Wednesday, October 25, 2006

PALIATIVO OU PRIVATIZAÇÃO DAS NOSSAS RELAÇÕES

PALIATIVO OU PRIVATIZAÇÃO DAS NOSSAS RELAÇÕES

Vivemos em uma sociedade democrática – numa sociedade de tensões, conflitos, resoluções e sonhos que projeta uma vida de fragilidade, de incerteza, de dúvidas, de futilidade e de dissolução da coisa pública, por meio do crime, do clientelismo, da corrupção e do favoritismo de um lado e das considerações em torno da transparência, da ética, da justiça e dos bons costumes de outro.
Esse cenário desenhado nas linhas acima compreende relações de poder no Brasil – relações essas que são determinadas e definidas pela vida econômica, com um discurso ditatorial mais forte e representativo que o da ditadura militar em nosso país.
O discurso corrente em nossa sociedade pelos meios de comunicação, pelos empresários, pelo governo, pelos reitores e pelos formadores de opiniões – é o econômico transformado em uma lei invisível que permeia o imaginário das nossas vidas no boteco da esquina, na igreja, na universidade, nas colunas dos jornais, na indústria e no palácio da república.
O econômico com essa capa invisível de “mulher maravilha” transformada em lei – tornou-se na nossa profissão de fé, para não dizer dogma, com os seus propagadores – catequistas da nova ordem econômica – que vivem do comércio da verborragia sofística da persuasão absoluta, por meio, das elucubrações de terror, medo e conformismo, com as seguintes palavras de ordem: “se você não se adaptar ao mercado, você está morto”, “se você não tem capital você não vive.” Ou “se você não cortar os funcionários do quadro da empresa você vai quebrar”, entre outros discursos que povoa o nosso imaginário, como as privatizações e as reduções de custo numa sociedade de alto custo.
Tudo nessa sociedade tem um preço e um alto custo a ser pago com as nossas vidas de fazer de contas e brincar de administrar a vida alheia com as nossas decisões carregadas de estatísticas, cálculos, técnicas e especialidades que subordina a vida dos cidadãos à econômica, por meio, de um novo discurso à conta gostas – analgésico no alivio das dores e caridoso na eficiência de suas ações, coma a idéia de uma responsabilidade social.
Essa idéia de uma nova responsabilidade social – trouxe, com ela uma nova roupagem “ética” da liga dos “super-amigos”, dos salvadores do caos estabelecido pelo Estado democrático de direito, para ajudar com as sobras dos seus lucros as deficiências e a carências estatais nas diversas áreas públicas, com um discurso que procura minorar a miséria,[1] sem solucionar os problemas das nossas mazelas, mas oferecer um paliativo.
Como Marx argumentava em seus “manuscritos econômico-filosóficos: “A existência do trabalhador é, portanto, reduzida à condição de existência de qualquer outra mercadoria. O Trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interesse por ele. E a procura, da qual a vida do trabalhador depende, depende do capricho do rico e capitalista” (Marx, 2004, 24).
Será que não é isso esse novo paliativo – chamado de responsabilidade social – um capricho que depende do interesse do rico e capitalista que pensa o social com suas carências e ineficiências que precisam ser minoradas? Ou será a responsabilidade social a mais nova privatização das nossas relações?
Não sei! Mas sei que precisamos pensar sobre essa nova roupa usada, comercializada e consumida por todas as empresas e debatidas na universidade sobre o crivo da razão e dos sentidos – que investiga, por meio da pesquisa e do debate aberto e público as novas nuances da nossa vida cotidiana.

Daner Hornich – Mestre em Filosofia (PUC-SP) e professor

Bibliografia
Marx, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução Jesus Ranieri. São Paulo:
Boitempo editorial, 2004.
Ribeiro, Renato Janine. “A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no
Brasil”. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.
[1] Sobre esse assunto ler: Ribeiro, Renato Janine. “A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil”. São Paulo: Companhia da Letras, 2000, pp. 19 – 24.

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