Sunday, December 30, 2007

Visões de risco para a democracia

Saiu na Folha de São Paulo

São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2007


Sem Benazir, militares devem reforçar ligações com radicais
AZIZ HUQ

A morte de uma importante líder oposicionista facilitará a Pervez Musharraf a criação de uma coalizão parlamentar que aja de acordo com seus desejos, se forem realizadas as eleições previstas para janeiro. E também torna mais distante a possibilidade de eleições que não sejam manipuladas, e de líderes que respondam ao povo, e não aos seus comandantes uniformizados. Além disso, agora é ainda mais difícil que os militares paquistaneses abandonem seu relacionamento simbiótico com a linha dura religiosa, nas urnas e nas ruas.
Minha aspiração e esperança de democracia no Paquistão não é um sonho romântico. Em lugar disso, a democracia paquistanesa representa a melhor esperança de redimir o desastre que o Paquistão veio a se tornar para a política de segurança nacional dos EUA.
Não deveria escapar à atenção de ninguém que Musharraf até o momento vem dependendo abertamente do Jamiat Ulema-e-Islam (JUI), um partido religioso favorável ao Taleban, especialmente na Província do Baluquistão. Muitas reportagens consistentes e plausíveis identificaram a região como o local de refúgio de líderes importantes da Al Qaeda, a exemplo de Osama bin Laden, que podem confiar no apoio de líderes tribais e religiosos simpáticos à sua causa.
Musharraf depende, para sua sobrevivência política, de facções políticas no mínimo simpáticas ao maior inimigo dos Estados Unidos, e possivelmente culpadas de cumplicidade com o terrorismo. Em meio ao lodaçal da política interna paquistanesa, o amigo de nosso amigo pode bem ser nosso inimigo. Bush vem apoiando um líder militar que, embora alegue ter contido os religiosos militantes, depende dele para seu sucesso nas urnas.

Espiões e Al Qaeda
Sem democracia, porém, não existe a mais remota possibilidade de romper esse elo fatal e de remover o refúgio da liderança da Al Qaeda. Sem democracia, há escassas chances de que os líderes tribais e religiosos que oferecem proteção estratégica ao Taleban sejam conquistados como aliados.
Sem democracia, não há chance de uma reforma das madrassas, que não só formam "mártires" para a Caxemira e o Afeganistão como ajudam e reconfortam o pequeno número de muçulmanos ocidentais que desejam justificar a violência.
Um agravante é a incompetência americana. Como no Iraque, bilhões de dólares em assistência foram desperdiçados por incompetência e descuido, e por isso o Exército paquistanês continua incapaz ou pouco disposto a invadir as áreas de refúgio do Taleban.
Pior, não existe plano alternativo em vista. Sob a tutela dos EUA, os militares paquistaneses engordaram e se tornaram ainda mais toscos.
A política do governo Bush para o Paquistão constitui, em resumo, um desastre. Como de hábito, a Casa Branca presumiu que força militar -no caso exercida por um Estado vassalo- seria capaz de restringir o terrorismo.
Como de hábito, os líderes americanos fracassaram em compreender relacionamentos complexos, no caso o elo entre a ISI [agência de espionagem paquistanesa] e a Al Qaeda, que remonta à guerra soviética do Afeganistão, e a maneira pela qual a corrupção e a inclinação cada vez maior a uma política de base religiosa conduzem mais e mais pessoas a aderir à ideologia maniqueísta de nossos inimigos.

Estados falidos
A política do governo americano para o Paquistão é pior que um desastre. Ela está fomentando a erosão do limitado sucesso conquistado no Afeganistão. Está alimentando a propaganda de que os EUA apóiam tiranos. E está impedindo a realização do objetivo de longo prazo: um Paquistão que não sirva de refúgio a terroristas ou campo de treinamento para recrutas do Ocidente.
A morte de Benazir Bhutto prova que o governo Bush se colocou em uma situação sem saída. Além da repetição cruel da trágica história paquistanesa, a morte de Benazir deveria servir como marco das dimensões do fracasso do governo Bush na região.
Porque, em 12 de setembro de 2001, existia um Estado falido, o Afeganistão, que poderia servir de refúgio a terroristas.
Agora, as políticas do governo americano criaram dois novos Estados em falência, que não só podem como provavelmente vão sustentar atividades terroristas no futuro.
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Tradução de PAULO MIGLIACCI

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft3012200703.htm

Comentário: Visões de risco para a democracia num mundo mergulhado em posições e tendências totalitárias, radicais e fundamentalistas.

Mobilização social fortalece democracia na América Latina

Saiu na folha de São Paulo
São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2007



ENTREVISTA / JOSÉ MAURÍCIO DOMINGUES

Mobilização social fortalece democracia na América Latina
Para pesquisador, região ingressa na "terceira fase da modernidade" com instituições mais fortes, mas economia ainda atrasada

DOIS MOVIMENTOS caracterizam os últimos 25 anos da América Latina: de um lado, o processo de institucionalização das democracias avançou e há hoje uma forte pressão para a inclusão social, política e econômica de setores secularmente alijados; de outro, o subcontinente tem cada vez menos peso na economia mundial, permanecendo no papel secundário de exportador de commodities. Esta é, em síntese, a análise do sociólogo José Maurício Domingues.

MARCELO BERABA
DA SUCURSAL DO RIO

Professor e diretor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), Domingues é autor do recém-lançado "Aproximações à América Latina - Desafios contemporâneos" (Civilização Brasileira).
Na sua opinião, a reversão do quadro de sócio periférico da economia globalizada terá de contemplar um forte investimento integrado dos principais países da região, encabeçados pelo Brasil, em ciência e tecnologia. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que ele deu à Folha, na sede do Iuperj, no bairro carioca de Botafogo.


FOLHA - A democracia está consolidada na América Latina?
JOSÉ MAURÍCIO DOMINGUES - Ela não está consolidada inteiramente em lugar nenhum do mundo, haja vista a situação americana, com Bush vetando a proibição de tortura. Democracia é sempre frágil e tem de ser conquistada todos os dias por uma cidadania minimamente mobilizada. Mas acho que nos últimos 25 anos ela fez avanços muito significativos na América Latina.
Os sujeitos sociais, coletiva e individualmente, são hoje mais livres, mobilizados e comprometidos com a democracia do que jamais foram no passado.
A tendência é uma mobilização cidadã ao lado do processo de institucionalização da democracia.
FOLHA - No livro o senhor se refere a uma terceira fase da modernidade na América Latina. Como a caracteriza?
DOMINGUES - Esse é um processo global. A primeira fase da modernidade é liberal restrita, começa no final do século 18 e se estende pelo século 19. Na segunda fase, no período dos anos 1930 ao final dos anos 1990, o Estado vai ter uma maior presença. A terceira fase se caracteriza por uma revolução científica e tecnológica muito forte, por uma pluralização das identidades sociais e por uma modificação nas formas do Estado.
Isso implica uma maior complexidade social e a tendência a uma utilização cada vez mais ampla dos mecanismos de rede.
A América Latina se moderniza muito, nessa terceira fase, sob o ponto de vista social e político, mas economicamente não. O modelo neoliberal foi uma resposta à crise dos anos 1970. Na América Latina isso resultou no sepultamento definitivo do nacional-desenvolvimentismo e na abertura generalizada dos mercados.
Nós somos hoje grandes exportadores de commodities como soja, carne, aço, minério de ferro, e é em cima disso que estamos montados nesta retomada do desenvolvimento econômico, entre aspas, na onda do crescimento da economia mundial.
FOLHA - O que há de comum nos processos em curso na Venezuela e na Bolívia?
DOMINGUES - São processos políticos absolutamente distintos. O processo boliviano é basicamente popular e democrático. Em nenhum momento o governo ou o MAS (Movimento ao Socialismo) propõem construir o socialismo na Bolívia. Alguns inclusive falam em capitalismo andino. É um processo de democratização, de integração das populações indígenas a um Estado que sempre foi controlado pelas oligarquias. É um movimento que vem do final dos anos 1980, que pela primeira vez vê surgir o indígena como ator político autônomo e que vai desaguar na ascensão do Evo Morales ao poder com a idéia de refundar o Estado boliviano de uma forma democrática e integradora, utilizando os recursos naturais para conseguir algum desenvolvimento.
Já o caso venezuelano não tem nada a ver com isso. A Venezuela era um sistema político liberal cuja força residia nas clientelas que a oligarquia podia construir através do petróleo abundante. Só que é um sistema que apodreceu por dentro, sobretudo pelo acordo entre os principais partidos pelo qual, não importava quem ganhasse as eleições, todos continuavam no poder e com a população marginalizada.
Isso gerou insatisfação social, que não levou a uma organização popular, mas a uma rebelião crescente dentro das Forças Armadas.
Neste sentido, Hugo Chávez emerge numa situação política quase de terra arrasada. Ele surge como uma liderança cesarista que catalisa determinadas demandas da sociedade em função da sua figura pessoal e de suas bases nas Forças Armadas. Isso abriu a possibilidade de mobilizações populares, mas gerou resistência em setores da oligarquia que estavam acostumados a mandar sem contestação.
FOLHA - É uma democracia frágil?
DOMINGUES - O problema é que também Chávez tem tendências antidemocráticas. Espero que a derrota no referendo arrefeça seus ânimos de concentração de poder e que a oposição também aprenda que pode ganhar eleitoralmente, porque é uma oposição extremamente golpista. Agora se chegou a um certo empate político, o que talvez abra a possibilidade de consolidação institucional da democracia na Venezuela.
FOLHA - O processo na Bolívia pode chegar à separação?
DOMINGUES - Tem setores em Santa Cruz e outras províncias ricas que gostariam de se separar do país. Mas acho que não vai chegar a isso. Primeiro, Morales terá de recuar de alguma maneira e renegociar o pacto. O Exército já disse que não aceita a separação. Os presidentes da América Latina deixaram claro que tampouco a aceitam.
Você não cria um país sem reconhecimento internacional, sem que as Forças Armadas sejam coniventes e sem que negocie muito largamente dentro do próprio país, a não ser que parta para a guerra civil. Acho que isso não vai ocorrer, embora haja tensões nesta direção. Eles vão ter de renegociar o pacto.
Não vai ser exatamente o que Morales e o MAS querem, mas também não será o que querem Santa Cruz e aliados.
FOLHA - É nítido o esforço do Brasil de construir um processo de integração na América Latina. O que impede a aceleração desta integração?
DOMINGUES - Um dos problemas básicos tem a ver com a nossa posição subordinada à divisão internacional do trabalho. Outro dificuldade é a pouca integração física. Nosso desenvolvimento científico e tecnológico é muito baixo, o Brasil de longe excede os outros países latino-americanos. E há complicações do ponto de vista econômico, embora o Brasil tenha muito mais a ganhar do que a perder, porque é hoje uma plataforma de exportação de grandes corporações para o restante da América do Sul.
Fala-se muito na integração física, importante, na integração dos mercados, decisiva, mas o desenvolvimento científico-tecnológico é um eixo fundamental para se levar à frente essa integração, capacitando os nossos vizinhos até para que a gente possa ter mais complementaridade com eles.
FOLHA - Ao tomar posse, a nova presidente da Argentina, Cristina Kirchner, atacou os Estados Unidos. Vários países têm relações tensas com Washington. Como analisa essa relação?
DOMINGUES - A Argentina sempre teve uma relação difícil com os Estados Unidos. O período do Menem [Carlos Menem, presidente entre 1989 a 1999] é uma exceção. Vários países da América Latina em vários momentos tiveram períodos tensos com os Estados Unidos. Antigamente, eles viam a região como uma extensão natural do seu poder.
O período do Bush [George W., presidente dos EUA) é um período de muito pouca preocupação com a América Latina.
Eles deram umas pancadas no Chávez, reclamaram um pouco do Kirchner, afagaram um pouco o Lula porque parecia mais moderado, mas deram muito pouca importância ao subcontinente. Perderam a discussão da Alca e tentaram comer pelas beiradas com os tratados de livre comércio.
Acho que isso vai mudar muito se for confirmada a ascensão dos democratas no próximo ano. Se isso acontecer, nós vamos ter certamente uma mudança de posição e um interesse muito maior pela América Latina, como os democratas sempre demonstraram.
FOLHA - Isso é bom ou ruim?
DOMINGUES - Isso significa uma situação muito mais complexa, porque eles vão querer nos trazer de volta para a sua órbita de influência com muito mais flexibilidade, oferecendo alguma coisa, mas por outro lado nos amarrando mais. Os Estados Unidos perderam de fato influência na América Latina nos últimos seis, sete anos, mas a tendência é que, se o governo democrata realmente emergir, nós tenhamos relações mais sutis e mais complexas.
FOLHA - E a Argentina?
DOMINGUES - A Argentina é o país mais importante da América do Sul para o Brasil. É o nosso parceiro fundamental e a integração está avançando, apesar de todos os problemas do Mercosul.
A criação agora pela Cristina Kirchner do Ministério da Ciência e Tecnologia vai aumentar a integração científica. A América Latina tem cada vez menos peso na economia mundial. Só vamos conseguir reverter a situação se dermos um salto científico-tecnológico.
FOLHA - O Chávez alardeia o perigo de invasão dos Estados Unidos. Ele corre esse risco?
DOMINGUES - Não, eu não acredito que os Estados Unidos vão invadir a Venezuela ou vão bombardeá-la. Mas a região de fronteira com a Colômbia é uma região complicada. Os EUA têm muitas bases militares, ajudam muito militarmente a Colômbia, é uma zona potencial de conflitos se houver interesse dos EUA em desestabilizar o governo Chávez.
Mas não acredito que o problema seja esse. Nem acredito que o Chávez esteja se armando muito. Os Exércitos da América Latina estão destruídos há 20, 30 anos, com exceção do Chile, que tem o Exército mais bem equipado de toda a América latina. Não creio que haja um ambiente de tensão militar na América Latina nem de corrida armamentista.
O Chávez utiliza muito essa retórica [da invasão americana] para tentar mobilizar um sentimento nacional em torno da figura dele e em torno das Forças Armadas, que são o pilar de seu poder na Venezuela.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft3012200714.htm

