercantil e da posse fundiária, carentes de firmes vínculos coletivos, tornaram-se andarilhos solitários em violento universo de penúria. Os nexos entre ricos (fazendeiros, políticos, mercadores, governantes) e remediados (sitiantes, clientes, agregados, capangas) teceram, como favor, a dominação pessoal: suas contraprestações entrelaçam dádivas de amizade e parentesco, apoio econômico e amparo social, retribuídos por adesão política. Daí resultam lealdades e compromissos que estiolam a consciência do mundo social, concebível apenas mediante a encarnação do poder transfigurado em benefício para o subalterno. Firma-se a brutal alienação assim produzida: as figuras do favor não provêm do patrimonialismo obsoleto, como se aventa, mas da prepotência moderna.

O compadrio move essa engrenagem no Estado: o que de melhor fazer, a um afilhado, "senão provê-lo de um emprego público?" Fácil é manter influências "criando novos cargos e novos funcionários", notam cronistas do século 19. Monta-se a máquina administrativa, motriz da corrupção, induzida por nosso ilusório pacto federativo. No Império, a técnica de concentrar fundos locais no Executivo central exauriu os municípios a ponto de seus vereadores empregarem recursos próprios em obras públicas. Esse empenho de valores privados na esfera estatal tinha retorno coerente: "Se uso meus bens para encargos oficiais, por que não usar os do governo para meus fins?". Hoje, aprimorando esse vezo, os edis "negociam" recursos, mas nada colocam de seu e pilham, não raro, algo do butim.

Essa sinopse das práticas autoritárias ilumina a trama de favores e dinheiros, multiplicada a partir de um núcleo forte, em redes de parceria e cumplicidade. Hoje, pretensos benefícios atraem multidões fiéis ao benfeitor imaginário que, de fato, as aprisiona. A propaganda amplia o confisco da autonomia, suscitando a adesão mecânica ao herói protetor. Personagem mítico, é produzido por marqueteiros, como João Santana, que se esmera em transformar Dilma em Dama de Ferro e Haddad em Jovem Turco. Essa retórica opera na aparência: exemplo disso é o fantasma da "nova classe média", endividada na compra fácil de produtos industrializados, mas carente de moradia, face às condições leoninas do Minha Casa, Minha Vida - o candidato ouve, do agente bancário, o conselho de procurar uma "empreiteira acostumada a trabalhar com a Caixa". Empresários, não o povo, são beneficiários desses programas. Essa sofística chega a pautar a imprensa, que tragou a falaciosa invenção do "novo" apenso a Haddad, cria de Lula, formidável sobrevivente e chefe autoritário à moda antiga, mantido pela oligarquia sindical e outras mais rançosas. Nada de inédito nesses vultos e em outros delfins herdeiros de vetustas linhagens.

Entretanto, o devaneio de João Santana, em recente entrevista - conjugar Dilma presidente, Lula governador, Haddad prefeito -, não conta com o real e perigoso desenlace da onipotência - a morte do rei, ou do pai - com os anseios da progênie minando a hegemonia do protetor. Lula sitiado pela corrupção de seus ministros e auxiliares dá asas aos afilhados cobiçosos e justifica romper seus votos de lealdade. Doutro lado, o patrono escuda-se e desampara os que perderam serventia. No traiçoeiro utilitarismo que manipula sentimento e razão, frágil é a generosidade de quem dá, tíbia a gratidão de quem recebe. Ao projetar os espectros do pragmatismo radical na política e na ética, valendo-se do imaginário vulgar e dos vícios da oligarquia brasileira, Santana orienta a prática partidária e passa de marqueteiro a ideólogo do PT. Seu sectarismo lhe permite reduzir as sessões do STF a "reality shows", atribuindo-lhes, assim, a falta de escrúpulos dessa mórbida exploração da curiosidade. Mais grave, esse espetáculo fere preceitos constitucionais, como o direito à privacidade, à intimidade e à honra. Essa violência arbitrária conjugada a alvos financeiros espezinha a dignidade humana. A analogia de Santana, portanto, atribui a violação das garantias inalienáveis da pessoa àqueles que receberam o mister de zelar pela Constituição. Essa arrogância o conduz ao "dever" de alertar os ministros contra o tóxico "excesso midiático", veneno do qual ele próprio abusa.

Fonte: http://silncioerudoasatiraemdenisdiderot.blogspot.com.br/2012/12/estado-de-sao-paulo-caderno-alias.html




Militares, ciências, Educação Popular.

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