Monday, January 29, 2018

A solidão da moral - Roberto Romano da Silva Professor titular de Ética da Unicamp

BLOCO, DO instituto não aceito corrupção.

Roberto Romano da Silva

Professor titular de Ética da Unicamp
29 de janeiro de 2018 | 8:00

A solidão da moral

Nada é mais assustador que uma consciência atormentada pelas suas crenças e atitudes pretéritas. O arrependimento, diz Spinoza “é a tristeza que acompanha a ideia de alguma ação que acreditamos ter sido feita por um livre decreto da mente” (Ética, IV). Segundo o filósofo, não surpreende que a tristeza resulte de atos “perversos” (pravi) e a alegria venha com os retos (recti). “Na verdade, isso depende, sobretudo, da educação (…) foram os pais que, ao desaprovar os primeiros e exaltar os segundos, acabam por fazer com que as comoções da tristeza fossem associadas a uns e as de alegria aos outros. O costume e a religião não são os mesmos para todos, o que para uns é sagrado, para outros é profano, e o que para uns é respeitoso, para outros é desrespeitoso. Dependendo de como cada um foi educado, arrepende-se de uma ação ou gloria-se por tê-la praticado”. Logo após essa lição de pedagogia, Spinoza discorre sobre a torpe arrogância, a “soberba que consiste em fazer de si mesmo, por amor próprio, uma estimativa acima da justa”.

Indivíduos ou grupos que assumiram certas doutrinas e se apossaram de postos dirigentes no Estado, na Igreja, nas associações civis, não raro são dominados pela soberba. Educados com a falsa ideia da própria excelência, exigem lacaios, não amigos ou concidadãos, não admitem críticas nem réplicas, tendem a se confundir com o divino. A soberba, marca dos piores ditadores, dobra espinhas e mata quem ousa discordar do poderoso. O erotismo do mando, como toda paixão, ignora limites religiosos ou morais. Ditaduras, não raro, são estupros consentidos de coletividades. A pessoa que as auxilia guarda a soberba, como se tivesse a razão no bolso, assassina corpos e almas acreditando agir livremente, quando na verdade é dirigida pelos mais torpes apetites. Escravos espalham servidão. Há um artigo meu sobre o tema, que ouso indicar aqui: “Os laços do orgulho, reflexões sobre a política e o mal” Revista Unimontes Científica” (clique aqui para ver).

Quando o regime a que serviram ou que os serviu cai por terra, os arrependidos acusam os companheiros de tirania e atenuam a própria culpa. É preciso conhecer os pressupostos de uma atitude moral, quando a sociedade sucumbe sob tiranias. A moralidade efetiva não mede seus valores pelos números de aderentes. Nela, a decisão vem do juízo e da vontade livres. Por tal motivo, o sujeito moral conhece a solidão na maior parte do tempo.

Assim, imaginemos um ser verdadeiramente moral durante o regime nazista ou sob Stalin. A maioria da população ou adere às palavras de ordem governamentais, ou por elas é conduzido pelo terror ou propaganda. Defender um setor perseguido pelo Estado é se colocar em minoria, de imediato. Recordemos os seres humanos cuja presença social era definida como “ariana”.  Eles tinham duas possibilidades de escolha. Ou aderiam aos milhões que exigiam a morte dos judeus e demais grupos étnicos, ou se levantavam contra. Conhecemos poucos nomes que ousaram seguir tal senda. Como Dietrich Bonhoeffer, um líder luterano de olhos azuis, foi levado à morte nos campos de concentração. Ele foi dito, pela imprensa oficial da Alemanha, como “traidor”. Também na URSS tivemos vários casos de indivíduos que poderiam lucrar com o regime, em termos políticos ou econômicos. Mas escolheram denunciar os abusos do poder. E terminaram seus dias na miséria, no exílio, ou no Gulag.

A moral rigorosa não recolhe aplausos, porque ela exige coragem acima do costumeiro. É por tal motivo que os grandes mestres da ética aconselham quem deseja seguir a via reta na existência. O primeiro ponto é bem escolher os amigos, fugir dos aduladores. As massas humanas tendem a reunir técnicos da lisonja, fugindo da honesta posição reta. Platão, Aristóteles, Plutarco (sobretudo no fantástico “De como distinguir o amigo do adulador”) mostram que a prática da virtude não carreia aplausos, mas apupos dos governantes e governados. Assim, um eficaz método para avaliar a própria moral, encontra-se na seguinte pergunta  : tal ato seria louvado pelas multidões? Caso positivo, a pessoa já tem um critério para saber que não está no bom caminho. Nada mais útil, na tarefa de pesar valores éticos, do que seguir o ensino dos cínicos, a seita filosófica  mais rigorosa em termos morais do Ocidente, caluniada por seus inimigos conscientes ou ignaros.  Refiro-me ao critério usado por Diógenes: “quando sou aplaudido pelos homens, tenho certeza de que falei algo tolo”.

A moral e a correta ética exigem, de quem as pratica, a coragem da solidão. E poucos estão dispostos a pagar o preço devido. Afinal, como dizia um intelectual que aderiu ao golpe de Estado de 1964, “é preciso sobreviver”. Não por acaso o grande Elias Canetti apresentou a sede de sobrevivência como matéria distintiva dos poderosos. Para guardar o poder, eles estão dispostos a quebrar todos os vínculos trazidos pelos valores. Spinoza diz que o direito natural é aquele que permite ao peixe grande devorar os pequenos. Democrata, fica bem claro em seu Tratado Político, que o único modo de controlar tal direito é os peixes pequenos se unirem, gerando uma força maior do que a movida pelo peixe grande. Mas para chegar a tal força é preciso a amizade entre os indivíduos, outro elemento raríssimo, tão difícil de ser achado quanto a coragem da solidão. Pensemos sobre tais paradoxos, vitais em nossos tempos movidos pelo marketing e pressões econômicas ou políticas das mais diversas matizes.

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