Comentário: Uma entrevista para ser analisada e pontuada dentro do espaço público e democrático - devemos concordar que o investimento em ciência e tecnologia é ponto chave para alavancar o desenvolvimento político, social e econômico na America Latina – Será que o Brasil vai despertar para essa perspectiva?

CIRCO NA AMERICA LATINA

La anécdota sólo se conoce superficialmente. Las narcoguerrillas comunistas de las FARC, de acuerdo con Hugo Chávez, montaron un gran circo mediático para liberar a tres inocentes cautivos secuestrados en las selvas colombianas desde hace varios años. Pensaban acaparar los titulares de medio mundo, pero otros terroristas más oportunos, aunque igualmente siniestros, les aguaron la fiesta con el asesinato de Benazir Bhutto en Pakistán. La publicidad, pues, será mucho menor. En todo caso, ¿qué objetivos perseguían los protagonistas de este espectáculo obsceno, basado en explotar los sufrimientos de las víctimas y de sus familiares colombianos? Comencemos por Hugo Chávez.

El venezolano buscaba proyectar su imagen y consolidar su condición de líder de una zona de influencia. Forma parte de su psicopatía narcisista, pero también de su estrategia. Planteó la operación como un triunfo político colectivo. Era una oportunidad para presentarse a la cabeza de un conjunto de países a los que se propone vincular a sus delirantes planes de constituir un bloque político internacional dedicado a hostilizar a Occidente. Así que, rápidamente, les pidió a sus aliados que designaran a personas de cierto rango que demostraran su poder de convocatoria. Chávez, como todos los capos, cobra con intereses los recursos que entrega. Sus obligados deudores, en algunos casos, son los agradecidos receptores de esos maletines electorales llenos de petrodólares que circulan como cometas por toda la zona.

Argentina envió al ex presidente Néstor Kirchner y al canciller Jorge Taiana; Cuba, a Germán Sánchez, embajador en Caracas, conocido por los venezolanos como el Virrey, un hábil y endurecido representante de los servicios cubanos de inteligencia; Ecuador escogió a Gustavo Larrea, ex ministro del Interior; Brasil, a Marco Aurelio García, un hombre muy cercano a Lula y a Castro; y Bolivia, al viceministro Sacha Llorenti. Junto a ellos, despistado, viajaría el embajador francés Hadelin de la Tour-du-Pin, a quien probablemente le divierte esta pintoresca excursión por el trópico, tal vez convencido de ser el bondadoso agente de un acto caritativo, o un personaje secundario en una novela de García Márquez.

Para las FARC, la liberación de las dos mujeres y del niño nacido en cautiverio conlleva seis objetivos:
* Demostrar flexibilidad y mejorar su incómoda imagen de asesinos y narcotraficantes.
* Obligar al odiado Gobierno de Uribe a reconocerles cierta legitimidad.
* La admisión, aunque sea provisional, de “zonas de despeje”.
* La introducción en el conflicto de factores internacionales que les son favorables.
* Respaldar y complacer a Hugo Chávez, el más valioso de sus cómplices.
* Y, acaso, dar un paso hacia la táctica que les propone el venezolano: respaldar a un candidato afín en las elecciones del 2010, como ya apuntó recientemente Raúl Reyes, la cabeza política de las FARC. Prepararse, en suma, para lograr en las urnas lo que no han conseguido con cuatro décadas de violencia. Tras esa hipotética victoria seguiría el acostumbrado guión: una nueva Constitución y la progresiva y total desarticulación de los mecanismos democráticos republicanos.

Lo que nadie puede explicarse es qué hace un personaje como Nicolás Sarkozy en un barrio tan peligroso y en compañía tan poco recomendable. De Sarkozy, presidente de Francia, uno esperaría una conducta más seria. Debe saber que el Consejo de la Unión Europea, con muy buenas razones, ha declarado terroristas a las FARC, una nutrida banda integrada por miles de personas dedicadas a la extorsión, el narcotráfico, los secuestros y los asesinatos, cuyo declarado objetivo, lo que constituye un serio agravante, es crear un manicomio colectivista de corte soviético cuando consiga ocupar el Palacio de Nariño. ¿Dónde está la coherencia de una diplomacia que hace pocas semanas advertía sobre la peligrosidad de Irán y hoy se interna en la selva colombiana de la mano del gran aliado de Ahmadinejad en el mundo? ¿Cómo es posible que la misma Francia que en Europa contribuye leal y eficazmente a la persecución de ETA, en América Latina caiga en la ingenuidad de bailar al son que tocan los narcoterroristas colombianos?

Uno, claro, se alegra por la liberación de los rehenes y por sus familiares, pero sin olvidar ni un momento que esta operación montada por Chávez y por las FARC no está dirigida a fomentar la paz en Colombia, sino a debilitar aún más la precaria estabilidad del Gobierno legítimo de Uribe, y a contribuir a la demolición de la frágil democracia que, no se sabe cómo, subsiste en el torturado país. Uno, que conoce la fauna de la región y no se hace ilusiones, también puede entender el comportamiento irresponsable de Brasil, Argentina, Ecuador y Bolivia (ignoro por qué no invitaron a Daniel Ortega al aquelarre), pero Francia debe ser mucho más que una desordenada y caótica República gobernada con la punta de una banana. Francia debería ser otra cosa.

www.firmaspress.com
Fontes: http://www.2001.com.ve/articulo_opinion.asp?registro=1637

Comentário: Balelas na America Latina com pequenas histórias “anti-democráticas”.

Sunday, December 23, 2007

o nascimento do bom gosto em todas as coisas da vida

Uma pequena lembrança de Diderot para os nossos tempos; “A instrução adoça os caracteres, aclara sobre os deveres, sutiliza os vícios, os sufoca ou vela, inspira o amor à ordem, à justiça e às virtudes, e acelera o nascimento do bom gosto em todas as coisas da vida” (Diderot, 2000, 264).

Em tempos de fanatismo econômico, religioso e político

Em tempos de fanatismo econômico, religioso e político podemos recordar a argumentação da Viviane Forrester em seu livro “Uma estranha ditadura” – “As empresas mais lucrativas demitem na base da queda de braço; seus lideres têm uma propensão irresistível a diminuir os custos do trabalho. Por que investir no emprego? Demitir é mais vantajoso. Nós vimos, a Bolsa adora. E o que ela adora é lei”. (FORRESTER, 2001, 30)

Vivemos em tempos de Jean Calas

Saiu na folha de São Paulo
São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007


Outro caso de tortura é investigado em Bauru
Construtor denunciou em março que policiais civis da cidade o torturaram com choque por suspeitar que ele fosse seqüestrador
Cidade é a mesma onde jovem morreu no último sábado, após levar choques de policiais militares; caso está no Ministério Público
TALITA BEDINELLI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BAURU

Antes de o garoto Carlos Rodrigues Júnior, 15, morrer torturado com choques após ser abordado por policiais militares, um outro morador de Bauru (343 km de SP) já havia denunciado abusos similares por parte da outra polícia, a Civil.
O construtor civil André Luiz Araújo Costa, 37, registrou um boletim de ocorrência na Corregedoria da Polícia Civil dizendo ter sido vítima de agressões e choques por todo o corpo por seis horas em 29 de março.
A Secretaria da Segurança Pública disse que a corregedoria abriu inquérito para investigar o caso, que foi enviado em agosto ao Ministério Público Estadual. Procurado ontem à noite, o Ministério Público afirmou não ter como levantar informações àquela hora.
A reportagem achou Costa. Ele disse que policiais à paisana o abordaram em casa dizendo que precisavam reparar uma válvula. Ele afirma ter sido posto em um Fiesta prata, ter tido um capuz colocado na cabeça e ter sido levado a um local que, descobriu depois, ser a sede do Deinter-4 (Departamento de Polícia Judiciária do Interior).

Seqüestro
O construtor disse que os policiais repetiam que ele tinha envolvimento em um seqüestro cujo cativeiro foi em uma chácara onde trabalhou. "Eles me sufocaram, colocaram um saco preto na minha cabeça e falaram que eu tinha matado uma criança, tinha seqüestrado", afirmou.
"Depois, eles me deram chutes, socos e pegaram o que parecia jornal enrolado, molharam e bateram no meu corpo. Aí, pegaram uma máquina de dar choques e deram no meu pescoço, atrás da orelha, na palma da mão, sob a unha, na sola do pé e na virilha."
Segundo Costa, os policiais ainda o ameaçaram e disseram que entrariam na casa dele à noite se ele contasse para alguém o que tinha acontecido. "Eles diziam que, se me matassem, não tinha problema porque ninguém tinha me visto sair de casa com eles."
O construtor civil disse que contou o que aconteceu no dia seguinte a um amigo, o investigador particular Luiz Castro.
Castro, 47, afirmou ontem que, depois, também levou socos e pontapés de policiais.
À Folha ele disse que os policiais tinham um mandado judicial para revistar a residência. Ele diz que os policiais descobriram o fato porque o telefone de Costa estava grampeado.
Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2012200710.htm

Comentário: Vivemos em tempos de Jean Calas, isto é, em tempos de intolerância, injustiça, impunidade e truculência policial.

D. Aloísio uma personalidade que marcou a sua vida na defesa dos mais pobres.

D. Aloísio uma personalidade que marcou a sua vida na defesa dos mais pobres.
Saiu no Terra.

Domingo, 23 de dezembro de 2007, 09h18 Atualizada às 11h14

D. Aloísio Lorscheider morre no RS
O arcebispo emérito de Aparecida, em São Paulo, cardeal d. Aloísio Lorscheider, morreu às 5h30 deste domingo, no hospital São Francisco, em Porto Alegre (RS), por falência múltipla dos órgãos.
» Saiba mais sobre d. Aloísio Lorscheider
» Mande uma mensagem de condolência
Aos 83 anos, ele foi internado no início de dezembro devido a uma retenção de líquidos no corpo. No dia 12, ele sofreu uma convulsão de origem cardíaca e foi transferido para a UTI, onde ficou em coma induzido.
O arcebispo, nascido na cidade gaúcha de Estrela, já tinha sido internado outras três vezes em 2007.
Seu corpo será velado na Catedral de Porto Alegre e o sepultamento será no Convento de Daltro Filho, a 130 km da capital gaúcha. O dia e o horário do sepultamento ainda não foram definidos.
Presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cargo que exerceu por dois mandatos, de 1971 a 1978, d. Aloísio foi nomeado pelo papa João Paulo II como arcebispo de Aparecida em 1995.
Ele renunciou ao posto em janeiro de 2004, passando em seguida a ocupar a posição de arcebispo emérito da arquidiocese.
A arquidiocese de Aparecida recebeu em 2007 a 5ª Conferência Geral dos Bispos da América Latina e do Caribe, que contou com presença do papa Bento XVI.
O papa foi responsável pela missa de abertura da conferência, celebrada no pátio do Santuário Nacional de Aparecida diante de 500 mil fiéis.
"Rogo a todos que conheceram d. Aloísio e se beneficiaram de seu ministério, para que peçam a Deus, por intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, de quem foi grande devoto, de São José e de São Francisco, que o atraiu à vida religiosa franciscana, que receba na sua glória, o querido irmão, que O amou e O serviu fielmente durante toda vida", afirmou em comunicado d. Raymundo Damasceno Assis, arcebispo de Aparecida.
Confira o boletim médico na íntegra:
"Faleceu, na madrugada deste domingo, 23 de dezembro, o arcebispo emérito de Aparecida (SP), d. Aloísio Lorscheider. A morte ocorreu às 5h20, no Hospital São Francisco - unidade de cardiologia do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre -, em função do falecimento de múltiplos órgãos.
D. Aloísio deu entrada no hospital em 28 de novembro devido à insuficiência cardíaca, que já apresentava havia meses. O quadro se agravou no dia 11 de dezembro, quando sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e entrou em coma profundo. Esta foi a quarta internação na instituição só este ano".

Fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2173008-EI306,00.html

Comentário: D. Aloísio foi uma referência na luta pela democracia (direitos sociais e políticos) no Brasil.

Tuesday, December 04, 2007

Dúvidas sobre a aceitação de Chaves

Saiu na folha de São Paulo:

Amorim diz que Chávez foi "elegante"
Para chanceler brasileiro, aceitação da derrota foi boa para a democracia

Marco Aurélio Garcia também elogiou processo eleitoral; oposição celebrou no Senado vitória do "não" à nova Carta na Venezuela


Yuri Cortez/France Presse
Opositores de Chávez celebram em Caracas a vitória do "não"


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Planalto e o Itamaraty combinaram de falar pouco e destacar a "normalidade" do referendo constitucional em que o presidente Hugo Chávez foi derrotado, anteontem, na Venezuela. O resultado não foi uma surpresa no Brasil.
Em frases sucintas, o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) e o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, destacaram a tranqüilidade com que tanto Chávez quanto o próprio país acataram o resultado.
"Senti que tudo transcorreu normalmente. O resultado foi divulgado pacificamente e aceito pelo presidente Chávez de maneira elegante. Acho que é bom para a democracia", disse Amorim. O chanceler afirmou também esperar que o resultado do referendo facilite a aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro da adesão da Venezuela ao Mercosul.
Mas ainda é forte a resistência de senadores da oposição ao ingresso do país no bloco, assunto que precisa ser apreciado pelo plenário da Câmara.
A derrota chavista chegou a ser comemorada pelo senador José Sarney (PMDB-AP), em discurso da tribuna da Casa.
Para o líder do DEM, José Agripino, "o referendo não tem influência" na votação da adesão ao bloco. O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) preferiu dissociar o resultado da votação da futura discussão sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul. Mas reconheceu "que a derrota é um sinal de um bom nível de democracia" no país.

Normal
Numa conversa rápida, Marco Aurélio Garcia usou três vezes a palavra "normal" para definir o resultado do referendo e a reação de Chávez.
"Ocorreu tudo de uma forma muito normal. E era isso mesmo que se esperava -que quem perdesse acatasse o resultado, como fez o presidente Chávez", disse Garcia, que estava em Santiago, no Chile.
"Certamente, ele [Chávez] fará um balanço, uma reflexão, pois tem ainda cinco anos de mandato pela frente", acrescentou Garcia, avaliando que o referendo venezuelano não terá nenhuma implicação nos países vizinhos, como a Bolívia, onde governo e oposição se digladiam em torno da elaboração de uma nova Carta. "São realidades muito distintas." (JOHANNA NUBLAT)

Comentário: Tenho minhas dúvidas sobre a normalidade da aceitação do presidente Hugo Chaves sobre o referendo e nem elegante como afirma Celso Amorim – o bajulador da ordem estabelecida na Venezuela.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0412200709.htm

Wednesday, November 28, 2007

Injustiça, impunidade e violência

Injustiça, impunidade e violência é o nome desse imenso e extenso país chamado Brasil.

Saiu no Blog do Professor Roberto Romano:

Terça-feira, Novembro 27, 2007


NO BLOG PEROLAS, DE ALVARO CAPUTO, O DESTAQUE:

L., de 15 anos, apanhou da polícia de Abaetetuba em frente do porto da cidade depois que veio a público a notícia de que ela havia ficado presa com mais de 20 homens em uma cela. A acusação consta no depoimento dado pela jovem na quinta-feira a integrantes do Ministério Público Estadual do Pará.
L. conta que foi solta pela polícia no dia 8 de novembro. A polícia afirmava que ela havia fugido. No depoimento, L. afirma que foi levada por um carro da polícia ao porto de Abaetetuba e ameaçada: deveria deixar o Estado se não quisesse morrer. Seis dias depois, no dia 14, o Conselho Tutelar da cidade trouxe a público a denúncia de que ela havia sido presa em uma cela com detentos.
A polícia voltou a localizá-la no dia 16. L. tentava embarcar para Manaus. Segundo depoimento, ela apanhou antes de ser entregue aos conselheiros tutelares.

Estado

SEGUE O PREMIO GAROTINHO DE OURO PARA O GOVERNO DO PARÁ, COM IGUALDADE NA PREMIAÇÃO PARA O JUDICIÁRIO, E SOBRETUDO PARA A POLÍCIA. SE NÃO MUDAR ESTE MODUS OPERANDI, AQUELA EXTENSÃO DE TERRA DEVE SER BATIZADA COM UM NOME SIMPLES, MAS VERDADEIRO:

I N F Â M I O P O L I S !!!!!

Como dizia Robespierre no seu último discurso:


"Le temps n'est point arrivé où les hommes de bien peuvent servir impunément la patrie : les défenseurs de la liberté ne seront que des proscrits, tant que la horde des fripons dominera."


"Ainda não chegou a hora em que as pessoas de bem podem servir a pátria, impunemente: os defensores da liberdade serão proscritos enquanto dominar a horda dos salafrários!"

FRIPONS= SALAFRÁRIOS E OUTRAS COISAS MAIS.

E PENSAR QUE TAIS INDIVÍDUOS FALARAM EM ÉTICA DURANTE DÉCADAS!

Só posso repetir o Salmo seguinte, em intenção da Polícia e dos seus superiores nos três poderes, no Pará:

Salmo 109

1 ó Deus do meu louvor, não te cales;

2 pois a boca do ímpio e a boca fraudulenta se abrem contra mim; falam contra mim com uma língua mentirosa.

3 Eles me cercam com palavras de ódio, e pelejam contra mim sem causa.

4 Em paga do meu amor são meus adversários; mas eu me dedico à oração.

5 Retribuem-me o mal pelo bem, e o ódio pelo amor.

6 Põe sobre ele um ímpio, e esteja à sua direita um acusador.

7 Quando ele for julgado, saia condenado; e em pecado se lhe torne a sua oração!

8 Sejam poucos os seus dias, e outro tome o seu ofício!

9 Fiquem órfãos os seus filhos, e viúva a sua mulher!

10 Andem errantes os seus filhos, e mendiguem; esmolem longe das suas habitações assoladas.

11 O credor lance mão de tudo quanto ele tenha, e despojem-no os estranhos do fruto do seu trabalho!

12 Não haja ninguém que se compadeça dele, nem haja quem tenha pena dos seus órfãos!

13 Seja extirpada a sua posteridade; o seu nome seja apagado na geração seguinte!

14 Esteja na memória do Senhor a iniqüidade de seus pais; e não se apague o pecado de sua mãe!

15 Antes estejam sempre perante o Senhor, para que ele faça desaparecer da terra a memória deles!

16 Porquanto não se lembrou de usar de benignidade; antes perseguiu o varão aflito e o necessitado, como também o quebrantado de coração, para o matar.

17 Visto que amou a maldição, que ela lhe sobrevenha! Como não desejou a bênção, que ela se afaste dele!

18 Assim como se vestiu de maldição como dum vestido, assim penetre ela nas suas entranhas como água, e em seus ossos como azeite!

19 Seja para ele como o vestido com que ele se cobre, e como o cinto com que sempre anda cingido!

20 Seja este, da parte do Senhor, o galardão dos meus adversários, e dos que falam mal contra mim!

21 Mas tu, ó Deus, meu Senhor age em meu favor por amor do teu nome; pois que é boa a tua benignidade, livra-me;

22 pois sou pobre e necessitado, e dentro de mim está ferido o meu coração.

23 Eis que me vou como a sombra que declina; sou arrebatado como o gafanhoto.

24 Os meus joelhos estão enfraquecidos pelo jejum, e a minha carne perde a sua gordura.

25 Eu sou para eles objeto de opróbrio; ao me verem, meneiam a cabeça.

26 Ajuda-me, Senhor, Deus meu; salva-me segundo a tua benignidade.

27 Saibam que nisto está a tua mão, e que tu, Senhor, o fizeste.

28 Amaldiçoem eles, mas abençoa tu; fiquem confundidos os meus adversários; mas alegre-se o teu servo!

29 Vistam-se de ignomínia os meus acusadores, e cubram-se da sua própria vergonha como dum manto!

30 Muitas graças darei ao Senhor com a minha boca;

31 Pois ele se coloca à direita do poder, para o salvar dos que o condenam.

Fonte: http://robertounicamp.blogspot.com/ - 27/11/2007.

Daner Hornich

Sunday, November 11, 2007

Como movimentamos nossas mãos em Pindorama?

“Tudo o que o homem é; tudo de que ele é capaz e todas as representações que compõem sua cultura – tudo isso, ele o incorporou de início pelas metamorfoses. As mãos e o rosto foram os verdadeiros veículos dessa incorporação. Em comparação com o restante do corpo, sua importância cresceu cada vez mais. A vida própria das mãos, nesse sentido mais primordial, conservou-se mais puramente no gesticular” Canetti, Elias, Massa e Poder, Companhia Das Letras, 1995, 216.
Comentário: A cultura e o conhecimento do homem é a extensão das suas mãos em constante movimentação de incorporação, conservação e desenvolvimento – Como movimentamos nossas mãos em Pindorama – para incorporar, conservar e desenvolver os nossos conhecimentos, as nossas tecnologias e os nossos bons costumes sem nos corromper em atraso, roubo, violência e miséria?

Daner Hornich

Sunday, November 04, 2007

Recordações filosóficas e suas divergências e convergências de pensamentos

Recordações filosóficas e suas divergências e convergências de pensamentos

“..., devemos estabelecer antecipadamente o que buscamos atingir; depois, devemos examinar por onde podemos chegar lá mais rapidamente, e veremos, pelo caminho, desde que seja o certo, quanto avançamos a cada dia e quanto nos aproximamos do objeto para o qual nos impele um desejo natural” (Sêneca, Sobre a vida feliz, 2005, I. 1, 19).

Comentário: Quais são os verdadeiros objetivos dos políticos em Pindorama?

“Chamo servidão à humana impotência para governar e refrear as afecções. Com efeito, o homem, submetido às afecções, não é senhor de si, mas depende da fortuna, sob cujo poder ele está, de modo que é muitas vezes forçado a seguir o pior, vendo muito embora o que é melhor para si” (Espinosa, Ética, 1992, 355).

Comentário: Será que em Pindorama não sabemos governar e refrear as nossas afecções?

“As coisas boas na história são quase sempre de curta duração, mas mais tarde têm uma influência decisiva no que acontece por longos períodos de tempo. Considere como foi curto o verdadeiro período clássico na Grécia e como ainda nos nutrimos dele hoje em dia” (Arendt, Crise da Republica, 1999, 175-176).

Comentários: Em Pindorama as coisas boas são raras (é difícil identificar algo de bom) e de longa duração e de pouca influência decisiva, mas catastróficas com lições de corrupção - verdadeiros períodos clássicos em nossas terras são os da era Lula na história desse país.

Daner Hornich

Sunday, September 23, 2007

na calada da noite e nas sombras do dia

Tempos sombrios e ausência do Estado Democrático de Direito e abuso de poder e da força – (na calada da noite e nas sombras do dia) são vestígios de uma época que modela a arquitetura do nosso tempo oligárquico nas ações dos senadores, deputados e presidente do Brasil com seus ministros e assessores que arquitetam a falência dos poderes legais da Republica brasileira, como descrito nas postagens abaixo.

