Tuesday, May 15, 2018

Xeque: Revista Veja e a fake news contra Lula e Boff, por Michel Arbache

Xeque: Revista Veja e a fake news contra Lula e Boff, por Michel Arbache
No último domingo, recebi de um amigo, via WhatsApp, um link "bombástico" do site da revista Veja em que Leonardo Boff teria se voltado contra Lula, Dilma e o PT. Curioso constatar como a fúria contra o PT continua intensa mesmo após o partido estar há dois anos longe do governo federal. Fui checar e constatei que se trata de um post do jornalista Ricardo Noblat de 24 de abril de 2018 (1). O título, em destaque, é: “Leonardo Boff diz que se enganou ao defender o PT”. Em seu post, Ricardo Noblat começa o texto da seguinte maneira (grifo meu):
“Nota postada no seu blog no último dia 18 [de abril] pelo teólogo Leonardo Boff, até outro dia defensor do PT, de Lula e de Dilma. Em seguida, Noblat põe entre aspas trechos tirados do artigo de Boff, inclusive o início do texto:
“Precisava vir alguém de fora, de uma jornalista Carla Jiménez do jornal espanhol El Pais, para nos dizer as verdades que precisamos ouvir. Seguramente a grande maioria concorda com o conteúdo e os termos desta catilinária contra corruptos e corruptores que tem caracterizado nos últimos tempos o Brasil”.
A malandragem de Noblat começa pela própria data do post: 24/04/2018, cinco dias após Leonardo Boff ser impedido de visitar Lula na prisão. Detalhe: sob o título do artigo está escrito, sem destaque: “Memórias do blog” (uma “série” de artigos antigos que Noblat costuma publicar). Logo abaixo, em itálico, outro detalhe sem destaque: “Texto do dia 24/04/2017”. O amigo que me passou o link não se deu conta destes detalhes. Aliás, quem se dá conta de que o artigo é velho? Mas, independente do fato de ser uma notícia requentada com um ano de idade, trata-se de uma genuína fake news. Note-se, por exemplo, a malandragem da expressão acima grifada “até outro dia defensor do PT, de Lula e de Dilma”. Ou seja: como se Leonardo Boff, por conta de um artigo no El País, tivesse mudado de opinião em relação a Lula, Dilma e o PT. Acontece que Noblat lançou mão do sofisma para contar uma mentira. Vamos aos fatos...
Desmontando a falácia
O artigo de Carla Jiménez no El País, publicado em 19/04/2017, traz o seguinte título: “Uma elite amoral e mesquinha se revela nas delações da Odebrecht” (2). Para quem conhece o contexto do fla-flu esquerda x direita no Brasil, o título já fala por si. Pois quando usamos os termos “elite”, “corrupção” e “hipocrisia”, o assunto transcende a política e acaba tocando em podres que tocam inclusive na própria cumplicidade da mídia, núncia da putrefação que incorporou a semãntica do esgoto. E o título do artigo de Leonardo Boff, de 21/04/2017, é reprodução fiel do título escolhido pela articulista do El País: “Uma elite amoral e mesquinha se revela nas delações da Odebrecht” (3). Noblat, obviamente, esconde de seus leitores este título. Desnecessário dizer que Noblat esconde também o escopo do artigo de Carla Jiménez, que é uma tapa na cara da hipocrisia da elite corrupta que tirou o PT do poder. Eis alguns trechos do artigo no El País que Noblat escondeu:
“Elite criminosa. O que é a pedalada fiscal hoje, se não cosquinhas perto da monstruosidade que o topo da pirâmide política e econômica promove no Brasil. Que fatiaram o país e o dividiram entre os partidos políticos, tal qual o boi nos cartazes do açougue, segundo as investigações.
(...)
 As hidrelétricas de Furnas, do PSDB de Aécio, segundo Marcelo Odebrecht. O metrô de São Paulo, do PSDB paulista, segundo as investigações. E assim por diante. Está tudo ali, para quem quiser ver. Definitivamente, a propinocracia brasileira tem muitos reis".
Ao final do seu artigo, Leonardo Boff, sempre fiel à sua honestidade intelectual, trouxe o artigo de Carla Jiménez na íntegra para quem quiser ler. Noblat, claro, omitiu a fonte - não dando chance alguma para os seus leitores checarem o artigo original no El País, que ataca a elite e todos os partidos políticos brasileiros sustentáculos do establishment. Se é verdade que a articulista não poupa Lula e o PT, também é verdade que estes são detalhes menores perto da corrupção como um todo retratado pelo artigo no El País – e que Boff trata no artigo dele. E também é verdade que a articulista poupa Dilma – fato este manipulado por Noblat. Vale lembrar ainda que, no dia da sua publicação (19/04/2017), as “bombas” contra membros do PSDB