Tuesday, September 20, 2016

"Golpe da madrugada", o ensaio do acordão

"Golpe da madrugada", o ensaio do acordão

Na Câmara, a primeira tentativa de anistia fracassa, mas não se pode descartar que outras virão
por Redação, com reportagem de André Barrocal — publicado 20/09/2016 12h17
Lucio Bernardo Jr. / Câmara dos Deputados
Beto Mansur
Beto Mansur colocou em pauta um projeto sem pai nem mãe
Era para ser só mais uma segunda-feira vazia na Câmara dos Deputados, mas as horas finais do 19 de setembro reservaram ao País um momento emblemático da conjuntura atual. Na calada da noite, foi colocado em votação um projeto de 2007 que tinha um objetivo único: anistiar os políticos que utilizaram caixa dois em suas eleições anteriores.
Para quem acompanhou a sessão e sua repercussão, ficou claro que o "golpe da madrugada", como batizou o deputado Esperidião Amin (PP-SC), era o primeiro passo para instalar um acordão pós-impeachment com o intuito de obstruir as investigações da Operação Lava Jato e livrar a cara de muitos envolvidos. Nesta empreitada, além da perna legislativa, há outras, que envolvem mudanças recentes na Advocacia-Geral da União, na Procuradoria-Geral da República e no BNDES, como mostra reportagem de capa de CartaCapitalpublicada na sexta-feira 16.
Com Michel Temer no exterior e Rodrigo Maia (DEM-RJ) despachando no Palácio do Planalto, coube a Beto Mansur (PRB-SP), primeiro secretário da Câmara, presidir a sessão e levar adiante a manobra. O projeto surgiu na pauta sem que se soubesse qual deputado ou partido pediu sua inclusão e sem que os deputados tivessem conhecimento sobre seu conteúdo.
Escolhido como relator do projeto, Aelton Freitas (PR-MG) afirmou não saber do que se tratava. O próprio Beto Mansur disse desconhecer o conteúdo do texto. "Pediram para que eu presidisse a sessão. Eu não sei um artigo desse projeto, uma linha. Eu estava apenas cumprindo minha função de brasileiro. Não tenho nada a ver com caixa 2, não estou envolvido na Lava Jato", afirmou Mansur. Em seguida, Mansur se recusou a dizer quem seria o autor do pedido para votar o texto. 
Há tempos, negocia-se no Congresso um perdão do caixa 2 eleitoral, como também mostrou reportagem de capa de CartaCapital publicada na sexta-feira 16. A ideia circula na Câmara e tem sido discutida pelo ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima. A proposta até possui um verniz nobre, a criminalização de doadores e recebedores de recursos “por fora”, uma irregularidade alcançada hoje somente pela legislação eleitoral.
Mas esconde uma ideia talhada para esterilizar as delações de Odebrecht e da OAS. Seus dirigentes presos estão propensos a apontar o dedo para poderosos do pós-impeachment, como Temer (teria pedido 10 milhões de reais em dinheiro à Odebrecht), o chanceler José Serra (teria levado 23 milhões de reais da mesma empreiteira no exterior) e o senador Aécio Neves (teria ficado com 3% de uma obra da OAS em Minas).
A ideia é anistiar a prática de caixa dois cometida até agora, com base no princípio de que leis não retroagem para prejudicar o réu. Isso poderia inibir a atuação da Lava Jato, e do juiz Sergio Moro, responsável pela operação na primeira instância, de tratar como corrupção o recebimento de dinheiro que não esteja na contabilidade eleitoral.
Um dos principais negociadores do perdão é um deputado do PMDB do Maranhão, Hildo Rocha, vice-presidente da Comissão de Finanças e Tributação. É também um dos poucos parlamentares dispostos a comentar abertamente o assunto. Para ele, todo dinheiro doado por empreiteira em eleições é propina disfarçada, por isso lidar com caixa 2 apenas por meio da lei eleitoral seria insuficiente. 
Como se trata de um setor recordista de contribuições de campanhas, todos os partidos interessam-se pelo tema e participam das conversas, diz Rocha. A criminalização futura viria acompanhada de uma anistia de indecorosidades passadas até a eleição de 2014, a última com autorização para financiamento empresarial.
Beto Mansur
Mansur diante do Plenário: resistência (Foto: Antonio Augusto / Câmara dos Deputados)
Só escapariam do perdão repasses nos quais ficasse comprovado que o recebedor, antes ou depois do pleito, beneficiou seu mecenas com “ato de ofício”. Exemplo: um ministro que tenha armado uma licitação fajuta de modo a favorecer seu financiador. Neste caso hipotético, candidato e patrocinador não teriam anistia.
Na noite de segunda-feira, alguns parlamentares confirmaram as suspeitas. O líder do PCdoB, Orlando Silva (SP), afirmou que, durante a reunião de líderes, foi discutida a possibilidade de incluir no projeto uma emenda para livrar quem se beneficiou de caixa 2. "Eu vi o texto que seria votado. É um texto que criminaliza o caixa 2 eleitoral, o caixa 2 partidário, criminaliza inclusive quem doar para caixa 2, e na discussão havia a hipótese de ter um artigo que produziria a extinção de pena, de punibilidade para atos de caixa 2 para o passado", afirmou. 
Marcos Rogério, do DEM-RO, disse que diversos partidos estavam envolvidos no acordão. "A maioria dos partidos estava trabalhando esse texto, articulando, e não tiveram posicionamento prévio para enfrentar, dizer que não aceitavam essa votação", disse à TV Globo. "Tinha partido do governo e da oposição no mesmo entendimento... quando o Plenário reagiu, aí se posicionaram para retirar de pauta o projeto, mas a conversa estava sendo tratada e interessava ao dois lados, infelizmente", disse. 
Ao que consta, o partido de Rogério estava envolvido nas negociações, que incluíam também o PMDB, PSDB, PR, PP e PT. O projeto, entretanto, dividiu algumas bancadas, o que ficou exposto no Plenário.
A resistência dos deputados durante as discussões foi fundamental para conter o ímpeto de Beto Mansur. Deputados como Esperidião Amin, Miro Teixeira (Rede-RJ), Alessandro Molon (Rede-RJ), Ivan Valente (PSOL-SP) e Joaquim Passarinho (PSD-PA) se mobilizaram contra as decisões de Mansur, até que ele desistiu e retirou o texto da pauta. "Isso aqui é um escândalo, é um escárnio, é uma falcatrua, é uma bandalheira que estão querendo fazer aqui para livrar a cara de algumas centenas ou dezenas de parlamentares e empreiteiros também", disse Ivan Valente.
Um veterano conhecedor da Câmara acredita que, por ser delicado e ter potencial para atrair uma saraivada de críticas, o perdão, se for levado adiante, será objeto de uma tramitação relâmpago e semiclandestina. Seria incluído com discrição no texto de alguma lei, para não chamar a atenção da sociedade. Iria ao escrutínio do Senado já com um acerto prévio de que lá não seria nem represado nem reprovado. E chegaria às mãos de Temer com o compromisso presidencial de não vetar. Um roteiro já na cabeça de negociadores.

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