Daner Hornich

Vestígios da ditadura III – Responsabilidade e ditadura

EX-GOVERNADOR:

"ESTUDANTES QUERIAM CORPO MORTO PARA CAUSAR IMPACTO"
O ex-governador Paulo Egydio Martins, 79, avoca para si a responsabilidade pela operação policial que resultou na invasão, mas afirma ter negociado até o último instante com os estudantes, que não teriam concordado em encerrar o ato público. "Eu sabia que os estudantes queriam um corpo morto para criar impacto. O tempo todo evitei o conflito", afirmou ele, que comandou São Paulo, indicado pelo presidente Ernesto Geisel (1908-1996), de março de 1975 a março de 1979. "Até quando eles estavam no teatro minha orientação era para não intervir". Ele diz que o conflito começou nas ruas e que a intenção era conter a "baderna". "Não me arrependo de nada."

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2309200714.htm

Vestígios da ditadura III - DEPOIMENTO

DEPOIMENTO

Eles não levaram na esportiva
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Dia 22 de setembro, há 30 anos. Mais uma vez, estudantes realizavam ato público contra a ditadura. Esse era no campus da PUC de São Paulo e comemorava um encontro clandestino realizado naquela tarde, visando reconstruir a UNE. Na época, isso era um golaço contra o governo dos generais. Eles não levaram na esportiva.
Eram 21h50 quando, dos dois lados da rua da PUC, a tropa de choque chegou. Cavalos, golpes de cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. Gritos e medo. Gente ferida.
Os estudantes tentaram o expediente de outras manifestações: "Ouviram do Ipiranga às margens plácidas..." Até aquele 22 de setembro, era só entoar o primeiro verso do Hino Nacional e a tropa de choque, por encanto, parava de bater. Mão no peito, era uma cantoria fervorosa enquanto se estudavam as rotas possíveis de fuga. Até o indefectível "...Pátria amada, Brasil!" -e a porrada recomeçava.
Mas, naquele dia, o coronel Erasmo Dias nem isso permitiu. Ele não queria dispersar o pessoal. Queria prender todos. Queria enquadrar na LSN. Queria acabar com a rebelião.
A saída foi correr para dentro da universidade. Até aquele dia, a tropa de choque respeitava as igrejas, que eram como um pique na correria das manifestações. Natural, pois, que a PM respeitasse o território de uma universidade católica. Mas não.
A tropa de choque varreu cada palmo do prédio. Arrombando, espancando, desentocando estudantes escondidos em armários, banheiros, debaixo de mesas, trancados em salas.
Lá pelas 22h30, 854 estudantes estavam quietinhos, sentados em um estacionamento que existia na frente da PUC. Cercavam-nos os homens do choque. Erasmo Dias falava aos rendidos com um megafone. Policiais formaram um corredor polonês, pelo qual os presos foram obrigados a passar, antes de entrar em ônibus transformados em camburões coletivos. Destino: Batalhão Tobias de Aguiar, hoje sede da Rota.
Homens e mulheres ficaram em quadras separadas. Questionário, fichamento, interrogatório, fotografia, revista. "Seu pai sabe que você participa do movimento estudantil?" era uma das perguntas. Na quadra das mulheres, um cantinho foi usado para descarte de material clandestino. Formava-se uma rodinha, uma pessoa no meio. Quando o grupo se dispersava, lá ficava um livro de Trótski, outro de Lênin, um panfleto de organização clandestina, gibi do Henfil, encarte do disco do Chico Buarque.
Por volta da meia-noite, policiais de óculos ray-ban começaram a servir aos presos toddy batido e sanduichinhos de presunto e queijo. Ninguém dormiu. Parentes aflitos concentravam-se na porta do quartel em busca de notícias. De manhã, começaram a soltar os presos. Cada um que saía, recebia um abraço apertado e muitas palmas. Meu pai estava lá.


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2309200713.htm

Vestígios da ditadura II – Responsabilidade e ditadura

Saiu na Folha de São Paulo.

São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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entrevista

"Não faria nada diferente", diz Erasmo Dias
DA REPORTAGEM LOCAL
O coronel reformado Erasmo Dias, 83, diz que, se fosse preciso voltar no tempo, "não faria nada diferente":
FOLHA - Por que o senhor invadiu a PUC?
ERASMO DIAS - "Eles [os estudantes] queriam transformar a reorganização da UNE em notícia. Tinham tentado 11 vezes em São Paulo e eu, modéstia à parte, tive êxito de abortar a ação. Conseguiram na PUC. Estavam na ilegalidade e atos públicos eram proibidos. Era subversão dentro de um templo da igreja. Pedi à reitoria que interrompesse o ato. Não me obedeceram, e eu disse: vou invadir essa PUC aí.
FOLHA - O senhor foi acusado de excesso de violência.
DIAS - Só usamos gás lacrimogêneo para fazer chorar e água fria pra esfriar a cabeça: são coisas ótimas para quem está de cabeça inchada.
FOLHA - Mas algumas moças ficaram queimadas.
DIAS - Pelo menos 80% dos estudantes eram mulheres. Se havia mais homens que isso, estavam fantasiados. Mulher não sabe correr de bomba e usa calça e sutiã de lycra, que são altamente inflamáveis. Além disso os corredores da PUC são muito estreitos. Esses parâmetros tornaram a coisa quase incontrolável. Fui investigado e absolvido. O episódio terminou sem outras conseqüências.
FOLHA - Tem alguma mágoa?
DIAS - No ano seguinte, minha filha foi aprovada no vestibular de direito da PUC. Na matrícula ela foi humilhada por estudantes que descobriram de quem se tratava. Hoje, graças a Deus, é advogada formada pelo Mackenzie.
FOLHA - O senhor, se voltasse no tempo, faria diferente?
DIAS - Não faria nada diferente. Provei que o ato era um foco subversivo. Fiz a mesma coisa com bandidos.

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2309200712.htm

Vestígios da ditadura

Saiu na Folha de São Paulo

Invasão da PUC marcou a redemocratização


São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Invasão da PUC marcou a redemocratização
Há 30 anos, investida da Polícia Militar foi a última grande operação do regime militar contra o movimento estudantil

Cerca de 2.000 estudantes participavam de um ato público, quando começou a operação comandada pelo então secretário Erasmo Dias
Arquivo PUC
Estudantes realizam ato em frente ao Tuca (centro)


JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DA REPORTAGEM LOCAL

Transcorridos 30 anos da invasão da PUC de São Paulo pela polícia, pesquisadores e personagens presentes na universidade na noite de 22 de setembro de 1977 consideram o confronto dos estudantes com as forças do regime militar (1964-1985) um marco no processo de redemocratização do país.
A direção da Pontifícia Universidade Católica endossa a posição. Na semana passada, organizou exposições e debates para marcar a data. O próprio comandante da operação policial, o coronel reformado do Exército Erasmo Dias, diz que a invasão se converteu em bandeira do movimento estudantil e da sociedade contra o regime.
"Eles [os estudantes] queriam transformar a reorganização da UNE [União Nacional dos Estudantes] em notícia. Conseguiram na PUC", diz.
A investida da PM foi a última grande operação da ditadura militar contra o movimento estudantil -que tinha sido praticamente desmantelado em 1968, com a prisão de seus principais dirigentes no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna (SP).
Em 1974, o governo liquida os últimos focos de luta armada e o presidente Ernesto Geisel inicia a distensão. Desaparecem os grupos de esquerda que condenavam a opção por uma oposição institucional ao regime. Entidades da sociedade civil criticam a ditadura, e surgem movimentos em defesa da anistia e contra a carestia.
A mobilização da sociedade civil ganha corpo com a reorganização do movimento estudantil, com a criação do DCE Livre da USP em 1976 e a reconstituição da UEE em 1977.
Em 30 de março daquele ano, 5.000 estudantes da USP fazem uma marcha até o Largo de Pinheiros. Em maio, 10 mil caminham do Largo São Francisco até o Viaduto do Chá. Com o avanço das manifestações, o governo decide intervir: invade a Faculdade de Direito da USP em junho e, em seguida, a PUC.

A invasão
Por volta das 21h50 daquele dia, cerca de 2.000 estudantes participavam de um ato público em frente ao Tuca, o teatro da universidade, quando foram interrompidos por 3.000 policiais, militares e civis, apoiados por carros blindados.
A tropa lançou bombas e investiu com violência contra os estudantes, que tentaram se refugiar dentro da universidade. Os policiais arrombaram as portas das salas, prendendo e espancando professores, funcionários e alunos. Seis estudantes sofreram queimaduras.
"Há 30 anos testemunhei os atos de selvageria da invasão, com agressões físicas, gritarias de "abaixo os comunistas", xingamentos, prisões e bombas de gás. Apresentei-me como diretor da Faculdade de Ciências Sociais e recebi tapa na cara, chutes. Minha faculdade foi invadida, arquivos jogados para o ar, pichação das paredes com a sigla CCC [comando de caça aos comunistas]. Fui também preso e depois liberado", relata o professor Paulo Resende, 74.
"As cicatrizes não deixam a gente se esquecer. Eu só lembro que caí descendo uma rampa. Imediatamente, o joelho esquerdo queimou, como se eu tivesse sobre o fogo. Acho que era uma bomba. No hospital, vi que tinha queimado até chegar no osso", conta Iria Visoná, 53, à época estudante da USP.
Nos anos 90, ela e outras estudantes que sofreram queimaduras foram indenizadas após uma longa batalha jurídica.
A ação policial resultou na detenção de 854 pessoas, levadas ao Batalhão Tobias de Aguiar, das quais 92 foram fichadas no Deops (Departamento de Ordem Política e Social) e 42 acabaram sendo processadas com base na Lei de Segurança Nacional, acusadas de subversão. "Era um ato para comemorar o Encontro Nacional do Estudantes, que havíamos conseguido realizar naquele mesmo dia na PUC", lembra o professor Valdir Mengardo, 57.
Espécie de guardião da memória da invasão, o professor do departamento de teologia Jorge Claudio Ribeiro, autor do filme "Não Se Cala a Consciência de um Povo" sobre o episódio, aponta a importância que ele ganharia na luta pela redemocratização do país: "Naquele momento, a PUC estava na dianteira da luta pelo fim da ditadura, com dom Paulo Evaristo Arns [cardeal-arcebispo de São Paulo] participando ativamente dos movimentos pelos direitos humanos. Foi um ato que chocou a sociedade", diz.
A violência da operação inibiu outras do mesmo gênero -tanto assim que, em maio de 1979, dez mil estudantes participaram em Salvador do Congresso de Reconstrução da UNE, sem represália da PM. O então governador Antonio Carlos Magalhães, da Arena, cedeu o Centro de Convenções para realizar o evento.
________________________________________Colaborou a Redação
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2309200711.htm

Thursday, September 13, 2007

Camadas de falsidade

Os senadores de forma descarada e vergonhosa venderam os seus corpos e almas às “camadas de falsidade” da oligarquia brasileira, destruindo o pouco que resta da nossa república – o que dizer da nossa distorcida democracia.

Daner Hornich

Senado seu nome é uma mentira

Senado seu nome é uma mentira , como argumenta Hannah Arendt “O mentiroso que consegue enganar com quantas falsidades comuns quiser, verá que é impossível enganar com mentiras de princípios” (Crise da República, 1999, 16)

Daner Hornich

BRASIL + IMPUNIDADE = SENADO BRASILEIRO

O Senado brasileiro é um conto de fadas – um dos piores contos - o mundo perverso de Alice no país das maravilhas e das impunidades que se manifesta no poder do mando da oligarquia brasileira que vive da exploração, dos conchavos e da mentira.

