Sunday, May 06, 2018

Que face terá a da Igreja de amanhã? Como fazê-la evoluir?

CCBF (Conférence Catholique des Baptisé-e-s Francophones) começou no final de 2016 um think-tank (grupo de reflexão), intitulado Ecclesia-Nova, sobre dois diferentes temas: "Como anunciar o Evangelho hoje?" e "Qual será o rosto da igreja de amanhã? Como fazê-la evoluir? "
Os dois grupos de reflexão tiveram reuniões mensais de setembro de 2016 a junho de 2017. O primeiro grupo pretende continuar este ano com os representantes das novas gerações. O segundo apresentou suas conclusões, que publicamos aqui.
Participaram do primeiro grupo dois bispos eméritos, dois religiosos (um jesuíta e outro dominicano), uma religiosa, dois padres, um teólogo e diversos leigos da CCBF.
Estamos convidando você a ler e divulgar as conclusões. Estas confirmam a razão de ser da CCBF, o empenho necessário dos batizados e batizadas no âmbito de seu sacerdócio, a necessidade urgente de empreender novas iniciativas em relação ao anúncio do Evangelho, conforme o Papa Francisco nos exorta: a Igreja de amanhã será a Igreja dos batizados e batizadas!
O documento é a apresentação das conclusões do grupo de reflexão Ecclesia-Nova, divulgado por Conférence Catholique des Baptisé-e-s Francophones, janeiro de 2018. A tradução é de Ramiro Mincato.

Eis o texto.


Introdução

O cristianismo estabeleceu-se a partir de Constantino em completa concordância com a sociedade. Hoje, com a secularização, passa por continua transformação. Poderá continuar em sua forma atual? Qual será o inexorável impacto da diminuição do número de padres? O modelo paroquial ainda é pertinente? Qual será o rosto da Igreja de amanhã? Como fazer a situação evoluir?

Parte 1 - Nossa análise da situação atual da Igreja:

1. O distanciamento cultural entre a Igreja e a sociedade aumenta continuamente:
- Por um lado, a sociedade civil funciona cada vez mais horizontalmente na rede (internet), rejeita um diálogo "assimétrico" (o professor - sempre o mesmo – por um lado, e o aluno, por outro), há exigência de respeito à liberdade da consciência, com funcionamento fluido e colaborativo.
- Por outro lado, uma Igreja cristalizada que funciona na vertical "de cima para baixo", onde a pluralidade é vivida negativamente e o sensus fidei não passa de uma liberdade de expressão condicionada.
→ A Igreja será capaz de adaptar sua governança e organização aos novos desafios e às novas realidades humanas?
2. O cristandade está morta, viva o Evangelho!
Jacques Ellül: "Cristo veio anunciar a Boa Nova, e o diabo fez dela uma religião".
- E, no entanto, Joseph Moingt afirma: o cristianismo é um "novo humanismo" e uma "saída da religião ".
- A Igreja é o último baluarte contra a aniquilação total, e é por isso, foi tomada como refém pelos conservadores identitários?
- Ou a Igreja poderá ajudar a discernir os sinais da presença de Deus no mundo atual?
"O povo de Deus está dividido entre os que estão perdidos, pois não entendem a evolução da sociedade, e possuem uma visão antiquada, e aqueles, incluindo a maioria dos jovens, que aguardam outro modelo de sociedade e de Igreja. Como a Igreja não lida com a segunda categoria, esta trabalha sozinha e de modo diferente”.
→ Ainda somos a religião da encarnação e da esperança?
→ Cristo pede para amarmos o mundo em sua complexidade, para que o Evangelho possa ser testemunhado concretamente.
→ É exatamente o oposto do que sustenta a tendência identitária, refugiada atrás de armaduras dogmáticas, rigorosas e rituais, evitando, assim, as questões angustiantes, diante da complexidade do mundo; essa atitude comporta um abandono diante do risco representado pelo testemunho do Evangelho em contato com o real.
3. A parte inacabada do Vaticano II:
- Todos os batizados são "sacerdotes, profetas e reis", mas, de acordo com a lei canônica, a pregação é reservada ao ministro ordenados, sendo os batizados apenas testemunhas do Evangelho.
- Os bispos se apropriaram do anúncio do Reino sob o pretexto de serem os sucessores dos apóstolos.
- O Vaticano II convida a um funcionamento sinodal, mas alguns temas não são permitidos: "o bispo tem o dever de excluir da discussão sinodal as teses ou posições (...) que não concordam com a doutrina perpétua da Igreja ou do magistério pontifício ..." (Diretiva de 1997). Exemplo: o tema do lugar das mulheres na Igreja é sempre excluído das conclusões de um sínodo.
- Antes do Vaticano II, o padre estava na articulação entre a horizontal (a assembleia) e o vertical (Deus). Para o Vaticano II, é a comunidade que celebra e o padre preside. Mas, depois do Vaticano II, os padres reapropriaram-se do altar e o povo já não é mais verdadeiramente partner da liturgia.
- A relação institucional do padre a serviço do povo e o papel central do povo não foram implementados.
- É mantida uma confusão entre sacro e santidade.
→ Nós, deliberadamente, nos situamos na linha do Vaticano II, e, acima de tudo, rejeitamos uma volta ao passado!
4. A situação atual é parte de uma história não fixa (Constantino, monarquia / cristandade, Contrarreforma):
- A Igreja atual foi configurada pelo Concílio de Trento (1545-1563), no contexto da Contrarreforma.
- A Igreja estabeleceu-se como monarquia porque esse era o mundo dominante na época.
"Se a monarquia é a melhor e mais importante das formas de governo, e se é certo que a Igreja de Deus foi estabelecida para ser governada pelo mais sábio de todos os príncipes, Cristo, quem poderá negar que seu regime também deva ser monárquico?”, escreve Roberto Belarmino, que viveu no século XVI, e se tornou doutor da Igreja em 1931.
- O celibato imposto aos sacerdotes foi introduzido no século XII.
- A relação de autoridade entre bispos e párocos foi introduzida no século XIX.
- A jurisprudência (1974) sobre a lei de 1905 [ndr. Lei francesa sobre a laicidade do Estado e a separação entre Estado e Igreja] reforçou o papel do padre: "Somente o padre designado pelo bispo, com exclusão de qualquer outro, é o inquilino legítimo e usuário legal [do edifício igreja] porque só ele tem a capacidade de exercitar o culto, a religião que se celebrava antes de 1905”.
→ Voltar atrás? Atrás até onde? Para a cristandade? Ao século XIX? Aos primeiros séculos?
→ Nós nos colocamos em uma dinâmica de Igreja que se insere contextualmente na história, e que hoje é a democracia.
5. A queda do número de padres e a diminuição da vida sacramental não é um drama, mas uma oportunidade!
- Somos nostálgicos de um passado superado, ou queremos construir um futuro onde os cristãos, mesmo sendo minoritários, permanecerão o sal da terra?
- Que visão de padre temos: "o homem de poder e do sagrado" ou "um ministro de serviço e de santidade?"
- Onde está a Igreja: onde estão os padres, ou onde estão as comunidades?
- É preciso partir das comunidades e das suas necessidades para reinventar a Igreja... é a teologia de Joseph Moingt!