ainda não eram inteiramente conhecidos como hoje. Outro detalhe é que Leonardo Boff, em momento algum, faz crítica ou menção a Lula ou Dilma. Da mesma forma, a menção de Boff ao PT não é sequer uma crítica negativa ao partido. Pelo contrário: a emenda à crítica (contra a corrupção do partido) acaba calhando em elogio. Escreveu Boff: "Enganam-se aqueles que eu, pelo fato de defender as políticas sociais que beneficiaram milhões de excluidos, realizadas pelos dois governos anteriores, do PT e de seus aliados, tenha defendido o partido. A mim não interessa o partido mas a causa dos empobrecidos que constituem o eixo fundamental da Teologia da Libertação, a opção pelos pobres contra a pobreza e pela justiça social, causa essa tão decididamente assumida pelo Papa Francisco. É isso que conta e por tal casusa lutarei a vida inteira como cristão e cidadão". O que Boff diz vai nos mesmos moldes do que afirmou Luis Fernando Veríssimo numa crônica – sob o título "Ódio" – publicada em junho de 2015: “o PT justificou-se no poder. Distribuiu renda, tirou gente da miséria e diminuiu um pouco a desigualdade social — feito que, pelo menos pra mim, entra como crédito na contabilidade moral de qualquer governo. O argumento seria inútil porque são justamente estas conquistas que revoltam o conservadorismo raivoso, para o qual 'justiça social' virou uma senha do inimigo”. (4)
Leonardo Boff continua amigo e apoiador de Lula
A inabalável amizade entre Leonardo Boff e Lula dispensa comentários. O fato é que, poucos dias após a publicação do texto malicioso de Noblat, Boff conseguiu visitar Lula na prisão e revelou que ambos se abraçaram e choraram juntos. Em seu próprio relato sobre o encontro — "encontrei um velho amigo" — , Boff se emocionou (5). A falsidade do artigo que insinua que Boff “mudou de ideia” em relação a Lula" lembra muito outra fake news da mídia quando afirmou que o escritor Eduardo Galeano “mudou de ideia” em relação à obra mais famosa dele, ‘Veias Abertas da América Latina’ (6). Ou seja, fizeram deliberadamente uma confusão com a autocrítica de Galeano em relação ao estilo da escrita dele na época (em que lançou o livro) – e que nada tem a ver com a ideia contida na obra, que continuou intacta no autor, ou seja, a realidade de como os impérios econômicos, ao longo de décadas, exploraram e dilapidaram os países latino-americanos. Como a mídia está a serviço dos exploradores – e nunca dos explorados –, é oportuno, para eles, deturpar o que afirmou Galeano para tentar descaracterizar uma obra importantíssima. Mas isto é um outro tema que merece um texto à parte.
O que fica evidente é que as pragas mais perniciosas das falsas notícias não vêm de mercenários pagos para disseminar a desinformação – mas sim da chamada mídia tradicional que, no meio do turbilhão de mentiras que rolam na web, se gaba de ser o porto seguro das informações corretas. Longe disto, claro. Nunca é demais lembrar que, no mundo inteiro, empresas de mídia são braços de grupos empresariais bilionários que tratam tão-somente de moldar as notícias ao sabor dos interesses deles. E, segundo o jornalista Mino Carta, a imprensa brasileira consegue ser a pior entre os países ditos democráticos (7). E é com este trecho de uma entrevista de Mino Carta que opto por encerrar:  
“No mundo todo, você vai encontrar posições diferentes entre os jornais. Cada jornal tem a sua postura, que se diferencia da do concorrente. No Brasil, não. Todos os jornais e revistas se juntam contra um inimigo comum. No caso, o PT. Eles não querem incentivar o debate. A nossa imprensa é de uma safadeza e de uma hipocrisia imbatível. Não existe igual no mundo. A imprensa está sempre a favor do que é pior, do que há de mais rançoso, do que há de mais reacionário. Eles gostam de ser súditos, gostam de ser súditos dos Estados Unidos.”
Fontes:
1- Artigo de Ricardo Noblat na revista Veja:

2- Artigo de Carla Jiménez no El País sob o título "Uma elite amoral e mesquinha se revela nas delações da Odebrecht":

3- Artigo de Leonardo Boff citando texto de Carla Jiménez: 

4- Crônica de Luis Fernando Veríssimo sob o título "Ódio": 
https://oglobo.globo.com/opiniao/odio-16546533

5- Leonardo Boff se emociona ao falar de seu encontro com Lula na prisão:

6- Fake News da Folha diz que "Eduardo Galeano muda de ideia sobre 'As Veias Abertas da América Latina'"

7- Entrevista de Mino Carta ao DCM

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