Sunday, April 27, 2008

"Reflexões sobre o Direito à Propriedade"

Saiu na folha de São Paulo.

São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008



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ADVERSÁRIO EM CONSTRUÇÃO
Com disposição para o debate, "Reflexões sobre o Direito à Propriedade" ataca o socialismo e critica os rumos do Brasil
MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Denis Lerrer Rosenfield é um filósofo diferente. Poderia escrever para "dentro", para os acadêmicos, ou produzir aqueles relatórios de pesquisa que ninguém vai ler. Não. Procura a discussão pública e, dessa forma, enriquece o debate político nacional. "Reflexões sobre o Direito à Propriedade" é o seu novo livro.
Em seis capítulos, critica os rumos do país e identifica uma questão central: a propriedade privada, no Brasil, está em risco. E em risco está também a liberdade. Suas reflexões se utilizam de autores clássicos e modernos. Entre estes últimos, principalmente Hernando de Soto, Leo Strauss e Friedrich Hayek.
Rosenfield discorda frontalmente do governo Lula. Contudo constrói um adversário que não existe. Transforma o burocrata petista em líder revolucionário. É um grave equívoco. Ruim para o debate político, mas excelente para o burocrata. É bom ser identificado como um perigo à ordem capitalista: massageia seu ego, relembra seu passado de militante esquerdista e até o estimula a ditar (escrever, não) suas memórias.

Aumento de preço
Mas o interesse do burocrata (e aí o aproxima, por estranho que pareça, a Rosenfield) é outro: deseja ampliar sua casa em um condomínio fechado, comprar aparelhos eletrônicos de última geração, roupas de grife e até cosméticos -como declarou o ex-ministro José Dirceu à revista "Piauí". A cada invasão de terra ou de prédio público, o "consultor" aumenta o preço do seu "trabalho".
Ainda no terreno da "construção do adversário", seria mais salutar para o debate se Rosenfield escolhesse entre os livros de Karl Marx outro mais relevante do que o "Manifesto Comunista", sabidamente um texto de propaganda. Por que não "O Capital", as reflexões sobre 1848 ou sobre a Comuna de Paris?
O autor desconhece que nem o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, inúmeras vezes citado no livro) quer fazer a revolução ou que nem o grande capital teme alguma expropriação. É um jogo perverso. Um precisa de verbas públicas para sobreviver como partido agrário, outro só tem olhos para o pagamento dos juros da dívida pública.
A contrapartida do aumento da taxa de juros ou da remuneração abusiva do capital é a ocupação, por exemplo, da sede do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). E o governo Lula atende salomonicamente a todos.
Não é possível concordar com a idéia de que a tradição socialista dá origem "às formas modernas da democracia totalitária". Para Rosenfield, esquerda é bolchevismo. Em momento algum cita a social-democracia alemã ou o trabalhismo inglês (isso explica porque identifica, erroneamente, os caudilhos latino-americanos como defensores de um Estado de Bem-Estar Social).
Dessa forma, apresenta-se como o antagonista do bolchevismo e defende enfaticamente o liberalismo clássico. Critica a Justiça do Trabalho (pela "função distributiva") e a quebra de patentes na área farmacêutica.
Crê que não cabe ao Estado equalizar as desigualdades, pois essas são "fruto da liberdade", da "minoria que empreendeu, assumiu riscos e teve o seu esforço recompensado".
Nesse sentido, é difícil encontrar um lugar para o filósofo no quadro político brasileiro.

Sem paralelos
O anacronismo marca certas análises. É estranha a afirmação de que o Estado brasileiro "aparece como se fosse um Estado do Antigo Regime", pois tanto em um como em outro os "direitos exclusivos eram também assegurados constitucionalmente".
Não há nenhum paralelo entre uma sociedade estamental e uma de classe. O mais grave é quando associa a política de cotas ao programa de liqüidação dos cúlaques [rótulo aplicado, na ex-URSS, ao "camponês rico", visto como resquício da mentalidade burguesa e ameaça à revolução] comandando por Stálin e ao extermínio de judeus na Alemanha nazista.
Que relação é possível estabelecer? Nenhuma. E mais: é a pura banalização do mal, quando se perde o particularismo do fato histórico.

Mudanças sociais
Diversamente do que propõe Rosenfield, falta Estado no Brasil. Estado no sentido mais amplo, nem como comitê central da burguesia, segundo a tradição marxista, nem como ente quase passivo, segundo o ultraliberalismo. Estado não é para ser gestor da miséria e do grande capital, como no governo Lula. Deve alavancar as mudanças sociais e econômicas, garantir plenamente as liberdades e cumprir as leis. Em suma, deve ser o que nunca foi.
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MARCO ANTONIO VILLA é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP).

REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À PROPRIEDADE
Autor: Denis Lerrer Rosenfield
Editora: Campus-Elsevier (tel. 0800-265340)
Quanto: R$ 39 (224 págs.)

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2704200812.htm 27/04/08

Comentário: Analise do Professor Marcos Antonio Villa sobre o livro REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À PROPRIEDADE do professor Denis Lerrer Rosenfield.

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