 

Parte 2 - Nossas propostas - O tempo do batizado chegou:

1. Os batizados no leme. Para quais iniciativas?
  • 1.1. Envolver as comunidades
- As comunidades são as células base da Igreja; a Igreja se encontra lá onde há comunidades, com padre presente ou não. No entanto, todos os domingos, pede-se às comunidades para se deslocarem para onde estão os padres - ver o livro "Le dimanche en déroute", de François Wernert.
- As paróquias não são mais os únicos lugares da vida e expressão da fé. Há 1.200.000 associações na França, que são novos lugares de envolvimento. Muitas se interessam pela saúde do corpo, da alma e do planeta!
- As redes digitais são outro local de envolvimento. Estas escapam totalmente ao controle da instituição, e competem com ela em legitimidade para confirmar a crença dos fiéis.
→ Há grandes espaços de liberdade na Igreja, devemos nos apropriar deles!
  • 1. 2. Inovar, inovar e inovar!
- É a evolução da prática que fará evoluir a doutrina, e não o contrário:
- Celebrações dominicais da Palavra;
- Inventar bênçãos, não como substitutivos dos sacramentos, mas em resposta aos sonhos expressos pelas comunidades (por exemplo: em ambiente hospitalar, quando o sacramento dos enfermos não pode ser dado pela falta de padres);
- Imaginar liturgias que não sejam sacramentos (por exemplo: lava-pés, unção de Betânia).
- Esta abordagem é aquela defendida pelo Papa Francisco. Cf. Amoris laetitia: abertura às práticas de acolhida e de misericórdia.
- Incentivar as iniciativas e a inteligência do campo (modelo “bottom-up”, ou seja, de baixo para cima). As parábolas de Jesus são a prova de que a vida e a realidade são o ponto de partida.
→ Façamos propostas concretas aos nossos padres e bispos, e dialoguemos com eles!
  • 1. 3. Privilegiar o ecumenismo e inspirar-se nos amigos protestantes:
- Igual dignidade dos batizados e batizadas: pastores e leigos, homens e mulheres;
- Uma forte prática de colegialidade;
- Um funcionamento sinodal que faça emergir os dons, é baseado em carismas e contribui ao discernimento;
- O caráter temporário dos compromissos presbiterais e um apelo às vocações.
 2. Algumas recomendações gerais:
- Não se pode fazer algo novo olhando pelo espelho retrovisor: é preciso partir da esperança e da aspiração dos homens e mulheres, e não cristalizar-se em torno à falta do que já se teve, mas não se tem mais.
- Partir da falta de padres e do seu impacto na ausência de sacramentos leva a um impasse: evitar, acima de tudo, considerar os leigos como suplentes à espera de um retorno a momentos melhores; e preciso, em vez disso, imaginar uma nova maneira de funcionamento da Igreja.
- Mateus 18, 20: "Quando dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles". Jesus não se entrega em porcentagens!
- Uma comunidade em harmonia com homens e mulheres torna-se um corpo de sinais: encontros, festas, celebrações, etc. Precisamos criar espaços de oração e comunhão com novas funcionalidades, mais atraentes e significativas. Precisamos renovar a liturgia, atualmente, "congelada".
- O sensus fidei é o bom senso do povo de Deus.
- As comunidades devem ser lugares para se falar da fé. Foi assim que as primeiras comunidades cristãs se constituíram.
- Consideremos, com alegria, o período em que vivemos, um mundo antigo desaparece, um mundo novo está nascendo, e não sabemos como será. O Espírito Santo abre novos caminhos. É difícil, mas emocionante!
- A Igreja está "dentro" do mundo atual. É o mundo que vem primeiro. Yves Congar dizia: "O mundo é a saúde da Igreja".
Saibamos reconhecer os sinais dos tempos:
- A promoção das mulheres, o seu acesso às responsabilidades;
- A aspiração dos povos à vida democrática;
- Avanços no Direito relativos a minorias e pessoas: crianças, prisioneiros, doentes terminais, pessoas homossexuais;
- A não-violência;
- O batismo é o sacramento fundamental indispensável. Dele provém a importância de partir das comunidades de batizados com sua capacidade de pensar, agir, empreender, inovar;
- Não partamos de papéis ou funções, mas de talentos dentro da comunidade. Daqui deriva a necessidade de identificá-los, reconhecê-los, desenvolvê-los. 1Cor 12.7: "Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito em vista do bem de todos".
Em todas as comunidades, procuremos os dons existentes para que possam ser colocados a serviço de todos:
- Quem tem o dom de escutar, exercite o ministério da escuta;
- Quem tem o dom da hospitalidade, exerça o ministério da acolhida;
- e assim por diante, pela unidade, pela iniciação à oração, pela partilha da fé, etc.

