Monday, August 03, 2009

A sutileza e o embuste dos golpistas

Analise perspicaz sobre o Golpe Militar de 64 no Brasil do Ferreira Gullar na Folha de São Paulo revela a sutileza e o embuste dos golpistas.

São Paulo, domingo, 02 de agosto de 2009



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FERREIRA GULLAR

E por falar em golpe militar...
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A radicalização de setores que se diziam "revolucionários" abriu caminho para o golpe
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EM DEBATE RECENTE , na televisão, ouvi de historiadores e estudiosos de nossa vida política afirmações acerca do golpe de 1964 que me deixaram surpreso. Embora não tenha a autoridade daqueles debatedores, eu, por ter vivido e acompanhado de perto aqueles acontecimentos, tenho visão diferente da deles em alguns pontos da interpretação que preponderou durante aquela discussão. Um dos debatedores afirmou que o presidente João Goulart, antes de ser deposto, estava de fato preparando um golpe nas instituições democráticas para manter-se no poder. Tal afirmação, em última instância, justificaria o golpe militar, pois seria na verdade um contragolpe. O autor dessa tese deve ter se baseado em algum documento ou informação que desconheço.
De qualquer modo, incorre num grave equívoco, desconsiderando, assim, fatos notórios que determinaram a derrubada do presidente da República pelos militares. O testemunho do general Jarbas Passarinho, que integrou o ministério da ditadura, não deixa dúvida quanto à motivação do golpe, que teria sido dado para impedir a instauração, no Brasil, de um regime comunista, coisa que Jango nunca foi.
Como os supostos indícios dessa nova "intentona" não tinham apoio na realidade, fica evidente que, da parte dos militares, o propósito de depor João Goulart foi decisão tomada desde que ele assumiu o governo. Aliás, aqueles mesmos generais tudo fizeram para impedir que ele o assumisse, após a renúncia de Jânio Quadros.
Se o conseguiu, foi graças à reação de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, que conquistou o apoio do comandante do Terceiro Exército, ali sediado. A solução conciliatória foi a adoção de um parlamentarismo fajuto, mais tarde revogado pela vontade popular, num plebiscito. Com isso, Jango retomou os plenos poderes de presidente da República, o que os generais engoliram com dificuldade e se prepararam para derrubá-lo.
Foi o que aconteceu de fato, como é verdade também que o fortalecimento de Jango estimulou as forças de esquerda a intensificarem suas ações em favor das chamadas "reformas de base", como a reforma agrária e teses anti-imperialistas, que assustavam setores conservadores.
Em função disso, Jango se tornou uma espécie de refém das forças que o apoiavam, particularmente o sindicalismo reformista, que promovia greves sucessivas em todo o país. O centro do Rio de Janeiro se tornou uma praça de guerra, impedindo o funcionamento do comércio e das repartições públicas. Naturalmente, esses fatos contribuíram para o fortalecimento das forças anti-Jango e a ampliação da conspiração que veio a derrubá-lo.
Considerando as necessárias diferenças e proporções, a situação de Goulart antecipou o que ocorreria, mais tarde, com Salvador Allende, no Chile, também vítima da ação impensada daqueles que deveriam apoiá-lo. Se é verdade que a situação brasileira, em 1964, não era idêntica à do Chile em 1973, é certo também que, aqui como lá, a radicalização insensata de setores que se diziam "revolucionários" minou a autoridade do governo constitucional e abriu caminho para o golpe militar.
No caso brasileiro, um desses involuntários aliados dos golpistas foi aquele mesmo Leonel Brizola, que o salvara em 1962. A pretensão de se tornar o sucessor do seu cunhado ("Cunhado não é parente, Brizola para presidente") levou-o a uma insensata campanha para retirar do Ministério da Fazenda o paulista Carvalho Pinto, que funcionava como uma espécie de avalista do governo junto à classe empresarial.
A sua demissão abriu caminho para a derrubada de João Goulart, desgastado pelas greves e por um início de rebelião dos Fuzileiros Navais, comandados pela almirante Aragão, que manifestava claramente apoio às reformas exigidas pelas forças de esquerda. A um de seus ministros, Jango confidenciou: "Esses Fuzileiros Navais vão terminar me tirando do governo".
Desse modo, Jango terminou numa situação crítica: vendo avançar a conspiração que visava derrubá-lo, teria que reprimir as greves e as manifestações de setores militares que o apoiavam, mas sabia que, se o fizesse, não evitaria o golpe já em curso. Daí o comício na Central do Brasil e o encontro com os sargentos no Automóvel Clube, que só serviram para precipitar sua queda.
Dizer que o presidente João Goulart é que pretendia golpear as instituições é não entender o que de fato ocorreu e dar crédito à versão dos golpistas.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0208200919.htm acesso em 03/08/2009.

Daner Hornich

1 comment:

Unknown said...

Bom artigo na análise do golpe.Basta dizer que se Jango quisesse dar o golpe teria aceito a proposta de Kruel para ficar no poder, bastando para isso reprimir e fechar os sindicatos, cassar Brizola e Arraes e ser o que foi um Bordaberry qualquer como foi no Uruguay.Para os que não sabem o golpe de esquerda já estava inviabilizado quando ele, Jango, teve que retirar a menssagem do estado de sítio, sem o apoio desta mesma esquerda.
João Vicente Goulart, www.institutojoaogoulart.org.br

Militares, ciências, Educação Popular.

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