Daner Hornich

Tuesday, September 11, 2007

Merendeiras dizem receber prêmio para racionar comida em escolas

Saiu na folha de São Paulo:


Merendeiras dizem receber prêmio para racionar comida em escolas
Cozinheiras afirmavam ganhar R$ 40 de empresa para misturar água em molho servido a alunos
Práticas foram relatadas por nove cozinheiras de três escolas públicas paulistanas em vistorias do Conselho de Alimentação Escolar
ALENCAR IZIDORO
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
A maçã é entregue aos alunos pela metade. Para a refeição render, pedaços de frango são esmiuçados e misturados a legumes que não estavam previstos no cardápio. No molho de tomate joga-se bastante água -ajuda a gastar menos.
As práticas foram relatadas em agosto por nove cozinheiras de três escolas municipais da zona leste de São Paulo durante vistorias promovidas por um dos órgãos oficiais de fiscalização da merenda -o CAE (Conselho de Alimentação Escolar).
O órgão, formado por pais, professores e funcionários públicos, é responsável pelo controle das verbas da merenda e prepara relatórios ao governo federal sobre os problemas -que podem levar à suspensão de repasses da União.
As merendeiras das Emeis Vital Brasil e São Francisco e do CEI Jardim Colorado disseram ao conselho ter como "prêmio de economia" um bônus mensal de R$ 40 pago pela empresa terceirizada, a Nutriplus, contratada pela Prefeitura de São Paulo para realizar os serviços em 158 unidades escolares.
"Meu filho costuma chegar em casa morrendo de fome. O lanche que eles dão é muito pouco, deve estar faltando", conta a mãe de um aluno de quatro anos da Emei Vital Brasil ouvida pela Folha na última terça -seu nome é preservado para não expor a criança.
A Nutriplus confirma a existência de um prêmio às merendeiras, mas afirma ser somente um incentivo "à qualidade do serviço como um todo", e não à economia de alimentos.
A Prefeitura de São Paulo afirma que a investigação ainda não acabou, mas que vistorias realizadas nas escolas após a formalização das acusações não constataram os problemas.
A empresa afirmou à Folha que a entrega de só metade da maçã visava facilitar a mastigação das crianças (que podiam repetir a porção) e era pedida pelas unidades. Ela é remunerada pela fruta inteira.
"Você acha que a maioria das crianças vai brincar e volta para pegar a segunda metade da maçã? Não é mais fácil, então, a prefeitura pagar por meia maçã?", questiona José Ghiotto Neto, presidente e representante dos professores no CAE.
A Nutriplus disse que mudou seus procedimentos e que, a partir do dia 5, os alunos passaram a receber as duas metades da maçã de uma só vez.
"As cozinheiras disseram que dava para economizar, em alguns casos, mais de 50%", diz José Pereira da Conceição Júnior, terapeuta e membro do CAE como representante dos pais. Apesar das deficiências, ele se diz a favor da terceirização. "O modelo é bom. O problema é a forma como os serviços estão sendo prestados."

Modelo em expansão
A terceirização da merenda -iniciada na gestão Marta Suplicy (PT) e ampliada em julho, na de Gilberto Kassab (DEM)- atinge 849 unidades (59% da rede municipal). O índice antes era de 33%. Seis empresas fazem os serviços atualmente.
Pelo modelo, as empresas ficam responsáveis não só pela compra dos produtos mas pelo preparo nas escolas e distribuição da merenda aos alunos.
Trata-se, nas palavras do secretário municipal de Gestão, Januário Montone, de retirar das diretoras a função de comandante de uma cozinha industrial para que se dediquem ao trabalho de pedagogas.
Em 2006, a merenda de toda a rede custava R$ 14 milhões por mês. Hoje, apenas com as terceirizadas, são R$ 18 milhões por mês (sem somar a comida de 41% das unidades, preparada por agentes escolares).
A gestão Kassab diz que a comparação dos custos não é válida, pois não contabiliza todas as despesas da prefeitura no modelo tradicional com a mão-de-obra e a compra de novos utensílios de cozinha por parte das terceirizadas.
Das seis empresas que atuam em São Paulo, ao menos quatro -Nutriplus, SP Alimentação, Geraldo J. Coan e Sistal- são ou foram alvo de investigações em vários pontos do país por órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público da União e dos Estados.
Foram constatados superfaturamento, suspeitas de corrupção, baixa qualidade do alimento e uso irregular de servidores públicos. As empresas negam as acusações.

Suspeita renovada
Na zona sul de São Paulo, a direção da Emei Cora Coralina questionou a pequena quantidade da comida dada às crianças pela empresa Sistal.
Reclamou, por exemplo, da inclusão de apenas metade da salsicha na refeição.
Além disso, agentes escolares eram deslocados para preparar e distribuir a merenda porque a terceirizada não dispunha de pessoal suficiente, apesar de receber pela mão-de-obra.
Procurada pela Folha, a empresa não se manifestou sobre as reclamações.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1109200724.htm (11/09/2007)
Comentário: A corrupção em seus diversos níveis revela situações repugnantes no nosso país.
Daner Hornich

Saturday, September 01, 2007

A filosofia como investigação

A filosofia como investigação

Por Waldomiro José da Silva Filho

Todos sabem que o cético duvida de tudo. E todos sabem que duvidar de tudo não tem sentido: as idéias céticas podem ser sedutoras, mas dizer que não sabemos nada, que não temos certeza de nada é algo exagerado, absurdo e auto-refutável. O ceticismo, usualmente, é tido como algo negativo, enquanto, na filosofia, freqüentemente é descrito como uma posição que deve ser desafiada, enfrentada e vencida.

Essa atitude negativa que se atribui ao filósofo cético, porém, não é mais que um aspecto incidental e parcial do ceticismo. Na verdade, tal dúvida universal é inventada por filósofos modernos. Por isso, muitos autores que lidam com a questão cética são responsáveis pela difusão de uma imagem do ceticismo que não faz plena justiça à tradição intelectual que lhe deu origem. Oswaldo Porchat, um dos mais importantes filósofos brasileiros, já disse que a filosofia moderna e contemporânea costuma recorrer a "caricatas figurações" da filosofia cética: "cada filósofo fabrica seu inimigo cético particular e atribui-lhe esdrúxulas doutrinas ad hoc forjadas de modo que melhor sejam refutadas".

Quando nos defrontamos diretamente com os escritos e as idéias dos céticos, em especial dos céticos gregos antigos que sobreviveram ao tempo, encontramos uma imagem surpreendentemente rica e interessante do ceticismo, bem como uma maneira peculiar de questionar as doutrinas filosóficas. Há, assim, uma diferença crucial entre o cético moderno e o cético antigo. O primeiro lança uma dúvida radical sobre todos os domínios do conhecimento. Lembremo-nos, por exemplo, dos cenários onde são traçados os argumentos do sonho e do gênio maligno nas Meditações de Descartes: tenho o pensamento de que estou aqui, neste momento, sentado nesta cadeira, segurando uma folha de papel, mas posso estar sonhando ou sendo enganado por um deus poderoso. Por essa razão, uma questão central da epistemologia moderna é a seguinte: já que um pensamento que eu tomo como verdadeiro pode ser falso ou ilusório, o que deve ocorrer a um pensamento para lhe conferir a qualidade de conhecimento? O cético antigo, por sua vez, não supõe que todas as nossas crenças são ou podem ser simultaneamente falsas. A postura dubitativa do cético é ainda mais radical, pois a sua questão cética central não seria "é possível conhecer?" ou "como conhecemos?", mas a pergunta mais fundamental: "temos alguma razão para acreditar?"

Pirro - que, como Sócrates, nada escreveu - é reconhecidamente o precursor de uma atitude intelectual que tempos depois da sua morte fora chamada de sképsis: o termo significa, ao pé da letra, "observação", "investigação", "exame". Aqueles que se filiavam às idéias de Pirro se designaram como skeptikoí, "aqueles que examinam", "os que investigam". Enquanto os outros filósofos (os dogmáticos) pensam ter descoberto a verdade ou sabem que a verdade não existe, o cético persiste na investigação da verdade. Diferente das "caricatas figurações", este leva às últimas conseqüências o ideal da filosofia como uma investigação racional por meio de uma argumentação rigorosa e imparcial. Aplicando vários procedimentos chamados tropos ou modos, argumenta que nenhuma das nossas crenças está plenamente justificada, imune à crítica e numa posição melhor que as posições contrárias.

Quando critica as filosofias que chama de dogmáticas, não o faz por soberba. Sexto Empírico, nas Hipotiposes pirrônicas, nossa principal fonte para o ceticismo antigo, diz o seguinte: "O cético, por amar a humanidade, quer curar pelo discurso, na medida de suas forças, a presunção e a precipitação dos dogmáticos". Além disso, o cético não pode evitar a estranheza diante da absoluta falta de acordo entre os filósofos: há um conflito insuperável dos dogmatismos, uma perpétua diaphonía, já que os filósofos não se põem de acordo sobre nada, nem mesmo sobre o objeto, a natureza ou o método da filosofia. O cético, assim, não afirma, a respeito de qualquer doutrina filosófica, que esta é verdadeira ou falsa, nem que um conceito está mais próximo ou mais distante da realidade. Ele apenas perscruta as filosofias, examina cautelosamente cada um dos seus argumentos e mostra suas falhas, incoerências e contradições.

Posto que não imaginar uma posição humana que garanta como as coisas realmente são, ele só pode conceber como parecem ou como são percebidas num lugar, num tempo e em certas circunstâncias. Para o cético, um "fenômeno" ou "aparência" é qualquer coisa que se imponha à sua sensibilidade e ao seu intelecto - e isso diz respeito tanto à experiência sensória e aos objetos físicos, como a questões científicas, éticas ou políticas. O cético não diria que "O mel é doce" ou "Não se deve roubar", mas "parece-me que o mel é doce", "parece-me que não se deve roubar". Dada a condição humana, não está em questão o acordo ou desacordo de nossas representações com o mundo, pois não seria possível saltar do círculo do que nos parece para o círculo do que é em si. Em vista disso, o pirrônico é levado a suspender o juízo sobre a realidade. No fundo, não temos razões mais fortes para acreditar numa doutrina sobre a natureza das coisas que para não acreditar nessa doutrina. Ao não dar seu assentimento a uma doutrina qualquer, nem à doutrina que lhe é contrária, o cético suspende seu juízo. O estado mental que a suspensão do juízo pode levar é a ataraxia, a tranqüilidade, quando então o cético não mais se preocuparia com questões que estejam além do fenômeno e do que lhe aparece.

A filosofia pirrônica é uma filosofia com inegável dimensão prática, que deve ser vivida, não constituindo um simples exercício acadêmico. Suspendendo o juízo sobre todo conhecimento do absoluto, procura o que é útil e benéfico para os homens. Ele substitui a metafísica pelo saber da experiência: "Não temos mais uma realidade a conhecer - demos, na prática, nosso adeus a esse mito -, o que temos é um mundo experienciado com o qual precisamos lidar: diante dele e de seus desafios, não temos como permanecer inativos."

O traço característico da filosofia praticada pelo cético não é postular um conjunto preciso de teses (sejam positivas ou negativas), mas o cultivo de uma atitude crítica diante da pretensão dogmática de ter descoberto a verdade - o que torna o ceticismo "uma forma atual de filosofar" . O cético estuda filosofia com o intuito de descobrir a verdade sobre as coisas; ele é levado a filosofar, porque percebe uma série de problemas teóricos que se revelam nas contradições entre os discursos que pretendem descrever a natureza das coisas. Mas o ceticismo é algo como um purgante que elimina tudo, inclusive a si mesmo. Por isso, o cético pratica a-dogmaticamente (adoxástos) a observância não-filosófica da vida comum, seguindo suas inclinações naturais e o que lhe aparece. O cético faz-se um estudioso da filosofia dogmática para, logo depois, como aquela famosa imagem da escada, lançá-la fora e viver sem dogmatismos.

Waldomiro José da Silva Filho é professor do Departamento de Filosofia da UFBA

NOTAS
1 A tradição cética se inicia com Pirro de Elis (que viveu no século 4 antes de Cristo e integrou a famosa expedição de Alexandre, o grande, à Índia), passando principalmente por filósofos como Timão, Carnéades, Arcésilas, Enesidemo até chegar a Sexto Empírico que supõe-se ter vivido no século 2 da era cristã.
2 Cf. J. Annas e J. Barnes, The modes of scepticism: Ancient texts and modern interpretations (Cambridge: Cambridge University Press, 1985).
3 O. Porchat, "A Autocrítica da Razão no Mundo Antigo", in: W. Silva Filho (org.), O ceticismo e a possibilidade da filosofia (Ijuí: Editora Unijuí, 2005), p. 42.
4 P. Smith, Ceticismo (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004).


Fonte: Revista CULT

http://revistacult.uol.com.br/website/news.asp?edtCode=F79BF2A2-D1FA-4B15-B3C2-56C2BC359F89&nwsCode=BD45DC08-090F-48AF-882B-F4399CFCC79A

COMENTÁRIO: uma pitada de ceticismo é salutar para as nossas reflexões.