 

Parte 3 - Papa Francisco para o resgate:

Citações de Evangelii Gaudium (2013):
- "Para que esse impulso missionário seja cada vez mais intenso, generoso e frutífero, exorto também a cada Igreja particular para entrar em um determinado processo de discernimento, purificação e reforma”.
- "Portanto, [o Bispo] às vezes se colocará na frente para mostrar o caminho e sustentar a esperança das pessoas, outras vezes estará simplesmente no meio de todos com sua proximidade simples e misericordiosa, e em algumas circunstâncias terá que andar atrás do povo, para ajudar aqueles que ficaram para trás e - acima de tudo - porque o próprio rebanho tem o seu próprio olfato para individuar novos caminhos”.
- “O cuidado pastoral em chave missionária requer o abandono do confortável critério pastoral do "sempre foi assim". Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos de evangelização da própria comunidade".
- "Se permitirmos que dúvidas e medos sufoquem qualquer audácia, pode acontecer que, no lugar de sermos criativos, simplesmente fiquemos acomodados, sem causar nenhum avanço e, neste caso, não participaremos e cooperaremos dos processos históricos, mas simplesmente seremos espectadores de uma estéril estagnação da Igreja".
Discurso de Francisco por ocasião da comemoração do 50º aniversário do Sínodo dos Bispos (17 de outubro de 2015):
- "O sensus fidei impede a separação rígida entre Ecclesia docens e Ecclesia discens, já que o rebanho também possui seu próprio "faro" para discernir os novos caminhos que o Senhor abre para a Igreja".
- "Mas, nesta Igreja, como em uma pirâmide invertida, o cume fica abaixo da base. É por isso que aqueles que exercem autoridade são chamados de "ministros": porque, de acordo com o significado original da palavra, são os menores de todos. É servindo ao povo de Deus que cada bispo se torna, para a porção do Rebanho que lhe foi confiada, Vicarius Christi [1], vigário daquele Jesus que, na última ceia, se abaixou para lavar os pés dos apóstolos".
Carta de Francisco ao Cardeal Ouellet (19 de março de 2016):
- "Ninguém foi batizado padre ou bispo. Fomos batizados leigos, e é o sinal indelével que ninguém poderá cancelar. (...) Todos nós formamos o Povo Santo Fiel de Deus. (...) Os leigos são, portanto, os protagonistas da Igreja e do mundo; nós somos chamado a servi-los, e não a servir-nos deles".
- "O clericalismo tende também a diminuir e subestimar a graça batismal que o Espírito Santo colocou no coração do nosso povo. (...) Esquecemos que a visibilidade e a sacramentalidade da Igreja pertence a todo o Povo de Deus".
- "Confiemos em nosso povo, em sua memória e em seu "olfato", confiemos que o Espírito Santo age em e com ele, e que este Espírito não é "propriedade" somente da hierarquia eclesial".
- "Devemos, portanto, reconhecer que o leigo, pela sua realidade, pela sua identidade (...) tem necessidade de novas formas de organização e de celebração da fé. (...) Isso exige imaginar espaços de oração e comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas, para as populações urbanas".
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Notas
[1] Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Cost. dogm. Lumen gentium, 27.

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