Monday, March 28, 2016

Xadrez em tempos de impasse na novela do golpe

Xadrez em tempos de impasse na novela do golpe

Não tem saída fora da negociação política. Sem acordo, ninguém leva, todos perdem e o país incendeia. O comentário é de Luis Nassif, jornalista, publicado por Jornal GGN, 27-03-2016.
Eis a análise.
Elemento 1 - O jogo político empatou.
As últimas manifestações populares, de juristas, intelectuais, a favor de Dilma Rousseff indicam um empate do jogo. Sem acordo, ninguém leva, todos perdem e o país incendeia.
As arbitrariedades da Lava Jato, a sucessão de álibis para derrubar Dilma, consolidaram em parte relevante do país a percepção de que qualquer saída que implique em derrubada de Dilma ou humilhação de Lula será vista como golpe.
A ideia de "acabar com aquela raça" (apud Jorge Bornhausen) significaria alijar 30% da população do jogo político. É factível? Evidente que não.
Por outro lado, a derrubada do impeachment não será suficiente para garantir governabilidade a Dilma, com baixa credibilidade e submetida às suas próprias limitações e à uma oposição ensandecida que continua querendo ver o país pegar fogo.
Elemento 2 – mesmo que a Câmara vote o impeachment, a presunção da legalidade virou pó.
Houve uma orquestração nítida entre a parte operacional da conspiração – o consórcio mídia-Lava Jato - com a parte institucional – CongressoTSE (Tribunal Superior Eleitoral) e TCU (Tribunal de Contas da União).
No início deste ano, o consórcio mídia-Lava Jato planejou uma blitzkrieg estimulando movimentos de massa que desmontassem as defesas do governo, permitindo que o braço institucional da conspiração liquidasse a fatura no Congresso ou no TSE, com algo similar ao Fiat Elba.
A pressa em deixar o campo preparado para o fim do recesso fez a Lava Jato precipitar-se, atropelar procedimentos e expor seu lado político.
Foi uma série de trapalhadas:
1. O avanço sobre a lavanderia Mossak Fonseca, que obrigou os bravos, intimoratos, corajosos e isentos procuradores e policiais federais baterem em retirada humilhante, quando no fim do túnel encontraram indícios contra a família Marinho.
2. Os factoides desmoralizantes no sitio de Atibaia, como manchetes sobre pedalinhos, barcos de alumínio.
3. Finalmente quando decidiram promover o ápice da comoção popular, para acelerar a agenda policial, com a condução coercitiva de Lula e o vazamento dos grampos.
Ali rompeu-se o pacto que segurava a operação.
As arbitrariedades despertaram, finalmente, a consciência jurídica e a reação contra o golpe. Inspiraram não apenas grandes manifestações de rua, mas manifestos de juristas e críticas de Ministros do STF, como Marco Aurélio de Melloe Teori Zavascki.
No âmbito do Ministério Público Federal, figuras referenciais, como o ex-Procurador Geral Cláudio Fontelles, romperam a blindagem corporativa criticando os abusos.
Em seguida foi a vez do novo Ministro da Justiça Eugênio Aragão, criticar os vazamentos. Aragão é subprocurador, e sempre teve posição crítica em relação aos abusos e excesso de protagonismo de procuradores imaturos.
Provavelmente houve uma tentativa do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de chamar os procuradores daLava Jato à razão, conversando. Mas, àquela altura, o excesso de visibilidade tinha criado semideuses ou semimonstros de vaidade (ou protagonistas do BBB, segundo Aragão) que só respondiam à turba. Provavelmente foi o que obrigouJanot a uma nota duríssima para trazê-los de volta ao mundo dos mortais.
A nota de Janot e a postura extraordinária de Teori deverão direcionar as operações para o âmbito da legalidade, reduzindo as manipulações políticas e o sensacionalismo midiático.
Depois que Teori Zavaski acabou com a Operação Pilatos do STF, haverá grande probabilidade de impugnar qualquer votação de impeachment que não contemple as hipóteses previstas na Constituição.
Elemento 3 - a crise econômica pode se converter em crise financeira.
Estamos alertando há algum tempo para o buraco negro do próximo semestre. Além do avanço do desemprego, começa o vencimento de financiamentos externos e haverá uma inadimplência circular. No auge da bonança, empresas tomaram empréstimo a prime + 3%. Hoje, na melhor das hipóteses, está em prime + 10%. Há urgência para uma operação
Elemento 4 – dúvidas sobre se Michel Temer montaria no burro xucro do impeachment.
Há uma lógica no desembarque do PMDB do governo. O país está dividido. A parte do país que combate o golpe não é integrada por eleitores do PMDB, especialmente em redutos mais fisiológicos, como no Rio de Janeiro. Seus parlamentares sempre foram votados pela parte não politizada da opinião pública - que hoje forma a banda pró-impeachment.
O jogo será decidido na cúpula.
Qual seria o cenário político pós-impeachment com Temer:
1. Receberia um país conflagrado.
A radicalização política é diretamente proporcional à indignação, quando parte da opinião pública se convence de que as regras do jogo democrático não foram respeitadas. A perda de legitimidade do impeachment trará os movimentos populares para as ruas e, dependendo do nível de repressão, os empurrará para a ilegalidade. Há um risco concreto de volta ao pós-64
2. No momento em que Dilma caísse haveria uma carnificina entre os partidários do golpe.
Temer teria que administrar a divisão do botim, os favores aos grupos de mídia, as jogadas de Serra, a agenda imposta por lobbies, os cargos para os fisiológicos, sem ao menos ter a legitimidade da legalidade do golpe, sem possuir uma base sólida de apoio.
3. A guerra política pós-impeachment certamente seria alimentada com dossiês e vazamentos de operação.
A partir do momento que se permitiu a politização da Polícia Federal e do Ministério Público, abriu-se uma porta para caminhos imprevisíveis. E nenhum dos protagonistas escapa dos respingos da operação. Por outro lado, o primeiro ato dos supostos vitoriosos será reduzir as prerrogativas do MPF, da PF e da Lava Jato.`
4. No plano jurídico, Temer se converteria no coveiro da Constituição de 1988.
O grande momento de sua vida foi como um dos juristas da Constituinte. Como político, não fez nada de marcante. Com a perda da legitimidade da operação, aceitará ser o coveiro da Constituição e encarar o olhar acusador de Celso Antônio Bandeira da Mello e de outros juristas?
5. Possibilidade do impeachment ser impugnado pelo Supremo.
6. Tudo isto tendo pela frente o incêndio lavrado pela crise financeira.
Temer montaria no burro xucro?
Elemento 5 – não se sai da crise sem um novo pacto.
Supondo que o governo consiga os 171 votos na Câmara para barrar o impeachment, o que seria o dia seguinte? Uma oposição ensandecida e irresponsável botando fogo na política e na economia e um governo amarrado pelo boicote no Congresso e pela falta de ousadia na política econômica. E uma economia exigindo medidas heroicas para essa reciclagem de financiamentos, entre outros problemas expressivos.
Em algum momento, todos terão que se sentar e negociar em cima de um plano de salvação nacional. E dando uma saída para os parlamentares que dependem do voto não-ideológico.
Provavelmente a grande moeda de troca será Lula. Ou melhor, a perspectiva Lula para 2018. Obviamente, a decisão exclusiva é do próprio Lula e de sua energia para enfrentar a guerra e tentar consolidar nova maioria.
Seja quais forem os termos do acordo, é importante que o lado responsável da República comece a pensar em saídas. E que os diversos poderes comecem a recolher seus radicais, sob risco de serem atropelados pela própria tropa.

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