Daner Hornich

Monday, August 13, 2007

"O pensamento dualista opera com oposições simples e dogmáticas"

Interessante artigo do Professor Roberto Romano
Saiu no http://www.ucho.info/roberto_romano.htm

Descansem em paz
(*) Roberto Romano da Silva


O pensamento dualista opera com oposições simples e dogmáticas. Se uma proposta reforça “o nosso lado”, ela é vista com plena complacência. Se ruma em sentido diferente, deve ser estimagtizada. Nem sempre, no entanto, as coisas são límpidas. É possível criticar um governo por várias causas. Muitas críticas, caso tomadas abstratamente, podem trazer argumentos com aparente identidade teórica e prática. Mas a sua base e pressupostos não se identificam. É de urgente prudência negar o dito de Churchill: "Se Hitler invadisse o inferno, eu me aliaria ao diabo". Mais saudável é ir contra Hitler e contra as tropas de Lúcifer. A aliança estratégica, estabelecida entre os que defendiam a democracia e as legiões de Stalin, serviu no plano imediato, mas gerou frutos amargos nos campos de concentração administrados pelo Partido totalitário.
Não sou conviva de oligarquias brasileiras. Mas a paulista, conheço bem. É do seu interior que atitudes nobres (de alguns) foram geradas e muita coisa hedionda foi produzida. Não posso — não sei e não quero — andar pelas ruas em protesto, seja lá contra quem for, com setores que financiaram a Oban (quem ignora o significado da sigla, leia os livros de Elio Gaspari sobre a ditadura) e a repressão do período militar. Entre os cansados da rua Oscar Freire, surgem pimpolhos de muita gente que fez aquilo. Dinheiro de bancos e de empresas (bem conhecidas) circulou nas veias do organismo repressivo.
As oligarquias brasileiras repetiram (ainda repetem, à socapa) as teses de Nina Rodrigues e de outros, sobre o povo como caso de teratologia. Dado o “fato científico”, seguiu-se a tese da pretensa incapacidade popular para o exercício da soberania política. E surgiram, à direita e à esquerda, os tutores do povo. Estes se abarrotam de privilégios (econômicos e sociais) e açambarcam os bens públicos para os seus cofres privados. Em tal faina, para fazer o serviço sujo, os verdadeiros poderosos usam os políticos como estafetas. Eles, os privilegiados, vivem no mundo Daslu, Louis Vuitton, Tifanny, Ferrari, etc. Se o ministro Marco Aurélio Garcia foi pornográfico, não esqueçamos a pior pornografia, a do luxo ostentado pela pretensa elite paulista.
Não considero golpista, como faz crer a máquina de propaganda governamental, o happy few que vai hoje às ruas contra Lula. Que vivesse tranqüilo no seu universo onírico e custoso, próprio dos “Beautiful and Damned”, sem exigir melhorias na Casa Grande, seu habitáculo normal, à custa dos dinheiros estatais. Eles lucram muito com o governo, e dele são os maiores sócios. E não cabe a gente séria, sobretudo a que amarga as dores da senzala, apagar lágrimas de dondocas e dondocos com lenço de seda. Basta ler as proclamações de a-politicidade emitidas pelos líderes dos cansados. Face a um governo que usa os piores truques em currais eleitoreiros e mobiliza uma chusma de amigos em cabides de emprego (a Folha de São Paulo trouxe o rol dos "companheiros" nas agências reguladoras), só a má fé pode proclamar a-politicidade. São inaceitáveis os gestos “indignados” das mesmas pessoas que aplaudem contingenciamentos na educação, na segurança, ciência e tecnologia, em todas as políticas públicas, pois tais cortes engrossam as suas burras (com a polissemia da palavra), mas depois se abraçam às vítimas dos seus lucros indecentes, lágrimas de crocodilos nos olhos.
Se o referido movimento defender mudanças econômicas que assegurem o desenvolvimento do país, com o fim da atual ortodoxia financeira, se exigirem aberta e politicamente o defenestramento dos companheiros incompetentes e arbitrários das agências de controle e demais órgãos do Estado, se defenderem a prestação de contas do governo, se exigirem que a Justiça coloque na cadeia boa parte da "base aliada" de apoio, etc. contem comigo. Caso contrário, arrumem uma boa poltrona. E descansem em paz.

(*) Roberto Romano da Silva é Professor titular de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor de Ética, também pela Unicamp. Doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e membro do Instituto de Filosofia e deCiências Humanas da Unicamp, é autor dos livros "Brasil, Igreja contra Estado", de 1979, "Copo e Cristal, Marx Romântico", de 1985, e "Conservadorismo Romântico", de 1997.

Friday, August 03, 2007

O indivíduo diante do absoluto

Um artigo interessante sobre o filósofo Kierkegaard, que saiu na revista CULT

O indivíduo diante do absoluto

Por Franklin Leopoldo e Silva

Bergson afirmou que a originalidade de uma intuição filosófica se mede pelo poder de dizer "não" a tudo aquilo que a época aceita como verdade constituída. Assim, uma nova filosofia não se faz desde logo pela coerência de uma sucessão de afirmações, mas, sim, por uma negatividade que, a princípio, pode parecer até mesmo obstinação. Depois, esse ímpeto de contradizer se revelará como a primeira manifestação da força da convicção.

Esse é certamente o caso de Kierkegaard, que viveu de 1813 a 1855 na Dinamarca, país que, como quase toda a Europa, estava nessa época sob o império da influência cultural de Hegel (1795-1831), de quem se pode dizer que teria sido o autor do mais vasto sistema de compreensão da totalidade que se produziu na filosofia. Com efeito, provavelmente não se encontre na história do pensamento uma tentativa de articulação compreensiva que manifeste igual poder de abrangência do curso da história humana por meio de uma lógica que incorpora todos os movimentos da realidade, situando todos os pormenores da experiência vivida na dimensão de uma racionalidade universal entendida como síntese absoluta em que todas as aventuras particulares do espírito encontrariam lugar e sentido, de acordo com a realização necessária do Absoluto.

Sujeito e objeto, indivíduo e história, arte e religião, sociedade e Estado, ação e moralidade, tudo poderia ser explicado através de uma visão retrospectiva de uma filosofia que teria encontrado finalmente o método adequado para sobrevoar a História e nela observar uma trajetória que se teria constituído por meio de uma perfeita adequação entre lógica e realidade, finalmente revelada na mais alta expressão do Espírito, capaz de conciliar em si todas as contradições do drama humano, verdadeira síntese de finito e infinito. Tal poder explicativo, em que as singularidades de todos os processos de vida acabam por se manifestar na universalidade, em que a multiplicidade complexa se revela unidade absoluta, em que a contingência e a oposição se transfiguram em necessidade e verdade, impõe-se aos contemporâneos - e mesmo à posteridade - como a mais perfeita realização da capacidade especulativa do pensamento: a resposta a todas as perguntas.

E, no entanto, diante dessa impressionante construção intelectual, em que a própria Razão parece transparecer na sua essência, Kierkegaard diz: não. E por um motivo muito forte. Nessa representação intelectual da realidade, em que a articulação dialética se mostra com uma vitalidade a que tudo teria de se submeter, falta algo de fundamental: a consideração da realidade singular do indivíduo como dado primário e irredutível. A incorporação do singular no universal revela uma lógica pautada pela anterioridade do conceito em relação à experiência vivida. Se o sentido do evento singular só pode aparecer verdadeiramente à luz de uma universalidade finalmente revelada, é porque todo singular, na efetuação da sua particularidade, já possuía um sentido vinculado ao universal em vias de realização. Em outras palavras, a existência singular é pensada, no sistema hegeliano, sempre em função de uma razão universal à qual essa existência estaria a priori submetida. Dessa maneira, julga Kierkegaard, a realidade da existência, que é sempre individual e singular, dissolve-se numa totalidade universal formalmente concebida. O que Hegel teria ganhado em termos de ordenação lógica e conceitual, ele teria perdido em termos de realidade concreta.

Esse prejuízo foi incorporado ao sistema como sendo uma virtude, porque o pressuposto filosófico de Hegel, que nele figura a ambição que de modo geral anima todo projeto filosófico, é o de uma explicação racional completa desde os fundamentos até as últimas conseqüências. Ora, na medida em que o instrumento da razão é o conceito, a explicação pretendida somente pode ser construída através de um corpo conceitual dotado de uma lógica capaz de articulá-lo em sua totalidade, com a mesma evidência presente do começo ao fim. A certeza dos fundamentos antecipa a verdade da totalidade e a necessidade com que o percurso se mostra quando visto a partir da totalidade realizada confirma a evidência dos fundamentos. Essa dupla visão do verdadeiro aparece a Kierkegaard como característica de um sistema formalmente demonstrado, em que os acidentes do percurso finalmente se revelam como aparências de uma necessidade implícita desde o princípio. Assim, o sistema hegeliano se definiria como a subordinação da realidade ao conceito e se constituiria a partir da hierarquia lógica que vincula universal e singular.

A pretensão de certeza dos fundamentos indica que a totalidade do sistema de Hegel é orientada por uma concepção abrangente de Razão: não se trata apenas de uma racionalidade subjetiva que constituiria a realidade por representação. Para Hegel, segundo uma fórmula tornada célebre, "tudo que é real é racional e tudo que é racional é real": com essa reciprocidade, que identifica lógica e realidade, Hegel pretende escapar da racionalidade meramente subjetiva, sem, no entanto, recair num realismo que faria da subjetividade - ou da razão subjetiva - mero reflexo ou efeito dos objetos, ou da racionalidade objetiva. A superação dessa dualidade resulta numa relação de imanência da razão à realidade em todos os seus aspectos. Ora, essa concepção mais larga da racionalidade implica um maior rigor no tratamento da generalidade, exatamente porque Hegel deseja escapar de aspectos parciais ou particulares da Razão. Assim, é por conta da necessidade do percurso em direção ao universal que é preciso superar a dicotomia sujeito/objeto. Para Kierkegaard, interessa particularmente uma conseqüência desse percurso sistemático: a pretensa superação da subjetividade.

Observe-se que, para Hegel, o que está implicado nessa superação é a necessidade de ultrapassar a evidência subjetiva que, para ele, ainda seria apenas uma figura da verdade. Ora, para Kierkegaard, é evidente que, sendo a realidade substancialmente o indivíduo, a verdade é subjetiva. Mais que isso, "a verdade é a subjetividade" porque unicamente na subjetividade está o lugar da experiência vivida de modo concreto e singular. Para avaliar o alcance dessa oposição de Kierkegaard a Hegel, é preciso compreender o significado de sujeito e de experiência subjetiva para o pensador dinamarquês.

Assim como Hegel via na universalidade a realização do absoluto, Kierkegaard vê a subjetividade como absoluta e a experiência subjetiva como irredutível. Mas esse caráter absoluto da subjetividade não quer dizer que ela seja algo como uma realização lógica completa. Pelo contrário, a subjetividade é absoluta porque, para o homem, é absolutamente impossível superar a sua condição finita: a experiência humana está absolutamente encerrada na finitude e esta se mostra como a singularidade individual que deve ser vivida em cada caso. O singular não se relaciona com o universal da mesma maneira como o particular se relaciona com o geral. A vinculação lógica dos termos nada nos diz acerca da irredutibilidade da experiência do indivíduo singular, porque essa experiência possui, fundamentalmente, uma dimensão existencial e religiosa que escapa à conceituação racional.

Essa experiência significa antes de tudo estar diante de Deus, isto é, estar diante do infinito não enquanto presença imediata, mas enquanto ausência, distância, afastamento, porque a condição do homem, sendo a do pecado, o coloca irremediavelmente distante da divindade. Nesse sentido, Deus como absoluto é sentido mais como distância absoluta que como proximidade ou intimidade. A ausência e o afastamento definem a condição humana da qual cada indivíduo faz a experiência, que se reveste, portanto, de dramaticidade a ser vivida singularmente. Essa concepção severa da relação entre Deus e o homem tem suas origens no protestantismo luterano, mas foi exacerbada no pensamento de Kierkegaard, para quem a experiência cristã consiste na aceitação e na vivência do "escândalo da cruz". Nada seria mais contrário ao cristianismo que uma perspectiva triunfante: a ressurreição não acomoda o sofrimento à certeza de uma felicidade futura, porque o Cristo presente ao cristão é o homem-Deus torturado e crucificado por causa dos pecados dos homens. Assim, a comunicação com esse Cristo sofredor só pode ser feita através do sofrimento, uma vez que o homem, persistindo no pecado, permanece como ocasião do sofrimento de Cristo.

