Sunday, December 30, 2007

Visões de risco para a democracia

Saiu na Folha de São Paulo

São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2007


Sem Benazir, militares devem reforçar ligações com radicais
AZIZ HUQ

A morte de uma importante líder oposicionista facilitará a Pervez Musharraf a criação de uma coalizão parlamentar que aja de acordo com seus desejos, se forem realizadas as eleições previstas para janeiro. E também torna mais distante a possibilidade de eleições que não sejam manipuladas, e de líderes que respondam ao povo, e não aos seus comandantes uniformizados. Além disso, agora é ainda mais difícil que os militares paquistaneses abandonem seu relacionamento simbiótico com a linha dura religiosa, nas urnas e nas ruas.
Minha aspiração e esperança de democracia no Paquistão não é um sonho romântico. Em lugar disso, a democracia paquistanesa representa a melhor esperança de redimir o desastre que o Paquistão veio a se tornar para a política de segurança nacional dos EUA.
Não deveria escapar à atenção de ninguém que Musharraf até o momento vem dependendo abertamente do Jamiat Ulema-e-Islam (JUI), um partido religioso favorável ao Taleban, especialmente na Província do Baluquistão. Muitas reportagens consistentes e plausíveis identificaram a região como o local de refúgio de líderes importantes da Al Qaeda, a exemplo de Osama bin Laden, que podem confiar no apoio de líderes tribais e religiosos simpáticos à sua causa.
Musharraf depende, para sua sobrevivência política, de facções políticas no mínimo simpáticas ao maior inimigo dos Estados Unidos, e possivelmente culpadas de cumplicidade com o terrorismo. Em meio ao lodaçal da política interna paquistanesa, o amigo de nosso amigo pode bem ser nosso inimigo. Bush vem apoiando um líder militar que, embora alegue ter contido os religiosos militantes, depende dele para seu sucesso nas urnas.

Espiões e Al Qaeda
Sem democracia, porém, não existe a mais remota possibilidade de romper esse elo fatal e de remover o refúgio da liderança da Al Qaeda. Sem democracia, há escassas chances de que os líderes tribais e religiosos que oferecem proteção estratégica ao Taleban sejam conquistados como aliados.
Sem democracia, não há chance de uma reforma das madrassas, que não só formam "mártires" para a Caxemira e o Afeganistão como ajudam e reconfortam o pequeno número de muçulmanos ocidentais que desejam justificar a violência.
Um agravante é a incompetência americana. Como no Iraque, bilhões de dólares em assistência foram desperdiçados por incompetência e descuido, e por isso o Exército paquistanês continua incapaz ou pouco disposto a invadir as áreas de refúgio do Taleban.
Pior, não existe plano alternativo em vista. Sob a tutela dos EUA, os militares paquistaneses engordaram e se tornaram ainda mais toscos.
A política do governo Bush para o Paquistão constitui, em resumo, um desastre. Como de hábito, a Casa Branca presumiu que força militar -no caso exercida por um Estado vassalo- seria capaz de restringir o terrorismo.
Como de hábito, os líderes americanos fracassaram em compreender relacionamentos complexos, no caso o elo entre a ISI [agência de espionagem paquistanesa] e a Al Qaeda, que remonta à guerra soviética do Afeganistão, e a maneira pela qual a corrupção e a inclinação cada vez maior a uma política de base religiosa conduzem mais e mais pessoas a aderir à ideologia maniqueísta de nossos inimigos.

Estados falidos
A política do governo americano para o Paquistão é pior que um desastre. Ela está fomentando a erosão do limitado sucesso conquistado no Afeganistão. Está alimentando a propaganda de que os EUA apóiam tiranos. E está impedindo a realização do objetivo de longo prazo: um Paquistão que não sirva de refúgio a terroristas ou campo de treinamento para recrutas do Ocidente.
A morte de Benazir Bhutto prova que o governo Bush se colocou em uma situação sem saída. Além da repetição cruel da trágica história paquistanesa, a morte de Benazir deveria servir como marco das dimensões do fracasso do governo Bush na região.
Porque, em 12 de setembro de 2001, existia um Estado falido, o Afeganistão, que poderia servir de refúgio a terroristas.
Agora, as políticas do governo americano criaram dois novos Estados em falência, que não só podem como provavelmente vão sustentar atividades terroristas no futuro.
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Tradução de PAULO MIGLIACCI

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft3012200703.htm

Comentário: Visões de risco para a democracia num mundo mergulhado em posições e tendências totalitárias, radicais e fundamentalistas.

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