Friday, February 19, 2010

É possível sobreviver sem avaliação do desempenho?

Uma entrevista interessante no blog De Rerum Natura:

É possível sobreviver sem avaliação do desempenho?
No Jornal Público de 30 de Janeiro de 2010 foi publicada uma entrevista de Ana Gerschenfeld a Christophe Dejours, professor no Conservatoire National dês Arts et Métiers, em Paris.

Nessa entrevista, o especialista com obra reconhecida na área da Psicologia do Trabalho e da Acção apresenta o essencial das análises que tem feito sobre a avaliação individual do desempenho profissional que está a ser implementada em inúmeros países, nos mais diversos sectores, em instituições e empresas públicas e privadas, sob o pretexto de aumentar a qualidade do trabalho e a igualdade e justiça social.

Trata-se de análises que não deviam ser ignoradas porque há nelas factores de sobra para nos preocuparmos directamente e a curto prazo com a saúde física e psicológica dos profissionais, a qual se reflectirá no funcionamento social e técnico das instituições onde estão integrados, que, por sua vez, se reflectirá no atendimento às pessoas que a elas se dirigem. Menos directamente e a mais longo prazo, mas de modo mais sério e profundo, reflectir-se-á no modo como nos vemos e vemos os outros, como encaramos a nossa existência e que sentido lhe atribuímos, como estruturamos os valores que fundam a cultura em que nos estruturámos como pessoas.

Da referida entrevista destaco uma passagem, pela alternativa que aponta, pela possibilidade que abre de repensarmos a relação que temos ou devíamos ter com aquilo que fazemos na vida e com a vida.
"Uma empresa que defendesse os princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade conseguiria sobreviver no actual contexto de mercado?
Hoje, estou em condições de responder pela afirmativa, porque tenho trabalhado com algumas empresas assim. Ao contrário do que se pensa, certas empresas e alguns patrões não participam do cinismo geral e pensam que a empresa não é só uma máquina de produzir e de ganhar dinheiro, mas também que há qualquer coisa de nobre na produção, que não pode ser posta de lado. Um exemplo fácil de perceber são os serviços públicos, cuja ética é permitir que os pobres sejam tão bem servidos como os ricos – que tenham aquecimento, telefone, electricidade. É possível, portanto, trabalhar no sentido da igualdade. Há também muita gente que acha que produz coisas boas – os aviões, por exemplo, são coisas belas, são um sucesso tecnológico, podem progredir no sentido da protecção do ambiente. O lucro não é a única preocupação destas pessoas. E, entre os empresários, há pessoas assim – não muitas, mas há pessoas muito instruídas que respeitam esse aspecto nobre.

E, na sequência das histórias de suicídios, alguns desses empresários vieram ter comigo porque queriam repensar a avaliação do desempenho.
Comecei a trabalhar com eles e está a dar resultados positivos.

O que fizeram?
Abandonaram a avaliação individual – aliás, esses patrões estavam totalmente fartos dela. Durante um encontro que tive com o presidente de uma das empresas, ele confessou-me, após um longo momento de reflexão, que o que mais odiava no seu trabalho era ter de fazer a avaliação dos seus subordinados e que essa era a altura mais infernal do ano. Surpreendente, não? E a razão que me deu foi que a avaliação individual não ajuda a resolver os problemas da empresa. Pelo contrário, agrava as coisas. Neste caso, trata-se de uma pequena empresa privada que se preocupa com a qualidade da sua produção e não apenas por razões monetárias, mas por questões de bem-estar e convivialidade do consumidor final. O resultado é que pensar em termos de convivialidade faz melhorar a qualidade da produção e fará com que a empresa seja escolhida pelos clientes face a outras do mesmo ramo. Para o conseguir, foi preciso que existisse cooperação dentro da empresa, sinergias entre as pessoas e que os pontos de vista contraditórios pudessem ser discutidos. E isso só é possível num ambiente de confiança mútua, de lealdade, onde ninguém tem medo de arriscar falar alto. Se conseguirmos mostrar cientificamente, numa ou duas empresas com grande visibilidade, que este tipo de organização do trabalho funciona, teremos dado um grande passo em frente."

Fonte: http://dererummundi.blogspot.com/ acesso em 19/02/2010

Daner Hornich

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