A partir dessa concepção radical, Kierkegaard critica de forma contundente o cristianismo de sua época, institucionalmente adaptado ao mundo através de toda sorte de concessões e que faz com que os cristãos estejam muito longe de serem testemunhas da Paixão, como exigiria um cristianismo autêntico. No limite, o cristão é uma figura inexistente: no máximo, podemos nos esforçar para nos tornarmos cristãos, e esse seria o primeiro passo para uma verdadeira reforma do cristianismo. A institucionalização da comunidade cristã representa uma infidelidade a Cristo: a experiência religiosa, vivida existencialmente, é solitária e angustiada; a fé não traz certeza nem tranqüilidade; trata-se de uma opção constantemente renovada por tornar-se aquilo que ainda não se é. Nenhuma igreja pode tornar estável e tranqüila uma fé que deve ser vivida no "temor e tremor".

Por isso o paradigma do crente é Abraão, figura emblemática no pensamento de Kierkegaard, por ter colocado a fé acima de todas as certezas mundanas, mesmo aquelas mais moralmente arraigadas na natureza humana. No episódio em que Deus pede o sacrifício de Isaac, todos os critérios humanos são invalidados, todas as leis são anuladas pela força da palavra de Deus, sentida unicamente pela fé. Essa experiência vivida na solidão, no silêncio, na incerteza de sua própria origem e justificativa é o ponto mais alto que o indivíduo pode atingir - e esse ponto coincide com o desamparo, com a angústia diante do absoluto incompreensível. Nenhuma mediação nos faria superar essa distância; somente o salto no abismo insondável que nos separa do infinito pode equivaler à vivência real da fé.

Se essa é a condição humana, se é esse o drama da subjetividade, não há como pretender atingir qualquer certeza acerca de seus fundamentos. Por isso a realidade da experiência individual, subjetiva e singular, é vivida na incerteza e a partir da ausência de fundamentos. Não há como construir um sistema geral em que a subjetividade seja explicada como um momento a ser absorvido numa universalidade mais compreensiva, como pretendia Hegel. O instante da decisão de Abraão não pode ser explicado; não podemos oferecer mediações que o tornem racional ou susceptível de ser racionalmente incorporado. Ele é único e irredutível como a subjetividade. Nesse sentido, conceituar a subjetividade é torná-la abstrata; explicá-la é destruir a sua realidade.

Kierkegaard refere-se a si mesmo como um pensador religioso. Mas a religião não desempenha nele a função de nos fazer compreender fundamentos da condição humana a que a filosofia não nos permitiria chegar. A religião não antecede nem sucede à razão: assim como entre as duas não há medida comum, também de pouco adiantaria proclamar a incomensurabilidade. Os dogmas do cristianismo não são verdades superiores à razão; são princípios misteriosos da singularidade da nossa experiência subjetiva: só podemos explorá-los vivendo-os de forma encarnada. Aquilo que é vivido subjetivamente é irredutível à razão analítica não porque seja uma experiência psicológica em si inefável, mas porque constitui a vivência do paradoxo e do mistério.

Por isso a experiência da condição humana passa pelos três "estádios" enumerados por Kierkegaard. O primeiro é o estético em que o indivíduo adota como critério da existência a busca de um prazer idealizado, que nunca poderá ser realizado no mundo. Na sucessão pela qual aceita e recusa tudo que lhe é ofertado pelo mundo, o indivíduo vê a realização do ideal se afastar cada vez mais. Essa negação romântica do mundo significa a experiência vivida na imediatidade. Segue-se o estádio ético em que a vivência do imediato é substituída por uma forma de vida que pretenderia conferir algo de universal à descontinuidade da experiência. Não mais a indiferença, mas o compromisso, isto é, a escolha de valores que conferem estabilidade à existência, a opção por algo que seja mais que o relativo a si mesmo e inclua uma dimensão geral da vida, isto é, a vida com os outros. Para o homem ético, a realidade vivida é duradoura e não apenas transitória. Mas essa racionalidade ética se mostra insuficiente, porque o indivíduo sente que o absoluto escapa às normas da razão e que a lógica pode manifestar fragilidade. Passa então ao estádio religioso: a religião (cristã) não se resume a normas que devem ser obedecidas como se fossem regras éticas; o pecado não é relativo a normas eventualmente não obedecidas, mas é uma espécie de erro absoluto, já que é cometido diante de Deus. Essa diferença faz com que o indivíduo passe da imanência das normas éticas à transcendência do Bem. A consciência do pecado é um processo de interiorização que leva a essa transcendência. O pecado não é histórico nem relativo, mas absoluto no sentido de absolutamente individual; a partir dessa singularidade o homem se coloca diante de Deus como absoluto, mas não um absoluto pensado objetivamente e, sim, um segredo sentido na profundidade da consciência. O estádio religioso se aproxima da experiência da interioridade.

E é pela interioridade que o indivíduo se faz; nela está a sua singularidade, o seu segredo, a sua absoluta subjetividade - e também a sua dignidade, porventura encontrada no fundo da miséria. Não há mediação exterior pela qual se possa atingir essa dimensão, nem normas pelas quais se possam solucionar os conflitos que aí são vividos. A subjetividade não é uma coisa nem uma forma: é quase um impasse. Talvez se possa dizer que ela é um pathos porque a experiência cristã da subjetividade consiste em responder a um chamado que seria, ao mesmo tempo, de um lado irredutivelmente pessoal, singular e específico e, de outro, proveniente de uma transcendência infinitamente distante, e a que o profeta se referiu como Deus Absconditus.

O que teria Kierkegaard a dizer para nós, que vivemos num mundo ao mesmo tempo tão povoado de egos e tão vazio de indivíduos singulares, um mundo habitado por tantos desejos e tão abandonado pela subjetividade - um mundo em que vigora a obsessão da exterioridade e a opressão da interioridade? Talvez a dramática atualidade daquele que viveu e morreu em defesa das prerrogativas do sujeito consista apenas em nos levar a pensar o quanto tem sido negativa a nossa experiência da subjetividade, que temos feito sob as diversas ditaduras da exterioridade e as mais variadas formas de alienação. Kierkegaard se esforçou por dizer aos seus contemporâneos que eles estavam vivendo a perda de si mesmos. Essa mensagem é ainda mais válida para nós.

Franklin Leopoldo e Silva é professor de História da Filosofia Contemporânea na USP


Leia também, no dossiê sobre Kierkegaard da CULT de agosto, já nas bancas:
"Kierkegaard e a histeria do espírito": Juvenal Savian Filho apresenta o filósofo do "salto no escuro"
"O filósofo da existência": Alvaro Valls mostra como Kierkegaard é herdeiro de Sócrates, Sto. Agostinho e Pascal
"Kierkegaard e a invenção do existencialismo": Hegel e o filósofo dinamarquês, para Alexandre Carrasco, são as grandes influências do pensamento francês nos anos 1920-40
"Socialismo e cristianismo em Kierkegaard": Marcio Gimenes de Paula debate se o filósofo e Sócrates teriam sido vítimas de sua ironia e de sua retórica sofística

Fonte: http://revistacult.uol.com.br/

Comentário:
Um belo artigo sobre o Filósofo Kierkeggard (do Professor Franklin Leopoldo e Silva) – um filósofo pouco estudado no Brasil, mas de grande importância para compreender o nosso “tempo de sombras” e “tirania da Intimidade”.

Daner Hornich

Sunday, July 29, 2007

A historicidade da filosofia

Saiu na Revista Crítica (criticanarede.com)

19 de Outubro de 2005 · Filosofia
A historicidade da filosofia
Desidério Murcho

Refere-se por vezes a historicidade da filosofia, sem que os estudantes compreendam cabalmente do que se trata. Outras vezes, esquece-se este aspecto da filosofia. Estas linhas pretendem esclarecer este aspecto da filosofia.

Em primeiro lugar, a historicidade da filosofia não é a ideia de que os problemas da filosofia surgem nas obras dos filósofos do passado. Os problemas da filosofia surgem naturalmente quando qualquer pessoa se põe a pensar em alguns aspectos da realidade:

O que é o tempo, realmente?
Será imoral maltratar os animais?
Sabemos realmente alguma coisa, ou poderá ser tudo uma ilusão, como num sonho?
Além de surgirem naturalmente, os problemas da filosofia não existem apenas nas obras dos filósofos do passado — pelo simples motivo de que também há filosofia no presente. Aliás, há mais filósofos hoje em dia do que em todas as épocas históricas juntas. Tal como há mais artistas e cientistas do que houve no passado. Portanto, a chamada "historicidade da filosofia" não quer dizer nem que a filosofia não é uma disciplina viva, que surge sempre que nos pomos a pensar, nem quer dizer que a filosofia é uma coisa só do passado.

Em segundo lugar, e mais importante, a historicidade da filosofia não é também a ideia de que o trabalho que nos resta fazer hoje é meramente compreender, comentar e analisar as obras dos filósofos do passado. Esta seria uma visão muito redutora da filosofia, e não corresponde sequer ao que os mais importantes filósofos da actualidade fazem (pense-se em Kripke ou Derrida, por exemplo). Este aspecto é muitíssimo importante porque determina o tipo de ensino que a filosofia exige. Dado que a filosofia não é o mesmo do que a história da filosofia, nem o mesmo do que a história das ideias, ensinar filosofia não pode ser como ensinar história da pintura; tem de ser, ao invés, algo mais parecido ao ensino da pintura em si. E, como é óbvio, no ensino da pintura em si estudam-se também os grandes mestres do passado. Mas o objectivo final é saber pintar quadros, e não apenas saber apreciar a obra dos grandes pintores do passado. O mesmo acontece no ensino da filosofia: o objectivo não é apenas compreender os grandes filósofos do passado e do presente, se bem que isso também seja feito; o objectivo é saber fazer filosofia.

O que dificulta a compreensão da relação peculiar que a filosofia mantém com a sua história é o facto de o progresso em filosofia ser muito diferente do tipo de progresso que se observa na ciência. Na ciência há, pelo menos aparentemente (apesar de filósofos como Kuhn negarem em parte esta ideia), uma acumulação de resultados. Isto tem implicações importantes no ensino, pois significa que não se perde tempo a ensinar a física de Ptolomeu, por exemplo, para depois a comparar com a física de Newton, comparando depois esta com a física de Einstein. Ao invés, ensinam-se os resultados mais recentes e operatórios da física, sem mencionar teorias que entretanto foram ultrapassadas por teorias melhores. O mesmo não se pode fazer em filosofia: não se pode ensinar unicamente a mais recente teoria dos universais, por exemplo, ou a mais recente teoria ética, como se fossem teorias consensualmente aceites pelos especialistas. É que, ao contrário do que acontece em ciência, não há em filosofia um corpo vasto de conhecimentos consensuais e cristalizados. A filosofia é, essencialmente, discussão de ideias e especulação. Isto tem implicações importantes para o ensino da filosofia, pois não se pode dar ao estudante a ideia falsa de que as últimas teorias hermenêuticas, fenomenológicas, existencialistas, pós-modernistas, marxistas ou fascistas são a última palavra, no mesmo sentido em que a física de Einstein é, até hoje, a última palavra nessa área.

No caso da física, por exemplo, a simples compreensão e domínio do que se sabe hoje exige anos de estudo. Só a nível do doutoramento, e só em algumas universidades, pode um estudante de física dominar já suficientemente o que se sabe para se poder dedicar à investigação — isto é, ao estudo do que não se sabe, procurando dar a sua contribuição. Mas isto não acontece na filosofia. Em filosofia, é necessário relativamente pouco tempo para se chegar às fronteiras do conhecimento. Se uma pessoa não pode começar a filosofar cabalmente desde logo é só porque apesar de não haver praticamente qualquer corpo estabelecido de teorias, em filosofia, há no entanto dois factores importantes que o impedem. São estes factores que fazem a diferença entre um domínio profissional da filosofia e uma atitude meramente amadora ou de senso comum perante a filosofia.

O primeiro factor é o saber-fazer envolvido na filosofia. Para se fazer filosofia é preciso dominar os instrumentos do ofício: saber discutir ideias, saber traçar distinções importantes, saber distinguir versões subtilmente diferentes de teorias análogas e, claro, compreender os problemas da filosofia. Sem estas competências fundamentais não é possível fazer filosofia competentemente; não é sequer possível fazer história da filosofia competentemente.

