Como reproduzimos a cultura do capital
Mas é insuficiente determo-nos apenas nesse tipo de reflexão. Ao lado daquele dado originário, vigora outra força que garante a perpetuação da cultura capitalista. É o fato de nós, a maioria da sociedade, internalizarmos os “valores” e o propósito básico do capitalismo que é a expansão constante da lucratividade que permite um consumo ilimitado de bens materiais. Quem não tem, quer ter, quem tem, quer ter mais e quem tem mais diz: nunca é suficiente. E para a grande maioria, a competição e não a solidariedade e a supremacia do mais forte prevalecem sobre qualquer outro valor, nasrelações sociais, especialmente, nos negócios.
Criou-se uma mentalidade, onde todas estas coisas são naturalizadas. Nas festas entre amigos ou familiares e nos restaurantes consome-se à tripa forra, enquanto, ao mesmo tempo, os noticiários relatam os milhões que passam fome. Não são muitos os que se dão conta desta contradição, pois a cultura do capital educa para ver primeiro a si mesmo e não se preocupar dos outros e do bem comum. Este então, já o dissemos vários vezes, vive no limbo há muito tempo.
Mas não basta atacar a cultura do consumo. Se o problema é sistêmico, temos que lhe opor outro sistema, anticapitalista, anti-produtivista, anti-crescimento linear e ilimitado. Ao TINA capitalista (there is no Alternative): “não há outra alternativa” temos que contrapor outra TINA humanista (there is a newAlternative):” há uma nova alternativa”.
Um terceiro modelo de cultura eu chamaria de a “via franciscana”. Francisco de Assis, atualizado por Francisco de Roma é mais que um nome ou um ideal religioso; é um projeto de vida, um espírito e modo de ser. Entende a pobreza não como um não ter mas como capacidade de sempre desprender-se de si mesmo para dar e mais uma vez dar, a simplicidade de vida, o consumo como sobriedade compartida, o cuidado dos desvalidos, a confraternização universal com todos os seres da natureza, respeitados como irmãos e irmãs, a alegria de viver, de dançar e de cantar até cantilenae amatoriae da Provence, cantigas de enamoramento. Em termos políticos seria um socialismo da suficiência e da decência e não da abundância, portanto, um projeto radicalmente anti-capitalista e anti-acumulador.
Utopias? Sim, mas necessárias para não afundarmos na crassa materialidade, utopias que podem se tornar a inspiradora referência após a grande crise sistêmica ecológico-social que virá inevitavelmente como reação da própria Terra que já não aguenta tanta devastação. Tais valores culturais sustentarão um novo ensaio civilizatório, finalmente mais justo, espiritual e humano.
* teólogo e escritor. Leonardo Boff escreveu Francis of Assisi: a Model for Human Liberation, Orbis, N.York 2010.
No comments:
Post a Comment