O segundo factor é o que nos importa aqui, pois está relacionado com a história da filosofia. Esse factor foi apresentado de forma muito directa no manual A Arte de Pensar: 10.º ano (Didáctica, 2003):

Quando discutimos uma ideia filosófica verificamos muitas vezes que essa ideia tem uma história; houve outras pessoas que a defenderam ou atacaram. É por isso importante saber o que os grandes filósofos pensaram. Nada há de extraordinário nisto. Se estás preocupado em saber se o relativismo é ou não aceitável, é uma boa ideia tentar saber o que as outras pessoas pensaram sobre isso. Afinal, pode ser que o que elas pensaram te ajude a pensar melhor — quer concordes, quer discordes delas. (Vol. 1, pág. 18)
O que está em causa é de facto banal e muito simples, mas é muitas vezes mal compreendido, com elucubrações obscurantistas sobre a "historicidade do pensar". Outras vezes, talvez para fugir aos obscurantismos, é pura e simplesmente ignorado, como acontece com alguns manuais escolares (é o caso do manual 705 Azul, de Fátima Alves, José Arêdes e José Carvalho, Texto Editora, 2003). O problema de ignorar a história da filosofia não é uma questão de apresentar menos erudição. O problema é que se ignorarmos a história da filosofia estaremos a trilhar caminhos que já foram trilhados — como se estivéssemos a redescobrir a pólvora. Isso é pura e simplesmente perder tempo. Se certo tipo de teorias já foram exploradas e já conhecemos os seus problemas, se certas distinções fundamentais já foram exploradas, então estaremos a perder tempo se as ignorarmos — pois voltaremos a percorrer os mesmos passos. É um pouco como um músico que, desconhecendo a grande tradição atonal, reinventa ignorantemente esta forma musical.

Precisamente como no caso da música, não se trata de dizer que uma pessoa não pode hoje defender, por exemplo, uma certa versão da ética das virtudes de Aristóteles. Sem dúvida que pode — e há quem o faça, como a filósofa Philippa Foot. Só que irá defender uma versão sofisticada, que não sofre dos problemas que ao longo dos séculos foram apontados não apenas à teoria de Aristóteles, mas também às outras grandes teorias éticas alternativas, como o deontologismo e o consequencialismo. E é esta diferença de sofisticação que faz a diferença entre uma postura amadora e simplista em filosofia e uma postura profissional e sofisticada. Quem está na filosofia a sério tem de estar informado sobre o que os outros filósofos — do passado e do presente — defendem, tem de conhecer os seus argumentos e as suas teorias, e tem de estar a par da discussão filosófica.

Em suma, a necessidade de estudar os grandes filósofos do passado e do presente resulta da necessidade de não se perder tempo a defender o que já foi defendido e discutido, por um lado, e da necessidade de tentar ir um pouco mais longe na compreensão das coisas do que foram os nossos antepassados e os nossos colegas contemporâneos.

No ensino, esta ancoragem histórica é particularmente importante, sob pena de se pretender estudar filosofia sem filósofos. Em alguns manuais escolares (como no referido 705 Azul), a filosofia é apresentada no primeiro capítulo ao longo de muitas páginas sem se apresentar um único filósofo, clássico ou contemporâneo. Isto dá ao estudante uma ideia falsa da filosofia, pois não o ensina a ter uma atitude adequada perante a história da filosofia. O oposto disto é transformar a filosofia em mera história da filosofia, substituindo o trabalho verdadeiramente filosófico e criativo da filosofia pela mera compreensão do que dizem os grandes filósofos do passado e do presente. O correcto ensino da filosofia está entre estes dois extremos — entre o extremo da a-historicidade de alguns manuais escolares e o extremo redutor em que a filosofia se transforma em mera história da filosofia. O que é difícil é dar ao estudante a ideia correcta de que tem de compreender correctamente os filósofos do passado e do presente que serão leccionados, mas que isso é um meio para pensar por si e para tomar uma posição fundamentada. Se não nos esforçarmos por fazer isso, o ensino da filosofia transforma-se em rapsódias de temas modernaços, sem qualquer referência a filósofos centrais do passado e do presente, ou em meras historietas das ideias filosóficas, sem que ao estudante seja dada a experiência do filosofar. E é precisamente esta experiência que urge reivindicar. E isso exige um equilíbrio entre os dois opostos redutores: o que reduz a filosofia à sua história e o que esquece a história da filosofia.

Desidério Murcho

Fonte: http://criticanarede.com/fil_historicidade.html

Comentário:

Um pouco de filosofia faz bem a saúde, de modo especial, nesse domingo de frio.
Bom domingo!
Daner Hornich

Saturday, July 28, 2007

Aprender a pensar correctamente é a mais humana das aprendizagens

Saiu no blog do Roberto Romano

Do Blog de Marta Bellini....
Argumentação e subjetividade


Do Blog Rerum Natura, por Desidério Murcho, Portugal
A argumentação é um dos instrumentos mais importantes para alargar a nossa compreensão do mundo e melhorar a nossa intervenção nele. Infelizmente, este facto passa muitas vezes despercebido na nossa cultura. Ao longo dos séculos, Portugal não tem sido um grande produtor de conhecimento; estamos habituados a importar o conhecimento do estrangeiro. E por isso não compreendemos os processos de descoberta, pois nunca temos de descobrir — alguém, numa universidade, laboratório ou atelier estrangeiros, descobre por nós. Olhemos à nossa volta: todos os produtos humanos são fruto do conhecimento e da intervenção humana no mundo. As ideias científicas, tecnológicas, políticas, religiosas, artísticas e filosóficas são fruto do esforço dos seres humanos para compreender melhor o mundo e para, com base nessa compreensão, melhor podermos intervir nele. Todavia, quase nenhumas das ideias que são o fundamento de todas estas coisas que nos rodeiam nasceram em Portugal.É imperioso mudar esta cultura de dependência da importação de ideias; é imperioso que a nossa cultura seja dinâmica, criativa, autónoma, inteligente. A nossa cultura não pode continuar a ser a mera repetição da cultura alheia; é preciso que Portugal conquiste um lugar cultural e científico e que acrescente valor ao mundo.

Para isso é necessário fornecer aos estudantes instrumentos que lhes permitam descobrir ideias novas e propor novos rumos. É necessário colocar os estudantes portugueses a par dos seus colegas dos países mais desenvolvidos, que desfrutam de um sistema de ensino baseado no estudo criativo e rigoroso de problemas, teorias e argumentos. As teorias são construções humanas que procuram resolver problemas reais — não são elucubrações meramente formais para fazer carreira escrevendo obscuras teses de doutoramento que imitam a seriedade académica usando sem compreender uma linguagem especializada. Essas teorias defendem-se com base em argumentos. É o que acontece na história, na psicologia, na filosofia, na física, na musicologia, etc. Mas se o ensino não for baseado no estudo dos problemas, teorias e argumentos, o que é apenas teoria será ensinado como dogma para repetir, não permitindo que o estudante pense por si — sobretudo quando nem se lhe explica quais são os problemas que a teoria procura resolver. O estudante fica assim reduzido ao trabalho de repetição acéfala, sem estímulo nem instrumentos para avaliar as ideias que estão em discussão por esse mundo fora — imaginando que as últimas modas pós-modernas, ou pragmatistas, ou retóricas, ou liberais, ou o que quer que seja, são Verdades que não podem ser discutidas. No meu entender, esta é uma das raízes do atraso português.O correcto ensino da lógica pode ser um antídoto para este estado de coisas. Pois é aí que se pode sublinhar a importância da argumentação no difícil e paciente processo de tentar descobrir a verdade das coisas; é aí que se pode sensibilizar o estudante para a importância de saber pensar, dando-lhe instrumentos lógicos adequados.

O resultado que se pode almejar são cidadãos mais criativos e críticos, que trarão uma competência fundamental para um país que tanto carece de pessoas com capacidade para resolver os nossos problemas, produzir riqueza e bem-estar, e estimular com o seu exemplo os outros cidadãos a fazer o mesmo. Sem uma cultura criativa e crítica, informada e rigorosa, a discussão pública é sempre deficiente, e as decisões são sistematicamente tomadas pelos interesseiros que têm mais força ou que gritam mais alto, e não um resultado da reflexão criativa e rigorosa, informada e inovadora.Numa cultura apartada da descoberta científica e da inovação cultural — uma cultura cinzenta e formalista — há a tendência para pensar que tudo o que não vem já matematicamente decidido nos livros importados do estrangeiro é «muito subjectivo». Esta posição tem consequências terríveis na vida pública, contribui para o subdesenvolvimento e a estagnação da sociedade, e impede o acesso à cultura das pessoas mais talentosas — pois se a opção é entre o que se decide matematicamente e com todas as garantias, mas já está nos livros, e o que não está nos livros mas é «muito subjectivo», nenhuma pessoa talentosa vê qualquer interesse em desenvolver o estudo e o pensamento, a cultura e a ciência, a sociedade e a economia. Portugal precisa de boas ideias, soluções engenhosas, debate informado e talentoso — e não de ideias feitas, soluções ingénuas, debates de café. Ensinar a debater ideias, avaliar argumentos, precisar pontos de vista, levantar contra-exemplos e objecções é, consequentemente, uma das tarefas mais importantes do professor.

Quem desconhece a lógica e está mergulhado numa cultura onde o debate de ideias é circense tem tendência para pensar que a argumentação é «muito subjectiva». Mas mal se estudam os elementos básicos da argumentação compreende-se que isto é uma ilusão. Sem dúvida que não há soluções fáceis e argumentos decisivos com três ou quatro proposições; para cada solução levantam-se problemas inesperados; para cada argumento levantam-se contra-argumentos e objecções. Mas isto não é surpreendente para quem conhece a história do pensamento humano. Para cada grande feito da ciência, da cultura e das artes havia multidões de Velhos do Restelo a dizer que era impossível fazer-se, munidos do discurso paralisante do costume. E, no entanto, essas coisas fizeram-se e as dificuldades ultrapassaram-se. Será mesmo verdade que é tudo «muito subjectivo»? E, nesse caso, será «muito subjectivo» afirmar que é tudo «muito subjectivo»?Entre o algoritmo e o oráculo — que dispensam Verdades Absolutas aos pobres mortais —, e o paralisante relativismo e subjectivismo — que torna tudo igual a tudo —, não haverá alternativas? E que garantias oferece a opinião de quem nada ou quase nada sabe de lógica e argumentação, mas declara, confiante, que na argumentação é tudo «muito subjectivo»?

No Capítulo 12 vimos como a pretensa diferença entre a demonstração, do «domínio do apodíctico» (o oráculo), e a argumentação, do «domínio do verosímil» (o subjectivismo, ou o inter-subjectivismo — a sua encarnação mais sofisticada) se baseia em confusão e falta de informação. Não será que é isso que se passa em geral? Afinal, quem nunca assistiu aos jogos olímpicos não acreditaria que um ser humano consegue saltar um muro de dois metros de altura sem lhe tocar.Em qualquer domínio do conhecimento, das artes ou da vida pública, temos problemas para resolver e decisões para tomar. Para cada proposta, há argumentos a favor e argumentos contra; esses argumentos terão força desigual — uns serão mais fortes, outros mais fracos. O nosso trabalho é estudar cada um dos argumentos e tomar uma decisão, ou optar por uma proposta. Não há garantias; é preciso arriscar. Mas trata-se de um risco calculado. Em muitos casos, nomeadamente nos aspectos mais teóricos do conhecimento, podemos mudar de ideias; noutros casos, pode ser demasiado tarde para mudar uma decisão — a ponte pode já estar construída no sítio errado, ou o novo estádio de futebol financiado pelo estado pode já estar em construção. Somos todos seres humanos e temos de ser tolerantes para com os erros alheios — pois precisamos dessa tolerância quando for a nossa vez de errar. Mas devemos e podemos evitar os erros tanto quanto possível — e isso consegue-se através da discussão séria de ideias. É essa forma de discutir ideias — que produz riqueza e bem-estar, que alarga a experiência e o conhecimento humano — que urge ensinar. O lugar próprio desse ensino é a disciplina de Filosofia, que deu à humanidade esse instrumento espantoso do pensamento correcto que é a lógica. Aprender a pensar correctamente é a mais humana das aprendizagens. Retirado do livro O Lugar da Lógica na Filosofia (Plátano, 2003)

Posted by Desidério Murcho

Militares, ciências, Educação Popular.

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